SETEMBRO
8 de Setembro de 1944
Continuo a sofrer
dolorosa e amargamente ; mal sei explicar.
Não cabem em mim as
ânsias que tenho que o meu Pai espiritual venha a tomar de novo a direcção
espiritual da minha alma. Não sei porque tenho juntamente um susto, um medo
dele.
Ó meu Deus, que
tormento tão doloroso ! Vai desaparecendo a vida da minha dor sem que ele me
seja dado. O mesmo se dá com o médico, a quem tanto devo. Ansiosa de o ver
sempre junto de mim, mas sempre assustada tanto dele como das pessoas que tanto
amo. Sinto-me sozinha, completamente sozinha ; para mim não há amigos na terra.
A tempestade
continua, são estes os sentimentos da minha alma. E eu, sozinha, ó meu Deus, só
Vós podeis valer-me. Mas, ai ! Pobre de mim ! Parece-me que mesmo Vós me
abandonastes. O que mais virá, meu Deus ? Lanço os olhos pela janela do meu
quarto... Estava de nuvens. Fitei nelas os meus olhares. Admirava a grandeza do
Criador. Rasgaram-se essas nuvens et entre elas o azul do Céu. Não pude resistir
a tanta saudade. Queria voar para lá, mas que distância entre mim e o
firmamento. Chorei, chorei muitas lágrimas. Recordava então: se não fosse por
Vós, ó Jesus, e pelas almas, não me sujeitaria aos juízos dos homens. Preferia
antes gozar o mundo. Estes pensamentos infundiam em mim mais desejos ainda de
amar a Jesus e de o possuir e de me dar toda a Ele e às almas.
Aproximavam-se os
dias em que eu ficaria sem receber a Jesus. Meu Deus, como hei-de passar sem
Vós ? Ó Jesus, ó Mãezinha, valei-me, valei-me. Não posso viver sem Jesus. Jesus
velou, a Mãezinha compadeceu-se da minha dor.
Sem me deixar um só
dia sem o receber, enviou para junto de mim um Reverendo Padre Salesiano (Dom
Humberto Pasquale) que por uns dias se esforçou por iluminar e sossegar a minha
alma. Compreendi que era compreendida por ele ; isso apesar do meu grande
sofrimento dava-me coragem e conforto. Depois de ele me ouvir de confissão,
senti uma alegria e suavidade na minha alma e, esforçada não sei porquê, cantei
cânticos a Jesus e à Mãezinha, voltando depois às minhas ânsias, às mesmas
dores, ao mesmo martírio. Além deste, tive, nestes dias, outros dois breves
alívios trazidos em tempos diferentes à minha alma por toques e harmonias do
Céu. De ontem para hoje, custou-me imenso a noite. Nunca ela passava, nunca
chegava o dia. Estava aterradíssima, assustadíssima com tudo e com todos. Senti
a certa altura que o mau caiu sobre mim ficando eu abrigada entre ele e a terra.
Ao receber o meu Jesus, fiquei na mesma secura, nas mesmas trevas, apenas mais
uma nova união das almas. Mas, em tanto desfalecimento, sem coragem de levantar
os olhos para a Mãezinha, pareciam não ser meus, assim como parecem não serem os
meus sofrimentos.
Setembro de 1944 (sem data)
Como Jesus tinha
prometido, sem marcar nem dia nem hora, achei-me na noite do dia... diante de
uma multidão enorme de gente (homens e mulheres de idade diferente). Sentia, não
sei como, que na multidão havia sacerdotes. A certa altura abriu-se a multidão
ficando visível no espaço de duas alas um sacerdote que conheci porque já passou
em minha casa. A sua presença assustou-me, mas muito, e exclamei comigo mesma :
“Eu conheço-te !” — e depois desapareceu. Após uns dias em que eu não alcancei o
significado desta visão, apareceu-me Jesus. Foi de noite. Nunca mais esquecerei
a forma sob a qual Ele me visitou então. Vinha como um mendigo. A minha alma
sentia-o tiritar de frio, todo molhado, esfarrapadinho a pedir-me para eu o
deixar esconder no meu coração para aí desabafar comigo.
— Á Minha filha,
aquele número de almas que te mostrei, entre as quais um sacerdote, são as que
estão com mais risco de se perderem. Que horror, minha filha, que crimes eles
cometem!”
Fazendo-me sentir a
malícia com que pecavam, sobretudo na impureza... e dizia-me depois que eles
praticavam o crime de matarem os filhos inocentes. E continuava :
— “Matam a vida das
minhas almas !”
