Julho
4 de Julho de
1947 - Sexta-feira
O tempo
passa, só eu não mudo; um dia dá-me o outro dia, uma semana outra
semana, um mês outro mês, um ano outro ano, e eu sempre na mesma, ou
antes, pelo contrário cada vez mais cega, mais fria e gelada.
Apagou-se por completo a luz da minha esperança; esperava, confiava
no passar da vida aumentar em zelo, virtudes e amor, enlouquecer-me
por Jesus, dar-Lhe aquilo que Ele anseia que eu seja; mas não, em
vez de aumento perdi tudo, tudo em mim morreu. Apagou-se a luz que
me iluminava e indicava o caminho; não posso ir para Jesus. Que
cegueira a minha! Não tenho ninguém, nem, ao menos, quem me guie.
Amo com loucura a minha cegueira de espírito, por ser esta a vontade
do meu Senhor. Estou na cruz, não posso desprender-me dela, nem
quero desprender-me; amo-a de alma e coração. Jesus assemelhou-me a
Ele, bendito Ele seja. Sou a Sua vítima, quero salvar-Lhe as almas.
Sinto-me crucificada, e, ao mesmo tempo, todo o corpo moído pela
lepra, a desfazer-se em cinzas. E a alma chora, ao vê-lo assim tão
miserável, tão criminoso e nojento. Sim, chora, chora continuamente,
chora por dentro. Não sei como posso ter o sorriso nos lábios quando
o coração e a alma soluçam, suspiram sem cessar. Ó meu Deus, que
luta a da minha vida, que mar tempestuoso, que tempestade furiosa,
destrói tudo; tudo está em ruínas! Eu caí, fui destruída, quero
reviver, quero levantar-me, e não posso. Neste desfalecimento fito a
Jesus e à querida Mãezinha, peço-Lhes amor, quero amá-Los, e não sou
capaz. Quando Lhe peço profundamente, por momentos, me parece
desaparecer do mundo, entrar no lado de Jesus e ir beber à chaga do
Seu divino Coração, e fico-me ali a beber, e de lá trago mais vida e
conforto. Com este conforto, sinto como se batessem em mim umas asas
teimosas a tentarem levantar voo ao alto, para me levarem à
verdadeira vida. Mas a dor, as cadeias da dor, prendem-me à terra,
tenho que ficar, não posso voar, não posso partir ainda.
O
demónio anda raivoso, de olhos esgaçados, aterradores, a tentar
assaltar todas as janelas dos meus sentidos; tenta perder-me, quer
arrastar-me, quer levar-me com ele. Que medo eu tenho de, por
qualquer forma, fraquejar e ferir o meu Jesus! Temo o maldito, temo
as criaturas. Não sei o que me espera, de por outra não sei o que
espera a causa de Nosso Senhor. Venha o que vier, estou pronta para
os golpes, para receber novos espinhos. Jesus e a Mãezinha serão a
minha força.
Ontem,
logo ao cair da tarde, o Horto foi para mim um leito de espinhos;
espinhos no corpo, espinhos no coração e na alma, espinhos em todo o
meu espírito. Que tarde de amargura! Ao inclinar-se o dia, ao cair
da noite, vi a terra Horto, o lugar que havia de ser regado com o
meu sangue. Num impulso de amor, queria beijar e abraçar essa terra.
Via os ânimos e cuidados com que se preparava a ceia; apesar de ser
preparada como se fossem ordens minhas, eu não saía da minha
tristeza e amargura. Via que ia ser a ceia do amor, das maravilhas,
como outra jamais seria, mas não saía do meu sofrer. Fui ao Horto, o
sangue regou a terra; vi muitos vermezinhos a beberem nele e nele
viverem. Vi muitos outros que dele fugiam, sem lhe quererem tocar. A
agonia aumentou, o sangue encheu o cálice, transbordou fora. Foi
assim que o ofereci ao Pai. Neste momento, um orvalho fecundo, um
orvalho de amor orvalhava a terra; ia ser para as almas, no decorrer
dos tempos, orvalho de vida e de salvação. Novo sofrimento veio
tirar-me o conforto desta visão. Fiquei, entre o Horto e o Calvário,
esmagada como dentro de uma prensa, tinha que beber a amargura, até
à última gota.
