JULHO
3 de Julho de 1944
Não sei se devido
ao meu sofrimento, fiquei em grande prostração e quase como que esquecida que o
[Jesus] tinha recebido. Ó meu Deus, que estado o da minha alma ! De repente, vi
Jesus à minha frente, pregado na cruz, e logo desapareceu. Se morta me sentia,
morta continuei : a vida parecia não existir para mim. Passaram-se uns momentos.
De novo veio o meu Amado, mas desta vez cheio de encantos. É o Coração
santíssimo de Jesus. O seu divino Rosto era tão belo ! Tudo era brilho, tudo era
luz ! Aproximou-se de mim e segredou-me ao mesmo tempo que me entregava o seu
divino Coração com uma grande chaga da qual saía uma enorme chama doirada que
podia incendiar e queimar todo o mundo :
— “Guarda, minha
filha, em ti o meu divino Coração para que os pecadores não possam mais
feri-lo”.
Não sei como o
Coração do meu Jesus infundiu-se em mim. Perde-se em mim e eu nele. Oh ! Como é
grande o amor de Jesus!... Que transformação a da minha alma! Já tinha vida,
coragem e força para caminhar.
Ó sofrimento, como
és doce quando és levado por amor de Jesus. Mas ai, quanto custa querer consolar
e não poder, guardar o seu divino Coração para satisfazer os seus santíssimos
desejos e não saber como. Pobre Jesus, a quem entregais o Vosso Coração para
guardar?! Aonde, Jesus, o poderei esconder para não ser mais ferido? Eu sou
miséria e podridão. Transformai-me, purificai-me e depois entrai em mim. Amo-Vos
e sou Vossa.
20 de Julho de 1944
Jesus, poderá ser,
será possível a morte falar, o coração de um cadáver sentir saudades do Céu e
ânsias, ânsias de voar para Vós, louco, louco por se esconder, por se perder na
imensidade do Vosso divino Amor? Jesus, Jesus, é a minha dor que Vos fala, é ela
que vive, é uma dor que nos fala, é ela que vive, é uma dor que nela se encerram
todas as dores. Jesus, sinto que o meu corpo já não é um cadáver no qual os
vermes da terra ainda não penetraram, um cadáver que, depois de alguns dias ter
baixado ao túmulo, pudesse ainda ser reconhecido. Não, meu Jesus, não, nem
cinzas tenho, tudo desapareceu. Ó meu Deus, que morte a minha, lede na minha
dor: é por Vós, é pelas almas. Aguentai com o peso que me causou a morte, vede
que sem Vós não resisto a tantas saudades do Céu e com tantas ânsias de Vos amar
não posso estar aqui. A noite não tem estrelas, não há sol. Ó dor, ó dor, só tu
vives, só tu vives, só tu vives, mas não amas, não amas a Jesus, não vives para
Jesus. Ouvi, Senhor, o meu brado! Chegue até Vós o meu clamor! Que será de mim,
meu Deus, que será de mim, sem Vós.
Ó luta, ó luta, ó
tremenda luta. Jesus, há um ano que terminou o meu martírio na Foz: acabo de
relembrar nestes quarenta dias tudo que lá passei. Tendes em conta, Jesus, tão
doloroso martírio? Eu não voltei à Foz, mas quase posso dizer sofri tanto como
quando lá estive. Fizeste, ó meu bom Jesus, que tudo se renovasse: o meu sangue
ia-se espalhando gota a gota pelo solo, revivi tudo, Jesus. Tomai conta de toda
a minha dor, e, pelas almas, fechai o inferno. Fazei que eu Vos ame e Vos faça
amado: tenho fome de Vos dar o mundo inteiro. Ai, meu Jesus, e as saudades de me
alimentar não sou eu, não é o meu corpo que sente fome e sede, pois eu já não
existo, mas é um coração, é uma alma como se fora a minha que sente essa fome e
essa sede. Ouviste, meu Jesus, que este tão duro penar me obrigou a dizer : dava
tudo, dava o mundo, dava a vida, se fosse possível, só por uma pequenina
alimentação. Que ânsias, que ânsias, meu Jesus, de tudo possuir, para tudo dar.
Estou louca, estou louca, Jesus, quero amar-Vos, quero dar-Vos almas. Jesus,
depois de tudo isto, não sei o que é dor, não sei o que é sofrer, tudo
desconheço, nada me pertence. Lançai para mim os Vossos divinos olhares que
quero fitar para sempre os meus em Vós. Tende dó, Jesus, tende piedade.
27 de Julho de 1944
Trevas da noite,
horrores da morte! Continua, Jesus, o brado da dor; escutai, é ela que chora, é
ela que grita pelo Vosso socorro. Jesus, é dor que sente dor, é dor que outra
vida não tem a não ser a dor: tudo mais, meu Jesus, tudo mais baixou ao túmulo,
passou para a eternidade. Não vejo luz; parece-me, ó meu Deus, que nunca conheci
a luz, não sei o que é luar, o brilho do sol, nem o cintilar das estrelas. Não
sei o que é a vida nem o amor de Jesus. Ó meu Deus! Como pode ser este estado
que tem vida e tem coração que sente, e que sente ele? Sente que foi rasgado e
trespassado por dura lança, sente que não pode ser mais ferido, sente que depois
de estar assim tão maltratado que ainda houve corações que lhe cravaram com
outra dura lança fazendo lembrar a Mãezinha das Dores. Grande crueldade e
ingratidão. E o que tenho sido eu para Vós e para a Mãezinha!
Mas mais ainda a
minha dor tem olhos que choram lágrimas de sangue e choram continuamente na
maior das amarguras, tem pés, tem mãos para ser crucificados, tem cabeça para
ser coroada de espinhos até penetrar os ouvidos, invadindo a dor todo o corpo.
Jesus, estou num sobressalto, não sei o que pressente a minha dor. Ai, que
horror, tudo é tempestade, ameaças, ouço zunir os ventos, os ecos dos trovões
terríveis, ameaças de destruição, tudo fugiu espavorido e eu sozinha no meio do
mar, sem barco, sem leme e sem luz, prestes a afundar-me para sempre no abismo
do mar. Horror! Horror! A tempestade rasga as nuvens, o Céu abre-se e revolta-se
contra a terra. Meu Deus, meu Jesus, que me espera ainda? Em Vossos santíssimos
braços me entrego.
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