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SENTIMENTOS DA ALMA

1947

JANEIRO

3 de Janeiro de 1947 - Sexta-feira

Onde estais, meu Jesus? Para onde fugistes de mim? Eu não posso passar sem Vós, meu Jesus. Vede que estou sozinha; vede quanto sofre a minha alma. Ela está cega e muda, não vê nem sabe dizer o que tem. Tremo de pavor e temo vacilar. Não posso dar um passo que não caia num poço sem fundo; este poço dá-me a morte. Mais um ano é passado, meu Jesus, e eu não posso olhar para trás, não vejo outra coisa senão treva atrás e à frente de mim. Como passei o meu tempo? Como o empreguei ao vosso serviço? Que mal, que mal, meu Jesus! Ó vida, ó vida que eu não soube nem sei viver! Que pobre, que miserável, e nada sou! Ah, se eu visse, mesmo muito ao longe, uma luz que me guiasse para vós! Se eu tivesse no meu pobre coração um pouquinho do vosso amor! Nada, nada, meu querido Jesus. São as trevas a luz que eu tenho; é o gelo o meu amor; é a morte que fala, é o silêncio da morte a voz, o brado da minha alma. E o Céu, o Céu, morro de saudades, morro, morro, Jesus. Nada faço para o merecer, nada sofro por vosso amor. A minha oferta, Jesus, a minha entrega a Jesus na noite de Natal foi para mim mais um fogo de vistas e não um amor sincero a Jesus, nem o fim de O consolar. Não sei o que me levou a fazer tal entrega; nem compreendo o que Jesus quer com estes sentimentos da minha alma. Seja o que for, lancei-me nos seus braços divinos como a criancinha sem olhos, sem pernas, sem vontade, sem entendimento. É em espírito, nos seus santíssimos braços que me conservo, com o coração, a cabeça e todo o corpo em sangue, dilacerado pelos espinhos. É nele e com Ele que a alma, momento a momento, vai agonizando. Que me importa não ter luz se a razão e a fé me afirmam que ela existe? Por vosso amor, meu Jesus, deixo passar sobre mim toda a tempestade. Ao terminar os últimos momentos do ano com as luzes acesas rezei o “Te Deum”. Foi o meu acto de acção de graças a Jesus por tudo o que Se dignou enviar-me que me causasse dor ou alegria; por tudo O bendisse pela grande prova do seu amor. Que ignorância a minha! Não soube dizer-Lhe mais nada. Principiei o novo ano tirando à sorte os meus protectores. Calhou-me S. José e Santa Teresinha. Fiquei contente pela sorte que me caiu. Que eles sejam os meus guias por entre as trevas que tanto pavor causam à minha alma. Convidei todo o Céu a interceder por mim e a ensinar-me a amar a Jesus e à Mãezinha. Queria só viver a vida do amor.

Passou no dia 2 o quinto aniversário em que Jesus me disse: «Prepara-te para a luta, que tens que combater aparentemente sozinha». E que luta foi esta, meu Deus! Oh, como esta data me mostrou, por entre as trevas, os caminhos espinhosos que pisei! Ao principiar o ano, principiei a sentir cair sobre mim uma chuva torrencial; esta chuva para desfazer e queimar o meu corpo, sinto-o mesmo como se ele ardesse em chamas, parece que me deixa todo em cinzas de fogo. Estou cansada de tanto sofrer. Mas a alma está como de braços abertos para receber tudo o que Jesus quiser dar-lhe.

Tive um combate tão grande, tão grande com o demónio! O coração, de aflito, bateu tanto e tão fortemente que por último acabou por não viver; fiquei quase morta no pecado. E na morte que me senti não tinha força para sair do pecado nem tinha coração que me levasse ao arrependimento. Mergulhei-me no lodo e nele tinha que morrer. O demónio continuava com as suas feias palavras e indecentes lições. Senti dentro de mim alguém que com todo o rigor lhe fez sinal para se retirar. Retirou-se, ou retiraram-se, porque eram mais que um; fugiram espavoridos. Eu fiquei abismada na minha dor. Não há sofrimento que me lembre tanto de dizer a Jesus que não como os combates do demónio, quando sinto ele a aproximar-se.

Ontem já de noite, quanto mais me esforçava por desviar do Horto o meu pensamento, mais o coração dele se aproximava. O solo do Horto e a justiça de Deus eram para mim as pedras dum moinho. O meu corpo era o grãozino de trigo que entre elas era esmagado e moído. O coração, à semelhança duma nuvem que se abre para descarregar a água, abriu-se para descarregar amor e receber toda a dor. Aquela dor fez-me sentir como se o meu corpo suasse água, suasse sangue. Prostrada por terra numa gruta retirada, senti e a minha alma viu um anjo levantar-se. Fiquei mais forte para o que me esperava.

Hoje, logo de manhã, estava Jesus no meu coração com a sua santa cabeça cercada de tão agudos espinhos que me feriam também a mim toda quando Jesus Se inclinava sobre mim. E as carnes divinas de Jesus caíam dentro do meu corpo aos pedaços. Ele era açoitado dentro em mim; eu era a coluna, eu fui a cruz. E assim passei o Calvário e cravada nele senti bater brandamente, mesmo a agonizar, o Coração divino de Jesus. E senti que Ele no alto da cruz, no meio da mais dolorosa agonia, nos últimos momentos da sua vida espalhava amor, só amor. o amor estendia-se a todo o mundo como o perfume se espalha. E eu com Ele, por seu amor e pelas almas, agonizava. Fiquei como morta um bom pedaço. Sentia uma vida vinda muito do alto como que a contemplar a morte do meu corpo, mas não era a vida que a ele pertencia. Veio o meu Jesus.

— Minha filha, aos corações que se amam com o amor puro e santo nada há que os separe. Os nossos corações estão unidos: o meu e o teu, no maior amor, no amor divino, no amor de Deus. Não há nada, querida filha, não há nada que nos separe. Mas Eu quero, ao principiar do ano, na primeira sexta-feira, dedicada ao meu divino Coração, uni-los e enleá-los novamente. Quem vem deitar-lhes esses novos enleios é a tua e minha bendita Mãe.

Jesus tomou em suas mãos divinas o seu divino Coração e o meu; uniu-os tanto, tanto! Veio a Mãezinha, enfaixou-os, enleou-os bem com fios finíssimos doirados e conservou-se ao nosso lado. Jesus continuou:

— É um só coração, é um só amor nos nossos corações. É como uma sala com dois compartimentos com a entrada livre. Ambos têm o mesmo poder, o mesmo encanto, o mesmo Céu. Passei para o teu toda a riqueza que o meu contém. Queres saber, filha querida, o significado disto? Entreguei-te o mundo e hoje mesmo renovo a entrega. É por ti, pelo poder e missão que te confiei que este mundo vem a Mim. Passa livre do teu coração para o meu. Tui não podes ver, minha filha, nem sentir com consolação as graças e maravilhas com que te enriqueci; não convém à tua alma e é mais proveitoso para as almas dos pecadores. Enriqueci-te, elevei-te tanto as alturas como é alta a missão que te dei. Enchi-te do eu divino amor e da minha vida divina, para venceres e suportares todos os espinhos que ainda hão-de ferir-te. Não esperes consolações e alegrias: és a minha vítima. Não esperes luz, mas sim conforto e toda a abundância de amor, com a certeza de Eu sempre estar contigo e sempre em ti vencer. Sou o teu Jesus, confia em Mim. Tem coragem, que depressa vai acabar na terra a tua missão. Estou contentíssimo, minha filha, afirmo-te: foi grande a consolação que Me deste, foi grande o número de almas que salvaste com o amor com que suportaste todo o sofrimento que te dei no ano que terminou. Aqui não podes sabê-lo, no Céu o verás.

