AGOSTO
1º de Agosto de 1944
Escutai, Jesus, a
minha dor quase moribunda. Duro golpe lhe foi dado. Ó dor, ó dor que matas a
dor, ó dor que só por Jesus podes ser conhecida. Com os olhos em Vós, Jesus, as
calúnias, as humilhações, os desprezos, os ódios, o esquecimento têm a doçura do
Vosso Amor. Venha tudo, ó Jesus, venha tudo o que Vos aprouver. Morra o meu nome
como sinto que morreu o meu corpo e a minha alma, para que viva o Vosso divino
Amor nos corações e a Vossa graça nas almas. Eis, meu Amado, porque me deixo
imolar. Mas como resistir a tanto? Ó Jesus, olhai este coração que rebenta,
desfaz-se em dor, não pode com tanto aperto se não vindes em meu auxílio. Vinde,
vinde, ó Jesus, socorro, socorro, Jesus. Querem privar-me de tudo, até me
ameaçam de eu ficar sem Vos receber, proibindo o Senhor Abade de vir junto de
mim a não ser em perigo de vida, isto no caso de eu não obedecer. Obedeço,
obedeço, meu Jesus, com a Vossa divina graça! Ó
santa obediência, como eu te amo por Jesus e pelas almas. Lançaram-me a público
sem consentimento meu, de nada soube e agora, meu Jesus, querem à custa da minha
dor apanhar as penas que o vento tão furioso espalhou! Como, Jesus, como? Ai,
nunca mais, meu Jesus, nunca mais. Oh! Quem me dera viver escondida; ai, quem me
dera amar-Vos como tanto desejo ser Vossa, meu Jesus, a mais não poder ser, mas
perdoai, ó Jesus, perdoai-me, sem ter esta vida assim! Ai, quantos que nada
desta vida conhecem e são santos, e eu, meu Jesus, cheia de misérias! Oh! Que
saudades dos anos que já lá vão! Tantos colóquios tive convosco e sem que nada
se soubesse. Dava vidas, meu Jesus, dava mundos para viver escondida. Perdão,
Jesus, querer, não tenho vontade. Meu Deus, se eu soubesse que com o meu
sofrimento a Vossa consolação era completa! Se eu pudesse viver fechada neste
quartinho, sendo Vós, meu Jesus, e estas pobres paredes testemunhas das minhas
dores, sem que os meus e todos os que me são queridos pudessem recordar que eu
vivia aqui e que em dia algum da vida eu tenho vivido na companhia deles, então
já não sofria. Mas vejo que quem sofre mais é o Vosso divino Coração, e que os
que me são queridos sofrem comigo, não podem esquecer-me, então faz-me sofrer a
mais não poder. Quantas vezes não posso conter as lágrimas, cega, cega de dor!
Vem-me ao pensamento : é mais perfeito não chorar, Jesus fica mais contente.
Fito os meus olhos no Crucificado, levanto-os ao Céu, fico por algum tempo a
contemplar Jesus e logo as lágrimas que me pareciam nunca mais ter fim,
estancam: sinto vida nova. Meu Deus, que luta tremenda, ai de mim sem Vós,
Jesus, Mãezinha, valei-me: sou a Vossa vítima. Ó Santa Teresinha, Santa Gema, ó
São José e santos meus queridos, valei-me. Ó Céu, ó Céu, conto contigo. Nunca,
meu Jesus, me deixeis cansar, nunca deixeis parar meus lábios repetindo sempre:
Amo-Vos, Jesus, sou a Vossa vítima. Dêem-me os homens a sentença que quiserem,
não importa. Dai-me Vós, ó Jesus, a sentença de vencerdes em mim e de eu Vos
amar e Vos dar almas. Jesus, não vejo o meu passado nem presente, vejo só o
futuro, vejo o meu sangue correr por entre espinhos, entre uma noite tremenda e
escura vai a minha dor que tem vida, caminhar por entre ele, banhar-se,
ensopar-se nele. Ó meu Deus, que tormento, não sei dizer-Vos o que sinto, sofro
e a dor desaparece à medida que vou sofrendo. Nada me pertence e morro de dor,
Jesus, e tenho sede de mais dor. Jesus, só Vós me compreendeis : tenho fome,
tenho sede, morro, morro, ô Jesus !
10 de Agosto de 1944
Jesus, olho para um
lado, olho para outro, não vejo ninguém, temo e tremo : ai que pavor ! Não cessa
a luta, vejo por entre a escuridão o meu sangue correr e a dor quase moribunda
segue o seu caminho. Sangue e dor, morte e eternidade. Escutai, ó Jesus, ouvi, ó
Mãezinha, é uma dor agonizante, não há quem se compadeça da minha dor. Olhai,
olhai, ó Jesus, vede-a ensopada em sangue. Jesus, Jesus, não me deixeis sem Vos
receber : perder tudo, tudo, mas comungar ; perder tudo, mas possuir-Vos. Ao
ouvir lá fora risos como de quem goza uma grande alegria, sem eu querer, quase
sentia saudades de gozar dessa alegria também. Meu Deus, que vida tão mal
compreendida ! Se não fosse o amor de Jesus, se não fossem as almas, não estava
sujeita aos juízos dos homens, não tinha que lhes obedecer. Estes pensamentos
passavam rápidos como um relâmpago. E sentia-me como que obrigada a trocar todas
as alegrias pelo amor de Jesus. Jesus, Jesus é digno de tudo. As almas, as
almas !
