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SENTIMENTOS DA ALMA

1947

Junho

6 de Junho de 1947 - Sexta-feira

Não posso estar aqui; não vivo, não sei viver. Tenho medo do mundo; que horror ele me causa; não sei se é ele que me crava tantos punhais; não digo bem, sinto-me a ser o mundo e sou eu própria a cravá-los, a assassinar-me a mim mesma!

Por vezes, a minha alma vê Jesus, feito enfermeiro, a querer entrar a este mundo, que sou eu mesma. Rodeia, rodeia uma e outra vez este monstro mundial, para curar-lhe as chagas de entro e de fora. Jesus anda cheio de amor e doçura, mas não tem estrada. Esta rocha dura não quer ouvir o Seu convite de ternura, não quer deixar-se curar. Que pena eu tenho não consentir que Jesus seja o meu enfermeiro! Ele quer acariciar-me, e eu não deixo, revolto-me contra Ele, obrigo-O a afastar-se de mim. Apesar de ser eu que O não quero, nem quero a Suas bondades, ternuras e carinhos, a alma chora por não O querer, por não lhe dar entrada, por não O amar. Que pena eu tenho de Jesus! Sofro ao mesmo tempo com Ele. Sou o mundo e sou Jesus; peco e quero pecar; amo e quero amar; e este amor é louco, não tem limites, ama e não olha a quem; o que quer é ser aceite. Se este amor fosse eu, e minhas não fossem as maldades! Mas ai pobre de mim! O amor é de Jesus, as maldades são minhas. Abracei-me à minha cegueira com tal afecto, com tal amor, que não mais a largarei; ela só me causa sofrimento, só me mostra que sou lodo e lama, mas eu quero e neste estreito abraço mais me vou mergulhando nela. O que é bom, o que é de Jesus, não aparece nas minhas medonhas trevas. Mas o que posso eu esperar, o que posso eu ver, se nada há em mim de bom, nada tenho de encantador que a mim pertença. Sou miséria, só miséria; ó Jesus, compadecei-Vos de mim! Tenho recebido, nestes dias algumas, algumas graças, alguns mimos do Céu, que eu não mereço. Agradeço-as a Jesus e à querida Mãezinha, mas este meu agradecimento não chega.

Por não chegar o meu agradecimento e por temer ao máximo estes mimos, não chego a gozar da alegria e consolação que eles me possam dar. Bendito seja o Senhor. Tudo para Vós, meu Jesus. Estou a recordar, passo por passo, tudo o que se passou, dias antes da minha partida para a Foz. A coragem que pedia a Jesus e à Mãezinha, a confiança que neles depositei no meio de tanta amargura. Quatro anos são passados; nada esqueci, todos esses sofrimentos parecem ser de hoje. Meu Jesus, sou a Vossa vítima.

Sinto em mim o ódio do demónio; ele quer matar-me, a fogo e a espada. Ele vê-se agora forçado a deixar o trono do meu coração; teima, faz violência para não sair. Ao ver que não tem remédio senão retirar-se, odeia-me, uiva desesperado. Sinto os seus rancores, ouço o seu uivar.

Na tarde de ontem, senti em mim um mundo de bronze, o qual tinha de ser regado com sangue de Jesus. Fui para a ceia com Ele e com os Apóstolos. Vi novamente a bênção do pão e do vinho que veio a ser o Divino Corpo e Sangue de Jesus. Encantou-me o seu Santíssimo Rosto no momento da bênção, a arder de amor, todo inflamado em fogo, de olhos fitos no Céu. Todos comungaram, até mesmo Judas, que logo ficou como um condenado do inferno, tal era o seu desespero. E quase logo saiu com a saca do dinheiro para O ir vender. Vi o discípulo amado, inclinado sobre o peito de Jesus e sentia os seus corações a palpitar de amor, um pelo outro. Se eu soubesse corresponder ao amor de Jesus e amar como aquele discípulo amado. Seguiu-se depois a despedida de Jesus da Bendita Mãezinha; foi a despedida mais dolorosa. Ficaram esmagados de dor os Seus Santíssimos corações. Foi neste esmagamento, nesta amargura que com Jesus segui para o Horto; com Ele fui lá ainda mais esmagada com a montanha do Calvário e a cruz que sobre nós veio cair. Fui espremida, suei sangue e assim segui para a prisão.

Hoje, cedinho ainda, lá me foram buscar. Levaram-me sem piedade, e logo, com furor rancoroso, me açoitaram e coroaram de espinhos. Com o rosto coberto de escarros assim segui ao Calvário; aqui e além caía, aqui e além, parecia morrer. Novas descargas de açoites, em viagem tão penosa, caíram sobre mim. Cheguei ao cimo do Calvário com todo o desfalecimento. Fui crucificada, e, ao ser a cruz voltada para revirar os cravos, foi meu rosto no solo muito ferido, e uma golfada de sangue me veio aos lábios. Custa-me tanto falar assim! Foi Jesus, não fui eu, que assim foi ferido; mas não sei exprimir-me doutra forma. Levantada ao alto da cruz, senti que Jesus estendeu os seus olhares divinos pelo Calvário, por toda a humanidade. Com esta visão tremi e senti o corpo gelar; não eram os meus que viam, eram os de Jesus, mas com Ele em mim tudo vi e senti. A vista de tanta ingratidão fez com que Jesus levantasse para o Pai os Seus olhares divinos, cheios de compaixão e pedir perdão para os que O feriam; não pediu vingança, desculpou-os. Ficou em extrema agonia e eu com Ele. Quando Jesus expirou eu senti morrer o meu corpo e sentia que uma vida estava separada de mim, mas não me pertencia.

Estive um pedaço sem Jesus me falar; demorou a chegar, ou melhor, a fazer que eu O sentisse e ouvisse. Quando Lhe aprouve, disse-me:

― Minha filha, Minha filha, Minha filha, demorei a chegar, venho desfalecido; fui maltratado, quero refugiar-me. Dás-me entrada no teu coração?

Vi que Jesus vinha como se não pudesse segurar-se, banhado em suor, a escorrer sangue e sem nenhuma beleza. Ao vê-Lo assim exclamei:

― Ó meu Jesus, em que estado Vós vindes! Entrai no meu pobre coração; esta morada não digna de Vos receber, mas já que assim o quereis, entrai e descansai.