— Meu Jesus, tudo isso me humilha, mas ainda quero ser por Vós mais humilhada; falai-me dos meus pecados, porque até aqui só falastes do que é vosso. O que tenho eu de bom que não fosse vindo de Vós?

— Eu não quero falar dos teus pecados, porque nas tuas faltas escondo a grandeza e a riqueza que só no Céu será conhecida e verdadeiramente compreendida. E não falta na terra quem te humilhe. Mas coragem, essa humilhação exalta-te e também Eu fui humilhado. Não quero, minha filha, terminar este colóquio sem te prevenir, sem dar ao mundo este aviso: a chuva de fogo que sentes sair sobre ti é por seres a minha vítima; é a chuva que depressa cairá sobre o mundo, se ele não se converter; é o castigo que apenas deixará um pequeno número dos seus habitantes.

— Ó meu Jesus, e não haverá remédio? Que posso eu fazer por ele, para o salvar?

— Sofre, sofre, não é as almas que queres salvar? Os corpos nada vale. Eu te prometo: com os teus sofrimentos e o poder da minha bendita Mãe, as almas serão salvas; os corpos, a sua emenda de vida o fará. Se a vida for pura, se fizerem penitência, são poupados ao castigo. Diz, diz, minha filha, que é Jesus que chama, que é Jesus que pede, que é Jesus que convida: é o Pai que quer salvar os seus filhos. Vem, minha bendita Mãe, cingir os espinhos e a cabeça da vossa vítima.

Vi a Mãezinha com uma coroa de espinhos em suas santíssimas mãos; não sei de onde pegou nela. Em todo o tempo que esteve com Jesus não A vi com ela. Colocou sobre a minha cabeça, senti-me quase morrer.

— Coragem, minha filha, sou Mãe de Jesus, sou tua Mãe também. É com estes espinhos que ainda falta ferir-te que vais acudir às almas. Eu quero estar unida ao Coração do meu Jesus e ao teu, quero comunicar-te o meu amor, a minha ternura e doçura, para melhor poderes atrair as almas a Jesus.

— Vai em paz, disse Jesus. Leva contigo toda a confiança: nada temas: Eu não te falto. Leva a minha riqueza, leva o meu amor, leva as riquezas da tua Mãezinha querida e vai salvar o mundo. Coragem! Avizinha-se o Céu.

— Obrigada, meu Jesus; obrigada, Mãezinha. Vinde comigo, sede a força da minha alma.

4 de Janeiro de 1947 - Primeiro sábado

Durante a noite senti-me atormentada pelo medo pavoroso com o receio dos sofrimentos que virão de encontro aos meus caminhos. Sentia que sofria, senti ao pavor, mas não via outra coisa a não ser um mundo de trevas ladeado todo de espinhos, o meu corpo rolava neles doidamente, quase desesperadamente estava louca pela dor. Aqueles espinhos punham-me o corpo e a alma numa só chaga e em sangue. De hora para hora ia desfalecendo e morrendo como uma lâmpada a apagar-se. Veio o momento da Sagrada Comunhão. Tinha sido grande o meu esforço para preparar-me bem, para bem receber o meu Jesus. Não me foi possível afervorar-me, nem abrasar-me de amor. Recebi-O friamente. Passaram-se uns minutos e eu no mesmo abatimento, na mesma cegueira e dor. Falou-me Jesus:

— Coragem, minha filha! Pouco depois de raiar o dia, vem o sol com os seus raios a espalharem-se pela humanidade, para aquecerem a terra. O dia já raiou: os raios do sol, sol doirado, vão aparecer, não para aquecerem a terra, mas sim as almas; não para te consolar e alegrar, mas para honra e glória minha e grande triunfo da minha divina causa. Tem coragem, não te atemorizes! A vida da vítima tem sempre espinhos. Os teus espinhos, as tuas trevas são a salvação do mundo, são a luz das almas. A nova redentora assemelha-se ao seu Redentor. Os espinhos, as chagas, o sangue e a dor acompanharam-Me até ao último momento. Assim serás tu também. Eu estarei sempre contigo; a tua morte será de amor.

Coragem! O teu temor, o temor de to mesma não Me desgosta. Pelo contrário, consola-Me, contanto que ao temor juntes sempre a confiança em meu divino Coração, que é louco de amor por ti.

Com fia, confia. Vem comigo, minha bendita Mãe, levantar do seu desfalecimento a nossa filhinha. Vem com as tuas ternuras, vem com o teu amor. Neste desfalecimento o seu coração não pode bater asas, não pode levantar para Nós o seu voo de amor. Vem já, vem já, Mãe bendita, dar-lhe comigo a nossa vida divina.

Veio a Mãezinha, tomou-me em seus braços; oh, como Ela me acariciou e me apertou ao seu peito.

— Tem coragem, minha filha! Eu serei contigo na hora da tua dor até ao último alento; expirarás em meus braços. Qual é a mãe que não cuida da sua filha, quando a vê com o seu corpinho em sangue, numa só chaga? Eu cuido de ti, para que possas salvar os filhos meus.

Com as carícias da Mãezinha eu fiquei quase a dormir. Jesus, à volta de mim, como quem queria acariciaram-me, caminhava, pé ante pé, como se não quisesse acordar-me. Passou-se assim algum tempo; a minha alma enfortaleceu com este descanso suave e doce. Jesus continuou:

— Diz, minha filha, ao teu Paizinho, diz-lhe, quero que lho digas: que a alvura da sua alma não se mancha; o que é branco branco fica por mais que teimem deitar-lhe nódoas, manchá-lo. É com essa alvura e com a abundância do amor do meu divino oração que Eu derramo sobre ele que ele há-de atrair para Mim as almas e levar ao mais lato grau d e perfeição algumas das que lhe confiei. Criei-o para as almas; pelas almas tem de sofrer. Ele bem depressa retomará o seu posto. A sua inocência e a brancura da sua alma mais se justificarão com os acontecimentos dos factos[1]. Eu não queria que os homens assim, mas permiti-o para maior glória minha, grande brilho e triunfo da minha divina causa e bem das almas.

Dá ao teu médico os agradecimentos de Jesus pela defesa que tomou pela causa divina. Diz-lhe que quando ele escrever alguma coisa em defesa dela, tomará a sua mão e a guiarão a mão de Jesus. O divino Espírito Santo iluminará a sua inteligência com a sua luz divina. Eu o encherei de Mim, do meu divino amor e farei que ele o comunique aos seus como doença que a todos contagie, como veneno que tudo envenena. Farei que ardam de amor por Mim.