Hoje de
manhã, senti-me levada por alguém, que me deu a mão, à varanda de
Pilatos. A cabeça ia cheia de espinhos, o rosto coberto de sangue,
todo o corpo ferido e despedaçado. Vi e ouvi a grande multidão que,
a uma só voz, sem se condoer de mim, bradava a minha crucifixão. Vi
a cruz, que, pouco depois, senti a meus ombros para seguir para o
Calvário. O Coração divino de Jesus tinha para todos os algozes,
que, no caminho da Via dolorosa O maltratavam, afectos de tanto
amor; parecia que Jesus em troca de tão maus-tratos beijava,
abraçava e levava ao colo todos aqueles que o feriam! Estes loucos
de raiva; e Jesus, louco de amor. Que exemplo dá Jesus ao meu duro
coração! Nesta loucura de amor fosse aproximando a montanha, que,
sendo para mim, ou para Jesus que em mim subia, montanha de morte,
ia ser para a humanidade montanha de vida. A dor aumentava em união
com o amor. No alto da cruz, sentia no meu peito o de Jesus, que, de
aflição, arquejava fortemente; unido ao meu, palpitava o Seu Divino
Coração também; palpitava e batia fortemente, que fazia desfalecer o
meu, de cansaço. Da Sua Chaga divina, aberta pelo amor, não ainda
pela lança, saía um sol brilhante, um monte de raios doirados. Era a
vingança de Jesus para o mundo. Quanto mais o corpo de Jesus
desfalecia e gelava, mais a Sua Alma Santíssima desejava o momento
de expirar. A Mãezinha estava, ao pé da cruz, com os Seus
Santíssimos olhos lacrimosos, fitos em Jesus. Oh! como Ela
suspirava! Senti, como se Jesus se atirasse para os Seus Santíssimos
braços, para receber os Seus carinhos. Bem depressa Ela o iria
receber, mas já sem vida. Que agonia a de Jesus ao ver e saber
quanto a Sua Mãe Santíssima sofria! Ouvi o Seu brado ao Céu, o Seu
último suspiro; expirou. Pouco depois, veio e falou-me:
― Minha
filha, Minha filha, quem com Jesus vive, com Jesus morre; quem com
Ele morre com Ele ressuscita para a verdadeira vida; vem, vem a Mim,
vem gozar do Meu divino amor, vem confortar-te, vem viver.
Senti-me a nadar num mar imenso de amor e em igual mar de dor; não
sabia como nadar nestes dois mares, ao mesmo tempo.
― Meu
Jesus, gozo e sofro ao mesmo tempo; não se viver; bendito sejas Vós
por assim me teres neste sofrimento.
― Minha
filha, esposa fidelíssima, és o Meu retrato; Eu estava na cruz,
sofria e amava; sofria os maus-tratos, sofria os crimes com que ia
ser ofendido e amava os que Me maltratavam, a todos quantos Me
feriam. Tu estás na cruz, sofres, à Minha semelhança, e, à Minha
semelhança, amas. Amas as almas, amas o Meu Divino Coração; confia
em Mim. Eu sofria na cruz, e nem por isso deixei de amar. Goza do
Meu divino amor, recebe a Minha vida, o Meu conforto e dá-Me, ao
mesmo tempo, a tua dor.
Dito
isto Jesus ficou silencioso, e eu fiquei a ser queimada naquele fogo
e a nadar naquela dor. Passaram-se alguns momentos e voltou Jesus a
falar.
― É o
ouro no cadinho, a ser purificado, Minha filha; é a tua alma a ser
polida, a abrilhantar-se. Recebe a vida, mais vida, para dares às
almas e para viveres.
Voltou
Jesus novamente a ficar em silêncio. Depois de algum tempo,
mostrou-me o Seu divino Coração aberto, e disse-me:
― Minha
filha, o Meu divino amor não conhecido nem compreendido; é bem
pequenino o número dos que o conhecem e compreendem. Até mesmo os
sacerdotes, as almas consagradas a Mim, não conhecem o Meu divino
amor, não compreendem o que é uma ofensa feita ao Meu Divino
Coração. Vê quanto sofro! Consola-Me e desagrada-Me tu ao menos que
compreendes a loucura de amor deste Coração e a gravidade duma
ofensa feita ao mesmo Divino Coração.
Jesus
ficou novamente silencioso. Depois de algum tempo, fui eu, desta
vez, que exclamei:
― Jesus, meu doce amor, fazei que todos Vos conheçam e Vos amem.
Sois o Senhor, tendes o poder. Dou a todos as Minhas divinas graças;
rejeitam-nas, desprezam-nas.
― Faz-Me tu conhecido e amado. Vou dar-te, esposa querida, a gota do
Meu Divino Sangue. Vão dois Anjos introduzir no teu coração o tubo
do amor.