― Eu sou a Vossa filha mais pobre e miserável, mas quero cuidar de Vós, quero limpar-Vos as lágrimas e os suores e curar-Vos essas feridas; quero curar-Vos e consolar-Vos, e não sei como. Sou a Vossa vítima. Não Vos digo que aceiteis que eu Vos cure com o meu amor, com as minhas ânsias.

E, com Jesus inclinado sobre o meu peito, fiquei como que a curá-Lo, e a limpar-Lhe o suor e as lágrimas, porque soluçava profundamente. Fiquei como que não soubesse o que mais fazer nem dizer a Jesus, tal era a minha compaixão. De repente vi-O curado, alegre e formoso.

― Alegraste-Me, consolaste-Me, minha filha, já não estou ferido, já Me sinto bem. Sabes quem assim Me maltratou? Foram os sacerdotes, foram os sacerdotes. Obrigaram-Me a descer do Céu à terra, às suas indignas mãos para Me crucificarem em seus sujos corações. Juntaram os seus crimes ao de toda a humanidade ingrata. Se não fossem os teus sofrimentos para quantos já se lhes tinha aberto o inferno e já estavam condenados. Coragem, confia em mim. Dá-Me dor, toda a dor, e não digas que os teus sofrimentos nada valem; valem tudo para as suas almas. Dás-Me tudo que te pedir? Dás-Me toda a dor que te exijo?

― Tudo, tudo, meu Jesus; nada Vos nego. Só Vos peço a graça e a força divina.

― São para o mundo, filha querida; o meu divino coração é amor, só amor, quer abrasá-lo, quer queimá-lo, quer salvá-lo. E é por ti que Eu o abraço, que lhe dou esse amor; e é de ti que Eu Me sirvo para o salvar. Pede, pede oração, pede penitência; diz que é Jesus a pedi-la, diz que é Jesus que pede com urgência. Depressa, depressa, a empregarem-se os meios, a aplicar-se a medicina por Mim indicada. Abre o meu Divino Coração; és senhora dele, tens a chave, dá-lhes entrada. Abre-se o meu divino Coração cheio de amor e misericórdia, para o receber. E abre-se a abóbada do firmamento para sobre a terra culpada, descarregar Meu Pai, a Sua justiça divina. Que escolha. Meu Pai não pode ver-Me ofendido. O que espera o mundo! As nações preparam-se falsamente com armamentos e artes venenosas. Estão a enceleirarem-se, à semelhança da formiga. Acode-lhe, acode-lhe, dá-Me a tua dor. E, com mais vida e coragem ma poderes dar, recebe a gota do Meu Divino Sangue, não mais deixarei de ta dar. Recebe-a por um tubo, formado do meu amor, que será para o teu coração fogo divino, uma transfusão de amor.

O tubo era cor de fogo, a gotinha de Sangue de Jesus caiu no meu coração e nele em todo o peito desfez-se aquele tubo como se fosse uma nuvem. Fiquei a arder e mergulhada naquele fogo doirado. Naqueles momentos tinha a minha alma toda a luz, Jesus não deixou o coração dilatar-se, acariciou-me e deu-me no rosto um ósculo divino.

― Vai sorridente para a tua cruz, vai espalhar este amor, vai infundi-lo nos corações. Tu és um portento de graças e maravilhas do Senhor. És e serás sempre a honra e a glória de Portugal, a luz e a salvação de todo o mundo. Confia, confia. Coragem, coragem.

― Obrigada, obrigada, meu Jesus.

7 de Junho de 1947 - Primeiro sábado

Estou sempre com medo do demónio; temo ceder às suas malditas seduções e temo ofender Jesus. Ele continua desesperado contra mim; ouço os seus uivos, sinto o seu ódio. Se ele pudesse derrotar-me, onde estaria eu. Queria levar a minha vida a praticar o bem, a fazer bem a todos. A todos queria consolar e confortar; a todos queria amar e levar comigo para o Céu. Não sei o que sinto; não é o meu coração que anseia isto; não é o meu coração que ama e a todos quer salvar. Que ternura eu sinto, ternura que não é minha! Foi nestas ânsias dolorosas de querer amar e não amar, de querer fazer bem e não fazer, de querer salvar e não salvar, que eu recebi o meu Jesus. Ele bem depressa transformou tudo, serenou-me, deu-me luz e acendeu mais fogo em meu coração, avivando o que já tinha.

― Minha filha, minha filha, hei-de abrasar-te, hei-de queimar-te e consumir-te no Meu divino amor. Tu amas-Me, tu amas-Me e dás às almas o Meu amor divino; criei-te para elas, para as salvares. São tantas a ofenderem-Me, mesmo aquelas consagradas a Mim. Custa tanto ser maltratado por aqueles que se dizem Meus amigos! Como está o mundo! Ai dele sem este calvário! Coloquei-te aqui, crucificada nesta cruz, para que, com esta crucifixão contínua, por ti as almas recebessem as Minhas Divinas graças e amor, por ti elas fossem salvas.

― Ó meu Jesus, como eu sou pequenina, como me sinto envergonhada diante da Vossa divina presença. Queria esconder-me, desaparecer de todos. Quem sou eu e quem sois Vós? Que vergonha terdes-me escolhido para as Vossas coisas, para a missão das almas. Não sei o que fazer, não sei o que dizer; sou a Vossa vítima.

― É assim pequenina e no escondimento, sem estares escondida, que Eu te quero. É nesta pequenez e escondimento que se encobrem as Minhas maravilhas. Minha filha, aqui tens o Meu divino coração e O da Minha bendita Mãe; quero uni-los ao teu; são teus. Os vossos corações são o depósito de todas as graças, de todas as riquezas e amor divino; o teu é o canal por onde elas passam às almas. Todo este amor, todas estas graças se irradiam em ti; transmite-as, infunde nos corações este amor, junta a ele a tua dor, salva, salva o mundo. Consola-Me, consola a Minha Bendita Mãe Oh! como Ela está triste!