Dá o mesmo agradecimento a todos os que te rodeiam e amparam e grande lugar ocupam em teu coração. Todos os que estão elevados em teu coração também o estão no meu. Elevo-os às alturas no amor, assim como os elevas tu. Dá-lhes, dá-lhes por Mim os meus agradecimentos.

Disse a Mãezinha:

— Une, minha filha, aos de Jesus os meus também e leva-lhes, junto ao de Jesus, o meu amor com a minha ternura e protecção.

— Obrigada, meu Jesus; obrigada, Mãezinha. Parece-me tão humilhante Jesus e Maria Agradecerem a umas criaturas suas! Mas faça-se como quereis e, custe o que custar, eu obedeço, meu Jesus; sou a vossa vítima.

— Se soubesses, minha filha, se pudesses compreender aqui na terra o que é defender a minha divina causa e o que é amparar a maior vítima que tenho na terra, vias que eram justos e louváveis os meus agradecimentos. Bem depressa tudo verás no Céu, tudo compreenderás, e então sem prejuízo da tua alma. Se soubesses as riquezas que te dei no ano que terminou, para por ti serem dadas às almas, que alegria e consolação sentirias! Não te preveni Eu, no princípio dele, da mistura de dor e alegria, mas essa alegria não seria para ti? O mesmo te digo hoje. As tuas alegrias ficam para o Céu, que está próximo. Foram e serão alegrias para aqueles que estudam a minha divina causa e a compreendem ao saberem como te enriqueci. Foram e são alegrias para as almas que vieram e hão-de vir por ti ao meu divino Coração. Coragem! Os Anjos levam aos braçados as flores das tuas virtudes, formam com elas a mais rica, a mais formosa coroa. Que bela que está e adornada por todos os pecadores que por ti são salvos! Vai para a tua missão, para a nobilíssima missão que te confiei. Vai dar às almas, vai semear pelo mundo a pureza e o amor. Coragem! A minha paz, a minha força é contigo.

— Obrigada, meu Jesus.

10 de Janeiro de 1947 - Sexta-feira

Perguntam-me se amo a Jesus. Não sei se O amo, mas sei que O quero amar; não sei falar-Lhe nem sei como Lhe falo; sei que tudo se mergulha nas trevas e aí desaparece e morre. São tantos os meus sofrimentos! É tanta a minha amargura! Todos os meus caminhos parecem ser de sangue, mas as minhas trevas engolem tudo mas rápido que furiosas feras. O meu corpo é como o grãozinho que nunca acaba de ser moído; não cessa de moer, não falha a levada que o moinho toca. Vivo assim abandonada, sem na terra encontrar conforto. Nem nas minhas confissões que procuro serem frequentes, para mais enfortalecer a minha alma com a graça do sacramento, nem nesse encontro alívio e conforto. Seja o pároco, seja o que está a fazer o lugar de meu director espiritual, estou sempre tímida, assustadíssima e a sentir sempre que não sou compreendida. Será minha a culpa, meu Jesus? Ou sois Vós que assim o permitis? Bendito sejais! Ai de mim, de quantos desabafos precisava e minha pobre alma! Quando me sinto quase perdida, a cair no abatimento e desespero, rompo por entre as trevas em espírito e lanço-me nos braços de Jesus. É dele e da querida Mazinha que eu espero auxílio, conforto e paz. Nesta angústia, sem Os ver, sem sentir que estou em seus braços, sinto-me acariciada e estreitada a um peito todo bondade. E, neste momento, sinto-me respirar, libertada de todo o peso que me esmaga; com a alma tranquila, volto bem depressa para as mesmas amarguras.

Foi no dia 7 o quinto aniversário da proibição do meu Pai espiritual vir junto de mim. Tudo recordei, cena por cena, passo por passo. A Santa Missa que no meu quarto celebrou, ó meu Deus, que saudades! As lágrimas que chorei por saber que alguém tinha publicado o que tinha observado da paixão, e eu, que tanto ansiava viver escondida, ver-me assim com as minhas coisas íntimas espalhadas. Mal eu sabia que não voltaria, em tantos anos, a ter o meu Pai espiritual, que tão bem compreendia a minha alma e em tanta pureza a queria, a dar-me os seis santos conselhos e a luz que tanto precisava! Meu Jesus, sou a vossa vítima: faça-se em tudo a vossa divina vontade.

Continuo a sentir o meu corpo a desfazer-se em cinzas de fogo com a chuva queimadora que sobre ele cai. Cansa-me ao máximo, deixa-me sem vida. Combati com o demónio; aproximou-se de mim furioso. Veio como quem vem vestido e logo ao pé de mim se despiu. Principiou com as suas feias cenas e tremendos conselhos. Invoquei os nomes de Jesus e da querida Mazinha, muitas vezes. Terminou este combate e eu fiquei como se estivesse morta. Não sei dizer a perda de vida que senti em meu coração. Não combatia, mas sabia que estava debaixo do seu poder. E ele, desviado um pouco, ria-se e lambia-se de contente. Travou-se logo a seguir outro combate. Meu Jesus, sou a vossa vítima; aceitai-me todo este sofrimento para o que Vos aprouver, para os vossos fins divinos. Ai, quanto me custa! E se eu soubesse, Jesus, se eu soubesse, Mãezinha, que não Vos ofendia! No meio do grande perigo, gritei bem alto, de alma e coração: antes o inferno que pecar. Senti-me libertada sem ver fugir o maldito; fiquei na minha posição, com a alma em grande tranquilidade e paz. Este conforto foi a vida para novos sofrimentos. Vieram as dúvidas, veio o Horto.

Era de tarde, o sol luminoso entrou no meu quarto. Este sol era a luz para todos, era a luz para o mundo, menos para mim que só via trevas. Senti o coração, não o copo prostrado no Horto duro. Eram tais os arrancos que ele dava que parecia obrigar o corpo a rolar pelo chão e a suar sangue.

Veio a noite e então senti-me em corpo e em espírito lá. Era moída, esmagada. Era tão grande o peso da justiça divina que me pareceu que se virou o solo do Horto com o de cima para baixo, e eu, nele infundida, fui mais aniquilada. Vi depois a prisão de Jesus, o trocar de espadas, as armas dos soldados. Que grande combate, se Jesus com os seus olhares divinos e o levantar da sua mão não acalmava e fazia tudo serenar.

Hoje, no caminho do Calvário, senti Jesus curvado dentro de mim, com a sua grande e pesada cruz. As bagadas de suor que corriam do seu santíssimo rosto caíam dentro em meu peito. E eu sentia o seu divino Coração ofegante pelo cansaço. Os seus lábios iam serrados, o amor O arrastava. No alto da cruz sentia todas as chagas, mas mais vivamente a do ombro e a cinta ainda parecia ser cortada pelas cordas. A pouco e pouco todo o Calvário ficou em silêncio: só os suspiros de Jesus se ouviam, só a dor reinava aumentada com o rancor de muitos corações que, abafados não sei pelo quê, já não falavam. Eu no meu coração sentia como se todo o mundo maltratasse e apedrejasse Jesus mesmo ao vê-Lo assim a agonizar. Uni-me tanto às dores da Mãezinha; ansiava com Ela tê-lo em meus braços para curar o seu divino corpo tão chagado. Que dó, que compaixão por Jesus! Que mútua união de amor e agonia! Veio o meu Jesus e logo transformou a minha alma.