Vieram
dois Anjos, colocaram-se um de cada lado, introduziram no meu
coração um tubo doirado. Veio Jesus; no cimo do tubo colocou o
centro do Seu Divino Coração. A gotinha do Seu Sangue caiu, enquanto
que os anjos com toda a reverência se inclinavam para Jesus e batiam
serenamente, cada um por sua vez, as suas asinhas brancas. Jesus
continuou a falar-me, enquanto que eles, muito devagarinho, com toda
a suavidade, foram subindo até certa altura, da qual, depois num voo
rápido, desapareceram. Jesus deu-me o Seu Sangue Divino, e ficou a
chorar.
― Sofro
tanto com a ingratidão do mundo! Recebe esta vida e vai dá-la às
almas para as quais Eu te criei, Minha filha.
― Eu
vou, meu Jesus, mas não sem que estanqueis as Vossas lágrimas;
passai-as todas para mim, dai-me toda a Vossa dor, ficai na
consolação, e, depois, eu vou, meu Jesus.
― Foi
para isso, filha querida, para te condoeres de Mim, para ficares na
dor, que Eu chorei. Vai, louquinha de amor, vai, encanto de Jesus;
vai para a cruz que te espera; abraça-a, e, abraçada a ela, pede ao
mundo que não peque, que se converta, que Me ame, que venha a Mim.
Coragem, muita coragem; para que Eu não sofra, para que Eu não
chore, sentirás sempre na alma as Minhas lágrimas, e em teu coração
a Minha dor. Coragem! Eu estou sempre contigo
― Obrigada, meu Jesus. Quero sofrer, quero chorar, para Vos
consolar. São as minhas ânsias: consolar-Vos, amar-Vos, salvar-Vos
as almas.
5 de Julho de
1947 - Primeiro sábado
Com o
coração lanceado, oprimido pela dor e a alma a derramar copiosas
lágrimas, foi que eu hoje recebi o meu Jesus. Esperava-O com
ansiedade, porque é só Ele a minha força. Baixou ao meu pobre
coração; fiquei unida a Ele, a gozar Dele, mas sem O ouvir falar;
não teve pressa em fazer-se ouvir. Falou-me, alguns minutos da Sua
entrada em mim.
― Minha
filha, sacrário onde habito, palácio onde tenho reinado, e no qual
prometo reinar sempre, até ao último momento da tua existência na
terra. Aqui estou, para confortar-te na tua dor e pedir-te mais,
ainda mais. Era do Meu divino desejo ter-te na cruz, sempre na cruz,
e sentires sempre, noite e dia, as Minhas divinas Chagas nas tuas
mãos, nos pés, no coração, e em tua cabeça sentires as feridas dos
meus espinhos e sobre o teu rosto caírem as gotas de Sangue que
brotam deles. Quero que sintas todo o teu corpo ferido e
despedaçado; quero-te assim constantemente ferida e crucificada;
aceitas?
― Já
sabeis que sim, meu Jesus; que só quero o que Vós quiserdes, isto é,
a Vossa divina vontade, mas por minhas forças não posso; dai-me as
Vossas e a Vossa graça, e, depois, fazei deste trapo do meu corpo o
que Vos aprouver. O que eu quero é amar-Vos; e as almas, meu Jesus,
quero salvá-las.
Jesus
calou-se, por algum tempo, deixou-me unida a Ele, mergulhada no Seu
divino amor. Interrompeu o silêncio:
― É
pelas almas que tudo isto te peço. Dá-Me dor, sempre dor, Minha
filha, ó Minha grande heroína. Tu amas-Me sem saberes que Me amas;
és Minha, sem sentires que és Minha. Quero-te sem luz, quero-te à
semelhança da avezinha, que, sem poder voar, ainda se esforça
batendo as suas asinhas para seguir seus pais, abandonar o seu
ninho. Coragem! Confia; depressa chegará o dia, em que acabam as
tuas ânsias, terás toda a luz e voarás para Mim.
― Meu
Jesus, eu não me engano? Tenho tanto medo de mim.
― Como,
Minha filha, poderei Eu consentir que se enganasse a Minha esposa
mais querida e fiel? Coragem! Confia; não falto às Minhas divinas
promessas; tudo se realizará. Diz ao teu paizinho que tenho um canal
introduzido em seu coração, pelo qual Eu passo para o dele o Meu
conforto, as Minhas graças e a abundância do Meu divino amor. E
farei que o Divino Espírito Santo lhe dê toda a luz para o iluminar,
em todos os caminhos, não errados, mas sim escolhidos por Mim,
caminhos que só escolho para aqueles a quem desejo coroar no Céu com
a auréola dos santos. Diz-lhe com firmeza; são palavras de Jesus.