― Como hei-de eu consolar o meu Jesus, como hei-de consolar a minha querida Mãezinha! Como pode a escrava consolar o seu Senhor! Eu prometo, Jesus, fazer actos de amor e reparação quantos me forem possíveis, para assim ver a alegria em Vossos Santíssimos Corações.

Que confusão a minha quando recebi das mãos de Jesus os Seus Corações a arder de amor e no mesmo instante o meu juntar-se a Eles. Estavam como a avezinhas no ninho, de biquinhos abertos, sequiosos e famintas. Fiquei com os corações na minha mão, dentro duma taça doirada.

― Diz, Minha filha ao teu Paizinho que todo este amor lhe pertence. Para grande mestre das grandes almas, ele terá sempre para tudo toda a luz do Divino Espírito Santo; e em tudo quanto fizer, não erra; será sempre iluminado e guiado por Ele. Dá-lhe o meu Divino Coração e O da Minha Bendita Mãe, cheios de amor, coragem e confiança. Diz-lhe que estou com ele, e não lhe falto e que é assim que Eu trato as almas que escolho inteiramente para Mim. Diz ao teu médico (que o fiz procurador da Minha divina causa. Que continue a desempenhar a sua missão. Estou contente com ele. Eu encaminho as coisas, guio seus passos, para ele em tudo fazer a Minha divina vontade. Dá-lhe todo o Meu amor com o da Minha Mãe Bendita, na certeza que terá sempre a Nossa protecção em todas as coisas, para ele e para todos os que mais ligados estão por laços de amor no seu coração. Diz-lhe que a prova de quanto o amo está em pô-lo à frente de cuidar daquele que tem na terra a mais alta e sublime missão.) O mesmo digo para aqueles que com ele trabalham, te rodeiam, amparam e cuidam de ti: isto é, para todos aqueles a quem tu mais amas e mais intimamente tens em teu coração. O sinal mais certo de que Jesus e Maria muito as amam é tu amá-los também. Vem, Minha Mãe Bendita, consolar com o teu carinho a nossa filhinha e desabafar com ela as tuas mágoas.

Veio a Mãezinha, na mão direita trazia o Seu Santíssimo Coração e na esquerda o manto; entregou-me tudo e disse-me:

― Minha filha, à semelhança do meu divino Filho, entrego-te o Meu Santíssimo Coração com a chave; abre e fecha dentro dele as almas, para que elas do meu passem ao de Jesus. Eu estou triste com os crimes da humanidade. Há tanta imodéstia! O pecado da carne leva tantas almas às portas do inferno! Há tantas infidelidades nos casados! Que desonestidade! E contra mim são proferidas tantas blasfémias! Negam a Minha Virgindade, negam a Minha dignidade de Mãe de Deus. Promete consolar-Me! Pega o meu manto, cobre com ele o mundo, salva-o que é Meu filho.

― Prometo, Mãezinha, com a graça de Jesus fazer tudo para consolar-Vos e reparar tão grandes crimes.

Veio Jesus, e eu fiquei entre os dois. A Mãezinha beijou-me, abraçou-me, acariciou-me com Jesus. Os nossos rostos e lábios estavam unidos, como unidos tinham estado os nossos corações. Recebi força, recebi amor. Jesus acrescentou: tudo isto farei que transpareça em ti.

― Vai, pomba branca; vai alma fiel, vai tesoureira das riquezas divinas; vai distribuir pelo mundo, vai semear as flores do jardim celeste, nascidas e florescentes em ti. Coragem, coragem!

― Obrigada, meu Jesus; obrigada Mãezinha.

13 de Junho de 1947 - Sexta-feira

A minha vida é morte; continuo a viver a vida dos mortos. Que imensa sepultura, em que podridão estou sepultada; causa-me nojo, causa-me horror. Sinto-me a ser comida pelos bichos escondidos nesta podridão; sinto-os a mexer e remexer nesta imundice. E não tenho outra vida a não ser esta, nem outra luz a não serem as trevas do meu espírito. Triste cegueira que não me deixa ver senão horrores nojentos, apodrecidos. E eu tanto a amo, abracei-a tanto e sinto não poder estar neste mundo sem ela. Quanto mais me orgulho, mais me quero mergulhar. Quantas mais trevas, mais trevas anseio. Ó amor do meu Jesus, não vivo, não conheço, não vejo; as coisas do Senhor não mas mostram a minha cegueira, as minhas trevas. Não posso pensar que não amo a Jesus e tanto anseio amá-Lo e fazê-Lo amado pelas criaturas. Quero subir para Ele e caio. Não me revisto Dele nem das Suas coisas; nada compreendo do que é do Céu. Que pobre e ignorante que eu sou! É por isso que eu sofro e quase me chego a persuadir que a minha vida, de tudo o que diz respeito às coisas do Senhor é uma ilusão minha; não digo intrujice porque não quero enganar ninguém. Como pode Jesus descer do mais alto ao mais baixo? Bendito Ele seja.

O demónio tem lutado para me levar a praticar tantos males; só com a graça de Jesus poderei resistir. Sinto-me como se fosse por ele arrastada para a maldade, para os vícios. Parece-me que estou revestida dele e de tudo o que a ele pertence. Não tive os combates apesar de os esperar, porque a grande tormenta que ele me causava me levava a crer que ele viesse. Mas nem por isso deixei de sofrer, ao sentir-me por ele arrastada, seduzida para tantas coisas fracas e parece-me que estou dele revestida e mergulhada em todos os tormentos do inferno. Se ao menos com os meus sofrimentos evitasse o pecado! Se com tudo isto, eu amasse a Jesus e O visse em todos os corações amado! Tenho vivido, nestes dias, sem procurar viver, a minha vida de há quatro anos na Foz. Como eu recordo todos os sofrimentos, gestos e palavras. Está tudo tão gravado em mim e tão profundamente, que jamais se apagará. Tudo isto por amor do meu Jesus e às almas; e nem mesmo assim O amo e as salvo. Meu Jesus, que pena eu tenho de não Vos pertencer inteiramente. Lembro com profunda dor e vivas saudades o Santo Sacrifício da Missa. Já aos anos que eu a não tenho no meu quartinho! Não voltarei a ter este mimo do Céu? Estou pronta, Jesus, para em tudo ser a Vossa vítima. O meu coração, o meu espírito voa a Roma; não só acompanhando os que já partiram para lá, mas também para já estar junto de Sua Santidade para implorar e receber dele aquilo que não sabe, mas que anseia e sabe que só dele virá. Pobre de mim! Tudo anelo e nada possuo a não ser miséria.