— Minha filha, a cruz é vida, é amor, sinal de redenção. Eu serei contigo, sofro, venço em ti. Os teus caminhos de sangue, os teus espinhos, orvalho doloroso que cai sobre ti, são o bálsamo, a consolação e reparação do meu divino Coração. A tua vida é amor. Assim como não cessam um só momento os crimes do mundo, não cessam também de cair sobre ti, que és a minha vítima, a chuva da imolação, do sacrifício, do martírio. Tem coragem, é contigo, em ti está o teu Esposo Jesus. O Céu espera-te, aproxima-se; bem depressa receberás a glória, o prémio do teu martírio. Vês, minha filha, como os pecadores tratam o meu divino Coração? Repara na minha sacrossanta cabeça, tão cheia de espinhos! O que seria do teu Jesus sem a reparação que Lhe dás? Vês esta chaga? Trespassa dum lado ao outro o meu Coração: foi um sacerdote. Com que maldade ela foi feita! Repara por ele. Sabes quem foi?

— Meu Jesus, se é do vosso divino agrado, se não Vos entristeço com o que vou dizer-Vos, deixai-me falar.

— Fala, minha filha, diz-me tudo.

— Pedi-me a reparação que quiserdes, aceitai por ele todos os sofrimentos que Vos aprouver, mas sem que eu saiba quem ele é, sem me dizerdes o seu nome. Não posso eu reparar-Vos desta forma?

Jesus alegrou-Se tanto e transformou logo o seu divino Coração em amor, em fortes labaredas. Aquela ferida que o vazava dum lado ao outro desapareceu: tudo era luz. A sua santíssima cabeça ficou sem espinhos e sem sinais de ferida. E aquele amor de Jesus abrasou-me a mim também.

— Que transformação tão grande, meu Amor? Para onde foi aquela chaga tão profunda e todo o ferimento, todo o sangue que o Coração continha e a vossa santa cabeça?

— Foi o teu amor, foi a tua generosidade no sofrimento: deixares-te imolar sem saber por quem. Dá-Me então a reparação que te pedir, dá alguns combates do demónio. Não tos pedirei muito tempo. Quando estiver próximo a deixar de te falar, quando a cegueira não te deixar exprimires a tua dor serás libertada dele: não permitirei que ele volta a atormentar-te de tal forma. Tu ficarás como se não tivesses inteligência para não compreenderes a tua dor, mas não deixarás por isso de sofrer menos: sofrerás amargamente. Hás-de sentir como se nunca ou quase nunca Me possuísses, e não deixarás por isso de Me possuir inteiramente, o mais que é possível possuir-Me uma criatura humana. Eu farei a graça de muitas almas verem em ti inteiramente a Mim com toda a minha riqueza, com os tesouros inesgotáveis do meu divino Coração. Tu és, minha filha, e serás depois da tua morte, para cada alma em pecado, um pára-raios a atrair a si o peso da justiça divina. E serás para cada alma em graça um íman atraente a traí-las a ti, a buscarem o amor que em depositei. Prometo-te isto, minha filha: seres toda vida, toda amor, toda graça para as almas. Promete seres luz para toda a humanidade. A chuva de fogo que sentes cair sobre ti era para já ter caído sobre ela: és vítima, sofre alegre, o teu peito é um jardim divino, porque nele habita, no trono do teu coração, o Jardineiro celeste. És o cofre, és a depositária das riquezas e toda a graça e poder do Senhor. Vai, pomba querida, vai para a tua cruz, cruz de amor, cruz de salvação. Vai dar ao mundo, vai dar às almas o que te dá Jesus. Vai, corajosa, vai mãe das almas! Vai, leva contigo a minha força divina, a luz do Espírito Santo. Vai depressa, para não demorarmos este colóquio.

— Obrigada, meu Jesus; obrigada, meu Amor. Dai-me o que quiserdes e como quiserdes. Eu não busco a minha honra e glória, mas sim a vossa; eu não sofro com os olhos no prémio para mim, mas sim com o fim de Vos salvar as almas.

Quando Jesus disse que o meu peito era um jardim, eu possuí tanta luz que me mostrou que todo o meu peito era um vasto jardim de encantadoras flores. Mas já tudo desapareceu. Perto de terminar de ditar tudo isto, o meu espírito ficou como que encerrado numa negra prisão de ferro ou bronze onde não podia entrar luz, entendimento nem vida. Em que trevas estou já mergulhada!

Meu Jesus, sou a vossa vítima. O vosso amor, o vosso amor, só Vós, Jesus: outra coisa não quero, só o vosso amor em basta.

17 de Janeiro de 1947 - Sexta-feira

A dor desfaz o meu corpo e tão desfeito que me parece que não existe, que só ela vive. Eu já nem sou um trapo podre; não sou nada. Oh, como eu sofro! E tão oculta; só Jesus conhece. E por amor d’Ele e por amor às almas, eu escondo o mais possível. Sofro com Ele; basta que Ele o saiba. Queixo-me, gemo, quando sinto que mais não posso. Mas a alma, a pobre alma, alastra-se, estende-se mais ainda o seu sofrimento. A dor faz a alma desaparecer tanto que já nem é um pouco de fumo que no ar desaparece.

Ó meu Jesus, não tenho a vida da alma nem do corpo, sustenho só a dor; e é ela e é com ela que estou a viver dentro de mim. É a dor a companheira inseparável da vida interior, da vida íntima com Deus.

Digo a Jesus: Quero viver dentro deste corpo que não existe, quero viver lá tão dentro a vida interior, a vida íntima com Deus Pai, Filho, Espírito Santo que não quero sair cá fora cuidar do exterior sem deixar de viver sempre no interior.

Ó meu Jesus, meu Jesus, não deixeis que o mundo me separe de Vós!

Mas eu não sei viver e sinto que nunca aprenderei a viver aquela vida perfeita, aquela vida do alto que tanto anseio viver. Perco-me à procura desta vida que não sou capaz de possuir; mas são tais as ânsias que tenho de a viver que por vezes parece cair no abismo dessa vida e, na realidade, deixar de aqui viver. Não é a vida: parece uma nuvem vaga que me absorve e leva não sei para onde. Nada disto é visto aos olhos do corpo, nada disto é palpável; são coisas da alma, e nada mais sei dizer, pobre de mim; sinto que não amo, sinto que não sou perfeita.

Quantas mais e maiores ânsias de perfeição, mais podridão, mais horror, mais miséria! É o que me mostra e faz ver a minha cegueira, por vezes tão aterradora.