Diz ao teu médico que um orvalho fecundo, uma chuva torrencial d
graça cai sobre ele e sobre todos os que ao seu coração estão presos
com laços de puro amor. É chuva de bênçãos, é orvalho de graças, é a
prova de quanto o amo. Se não amasse tanto o seu coração, não o
punha à frente da mais alta missão, que tenho na terra. Se o não
amasse tanto, não o tinha a cuidar das Minhas coisas e da esposa e
vítima, a quem mais quero e amo na terra. Vem, Minha Bendita Mãe, a
confortar a Nossa filhinha; vem depressa para depressa te retirares.
Veio
logo a Mãezinha, tomou-me no seu regaço, estreitou-me ao Seu
Santíssimo coração, beijou-me, acariciou-me e começou a bafejar-me
as mãos, os pés, o coração, a cabeça e, depois, todo o corpo.
― É o
bálsamo para as tuas chagas, para as tuas feridas, Minha filha. Eu
virei de longe a longe, suavizar o teu sofrer. Atende ao pedido de
Jesus; deixa-te viver chagada, sofre para O teu e meu Jesus não
sofrer, chora para Ele não chorar; vai acudir às almas, vai
salvá-las. Conta com o auxílio da tua Mãezinha. Leva a minha graça,
carinho e amor aos que te rodeiam, aos que cuidam d ti. Se soubesses
como a todos amo também!
Veio
Jesus, e acrescentou:
― Une
tudo o que é Meu ao que te deu Minha Bendita Mãe; leva aqueles a
quem amas, mesmo sem sentires que os amas. Confia que não deixaste
de os amar. Amá-los desta forma é o amor mais puro, é amares-Me a
Mim, acima de tudo. Vai distribuir, vai semear, vai salvar o mundo.
Dá-Me dor sempre mais dor, dá-Me dor sempre na cruz.
― Ó meu
querido Jesus, á minha querida Mãezinha muito obrigada, sou a Vossa
vítima. Dai-me a graça de Vos ser fiel, dai-me força e amor para
tudo sofrer.
11 de Julho de
1947 - Sexta-feira
Não sei
se estou ou não estou, se vivo ou não vivo no mundo. É na verdade,
isto que a minha alma sente. Por vezes examino-me, interrogo-me a
mim mesma: estou no mundo? Vivo nele? Ó meu Deus, parece-me que não
vivo. As minhas trevas morreram e eu morri nelas, e nem por isso a
ele abraçada. Ali, mais se me abriam as chagas e sobre ele mais as
minhas carnes eram despedaçadas, e o sangue mais corria, mas inútil;
a pedra não amolecia.
Nos
entusiasmos e alegrias da ceia, não deixei de abraçar o Horto; via
as grandes maravilhas de Jesus. Senti o amor com que S. João se
inclinou ao Seu Santíssimo peito e o amor que, naquele momento,
Jesus lhe fez sentir. Vi a luz, senti o amor de Jesus, ao dar-se a
nós em alimento, mas o Horto não o pude deixar; segui então para
ele. Que suor se sangue tão forte! Que agonia e amargura indizível!
Levantei ao Pai o cálice e o sangue que transbordava regava o solo.
Ouvi uma voz, que com toda a doçura dizia: amigo meu, a que vens? É
com um beijo que entregas o teu Senhor! Que mal te fiz Eu a não ser
amar-te? É assim que correspondes? E logo apareceu Judas que beijou
Jesus.
No
mesmo momento, vi uma lança muito aguda, que veio a espetar-se no
Coração Divino de Jesus. Ele foi com ela para a prisão, no meio dos
maus-tratos; não lha tiraram mais. O aumento dos maus-tratos
aviva-Lhe mais a ferida feita por tão profunda lança. Saí, hoje, da
prisão com Jesus; sigo com Ele para o Calvário. Sinto que a lança cá
vai no Seu divino Coração e no meu, estão os dois num só, sofrem e
sangram ambos, ao mesmo tempo. Sinto e vejo cair e levantar-se, para
logo voltar a cair. Que sofrimento tão grande! Todo o Seu Santíssimo
Corpo ferido, todas as feridas mais se avivam nas lajes, ao ser tão
cruelmente arrastado.