Ofereci-me a Nosso
Senhor por todos até que consegui que Ele me prometesse o Céu para aquele que eu
tinha conhecido e para mais alguns que, por mais de uma vez já foram por Deus
ameaçados com o inferno.
Nesta tarde, Jesus
prometeu-me seus alívios. Levantei-me pelas cinco horas, da minha cruz, tendo
desaparecido todas as dores. Vesti-me sozinha e fui dar um passeio até à sala e,
da janela querida, fiz uma visita ao meu Jesus do sacrário. Depois de uma hora,
acometida pelas dores de costume, voltei à cama. À noite foi-me concedido outro
prazo em que estive sentada na borda da cama. Aproveitei-o para cantar louvores
ao meu Jesus e à Mãezinha, até que arrebatada, abraçada a Ela, senti-me outra
vez presa à minha cruz.
9 de Setembro de 1944
Depois de receber o
meu Jesus, foi-me por um pouco suavizada a dor da minha alma e o meu Amado
concedeu-me juntamente uma maior intensidade de união, que já ontem sentira, com
todas as pessoas que eu amo e que nestes últimos tempos me odeiam. Ao mesmo
tempo dizia-me Nosso Senhor :
— “União pura,
união santa, união divina na terra e no Céu. Dá, minha filha, a quem o merece
(Padre Humberto Pasquale) os meus agradecimentos e os de Maria, o meu amor e o
de Maria.
Coragem, filha
amada, sobre o Calvário, quero vê-lo regado com todo o teu sangue. O sangue que
lava e purifica as almas”.
Voltei logo às
dores dolorosas do corpo e da alma.
— Ó meu Deus, a
tempestade não acalma. Tende dó de mim ; vede como estou ferida. Tentam
arrancar-me dos Vossos braços. Prendei-me, Jesus, prendei-me ; não consintais
que de Vós me separem. Perder tudo, tudo o que é da terra, mas possuir-Vos a
Vós, Jesus. Ai de mim, sinto-me abandonada, sozinha, sozinha, sem ter por quem
chamar, sem ter a quem recorrer.
Ó Jesus, ó
Mãezinha, ouvi-me Vós, ouvi o brado da minha dor. Eu quero amar os Vossos
Corações Santíssimos, mas ai de mim, não sei o que é amor, desconheço-o,
parece-me que não existe no mundo. Compadecei-Vos das minhas ânsias, dai-me o
amor que desejo, de Vós espero, Jesus, para Vós a para a Mãezinha o quero.
Deixai-me perder em Vós, deixai-me enlouquecer, embriagai-me, embriagai-me nos
Vossas chamas divinas. Jesus, quero-Vos, Jesus, busco-Vos, vou ceguinha à
procura de Vós. Para Vós, Jesus, os meus suspiros, a minha vida que sinto
desaparecer, que sinto perder. Ai, meu Jesus, quatro dias são passados sem eu
Vos receber. Olhai a minha alma que está faminta, morre de fome, Jesus. Vinde
Vós, com o Vosso alimento ; perco a vida porque me faltais Vós, que sois Vós a
vida da minha dor. Olhai esta pequenina quase apagada ; acendei-a, Jesus,
fazei-a reviver. Olhai a minha alma, Jesus, vai louquinha a procurar-Vos aos
Vossos sacrários, quero receber-Vos, quero possuir-Vos. Estais nos sacrários,
Jesus, deixai-me ir ao Vosso encontro, deixai-me viver aí. Deixai a minha dor,
já mais que moribunda, deixar junto de Vós o seu último sopro de vida. Ó meu
Jesus, ó meu Amor, não ter nada, não ter ninguém por mim, ouvir só os horrores
da tempestade, sentir os sofrimentos causados pelas criaturas custa muito,
Jesus ; mas passar sem Vos receber, custa mais, muito mais ; não posso, não
resisto, vinde a mim. Ó Jesus, que pobreza a minha, que miséria, que dor. Não
confio nas minhas palavras, não confio em nenhum dos meus sentimentos. Que
horror, que horror, que grande maldade. Sem poder estender meus braços, é em
espírito que os estendo sobre a minha cruz. E de braços abertos, com os olhos em
Vós que, alegre, recebo tudo o que me dais. É em espírito, Jesus, que uno os
meus braços para estreitar e prender para sempre tudo o que me fere, tudo o que
é cruz. Amo, amo, Jesus, tudo o que vem das Vossas divinas Mãos ; amo sem
conhecer o amor, amo sem o possuir. Amo nesta doce esperança, amo nesta
confiança ; sou de Jesus, só a Ele pertenço, só quero o que Ele quer. Jesus quer
ser amado, há-de, portanto, fazer que eu O ame. Confio, confio, espero em Vós,
meu Jesus.