Tive com o demónio dois ataques violentíssimos; foi mais tempo, mas não sei quanto. Creio que chamei uma vez alta por Jesus e pela querida Mãezinha que viessem acudir-me em tão grande perigo. Não fui ouvida, a não ser por estes amores queridos. Durante a luta queria sair dela só para não pecar. Via-o satisfeitíssimo por me obrigar a pecar. Fiquei por um espaço de tempo a dizer: não quero o gozo, não quero pecar, não quero ofender-Vos, Jesus; não, não, não quero.

Quando isto repetia muitas vezes, ouvi uma voz doce que me disse:

— Não queres não, Minha filha; sei que não queres e não pecas; sossega, vem descansar.

Tomei a minha posição e o demónio fugiu. A minha cabeça, o meu corpo, a minha roupa estavam ensopadas em suor. E o meu coração sem vida e sem poder resistir à dor do pecado disse a Jesus:

Aceitai todas as gotas deste suor como actos de amor para os vossos sacrários e cada uma delas sejam prisões que prendem as almas ao Vosso divino Coração e as arrastam das garras de Satanás.

Sentia a paz da alma, mas sentia a dor e temia com aquela dor receber Jesus, que não demorava muito a vir. Quando Ele veio e deu entrada em mim esqueci-me por completo da luta enquanto Lhe dei graças.

Depois voltei à dor, à pena, ao receio de ter pecado.

Na tarde de ontem, de um momento para o outro, senti cair sobre os meus ombros um peso esmagador. A alma viu que era o Céu que descia, era a justiça de Deus. Pouco depois, e sem pensar nisso, senti-me quase nua, presa à coluna e em público, em lugar onde todos podiam ver-me.

Já à noite, dentro dumas muralhas, à saída do portão que dava saída para o Horto, senti que Jesus chorava dentro de mim, chorava escondido, chorava de dor; essa dor abriu-Lhe o coração e fez como se Ele no mesmo momento desse ali todo o sangue. Com a Coração aberto vi dali toda a viagem do Horto. Para lá puxava-O o amor e para cá empurravam-no os maus-tratos de toda a humanidade atrás de Jesus representada. Que grande dor, que doloroso martírio sentir e ver tanta ingratidão!

Fui levada logo por umas grandes escadarias à presença dos Juízes. Como eu sofri, ao sentir Jesus, grandeza sem igual diante deles, ser tão pequenino, ser mesmo um nada! E eles, os verdadeiros nadas, cheios de orgulho e vaidade, cheios de grandeza sem nenhum poder. Abateu-se o Poderoso, e elevaram-se no seu orgulho, aqueles que nada tinham. Como Jesus sofria caladinho!

Hoje, com o coração retalhado, segui com a cruz, em marcha apressada, os caminhos do calvário. Uniam-me os pedaços do coração, ligavam-nos uns aos outros fios finíssimos de amor. Só o amor era a vida. Quanto mais caminhava e subia, mais alto se me atravessava a montanha. As golfadas de sangue eram quase contínuas e o desfalecimento levava-me à terra.

Que segredos indizíveis a alma via em tão grandes sofrimentos, em tão dolorosa viagem e por último no Calvário. As trevas negras da noite não impediram que a alma pudesse pressentir todos aqueles segredos, segredos que só a sabedoria dum Deus pode e sabe revelar. Foi unida a essa sabedoria, de quem eu nada sei dizer, que eu me senti obrigada a sofrer e a agonizar. Quantas lágrimas de Jesus, e eu não uni as minhas às d’Ele; não uni as dos olhos, mas sim as do coração, e tanto mais chorava, quanto mais ouvia e sentia o Seu brado agonizante.

Meu Jesus, disse-Lhe eu, como é doloroso, quanto me custa este calvário; mas amo-o!

E assim fiquei, até que Ele veio; e toda a noite desapareceu.

— Minha filha, a dor é para a tua alma o que o cadinho é para o ouro; é ela que a purifica e faz grande aos meus divinos olhos. Tem coragem! A tua alma é pura, é grande, grande para Mim. À medida que ela se tem feito pura e grande, Eu te tenho acumulado das Minhas graças. És grande para Mim, és grande para as almas. Os Anjos escrevem o teu sofrimento, todo o teu martírio, e Eu vou-te enriquecendo com Meus tesouros, as Minhas maravilhas.

Meu Jesus, quero ser pequenina, para só ser grande com as Vossas coisas, com aquilo que é Vosso. Quero ficar vazia, de todo vazia, para só Vós me encherdes. Quero em mim Jesus, Jesus, só Jesus.

Quero ser grande, por Vosso amor e para Vos consolar; quero ser grande para salvar-Vos as almas; e para mim pequenina, sempre pequenina. Não é para glória minha que busco a grandeza do céu, mas sim para Vós, só por Vós. Tende dó de mim, sinto-me tão fraca, incapaz de nada, sem saber sofrer e sem saber amar-Vos.

— Coragem filha querida; tudo em ti é amor, mesmo assim entremeado com as imperfeições, imperfeições que Eu permito. Quanto mais Me ansiares, mais Me possui; quanto mais sofreres, mais Me amas e mais almas Me salvas; quanto mais te sentires desaparecer e morrer, mais em ti aparecem as Minhas obras e mais vida dás às almas. Coragem! Vem a Mim levantar o teu desfalecimento. Neste momento, Jesus ficou na cruz todo chagado, coroado de espinhos e do Seu divino Coração nascia constantemente uma fonte de sangue. Eu não chegava a Jesus, mas senti como se uma força me elevasse e sustentasse junto a Ele. Minha filha vem à chaga do Meu divino Coração, não beber, porque não podes aguentar tanto sangue, mas sim refrigerar nele os teus lábios, saciar a tua sede e amor.

Uni à chaga de Jesus os meus lábios e sem beber o sangue senti o meu coração abrasar-se em fogo. Passado algum tempo, Jesus fez com que eu retirasse dele os lábios e, elevando-me acima um pouquinho, uniu os Nossos dois corações, deixando cair no meu uma gota do Seu sangue divino, continuou:

— É o Meu sangue que é a tua vida; é esta vida que dás às almas; é vida de salvação.

Ó meu Jesus, sofro tanto e de nada valem os meus sofrimentos. Onde está a representação que Vos dei? Em que estado estais Vós? Eu não posso ver-Vos assim sofrer: exigi tudo o que quiserdes de mim; fazei que eu sofra o que Vos aprouver, mas saí dessa cruz e não Vos deixeis chagar assim.

— Minha filha, este sofrimento ainda não tem reparação; se queres reparar-Me, dá-Me mais sofrimentos; se não queres que as almas caiam no inferno. Que loucura e maldade é a do mundo! Como Eu sou ofendido!

Já sabeis, meu Jesus, que sou sempre Vossa vítima; quero a vossa consolação, quero almas.

— Basta, basta, nada mais é preciso; vem tu tirar-Me da cruz e curar-Me as Minhas chagas.

Pude tirar os cravos das mãos e dos pés sacrossantos de Jesus; cada cravo que eu Lhe tirava, logo a chaga cicatrizava. Tirei-Lhe, com toda a cautela, a coroa de espinhos e, com os meus lábios, ou não sei com quê, cicatrizei a chaga do Seu divino coração; deixou de escorrer sangue; a cruz desapareceu. Jesus ficou Formosíssimo, sentado no trono, coroado de Rei e cheio de glória. Tudo n’Ele e à volta d’Ele era amor; por toda a parte se irradiava.