Ontem, logo que caiu a tarde, senti como se me tirassem um vestido mundial, que me tornou o escândalo de toda a gente, tal era a podridão, de que ele era feito. E assim vestida vergonhosamente, segui e cheguei ao Horto. Ali, desceu o Céu, a esmagar-me, e toda a humanidade a rasgarem-me e a arrancarem-me do corpo todos os nervos e veias. O que ali sofreu Jesus, dentro em meu pobre corpo, que tinha o Horto, o Calvário, a cruz e a morte! Ao receber o beijo de Judas vi, não o meu rosto, mas o de Jesus e o dele muito unidos, e fiquei a sentir, por muito tempo, que aquele beijo, ingratidão e traição se iam repetir, através de todos os tempos. Oh! Como transbordou o cálice da amargura, enchido de sangue inocente.

Na manhã de hoje caí desfalecida ao pé da coluna; recebi a chuva de açoites, que sobre mim foi descarregada, e vi Jesus, dentro em mim, no mesmo sofrimento, de olhos fitos no Céu, em sinal de oração a Seu Eterno Pai. Fui coroada de agudíssimos espinhos; tomei a cruz, segui o Calvário; saiu-me ao encontro a Mãezinha. Que dor senti com o seu pranto e dor! As lágrimas que no Seu rosto corriam, corriam-me no coração. Em todo o percurso do Calvário não perdi mais a união com Ela. Eu não arrastava só a cruz, arrastava-A também a Ela, ou melhor, arrastava a Sua dor. Mais adiante veio a Verónica com todo o sentimento de amor limpar o rosto de Jesus gravado no seu. Jesus deixou-Lho imprimido como recompensa, ela apertou-o ao coração como o maior tesouro e na verdade o era. Se eu soubesse amar a Jesus como a Verónica O amou! Se eu assim O abraçasse para não mais O deixar! Ó meu Deus, ó meu Jesus, pobre de mim que nada sou e nada sei! Cheguei ao Calvário; caído ao pé da cruz, antes de nela ser crucificada, nova descarga de pancadas feriu e despedaçou mais o resto das minhas carnes. No alto da cruz não senti outra coisa a não ser Jesus com os Seus olhares divinos a ver todo o mundo, toda a ingratidão e com a vista do corpo fitar o firmamento a orar e a desculpar-nos a Seu Eterno Pai. Agonizou, expirou e eu com Ele. Tão depressa morri que logo vivi; foi Jesus que me deu a vida, chamou-me e disse-me:

― Vem, Minha filha, ao Meu amor, ao Meu divino coração é o dia dele; vem gozar do Céu, vem receber amor. Eu quero-te pura, sem manchas; quero-te digna de Mim. Esforça-te, corrige-te, de todos os teus defeitos. Dizia-te até agora que precisava das tuas faltas para Me esconder; agora digo-te: não as quero para mais Eu em ti aparecer. Quero que tudo o que é Meu em ti transpareça; quero que os teus olhares tenham a pureza dos Meus; quero que os teus lábios tenham o sorriso, a doçura dos Meus; quero que o teu coração tenha a ternura, a caridade e o amor do Meu; em suma: quero que em tudo Me imites, quero-te semelhante a Mim; quero que todo o teu corpo seja o Corpo de Jesus, um outro Cristo. És a nova redentora. Quero-te pura, pura com a Minha mesma pureza, quero-te digna de Mim, quero-te preparada para voares ao Céu. A dor e o Meu divino amor purifica-te; a dor e o Meu divino amor são de salvação para as almas. Vou ferir-te o coração; vai ser aberto pelo anjo S. Gabriel, para, depois, por essa abertura, por essa chaga trespassarem os raios do sol, os raios do Meu amor, para dele passarem ao mundo, passarem às almas. Antes disso, quero injectar-to de amor, quero preparar-to para receber o golpe. Em todo este tempo gozarás do Céu, gozarás do Paraíso; Jesus, no mesmo instante, não sei com quê, regou-me o coração com uma chuva miudinha doirada; aquela chuva causticou-me e parecia-me tê-lo separado do corpo[1].

Ao meu lado direito estava a Mãezinha, à frente, Jesus, e, à esquerda, o Anjo com uma lança na mão. Por cima de nós e em nós desceu o Céu com todo o seu azul, guarnecido de Anjos; muito no cimo, um grande trono da SS.ma Trindade. Tudo era luz, gozo, doçura e amor. A vida do Céu! A vida das almas! Vivia-se ali, mergulhada naquele amor de gozo, parecido com uma nuvem ou fumo branco, que por si se sustenta e conserva no ar; era um nadar de doçura. A um sinal de Jesus, o Anjo levantou a lança, cravou-ma no coração; trespassou-mo, dum lado ao outro; não senti dor. No mesmo momento que ele retirou a lança, vieram do coração de Jesus para o meu muitos raios de amor mais belos que ouro, mais brilhantes e encantadores do que os raios do sol ao nascer. Trespassaram-me todo o coração esses raios, e pareciam reflectir-se no mundo e nele se espalharem. É indizível o gozo e o fogo que eu senti. Disse-me, do lado, a Mãezinha.

― Minha filha, Minha filha, salva o mundo, salva os meus filhos, salva-os comigo, salva-os com Jesus. Coragem, muita coragem, Eu serei contigo! Já reflectiste que faço do teu quarto a Cova de Iria? Já reflectiste que, como em Fátima, aqui desço todos os meses, não falando nas vezes que, como hoje, venho a convite do Meu Filho? É para te dar conforto e encorajar. Recebe as minhas carícias.

Apresentou-me Jesus uma cruz, pôs-me sobre ela; por trás Dele estava outra, era a de Jesus.