Por
vezes, vou eu a querer amparar Jesus, e não sou capaz; e não O posso
ver sofrer assim. Que Calvário tão doloroso: Jesus desfalecido e eu
também! Se eu O amasse, como Lhe dispensava em tais sofrimentos o
meu amor! Sofro por O ver sofrer, sofro por O não amar. Ao
aproximar-se o cimo da montanha, caí sem vida. O que lá me esperava
ainda! O mundo, o Calvário de toda a ingratidão! No alto da cruz, o
rosto de Jesus ainda era escarrado, e contra Ele proferiam muitas
blasfémias. Jesus na Sua bondade infinita, como recompensa parecia
mostrar-lhes o Seu Divino Coração, aberto pela dor e pelo amor, e
convidava-os a entrar dentro. A uma recusa a Sua Santíssima alma
chorava, eu sentia as Suas lágrimas. “Meus filhos, por que Me feris,
por que procedeis assim?” Eu ouvia este murmúrio do Seu divino
Coração. A agonia aumentava, já não era vida humana que fazia viver
Jesus, mas sim a vida divina. Momentos antes de expirar, fez-me
sentir e compreender que se viu morto, descido da cruz e depositado
nos braços de Sua Santíssima Mãe; e, e com a dor Dela unida à Dele,
assim expirou. Nesse momento, senti que de Jesus saiu um sopro de
luz, um sopro suave, um sopro de vida. Jesus não se apressou a vir.
Quando veio, disse-me:
― Minha
filha, minha filha, vem ao Meu divino Coração, vem ao fogo, vem ao
amor, que tanto anseias; é fornalha acesa, é fogo que não mais se
apaga.
Senti-me dentro do Coração divino de Jesus, coberta com as Suas
chamas. E Ele, por algum tempo, ficou silencioso.
― Recebe esta vida, Minha filha; é a vida que tu vives e a que Eu
quero dês às almas. Recebe-a, espalha-a, semeia-a. Ama-Me, ama-Me
por elas. Se sempre Me amares com o amor com que Me tens amado e
anseia amar, Eu prometo dar-te muitas bênçãos e graças, não para ti
que já de todas te enriqueci, mas por ti as almas as receberem. Eu
farei que sejas para elas como raio fulminante; não raio que tira a
vida, mas sim que lha dá, fazendo-as viver para a graça.
Jesus
voltou a calar-se; desta vez, fui eu a falar.
― Meu
Jesus, não Vos amo, não tenho amor, não Vos sei amar e não sou capaz
de me tornar digna de Vós.
― Confia que Me tens amor, que Me amas loucamente. Quando te disse
para te tornares digna de Mim, Eu vi com a Minha sabedoria infinita
o muito que ias sofrer. Foram dois os proveitos: as almas e o maior
aperfeiçoamento da tua. Que consolação para Mim ver o esforço da
Minha esposa mais querida a corrigir-se das faltas, que Eu mesmo
permito, para mais se embelezar e tornar digna de Mim. Faço tudo
isto, Minha filha, para acudir às almas.
Depois
de mais um pouco de silêncio continuou sempre Jesus.
― Deixa-Me agora, Minha filha, esconder-Me eu em teu coração,
deixa-Me fugir do mundo; não vê-lo assim a pecar, a ofender-Me. Está
no campo do pecado, do gozo, do prazer, da vaidade, da imodéstia. As
praias, Minha filha, os bailes, casinos e cinemas, quantas
inocências roubadas, quantas mortes de almas! Foi a reparação que te
pedi, foram os combates do demónio. Continua a dar-Me essa
reparação. Pede-Me pelas almas; não Me peças, não Me peças, não Me
peças pelos corpos, que esses não têm remédio. O mundo, o mundo; o
que o espera!
― Meu
Jesus, meu Jesus, lembrai-Vos do Vosso amor, da Vossa misericórdia,
e, como do alto da cruz, dizei agora ao Vosso Eterno Pai:
perdoai-lhes, que não sabem o que fazem. Perdão, meu Jesus, perdão;
quero acudir às almas, quero acudir aos corpos, quero sofrer e amar
por todos; sou a Vossa vítima, meu Jesus. Estai sempre em meu
coração, para ser este ferido e não Vós.
― Tem
sempre nele, Minha filha, aceso o fogo do teu amor, da tua caridade
de todas as tuas virtudes; quero ser nele abrasado. Deixa, esposa
querida, grande heroína, estarem sempre em ti bem gravadas as Minhas
divinas chagas e espinhos, que Me ferem. Para viveres e resistires à
dor, recebe a gota do Meu divino Sangue; sou Eu mesmo o enfermeiro a
introduzir o tubo em teu coração.
Jesus
colocou-o, e sobre ele colocou o Seu Coração divino, para a gotinha
do sangue cair.
― Vai
dar esta vida, vai acudir às almas.
― Não a
sei viver, meu Jesus, nem a sei distribuir. Eu só queria esconder-me
e não aparecer mais. Não sei se estou a fazer bem ou mal, nem de que
forma Vos dou mais glória, sozinha ou recebendo a quem vem? Que medo
eu tenho de viver e de me enganar e perder a união Convosco.