— Olha a tua generosidade, a tua reparação, a tua aceitação do martírio. Não sofro senão em ti, revestido em ti, sozinha não sofro. Vai, pérola de Jesus, jóia preciosa; vai confiada em Mim, vai dar ao mundo a Minha vida, vai convidá-lo à penitência, vai pedir-lhe pureza, graça e amor; vai sofrer por ele. Leva a minha paz. Tem coragem, confia sempre que Eu sempre em ti vencerei.

Obrigada, meu Jesus. Guardai-me só para Vós. Sede a minha força; não me deixeis ofender-Vos. Não morre a minha vontade, não desaparece o meu eu. De vez em quando vou a querer dizer: não quero escrever mais, não quero aparecer diante dos meus nem dos meus grandes amigos; de todos tenho medo. Em tudo aparece o meu querer. Ó minha cruz, eu quero-te, eu quero-te.

24 de Janeiro de 1947. - Sexta-feira

Não posso falar e tenho que falar. Sofro horrivelmente e não compreendo a minha dor. Caí num tal abismo de cegueira que nada vejo nem sei compreender. Apesar do meu viver ser dor, sempre dor, mergulhei-me nela e nem um só momento posso libertar-me. Perdi toda a vida; só a vida do sofrimento ficou, e, sem fim de toda a espécie de sofrimento contínuo, estou louca a querer viver, a vida para onde o meu coração e a minha alma batem as asas, levantam voo, lá vão voando noite e dia à procura daquela vida que não conseguem viver. Tão sequiosa e faminta, por vezes me parece cair das alturas à terra; é o desfalecimento de não encontrar aquilo por que tanto suspiro. Quando estou caída e triturada de toda a dor, a sentir ir quase a naufragar, a desesperar-me por completo eu chamo pelo meu Jesus, pela querida Mãezinha: vinde em meu auxílio, vinde acudir-me, eu sou Vossa inteiramente Vossa, eternamente Vossa, sou a Vossa vítima, não me deixeis ofender-Vos.

Neste duro martírio logo o meu coração e a alma são transportados para um enlevo, para uma vida que os absorve e parece tirar da terra. E logo posso levantar-me e caminhar abraçada à minha cruz, louca, de amor por ela. Estes momentos de enlevo são raros, mas alimentam a alma; fico mais forte, por algum tempo; posso melhor resistir à dor. Tenho passado noites de tormentosos sofrimentos. E a Mãezinha, a querida Mãezinha do Céu tem vindo junto de mim, mostrando-me o Seu coração como Mãe do Perpétuo Socorro, e, ainda outras vezes, trazendo consigo um Menino Jesus muito pequenino. Estas visões são rápidas, mas confortam-me; sinto-me outra, por algum tempo. Ora confortada, ora desfalecida, vou passando as horas e os dias, vivendo dentro em mim a adorar a Trindade divina, a quem tanto amo. Unida a Jesus, unida à Mãezinha, balbuciando os Seus Santíssimos Nomes, vou sentido sempre contra mim a grande tempestade, a grande derrota, mas com o coração fito no Todo Poderoso e os olhos fitos no Céu, saudosa Pátria por que tanto suspiro, espero levar ao cimo da montanha a minha cruz. Foram dois os ataques do demónio na noite que passou. Antes da luta andou horas a sondar à minha volta. Parecia que eu mesma era o inferno e que pedaços do inferno caíam sobre mim. Que bichos tão feios, que medonhas serpentes me rodeavam! É o sofrimento mais amargo, por ser num ponto tão delicado. Que medo, que medo de pecar! Ouvi as suas feias lições e maldosos ensinamentos; forçava-me por os não atender; só por Jesus e pela Mãezinha chamava. Vieram muitos demónios e alguns em forma de animais.

Terminou a luta para, pouco depois, principiar outra. Não sabia quando terminaria, mas sentia-me não poder mais. Depois de um brado contínuo pelo nome de Jesus não O vi, mas senti na alma como se Ele levantasse a mão e ouvi uma voz que dizia: “aparta-te, retira-te para o teu lugar”.

— Descansa, Minha filha; és Minha, sossega, não pecaste.

Retirou-se o maldito desesperado, mas ainda por algum tempo passavam à minha frente vultos pretos; pareciam pedaços de negras nuvens. Com a alma em paz, passei por um ligeiro sono. Ao acordar, logo fiquei a sofrer por nem uma só vez receber o meu Jesus sem um ataque do demónio, depois de me ter confessado para ter a minha alma muito pura para O hospedar.

Bendita seja a vontade do Senhor! Ao terminar o dia de ontem, ao chegar à noite, senti-me tremer e comigo tremer toda a terra. Senti os sofrimentos causados por todo o mundo, e do mesmo mundo senti todo o medo. Apavorei-me. Afastou-se tanto, tanto de mim o Céu que fiquei como se da terra não pudesse fitar o firmamento. Tudo tinha desaparecido, só o Horto ficou. Principiei a sentir da cabeça aos pés o corpo cheio de gotas de sangue. De novo voltou o mundo inteiro a aproveitar-se dos meus sofrimentos, a servir-se do meu sangue. Oh! Que diferença! A maior parte lançava-se a mim como feras, despedaçavam-me as carnes, causavam-me ainda mais dor. O número mais pequeno servia-se do meu sangue, ou, para melhor dizer, do sangue de Jesus, mas com mais paz, com mais doçura, com mais amor. Refugiada, escondida de todos os olhares pude chorar. E, logo depois, subi a encosta debaixo de uma chuva de pontapés e varadas. As lágrimas de Jesus continuam, dentro em meu coração. De manhã, continuou o coração a receber os maus-tratos em toda a tragédia do Calvário; foi ele que foi calcado e arrastado. No Calvário para serem revirados os cravos não foi virada a Cruz rente com a terra, mas sim levantada a alguma altura para o rosto de Jesus e todo o Seu Santíssimo corpo ser ferido novamente com toda a crueldade. E quando foi para ficar ao alto que grandes dores eu senti em todas as chagas ao deixá-la cair na cova com tanta força; pareceu cair num poço E, ali com Jesus, sofri imensas trevas. Ele, moribundo, observava tudo. Perto de dar o Seu último suspiro, a um impulso do coração, vieram-Lhe ainda aos lábios algumas golfadas de sangue e correram no Seu Santíssimo rosto as últimas lágrimas e agonizou; agonizou e viveu; agonizou e falou-me.