Este pensamento
vibrou dentro de mim, acendeu uns desejos mais firmes de caminhar por entre
espinhos, banhada em sangue, só em sangue. Deu-me um conhecimento claro do que é
Jesus e do que é o mundo. Meu Deus, levanto-me aqui para cair além. A luta
continua. Sinto saudades da minha crucifixão das sextas-feiras, temo os
primeiros sábados, temo qualquer dia ou hora, meu Jesus, em que Vos dignastes
falar-me. Não será isto perfeito ? Tende pena, tende dó. Temo a minha fraqueza,
temo vacilar, horroriza-me o sofrimento, mas confio em Vós. O meu querer é o
Vosso, meu Jesus. Que estou aqui a fazer ? Não permitais que eu seja a desgraça
das almas. Preocupa-me tanto dizer-se que só certas coisas são precisas para
tranquilização delas. Ó Jesus, espero em Vós, confio em Vós. Sossegai a minha
pobre alma. Passaram-se algumas horas. Ia alta, bem alta a noite. Tudo em casa
estava em descanso, só a minha dor, a minha tremenda luta continuava. Veio de
repente Jesus, estreitou-me em chamas de amor.
— “Dá-me a tua mão,
minha filha. Não te prometi eu levantar-te do teu desfalecimento ? Anda para os
braços da tua Mãezinha, vem tomar conforto”.
Senti-me logo nos
braços da Mãezinha e como uma criancinha lancei meus braços ao seu pescoço. Ela
apertou-me docemente e acariciou-me cobrindo o meu rosto de beijos. Eu não sei
se chorava se não, mas sentia que chorava. Ela limpava-me com o seu santíssimo
manto as lágrimas e dizia-me :
— “A tua dor, minha
filha, o teu martírio arranca das garras de Satanás as almas que ele com tanto
furor me roubou. O inferno está fechado ; é a raiva dele : coragem ! A
tempestade passa. Recebe graça, recebe amor e a luz do divino Espírito Santo”.
E sobre um trono
riquíssimo vi o divino Espírito Santo em forma de pomba, deixando cair sobre
mim, lá do alto onde estava, raios dourados e à espécie de fitinhas de várias
cores e cheias de brilho. Tudo isto era belo e luminoso. Fiquei mais forte.
Pouco depois, numa doce paz, adormeci.
12 de Agosto de 1944
(Resumo)
Talvez pelas duas
horas da tarde, encostada nas minhas almofadas e deitada sobre a minha cruz numa
amargura profunda, invocava Jesus, só Jesus. Uns toques harmoniosos prenderam a
minha atenção. Julguei tratar-se de sons terrenos e olhei para os lados com a
maior atenção para descobrir donde vinha tufo aquilo. Mas vinham do alto...
Compreendi-o bem e nessa altura o coração palpitou com força até eu não poder
mais resistir... Passou toda a tempestade... senti-me arrebatada numa doçura e
suavidade grande. A harmonia componha-se de muitos sons, como de tantos
instrumentos... Ouvia-os a todos, mas um dentre eles me prendia mais... Não sei
quanto durou esta absorção... talvez meia hora.
15 de Agosto de 1944
Depois de meia hora
de alívio concedido no dia 12, voltei para o meu estado de amargura. Chegou o
dia da Mãezinha e, ao recordar o dia que era... e a alegria que havia no Céu,
parecia-me não resistir às dores desta terra. Veio o momento da Comunhão. Poucos
minutos depois de ter recebido Jesus, senti como que um assalto dentro de mim.
Pareceu-me que foi Jesus, como se fosse um ladrão, a entrar e a sair logo
levando consigo esse pouco de vida que dá vida à minha dor. Senti-me morta mas
continuei a sofrer mais por sentir-me sem esse pouco de vida que era a vida da
minha dor. Senti que me faltava tudo e, como que separada, cortada ao meio,
ficando aqui o meu cadáver, e lá no alto, no Céu, aquele roubo que era a parte
de mim mesma. Esta parte estava mergulhada no gozo completo, menos o da vista de
Deus, sem dar, porém, à parte que ficou na terra, alívio nenhum, pelo contrário,
esmagando-a num abismo de dor sem fim. Passei o dia todo numa ânsia dolorosa de
possuir outra vez aquela parte de mim que me pertencia e sem a qual eu era
cadáver. Foi um dia que me pareceu não ter fim : passei-o num brado contínuo a
Jesus e à Mãezinha e a perguntar-me : “Ó meu Deus, sem vida como posso viver ?”
Na tarde desse dia, ouvi novamente as harmonias do dia 12 e foi como que um
calmante ao meu sofrimento, sem o qual me parece não teria aqui resistido muitas
horas. À noite, não me lembro a hora, foi-me restituído o roubo, dei-me conta
disso por me sentir reviver.
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