Meu Jesus, não
posso viver aqui. Continuam as minhas ânsias. Quero amar-Vos, quero morrer de
amor. Morro por Vos dar almas. Quero vê-las todas, todas dentro do Vosso
Coração. Tudo isto é nada, Jesus, nada para mim. Não encontro no mundo
satisfação nenhuma. Quero agradecer-Vos os Vossos benefícios (refere-se à
Comunhão que lhe foi levada pelo Padre João Pravisano, Salesiano) e nada sei
dizer-Vos, nada sei agradecer-Vos. Se ao menos, Jesus, eu pudesse acreditar nos
sentimentos que me dais, se pudesse convencer-me que as minhas ânsias são Vossas
e os desejos que tenho de Vos amar Vos pertencem, mas nada disso. Não vejo, não
sinto senão a dor e essa mesma desaparece. Vai perdendo a sua vida por completo.
Dolorosos são os sentimentos da minha alma. Ouvi o meu brado, os terríveis
combates do inimigo. Parece-me, Jesus, quando Vos chamo, quando invoco o Vosso
divino amor e da querida Mãezinha, que não sou ouvida. Sinto o meu brado ficar
abafado no montão de cinza do meu pobre corpo que já é um cadáver como há pouco
sentia, mas cinzas, só cinzas, meu Jesus. Parece-me estar já num cemitério e
quando, no meio da agonia da minha alma, imploro o auxílio do Céu, esse brado,
em vez de subir ao alto, perde-se abafado nesse montão de cinza e na cinza de
outros cadáveres que jazem no cemitério em que me encontro, cuja extensão eu não
sei medir. Tende dó, Jesus. Vede quanto sofre a minha pobre alma. Não caibo em
mim de dor. Não cabe em mim o meu coração em ânsias de Vos amar e voar para Vós.
Não digo bem, meu Jesus, este coração não é o meu, não sei a quem pertence.
Aonde está ele, ó Jesus, a quem pertence ? Tudo morreu, Jesus, tende dó de mim.
A minha vontade é a Vossa, só Vossa, bem o sabeis, bem o sabeis, meu Amor. Vede
que sou miséria, que sou nada e nada posso sem Vós. Vede lá, Jesus, não me
falteis, Jesus, espero em Vós, confio em Vós. A luta é tremenda, não me bastam
as vezes que oiço a Vossa doce voz a infundir-me voragem e a dizer-me que é por
Vós, que é para Vos consolar. Quero mais, Jesus, necessito de mais, muito mais.
O demónio lança-me em rosto que é só para minha satisfação que eu me submeto aos
tratamentos mandados por Vós e pela obediência. Ainda que fosse pelo mundo
inteiro, Vós o sabeis, ó Jesus, eu não me submeteria a um só tratamento.
O demónio
aparece-me em diferentes alturas do dia e da noite em forma de homem acorrentado
pela cinta ; outras vezes em forma de leão também então preso, mas pelo pescoço,
fingindo assaltos tremendos, mas sem conseguir tocar na minha pessoa. Sinto-me
ao pé dele como uma criança que está aterrada, mas que não mede o perigo que
podia causar.
Sob a forma de
homem cospe na terra e me insulta a fingir nojo por mim ; outras vezes bate
palmas e dá gargalhadas a fazer troça por sentimentos maldosos que ele julga e
quer convencer-me terem-me levado aos tratamentos ; outras vezes ainda toma
atitudes provocantes a convidar-me ao mal. Desde o começo destas perseguições
sinto o meu corpo rasgado, as minhas entranhas e o coração como que a sair
violentamente do meu ser.
O meu brado a
Jesus, o meu único brado contra o inimigo é : “Meu Jesus, sou a Vossa vítima”.
Nestas alturas, o
demónio, em forma de leão, redobra os uivos e os assaltos e, quando em forma de
homem, pronuncia as palavras mais indecentes contra a minha pessoa, a do médico
e a de outras pessoas.