― Minha filha, a alma, que sofre por amor, goza na cruz. Aqui a tens; é tua no Céu, é tua na terra. Em tudo te assemelhas a Mim. A Minha acompanhou-me do nascimento ao Calvário, e aqui a tenho resplandecente no Céu. Recebe a gota do Meu Divino Sangue. Recebe a vida, leva a vida, dá-a às almas. Não contes, filha querida, acudir-lhes aos corpos; o mundo não se regenera, não há emenda de vida, tem de ser punido, tem de cair sobre ele a justiça de Meu Pai. Mas prometo-te que a tua nobre missão será desempenhada com todo o brilho na terra e no Céu. Confia, confia; as almas por ti são salvas.

Recebi de Jesus o Seu Sangue Divino, que caiu do Seu Coração para o meu. Deixei de ver os Anjos, a Mãezinha, o Céu; ficou só Jesus. Disse-Lhe ainda com o coração a arder:

― Ó meu Jesus, eu não temo a cruz, temo a minha miséria. Com a Vossa graça divina suportarei todo o peso que me esmaga. O que eu não sei, meu Jesus, é como me hei-de tornar digna de Vós. Eu, Jesus, eu, meu amor, eu, a mais pobre e indigna das Vossas filhas temo e tremo.

― Coragem, esposa amada! És pequenina para seres grande; sentes-te horrorosa para seres Formosíssima. Essa podridão é do mundo, não é tua. Coopera Comigo, Eu tornar-te-ei digna de Mim, farei que tenhas toda a graça e pureza, que de ti exijo. Vai contente e alegre, vai para a cruz.

― Obrigada, meu bom Jesus; dizei por mim um outro obrigada à querida Mãezinha. Eu vou para a cruz, só por Vosso amor e por amor às almas. Mas vou ainda confiada que hei-de vencer o Vosso Divino Coração e Vós vencereis o Vosso Eterno Pai, para que o mundo seja poupado à Sua justiça Divina.

Ai, meu Deus, o tempo passa, foge e eu sem virtudes, sem amor. Que pobreza a minha! Quando recordo o tempo, que passei neste colóquio, sinto-me mais forte. Oh, como Jesus é bom!

20 de Junho de 1947 - Sexta-feira

As minhas trevas aumentaram tanto, tanto, que sinto, como se me tirassem a luz da eternidade. Se lembro o purgatório, medito no Céu, tudo são trevas, tudo é cegueira. Ó meu Deus, até mesmo a luz do paraíso se apagou. O mesmo se dá com as ânsias de amar a Jesus. São tão fortes! Aumentam tanto! Assim como aumenta o sentimento de O não amar, de não conhecer o Seu divino amor e de O não fazer amado. Derreto-me em desejos, em ardentes ânsias de O conhecer, de O amar, de O possuir, e nada consigo. Ó Jesus, como tudo isto fere profundamente o meu coração e dilacera todo o corpo até o destruírem, como se fossem dentes de ferro! Tudo por Vosso amor, meu Jesus, e pelas almas. Aceitai como se, a cada momento, me oferecesse a Vós como vítima. Tanto queria ter que Vos dar, meu Jesus, e amar-Vos até à loucura! Mas, ai! Pobre de mim, que nada tenho, e tudo o que é Vosso se me apaga. Quanto eu sofro, quanto eu sofro! Por Jesus querer que eu me corrija dos meus defeitos e me torne digna Dele, eu não sou capaz de me emendar, de uma vez para sempre, e nunca, por mim me poderei tornar digna de Jesus. O que hei-de eu fazer, Senhor? O que posso eu esperar, a não ser confiar em Vós, que podeis fazer de mim um instrumento, digno de Vós manejardes. Quero esconder-me, quero fugir para onde nunca mais possa ser vista. Não quero saber do mundo nem de nada, que nele existe. Se houvesse um lugar, onde pudesse esconder-me, para só sobre mim os olhares de Jesus, para só Nele pensar, Dele falar e para Ele viver! Que medo tenho do mundo e das criaturas! A minha alma sente que de alguma coisa, a meu respeito, se vai tratar, que muito se tem falado e se vai falar. Ela está com isso apavorada. Que ao menos Jesus se sirva de tudo isto, para reparar tantas ofensas, feitas ao Seu Divino Coração e ao Coração Imaculado da querida Mãezinha. São tantos os espinhos que me ferem! Jesus de tudo se serve para me martirizar. Bendito Ele seja.

O demónio tem trabalhado com todo o interesse para levar-me ao mal. Como ele trabalha para a perdição das almas! Com as suas maldosas lições estava sempre a temer os seus assaltos. Passaram-se uns dias e noites só com as ameaças. Veio na madrugada, veio com todo o furor e maldade diabólica. Todo o meu corpo parecia ser demónio. Por serem graves as coisas, que ele me apresentou, entendo não devê-las explicar aqui. Ele vinha com lanças nas mãos; entendi que era para cravar no Coração Divino de Jesus. Ao segundo combate, interveio Jesus, obrigou-o a retirar-se, disse-lhe: afasta-te, maldito, já tenho da Minha vítima a reparação, que desejava. Estava cansada, em suores; o coração batia aflitivo. Por vezes tinha repetido a oferta de vítima, chamando por Jesus e pela Mãezinha, não com o fim de me virem falar, mas sim para me acudirem, para eu não pecar. Ai, como são dolorosos estes combates! O demónio fugiu; a dor ficou com o grande receio de ter pecado.

Na tarde de ontem, vi o Horto com toda a dor. Digo vi, mas foi a alma que senti e viu as oliveiras, que iam ser testemunhas de tanta agonia, e o lugar, e o solo que ia ser ensopado com o suor de sangue. Aquela visão deixou-me o coração a sangrar e o espírito em negras trevas. Ao anoitecer, senti o Judas com o seu rosto tão gravado em minha alma, parecia que estava ali retratado com o seu rosto desesperado, com olhares e cabelos aterradores. Ao terminar da ceia, senti como se a Mãezinha beijasse e abraçasse, pela última vez Jesus. Que doçura era a dela! Que triste foi a despedida! Oh! Como falavam um ao outro aqueles corações. Cheguei ao Horto, ali desceu sobre mim a justiça do Eterno Pai, como se fosse um fogo vingador. Tinha nas mãos o cálice, que com tal justiça transbordava fora. Veio um Anjo, em tamanho natural, e pôs-se ao lado de Jesus, que estava em mim, como que ampará-Lo. Fui presa com Jesus, e para esta prisão vieram tantos, tantos homens com paus; com seus escárnios e maus-tratos, nos acompanharam, à presença dos pontífices e à prisão! Quando Jesus estava já lá sozinho, eu sentia a Sua tristeza, enfraquecimentos e suores, que Lhe banhavam o corpo. Lá O deixei até hoje.