― Bem
escondida estás, Minha filha, dentro em Meu divino Coração. Nada
temas, porque estou contigo. Não te enganas nem perdes a união
Comigo. Quero que faças o sacrifício, recebendo quantos vierem,
tenho-te aqui por isso. Quantas pessoas receberes, são outras tantas
almas que têm o Céu certo. Quantas delas compreendem a tua vida de
união, a tua vida íntima Comigo, e, compreendendo-a, aprendem-na, e
principiam a vivê-la. Coragem, coragem, mensageira de Jesus, mestra
das ciências e maravilhas divinas. Coragem; vai para a cruz que te
espera; bem pouco será o tempo que viverás nela. O Céu espera-te, o
Céu espera-te, Minha amada filha.
― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Vou para a cruz e vou contente;
vinde comigo para ela, não para sofreres, mas para me dares a Vossa
força divina. Vinde, vinde, meu Jesus: sem Vós nada posso. Obrigada,
meu Jesus; sempre o meu eterno obrigada.
18 de Julho de
1947 - Sexta-feira
A minha
vida morre nas trevas; eu já morri, e o que em mim vai nascendo,
nelas vai morrendo sem conhecer a vida; apenas nasce, logo morre.
Tenho o meu espírito tão escurecido parece-me que não sei
compreender nem dizer o que sofro, o que em mim se passa. Eu sei que
sofro dores, tristezas, amarguras, agonias de alma, mas não sei
dizê-las, nem compreendê-las, nada ou quase nada. Apesar de ser em
mim o sofrimento, sofro tanto à distância, sinto que não é meu o que
sofro, e por ser tão longe e não ser meu, nada dele sei falar. Não
me preocupa o não me compreenderem nem saber falar da minha dor,
mas, sim, não sofrer como Jesus quer, com a perfeição que Ele quer,
e não saber o que Ele quer. Causa-me verdadeiro horror o ver-me
visitada por tanta gente. Tenho até nojo de mim, e pergunto a mim
mesma: o que vem esta gente ver? Coitadinhos! Se vissem o que sou! E
falo assim, porque sinto e vejo em mim um mundo de vergonhosa e
nojenta podridão, podridão de tudo quanto há de imundo. Pobre
gentinha que não vê o que eu sou! Esta repugnância e horror, que
agora sinto às visitas, não é igual àquele que até agora sentia;
este é mais sofrimento de alma; o que sentia era mais pelo cansaço e
desejo de estar sozinha no silêncio, na união com Jesus. Este é mais
horroroso, por ver que sou só podridão, que sou a vergonha da
humanidade, indigna de aparecer aos divinos olhares de Jesus e ser
assim tão visitada sem a pobre gente saber o que visita. O Senhor
seja comigo, com a Sua graça, para que eu possa sofrer e ter aquela
pureza de alma e corpo que o meu Jesus quer e eu devia ter. Ó meu
Deus, ó meu Jesus, não sou digna de Vós. Onde está a minha
perfeição? Em nada a encontro.
O
demónio veio-me com dois os assaltos; veio de repente sem eu o
esperar. Comecei a aborrecer e não querer junto de mim o crucifixo
nem a querida Mãezinha, e ele logo me assaltou com gestos e feias
palavras. Eu fiquei conhecedora de todas as maldades; nestes
momentos, parece-me não haver pecados nem crimes que eu não conheça
e não pratique, o que, graças a Deus não acontece fora destes
combates. Lutei, lutei; o suor banhou-me o corpo; o coração parecia
abafar-me, dentro do peito. Chamei Jesus e a Mãezinha para não
pecar. Ser vítima sim, mas pecar não. Fiquei aterrada e cheia de
vergonha, sem poder abraçar-me ao crucifixo. Quando pude, abracei,
acariciei a Mãezinha, e disse-Lhe: Mãezinha, Mãezinha, o que é a
minha vida; tende compaixão de mim.
Passei
três dias sem receber o meu Jesus, não posso dizer o meu
desfalecimento; tinha fome Dele. Senti tanto a Sua falta! Sofria
como se tivesse as chagas abertas e a cabeça cercada de espinhos;
sentia como se das Suas feridas corresse sangue; e, por vezes, dos
olhos, ouvidos e boca sentia-o correr também; o meu corpo era como
se fosse uma só ferida. Faltava-me o receber Jesus, que é a força de
tanto sofrer.