— Minha filha, branco lírio, pomba querida, consolação e amor do Meu Divino Coração, guia e conselheira das almas, cópia mais real e fiel de Cristo crucificado. Eu uno, minha filha, à tua missão à mais alta e nobilíssima missão todas as minhas graças, todos os meus tesouros e méritos da Minha Santa Paixão, para teres todo o poder para melhor desempenhares a missão de nova redentora. É Cristo que sofre em ti, é Cristo que fala, vê e move em ti. Ó bela, ó encantadora, ó altíssima missão, a missão das almas. Mas nada podia fazer, filha querida, sem o teu consentimento, sem a tua generosidade, sem o teu amor. Quanto te deve o mundo, quanto te devem as almas! Faço-te poderosa, e faço que maior número de almas se encontrem e atraem para ti e vejam em ti o que é Meu. Eu dou luz; eu faço luz; mas ai pobres daqueles que mais se deviam deixar iluminar dessa luz e não deixaram; por Mim Lhe pedidas rigorosas contas. O brilho é da Minha divina causa, a dor é tua. Ela não podia passar sem prejuízo, senão à custa dos teus sofrimentos. Tem coragem! É Minha a vitória. A causa divina está na sua primavera de flores, flores que em toda a parte do mundo depressa vão desabrochar. São flores saídas dos teus espinhos. A tua vida é a vida de luz, vida de salvação. Quantas almas por ti se irão converter! Quantas levadas pelo teu exemplo, imitar-te-ão seguindo os teus caminhos atraídas por ti. Que milagres prodigiosos! Para tudo isto, minha filha, é sempre preciso a tua dor. Eu estou pronta, ó Jesus, para tudo sofrer e amar; pronta para Vos deixar trabalhar em mim à vontade. Manejai o meu corpo como Vos aprouver contanto que sempre em mim estejais Vós para com a Vossa força sofrer para com o Vosso amor eu amar. Vem então, Minha esposa querida, tirar do Meu Divino Coração estes punhais, estas espadas, que tão cruelmente o ferem. Tira-mas tu, uma a uma, e depois com o teu amor, com a tua reparação cura-lhe todas as feridas, para ficarem de todo cicatrizadas; para dares-Me a maior prova do teu amor, tira-as e crava-as em teu coração, para ficarem continuamente a ferirem-te.

Voltei-me para Jesus, vi-Lhe o Seu lado aberto e por aquela abertura saíam os cabos das lanças e punhais que tão vivamente Lhe atravessavam o Coração. Eram tantas! Muito devagarinho, a tremer de dor e de compaixão por Jesus, principiei a tirar-lhas e com toda a força a cravá-las em mim Longe de terminar, caí desfalecida. Senti mais a dor a tirá-las de Jesus, porque me parecia feri-Lo ainda mais, do que ao espetá-las em mim. Parecia-me que o sono da morte me ia levar. Jesus levantou-me, acariciou-me e incendiou d’Ele para mim labaredas de fogo e disse-me:

— Coragem! Coragem!

Pude continuar a tirar-Lhas todas. E depois Jesus uniu o Seu peito Santíssimo ao meu e disse-me:

— Cura-Me todas as feridas. O teu carinho, o teu amor, a tua reparação é o bálsamo.

— Meu Jesus, sou a Vossa vítima, amo-Vos. Como pode haver coragem para Vos ferir assim meu Jesus! E de que servem os meus sofrimentos se não evitam os Vossos?

— Sossega, sossega; a tua reparação, o teu sofrimento curam-Me as feridas para poder de novo receber outras. E evitas de tantas e tantas almas caídas no inferno! Ele lá vai continuando fechado. Os pecadores salvam-se, aos milhares, aos milhões. Olha para Mim; já não tenho em Meu coração nem uma só ferida.

Vi o Coração divino todo em fogo e vi cerrar-se o lado de Jesus que estava aberto. Ele ficou todo resplandecente de luz.

— Vai em paz Minha filha amada; vai corajosa, vê o valor da tua dor. Vai semear; É florescente a tua sementeira. Coragem! Tua dor, o teu amor é a salvação do mundo. Pede: não te canses. Quero oração quero penitência, quero emenda de vida, a principiar pelos sacerdotes. Foram deles os primeiros punhais que me tiraste; são eles que mais Me ferem por serem discípulos Meus. Haja reparação. Ai, tanta inocência perdida, tanta vida roubada ao Céu antes da sua existência na terra. Ai que maldade humana! Até por um grande número de velhos anciãos sou ferida. Que horror, que horror; tudo é lodo. Sofre com alegria Minha filha, dá-Me o teu amor. Tem coragem, não te enganas, vai em paz.

— Obrigada, Meu Jesus. Sede a vida da minha dor, sede a força do meu Calvário. Fiquei a sentir no meu coração os punhais que lhe cravei, e sento o peito aberto como estava o de Jesus. Quero sofrer; é por Ele e pelas almas.

31 de Janeiro de 1947. - Sexta-feira

Faltará muito para chegar ao cimo do meu Calvário? Não sei, o que sei, o que sinto é que cheguei ao auge da minha dor, dor que, sem um grande auxílio do Céu, já teria chegado ao desespero. Que dias tristes! Que dolorosa amargura! Que horas trágicas e de tanto desfalecimento! O meu olhar fixo em Jesus e na Mãezinha falavam mais do que os meus lábios; era a pedir-Lhes socorro; e juntamente ia o murmúrio do coração com um estreito abraço a tudo o que era dor.

Por Vosso amor, Jesus, por Vosso amor, Mãezinha, e pela salvação das almas. Mas com o aumento da dor e tentar esconder as minhas lágrimas pensava: se não fosse a graça do Sacramento, não queria junto de mim um sacerdote; queria-me abandonada, como de verdade eu me sinto. Queria dizer aos meus amigos que fizessem de conta que não existi no mundo; queria esconder-me de todos os olhares. Jesus basta ao meu coração, mesmo a sentir que nada O possuo. Uma tempestade fortíssima me absorvia; tempestade desastrosa, tempestade sem remédio. Fui lutando, fui chorando e dando a Jesus as minhas lágrimas; Ele foi vencendo em mim; Ele sem que eu o sentisse, levantou-me, e encaminhou-me a romper por entre as trevas: Bendito seja Deus! Valha-me o grande poder de Deus, valha-me a grande caridade de Deus, valha-me o amor imenso, o amor infinito de Deus. Assim costumo dizer, assim vou vencendo.

Sinto em meu coração as grandes espadas, os grandes punhais que há oito dias me ficaram cravados; quanto mais me trespassam, quanto mais mo cortam maiores se fazem; parecem crescerem, momento a momento. Estes punhais vêm do meio do mundo; é dele que me atingem o coração; é o mundo que os move; são mãos cruéis que os obrigam a cortarem com seus fios afiadíssimos. Quando eu sofro assim, o quanto não sofrerá Jesus! Ah! Se eu pudesse atrair para mim todos os sofrimentos e não deixar que nem um só fosse ferir o Coração Divino de Jesus! Ele deu-me há dois dias um grande mimo, um mimo do Seu Divino amor. Ao recebê-lo parece que todas as amarguras me atingiram mortalmente o que fez tirar-me toda a alegria e consolação que desse mimo podia receber. Se Vós quereis assim, Meu Jesus, porque o não hei-de querer eu também! Para Vós tudo, toda a consolação e amor. Faça-se em mim a Vossa vontade divina. Este mimo passou em mim despercebido, mas deixou-me o coração forte; foi como que uma injecção que o ajudou a suportar novos golpes que o vieram ferir. Louvado seja o meu Senhor que tanto tem para me dar e tão cuidadosamente vela por mim. Se eu soubesse corresponder às graças do meu Jesus!