De manhãzinha, da prisão vi o Calvário e a cruz; segui para ele com ela. A meio do caminho, foi tão grande a queda e a descarga de açoites que sobre o meu corpo caíram! Foi tal a crueldade e o rancor com que fui arrastada pelas cordas a tão grande distância! E se eu fosse arrastada sozinha! Mas ia Jesus comigo. Que pena a minha! Crucificada na cruz, depois de muitos insultos e blasfémias, senti a esponja passar-me nos lábios e senti, antecipadamente, a lança, que abriu o lado e atravessou o Coração divino do meu Jesus. Ó dor, ó dor indizível! Depois de tudo isto, eu sentia Jesus como que a querer despregar os braços da cruz para abraçar o Calvário, abraçar o mundo, que assim O feria. Que doçura e amor saíam daquele coração divino aberto. As lágrimas da Mãezinha corriam dentro de mim. Nesta dor, neste mar de ingratidão expirei com Jesus. Ele não se apressou em vir ressuscitar-me. Ao dar-me a vida, disse-me:

― Minha filha, a cruz é sinal de predilecção; a cruz é selo dos Meus eleitos. Aqueles a quem mais amo, aqueles que escolhi para Mim, para serem grandes na terra e no Céu, embora deseje vê-los pequeninos a Meus divinos olhos, são os que mais dores, tristezas e amarguras recebem, enviadas por Mim. Assim é, Minha querida filha, porque muito te amo, porque te amo sobre todas as criaturas da terra, muito te faço sofrer. Amas sem igual, sofres sem igual. Todo aquele que quer e ama o sofrimento, quer e ama a Mim. Tu amas-Me; confia. Apago em ti as Minhas coisas, faço-te sentir que não Me amas, para mais Me ansiares, para mais Me possuíres. Se soubesses como Me alegro e consolo com as tuas ânsias de amor! Como prémio desta consolação e desempenho da tua missão sublime, tens o Meu divino amor com toda a abundância, possui-lo com a maior intensidade, que uma criatura humana pode possuí-lo; tens todas as Minhas graças, todas as Minhas riquezas, todas as maravilhas celestes. Dou-te o poder, Minha filha, dou-te esta promessa: podes a todos quantos te pedirem a fé, a graça e a conversão, dar o Meu divino amor; enfim tudo quanto for para a alma, podes, em Meu nome, dizer: tudo receberás; sim, Minha filha, por ti tudo lhes será dado. Criei-te para lhes dares a vida e a saúde das almas e não a dos corpos, não é essa a tua missão, mas isto não impede que Me peças a sua cura. Quantos por ti têm recebido a cura dos corpos e ainda receberão. Mas a das almas, a missão para que te criei, se tu soubesses, Minha querida, a transformação, as curas prodigiosas que neste Calvário, neste quartinho se tem operado! Coragem. A tua cruz dá o brilho às almas, é luz que irradia por esse mundo além. Dá-Me dor, dá-Me dor, Minha filha; se não fosse ela, oh! como Eu hoje já tinha sido ferido! A reparação que te pedi, foi pelos sacerdotes. Pedi-te a reparação para não precipitar alguns no inferno. Dá-Me dor, deixa que a tua cruz raie no mundo como raios de sol dourado. Nela vives, nela morrerás, e no Céu brilhará com todo o resplendor.

― Meu Jesus, sinto-me pequenina, dia a dia me afundo mais. Vede quanto eu sofro, ao ouvir-Vos dizer tantas coisas. Vede quanto eu sofro, por não me recomendar dos meus defeitos, como Vós desejais. E vejo, meu Jesus, que nunca por mim me poderei tornar digna de Vós. O que hei-de eu fazer, meu Senhor, senão pedir-Vos com toda a alma e coração para que ponhais em mim toda a Vossa dignidade e depois dizer-Vos: descei, Jesus, já sou digna de Vós com o que é Vosso. Tende dó de mim ó meu bom Jesus; não sei o que hei-de fazer, não tenho forças para mais.

― Que grande meio Eu consegui, Minha querida filha, para te fazer sofrer. Nada temas, tem coragem! É verdade que te quero pura, pura só para MIM, para Eu mais poder aparecer, mas Eu encarrego-Me de suprir o que te falta; não te deixo resvalar. E tu, nessa ansiedade de em todas as tuas palavras, acções e de em todo o teu viver, seres pura, vais subindo, subindo, mais te aproximas, mais te unes a Mim. Fala, Minha filha, fala da vida interior, da vida íntima comigo, dá-a às almas, ensina-lhes esta vida íntima que tanto Me agrada, de que tu só sabes viver; é a gota do Meu Divino Sangue. Vem, deixa-Me unir o Meu Divino Coração ao teu.

Jesus tomou o Seu divino Coração, colocou-O sobre o meu, a gotinha do Seu preciosíssimo sangue caiu, mas Jesus não levantou do meu o Seu divino Coração; ficaram unidos o Coração de Jesus e o meu, como se fosse um só coração e Jesus continuou:

― Vais ficar por algum tempo nesta união; recebe de Mim toda a vida e conforto, bebe, bebe, saboreia este amor, sacia a tua sede; vai repartir, deixa-a transparecer a todos quantos de ti se aproximam, infunda-a nas almas, reparte, semeia. Fala-lhes da Minha bendita Mãe, do Seu amor, da Sua protecção, do quanto é necessário reparar o Seu Santíssimo Coração. É com ela que tu salvas as almas; sim, só as almas; os corpos já não contes, Minha filha. O mundo, o mundo, que ingrato, que cruel; perde-se, está louco, está louco a ofender-Me. Vai depressa para a tua cruz, para a cruz, que te espera, que é cruz de salvação. Dá-Me dor, dá-Me dor, dá-Me dor para morreres de amor.