Chegou
a tarde de quinta-feira; começou o meu Horto com o ver chorar Jesus
sobre Jerusalém; mas desta vez, as lágrimas de Jesus não eram só
para a cidade, eram para o mundo inteiro. A minha alma chorava com
Jesus; chorava como há tempos para cá chora, sem parar, mesmo no
meio daquilo que me possa dar alegria; não sei pelo quê a alma chora
sempre, mas, ao ver as lágrimas de Jesus, chorou mais ainda. A
seguir, vi as escadas pelas quais Jesus subiu depois de ser açoitado
e nas quais deixou marcados selos do Seu divino Sangue. Custou-me
imenso, custou-me profundamente este sentimento e visão. Pouco
depois, chegou alguém, que vinha de Roma; recebi presentes; eu
sorria e a alma chorava. Falaram-me de várias coisas, que eu, por
graça e misericórdia do Senhor já conhecia. Sofria ao ouvir, mas
quando me falaram das escadas que Jesus tinha subido e que eu há bem
pouco tinha visto e sentido, foi tal a dor, que me pareceu que o
coração rebentou e saiu fora do peito; faltou-me a respiração, e,
sem querer, dei um profundo gemido. Procurei mudar de assunto. Como
a fome de Jesus era muito grande, disse que não tinha comungado. Um
santo sacerdote, que estava presente, foi-me buscá-Lo. Recebi-O;
incendiou-me de fogo o coração e o peito; curou-me, por algum tempo,
as feridas da alma, e, numa união muito íntima, Ele disse-me:
― Venho
abrasar-te com o Meu divino amor; quero queimar-Me também no teu,
Minha filha. Ama-Me, enche-te de Mim, mata a tua fome. Como Eu te
amo! Vê como Eu cuido de ti.
Pouco
depois, lá foi de verdade para o Horto. A agonia da alma deu ao
coração fortes impulsos que o obrigou o empurrar o sangue para as
veias até as rebentar. A terra foi regada com sangue. Vi Jesus
oferecer o cálice a Seu Eterno Pai no meio duma sebe de varas
espinhosas; cingiam-No de cima abaixo. Com eles cercado foi Jesus
preso e levado para a prisão. Oh! como eram grandes e agudos! Hoje,
ia já com a cruz, a caminho dom Calvário, caí e fui pela primeira
vez arrastada a grande distância, não pelas cordas, mas sim pelo
cabelo. Não deixei a cruz, levei-a arrastada, unida a mim. Quase sem
vida, cheguei ao cimo do Calvário; caí desfalecida, com o rosto em
terra, junto à cova, que já estava aberta para ser levantada a cruz.
Vi o sangue que havia de regar a cruz, encher a cova e correr o
Calvário. Fiquei nessa cruz crucificada. De longe a longe, ouvia os
gemidos e suspiros de Jesus. Que dor de alma! De vez em quando,
sentia o palpitar do Seu divino Coração quase moribundo. E, na mesma
ocasião, sentia como que os Seus divinos olhos agonizantes
estivessem em minha alma, e, momentos antes de expirar, ficassem por
um pouco entreabertos, como que a fitar o Calvário, a Humanidade.
Gelou-se-me o peito, e expirei com Jesus. Demorou muito a falar-me.
Quando chegou, ou quando se fez chegado, ficou como se mergulhasse
em meu coração os Seus divinos lábios, e bebia sem parar; eu ouvia-O
a beber sofregamente.
― Minha
filha, bebo na tua secura, sacio-Me na fonte do teu coração. A tua
sede de amor é amor. Quero beber, deixa-Me beber, mata-Me a sede,
que tenho de ser amado. Quando, junto de ti, Minha filha, as almas
te pedirem para implorares, para de Mim alcançares graças para elas,
pede-lhes, pede-lhes sempre que Me amem, que amem Minha Bendita Mãe.
Ama-Nos, filha querida; faz que sejam amados os Nossos Corações. Há
tão pouco quem Me ame e tanto quem Me ofenda! O mundo, o mundo, oh!,
como ele peca! Ama-Me, ama-Me, repara-Me com a tua dor.
Jesus
disse isto e ficou silencioso. Passados momentos, apareceu-me com
uma enorme cruz aos Seus Santíssimos ombros e as Suas divinas chagas
abertas. Condoída dos sofrimentos de Jesus, disse-Lhe com toda a
alma:
― Sou a
Vossa vítima; dai-me essa cruz, dai-me essas chagas, passai tudo
para mim, quero sofrer eu e quero-Vos, meu Jesus, na consolação.
Jesus
passou logo para mim a Sua pesada cruz, deu-me a beijar as Suas
divinas chagas, a principiar pela mão direita e a acabar pela do
coração. Ao beijá-las, vinham-me de encontro ao rosto chamas de
fogo. Ao beijar a do coração, pareceu-me ficar ali colocada, não
podia separar-me.
― Tira
do teu coração, minha filha, o bálsamo do teu amor, cura-Me todas
essas feridas, sê tu a minha enfermeira.