Foi dolorosíssimo, foi amargosíssimo o meu Horto de ontem, foi um Horto de todo o dia e da maior parte da noite. Fazia por retirar dele o meu espírito, mas não sei o quê, uma força invisível me unia, prendia o coração àquele solo duro e triste; era um Horto mundial ladrilhado de pedra dura, rochedo inquebrável. Lançou-se sobre mim o peso brutal da humanidade; o seu peso esmagou-me, abriu-me o peito, tirou-me a vida superior, sublime, muito sublime, deu-lhe entrada no coração e abrasou toda a humanidade em amor; triunfou da morte e abraçou toda a ingratidão humana. Vi à minha frente uma floresta de espinhos que atingiam grande altura. Desses espinhos foi formada a minha coroa; tive que atravessá-los e neles da cabeça aos pés foi todo o meu corpo ferido; espetados neles ficaram muitos pedaços das minhas carnes.

Logo a seguir, pela noite fora, andava o demónio, à volta de mim, a querer-me assaltar. Várias vezes me convidou ao mal e me ensinou as suas feiíssimas palavras.

Veio a madrugada, travou-se então o combate. Em forma de animal, assaltou-me; tive que combater. Não deixei de bradar ao Céu em tão tremenda luta; porém este parecia-me fechado e surdo.

Satisfeitos os gostos do maldito, deixou-me; mas, ó meu Deus, como me deixou ele! Deixou-me despercebida, não o vi fugir; levou consigo a inocência, deixou comigo a maldade. A culpa era só minha. Fiquei como caída na valeta da estrada, não podia levantar-me nem tão pouco levantar os olhos ao Céu para os fitar em Jesus. Que indizível vergonha! Não sei por quem fui levantada, mas sentia a minha alma chorar com profunda dor. Tem ferido o meu Jesus? Com a vinda d’Ele ao meu coração esqueci mais as maldades do demónio; pude unir-me mais a Jesus e desabafar com Ele. Os meus espinhos do Horto deram princípio às ruas estreitas e tristes do Calvário. Segui por entre eles abismada na noite mais negra; neles perdi a carne e o sangue. Subi ao cimo da montanha e a mesma noite se espalhou nela. No alto da cruz que era eu e nela estava pregada. Sentia o levantar do peito de Jesus, o seu ofegar, palpitar do coração. Sentia o brado triste, o eco agonizante dos Seus gemidos; sentia o Seu sangue divino que caía ao pé da cruz. Sentia uma dor de alma que a obrigava a chorar e a dar a vida despedaçada de dor. Eu não podia aguentar aquela dor que era de Jesus. O que Ele sofreu! Ai a dor do Calvário, a dor, a visão da maldade humana. Eu não resisti; por alguns momentos pareceu-me mesmo a minha morte ser real. Não quero pensar, porque não posso recordar o sofrimento do meu Jesus. Ele veio; fez-me viver.

— Minha filha, levanta-te, tem coragem, vem seguir os caminhos dolorosos do Teu Esposo Jesus. Repara, olha a montanha, estás quase no fim, pouco tens que subir, pouco tens que caminhar. Olha a cruz, olha o seu brilho, vê tantos raios luminosos; são raios saídos de todas as suas chagas; são raios saídos de todos os espinhos que a tua cabeça cinge. Saem de ti, saem de mim que em ti estou, de ti Me revesti: são raios poderosos, raios atraentes, raios de salvação. Olha como correm aos bandos para eles as ovelhinhas; são as almas, vêm de ti para mim. Coragem! Olha o valor da tua dor, do teu calvário.

Vi a montanha, vi a cruz; parecia estar de sol iluminada. Eu já tinha quase subido tudo, estava perto dela; mas era aquela a minha cruz e via-me como se nela estivesse cravada. Dos pés, das mãos, do coração, da cabeça saíam fortes raios de luz; vinham penetrar na terra. Fez-me lembrar o arco-íris que vai absorver a água ao rio e ao mar. Para todos aqueles raios que rodeavam a cruz, vinham de todos os lados, grandes rebanhos de ovelhinhas; não lhes via o fim. Oh! Como era belo vê-las atraídas para aqueles raios sem que ninguém as guiasse, sem levarem pastor.

— Meu Jesus, oh! Como é belo e atraente o amor do Vosso divino coração. Oh! Como são poderosas as Vossas chagas, todos os Vossos sofrimentos. Quero sofrer convosco, convosco quero estar sempre na cruz para nem um só momento cessem as almas de virem a Vós; de virem ao sol resplendoroso do Vosso divino amor. Sede a minha força, vede como sou fraca, meu Jesus.

— Minha filha, Minha amada, quem com Jesus está com Jesus vence. Tem coragem! Da cruz passas ao Céu, ao Céu que te espera: E pela cruz fazes subir as almas aos milhões, aos milhões para a sua pátria. Sofre sempre, por meu divino amor, e nada temas; sofre alegre, se não Me queres ver ferido. Enquanto que viveres na terra, não mais deixarás de sentir em teu coração essas espadas, esses punhais. És a minha vítima, é ferido o teu coração para não ser ferido o Meu.

Sabes, filha querida, porque é que quanto mais eles te ferem e te cortam estas espadas e atravessam o coração, mais as sentes e vês crescer? É o aumento, é a repetição dos novos crimes. Reparas uns, mas a maldade desses infelizes inventa outros; vem logo com novos golpes. Se soubesses quem Me fere e como Me ferem! Quero explicar-te, quero desabafar as minhas mágoas.

— Meu Jesus tirai de mim, se é possível, a reparação precisa; eu aceito, eu quero sofrer por quem quer que seja, amigos ou inimigos meus não me importa; são filhos do Vosso sangue divino, eu a todos quero salvar. Sou a Vossa vítima, vítima a sério, só para não Vos ver ferido. Eu sei que sofreis, Jesus, e eu quero reparar sem saber por quem.

— Ó Minha louquinha, Minha louquinha de amor, que grande e encantadora lição tu dás ao mundo; que grande prova de heroísmo, que apreciável valor dás às almas! Vai, vai contente. Para conseguires a realização dos teus desejos, não mais terás alegrias sensíveis na terra; apenas o necessário conforto para venceres e resistires à dor… Vai, alma pura, não te deixes abater demasiado com os teus defeitos; Eu os permito para mais em ti brilhar aquilo que é Meu. Vai espalhar o amor, vai acudir às almas, vai dar a luz ao mundo. Eu farei que nele brilhes com o Meu brilho que a ele encantes com os Meus encantos. Coragem, coragem! Eu vou e estou sempre contigo.

— Obrigada, obrigada, meu Jesus. Ajudai-me a vencer este medo pavoroso, que já vejo à minha frente. Quero a cruz, quero as almas, mas temo as minhas fragilidades. Não me abandoneis meu Jesus.


[1] Parece haver algumas deficiências na cópia do texto que estamos a utilizar.

   

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