― Dou-Vos dor, dou, meu Jesus; dou-Vos tudo quanto Vos aprouver pedir-me. Vou para a minha cruz, e vou contente; vou, mas vou ainda confiada. Quero as almas, quero as almas, mas, se puder ser também os corpos. Ó meu Jesus, sou a Vossa vítima. Sede comigo, e aceitai o meu eterno obrigada. Fiquei por muito tempo a sentir o Coração divino de Jesus, unido ao meu, e sentia-me mais forte.

27 de Junho de 1947 - Sexta-feira

Tenho que fugir, tenho que esconder-me, e não sei onde; não posso estar aqui. Que horror me causa o mundo com as suas coisas, com os seus habitantes! Para onde fugir, meu Jesus? Onde poderei esconde-me, a não ser no Vosso divino Coração? Mas a, pobre de mim, não tenho força, não sou digna de ser recebida por Vós. Estou cansadíssima, morro com ânsias de amar o meu Jesus. Quanto mais anseio, quanto mais peço, menos compreendo, menos conheço o Seu Divino amor. Sinto-me a morrer faminta e sequiosa; não encontro o que anseio; nem eu mesmo sei o que a minha alma deseja. Quero levantar-me e voar, voar ao alto, ir ao encontro da fonte em que anseia beber. As minhas trevas que eu amo e abraçai, estão em indizível aumento. Este voo, que eu anelei, vai, de momento a momento, ao Seu encontro. Tudo são trevas debaixo da terra, na terra, no ar, no firmamento. A minha alma ainda continua a alguma coisa querer de Roma. O meu coração está unido, preso por assim dizer ao Santo Padre; espera e confia que dele tem muito que receber.

Foi-me dado o gosto, por pessoa muito querida, de eu ouvir pela rádio a canonização de S. João de Brito. Ouvi Sua Santidade falar; sentia, tanto ao vivo, a presença de nosso Senhor nele, que me parecia ser a voz do próprio Jesus. Assisti à Santa Missa; ai, nem sei dizer o meu contentamento. Há quase seis anos que não tinha tido essa dita. Pedi tantas coisas a Jesus! Pedi-Lhe tudo o que era Dele para os que me são mais queridos, para a minha família, para todos os que às minhas pobres orações se recomendam, e por fim para o mundo inteiro. Ao ouvir o que se passava em Roma, lembrava-me do Céu, sim do Céu que em nada se pode comparar com as coisas da terra. Oh! Como eu acompanhava tudo isto! Com o sorriso nos lábios, satisfeita pela que ouvia, mas na dor mais profunda que se pode imaginar; o coração estava triturado e alma acompanhava, como que a chorar, o meu sorriso. Não se passou um momento sem ele sentir que ela chorava. As lágrimas da alma, a dor do coração eram imensamente maiores do que o contentamento e o sorriso dos lábios. Este contentamento e sorriso eram como que coisas humanas, que apesar de serem em mim, pareciam não me pertencerem. Por tudo louvei o Senhor e bendisse a minha cruz. Quero deixá-Lo desfazer-me em dor, para consolá-Lo e salvar-Lhe as almas. O que hei-de fazer, meu Jesus? O que daria eu por uma só alma! Sou pobre, dai-me a Vossa riqueza para com ela Vo-las comprar. Estou insatisfeita, sem ter que dar e sem saber falar para Jesus. Estou cheia de medo, sem saber de quem e porquê. Sinto que nova descarga de sofrimentos vem sobre mim; abro os braços para receber novos cravos; fito os olhos em Jesus para Dele receber conforto e para que Ele seja em mim o sinal d aceitação a tudo.

Ontem à tardinha, o meu coração revestiu-se doutro coração; este coração era mundial; estava nojento, negro de podridão; com ele ficou o meu escondido. O coração mundial cravava para dentro do seu muitas setas, muitas lanças. Principiou a minha agonia, sem nada dar a conhecer. Fui para a ceia e da ceia para o Horto. A caminho dele seguiam-me os Apóstolos, cansados pelas grandes maravilhas e coisas que tinham visto e ouvido de Jesus. A viagem foi silenciosa, mas, naquele silêncio, quantas coisas lhes dizia Jesus; como os amava e lhes falava naquele silêncio aquele divino Coração tão oprimido pela dor e também pelo cansaço! Por entre a escuridão das oliveiras, Jesus apressou o passo, foi para a gruta orar. Os apóstolos adormeceram. Sentia a aflição, o suor de Jesus, o palpitar do Seu divino Coração, espremido não sei por quem até dar sangue, que encheu até transbordar o cálice, que em Suas divinas mãos estava. Jesus ia a desfalecer; veio um Anjo amparar-Lhe o braço, que sustentava o cálice. Sentia a grande conformidade e aceitação de Jesus com a vontade do Seu Eterno Pai, e, nesse momento, os Seus divinos olhos estavam fitos no Céu; sentia-os na minha alma como dois sois ao raiar. A justiça divina caía, não sobre o coração podre, mundial, mas sim sobre o que por dentro estava, tão ferido pelo de fora. Fui cheia de maus-tratos para a prisão. Hoje, senti-me sempre com a cruz em todo o caminho do Calvário. Que escuridão; que desfalecimento; como eu ía oprimida pela cruz! Como o meu rosto foi ferido e o corpo pelas lajes arrastado; só perto da montanha me foi tirada a cruz, mas eu sentia-me como se sempre levasse o seu peso. Fui crucificada e levantada ao alto; nova chuva de sangue saiu das feridas dos espinhos, novamente profundas e alargadas. Não era a minha cabeça, era a cabeça sacrossanta de Jesus que eu sentia em mim. Esta dor veio tirar mais a vida do meu coração, já quase moribundo; para melhor me fazer compreender foi o coração divino de Jesus e não o meu. Sentia Jesus beber todo o sofrimento do Calvário tão sofregamente, que não levantou dele Seus divinos lábios; era a fonte de remissão e de salvação; queria bebê-la até ao fim. Que loucura de amor Jesus tem por nós! Com Ele enlouqueci, agonizei e expirei. Ele veio depressa; desceu como que numa nuvem que logo nela me absorveu. Jesus vinha resplandecente de glória, tudo eram raios de luz os quais logo penetraram todo o meu corpo.