Depois da
Sagrada Comunhão :
Sentia-me tão
desanimada, tão abatida e nada sabia dizer a Jesus. Esforçava-me por repetir
muitas vezes : “Ó meu querido Jesus, meu Amor, ó meu querido Amor, eu sou
Vossa”. Passaram-se alguns momentos sem eu nada mais dizer a Nosso Senhor. Veio
Ele :
― “Gosto tanto,
minha filha, consola-me tanto, minha pomba amada, o tu dizeres-me: “Meu Jesus,
meu querido Amor, eu sou Vossa!” Que alegria, que consolação e que glória para
Mim! Repete-o muitas vezes. Coragem ó minha amada. Não temas os assaltos do
demónio. Tem coragem. Só assim, pedindo-te este sacrifício, Eu posso ser
reparado de tão graves crimes. Dá-me tudo o que te peço para glória minha e
salvação das almas. Foi por isso que te escolhi o médico muito querido do meu
divino Coração. Diz ao meu querido Padre Humberto que ele foi escolhido por Mim
para vir junto de ti. Não venho com a pressa que ele quer para seu estudo, mas
depois de receber as minhas divinas luzes, quero que ele vá junto do teu
Paizinho e querido do meu divino Coração, para quem mando todo o meu amor e em
união com ele ampararem e defenderem a minha divina causa, ajudados com aqueles
que são amigos meus e cuidam dela e daquilo que é meu. Vai, filhinha, dar ao meu
querido Padre Humberto a abundância do meu divino Amor, dá-o aos que te rodeiam
e amparam : são todos queridos meus. Diz ao
meu querido Padre Humberto que o perfume, é perfume divino, é o perfume das tuas
virtudes. Digo isto, porque ele precisa para estudo dele”.
Neste colóquio com
Nosso Senhor, por duas vezes me senti obrigada a deixá-lo, chamada por quem me
estava ao lado, com a impressão de quem desperta de um sono... esforçada, mas
sem ligar a quem a chamava... Senti-me obrigada a ajoelhar, levantar as mãos ao
Céu para assim melhor louvar a Nosso Senhor. Sentia umas ânsias de me desfazer
em fogo divino e nesse amor infundir os corações e as almas, mas com abundância
maior nessas que Jesus chamou queridas do Seu divino Coração. Jesus repetia
palavras de loucura, de amor por mim.
O demónio, durante
os tormentos, continua a estar longe de mim. Sempre sinto a união com Nosso
Senhor ; durante esse tempo, ainda mais me sinto unida a Ele. Hoje, nesse
transe, senti como que uma aragem acariciadora e Jesus disse-me:
― “Paz, paz, a
minha paz, minha filha, é contigo. Eu estou bem unido a ti : só a tua força não
me separa de ti”.
Senti em mim um
novo alento, embora por poucos instantes.
28 de Setembro de 1944
Sentia hoje o
demónio ao meu lado e dentro em mim sentia ânsias insuportáveis de amar a Jesus,
de Lhe dar almas, conhecê-lo e fazê-lo conhecer. Louca por amor, repetia :
“Jesus, Jesus, amor, amor!” No meio disto, não podia conter as lágrimas em
sentir a minha miséria, o meu lodo em que vivi e me causava horror a lama em que
vivi.
Nada valiam as
minhas ânsias, tudo perdido. Sentia-me num cemitério
imenso e a minha dor quase sem vida, mesmo como se ela já não estivesse a
mexer-se, apenas coberta de cinzas, lembrando-me aqueles bichos que nos pinhais
fazem a sua casa sob os montõezinhos de terra... e da madeira moída. No meio
disto, é sempre a minha oferta a Jesus como vítima e receio sempre de O ofender.
É um combate tremendo quase contínuo. XE "Vivo sem viver" Vivo sem viver ― amo
sem amar.
29 de Setembro de 1944
Nesta manhã veio
Jesus baixar a esse cemitério, juntou-se aos bichos, cobriu-se com as mesmas
cinzas. Tudo era morte dentro de mim. Morte que se misturava como que a um
gemido de toda a humanidade. Jesus não deu em mim sinal de vida. Fiquei em
travas tristes, numa dor amargurada. As almas, as almas, o amor de Jesus
obriga-me a tudo sofrer.
Já sinto a amargura
em mim da partida do Sr. Padre Humberto que tanta luz e conforto tem dado à
minha pobre alma. Sinto-me humilhada e abatida ; não sei como hei-de agradecer a
Jesus o benefício de o ter feito chegar junto de mim. Peço à Mãezinha que me
ajude na minha dor e por mim dê o meu agradecimento a Jesus por tantas graças
recebidas.
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