― Minha filha, anjo de pureza, venho a ti, cheio de amor. Que grande reparação e consolação tenho tirado do teu sofrimento! Que beleza a tua alma; como ela se tem purificado! Com o teu esforço e desejo de emenda dos teus defeitos, como te tens tornado digna de Mim. Feliz a alma, ditosa a alma, que se deixa guiar, moldar e trabalhar pelo Artista divino. Como está rica! Eu trabalho e tu cooperas com o Meu trabalho. Escuta o que Eu te digo, Minha querida, esposa fiel, mensageira de Jesus. Venho hoje, na última sexta-feira do mês do Meu divino amor, dar-to com toda abundância. Ó maravilha, dou-to e faço o milagre de aguentares com ele. Daqui em diante, ocultarei mais as Minhas divinas palavras; será, como há tempos te prometi, um êxtase mais de amor. Mas, nem gozando deste amor, estarás sem dor. É um meio que Eu uso, filha querida, de esconder para ti as Minhas graças, as Minhas riquezas, as maravilhas prodigiosas, que opero em tua alma. Assim posso evitar qualquer falta da tua fraqueza, por mais leve que ela fosse; assim posso tirar para as almas grande proveito. Promete-lhes, promete-lhes, em Meu nome, a salvação, o perdão das suas culpas, a graça de não Me ofenderem; promete-lhes tudo o que é Meu, àqueles que o quiserem receber. Espalha, transmite, irradia todo esse amor, que hoje te dou. Criei-te para elas, por ti lhes dou tudo.

Quando Jesus disse que me dava todo o Seu divino amor, saíram das Suas divinas chagas e da Sua sacrossanta Cabeça, das feridas dos espinhos raios de fogo como raios de sol. Do Seu sagrado lado, da chaga do divino Coração vieram uns poucos de raios, juntos de encontro ao meu, vieram como setas que me feriram, e, ao mesmo tempo, abrasaram. Embebida naquele amor pareceu-me deixar; ao mesmo tempo que gozava, sofria; o coração ardia, todo o corpo parecia nadar em amor, mas a alma chorava e que dorida que ela estava. Meu Jesus, por que é que eu gozo e choro ao mesmo tempo? Pode mais a dor do que a alegria, por que é, meu Jesus?

― Minha filha, minha filha, quero que sofras no gozo por aqueles que nos prazeres se satisfazem e alegram. É sempre um meio de acudires às almas e de em ti esconder as Minhas maravilhas.

― Meu Jesus, a minha alma chora como chorava ao ouvir o que se passava em Roma. É sempre o mesmo fim que tendes em vista?

― Não, Minha filha, as lágrimas da tua alma serão um dia a alegria, a honra e a glória, não só de Roma, mas sim de todo o mundo e mais ainda de Portugal. Não virá longe esse dia; que grande triunfo no Céu! Dá, esposa Minha, tudo às almas, sofre por elas, salva-as.

― Meu Jesus, não quero fazer-Vos uma pergunta, mas queria dar o conselho que me foi pedido. O que hei-de dizer? Não quero nada contra a Vossa Santíssima vontade.

― Fala, Minha querida, falará contigo o divino Espírito Santo. É chegada a minha hora, os caminhos estão-lhe abertos, já não posso estar mais tempo ferido. Vem receber agora a gota do Meu divino Sangue, o Sangue que é a tua vida, o Sangue que é a vida das almas, o Sangue que corre em tuas veias, o Sangue de Cristo na sua crucificada. Quantas almas há, Minha filha, que se possuíssem este Sangue o guardariam como as mais santas relíquias. Vais recebê-las por um tubo feito do Meu divino amor. Será por este tubo que sempre o receberás.

Jesus tomou um tubo doirado, introduziu-o em meu coração, e sobre ele colocou o Dele. A gotinha do Sangue caiu, o meu ficou a dilatar-se; Jesus logo retirou o Dele, e, no mesmo momento, ficou ao meu lado cravado numa cruz. Ao vê-Lo assim, logo parou a dilatação.

― Minha filha, Minha filha, é sempre na cruz crucificada comigo que Eu te quero; é sempre a dor que te peço; dá-Me dor, salva-Me as almas; vive na cruz, nela morrerás, mas abrasada em amor, Eu to prometo, é Jesus que to afirma. Coragem! Eu estarei sempre contigo. Dá-Me dor; acode ao mundo, perde-se, está em perigo.

― Obrigada, meu Jesus. Sou a Vossa escrava, sou sempre a vítima do Vosso divino amor e das almas. Dai-me graça, dai-me força, não me deixeis um momento sozinha.


[1] Compare-se esta narrativa com aquela que fez Santa Teresa de Ávila, beneficiada com a mesma visão e ferida da mesma maneira:

« Via um anjo ao pé de mim, para o lado esquerdo, em forma corporal, se o que não costumo ver senão por maravilha. Ainda que muitas vezes se me representam anjos, é sem os ver, senão como na visão passada, que disse antes. Nesta visão quis o Senhor que o visse assim: não era grande mas pequeno, formoso em extremo, o rosto tão incendido, que parecia dos anjos mais sublimes que parecem todos se abrasam. Devem ser os que chamam Querubins, que os nomes não mos dizem, mas bem vejo que no Céu há tanta diferença duns anjos a outros e destes outros a outros, que não o saberia dizer. Via-lhe nas mãos um dardo de oiro comprido e, no fim da ponta de ferro, me parecia que tinha um pouco de fogo. Parecia-me meter-me este pelo coração algumas vezes e que me chegava às entranhas. Ao tirá-lo, dir-se-ia que as levava consigo, e me deixava toda abrasada em grande amor de Deus. Era tão intensa a dor, que me fazia dar aqueles queixumes e tão excessiva a suavidade que me causava esta grandíssima dor, que não se pode desejar que se tire, nem a alma se contenta com menos de que com Deus. Não é dor corporal mas espiritual, embora o corpo não deixa de ter a sua parte, e até muita. É um requebro tão suave que têm entre si a alma e Deus, que suplico à Sua bondade o dê a gostar a quem pensar que minto ». (Livro da Vida, cap. 29-13)

   

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