Queria
curar Jesus, e não sabia como nem com quê. Forçada não sei por quem,
principiei a tirar do meu coração o bálsamo de que Jesus falava,
principiei a espalhá-lo pelo Seu divino Corpo. Todo o ferimento
desapareceu.
― Que
confusão a minha, meu Jesus; eu pobre miséria não sou digna de tal
ofício! Curo-Vos com o que é Vosso e não com o que é meu.
Tudo
isto se passou, e eu sempre unida ao Coração de Jesus.
― É a
tua dor e o teu amor, Minha filha, a Minha maior consolação e
alegria. É a tua dor e amor o Meu desagravo e reparação; dá-Mo com
alegria, dá-Mo sempre na tua cruz. Sem te separares deste Coração
louco por ti, recebe do Meu para o teu, pelo mesmo tubo de amor a
gota do Meu divino Sangue; recebe que é a tua vida, a vida que dás
às almas. E prepara-te para receberes o teu alimento, a Minha divina
Carne. Dou, hoje, essa honra ao teu Anjo da guarda; foi ao teu
sacrário, ao sacrário da tua igreja buscar-Me para Me receberes.
Fui
obrigada a inclinar-me e a recolher-me. Veio o Anjo com a Sagrada
Hóstia, numa patena doirada; era patena de amor. O Anjo pronunciou
as palavras “Corpus Domini nostri Jesu Christi”. Não vi multidão de
Anjos, mas ouvia o zunir de muitas asinhas e o som mavioso das suas
vozes.
― Desceu, desceu e baixou a ti o amor, o nosso Rei, o teu Senhor.
O Anjo
da minha guarda ficou em sinal de reverência, ao meu lado.
― Vai,
Minha filha, bendiz e ama sempre o Teu Senhor, por tão grandes
maravilhas. Bendiz, beija e abraça a cruz, que te dou. Dá-Me toda a
dor que te pedi; é o remédio das almas, é a sua salvação. Coragem,
coragem; confia em Mim.
― Muito
obrigada, meu Jesus. Sede comigo, ensinai-me a amar-Vos, ensinai-me
a sofrer. Sou a Vossa vítima.
25 de Julho de
1947 - Sexta-feira
Quanto
mais corro, mais me foge Jesus, e foge-me com Ele o Seu divino amor.
Quero amá-Lo, e não amo; morro por Ele, morro pelas almas. A Ele não
O consolo, não O amo; as almas não as conquisto, não consigo
trazê-las ao Seu divino Coração. O que hei-de fazer, meu Jesus? A
quem hei-de procurar e amar, senão a Vós. É tal o desejo que tenho
de dar almas a Jesus, ainda mesmo depois da minha morte, que, não
podendo conter-me, escrevi por minha mão o seguinte: levei a minha
vida a sofrer, e levarei o meu Céu a amar e a pedir a Jesus por vós,
ó pecadores. Convertei-vos, e amai a Jesus, amai a Mãezinha. Vinde
vamos todos para o Céu. Se sentísseis, por algum tempo, os
martírios, que por vós sofri, estou convencida que não pecáveis
mais; e, se conhecêsseis o amor a Jesus, então morreríeis de dor,
por O terdes ofendido. Não pequeis, não pequeis, Jesus criou-nos,
Jesus é Pai. Isto mesmo eu queria gravado em letras, à volta da
minha campa, para comover, para chamar os pecadores a Jesus. Que
ânsia tão fortes de Lhe dar almas!
Quanto
mais faço, menos sinto fazer, e menos sinto amá-Lo. A minha sede é
insaciável. Não cessa de chorar a minha alma; não há luz para o meu
espírito; as minhas alegrias são morte. Tenho tanto quem procure
aliviar-me, consolar-me! E tudo isso, que eu recebo como mimos do
Céu, morrem sem que chegue a saboreá-los. Bendita seja a divina
vontade de Jesus!
O
demónio serve-se destes mimos, deste conforto que desejam dar-me
para atormentar horrorosamente a minha alma. Como pode Deus a uma
vida tão falsa, tão cheia de maldades, mimosear assim? É já a
recompensa na terra; para outra vida é o inferno, é a perda eterna.
Eu ando a cavar, a abrir a minha sepultura. O terreno é que eu o
abro, é falso, é nojento, cheio de podridão; é terreno, é sepultura
mundial. Que horror! Trabalho sem luz, cavo, e eu própria a
desfazer-me na mesma cinza, na mesma terra podre e nojenta. Sinto,
como se tivesse alguém dentro de mim, em lágrimas, num só suspiro,
numa tristeza sem igual. Ao observar toda esta podridão, vou
sentindo sempre o corpo ferido, a cabeça cingida de espinhos, as
chagas abertas e a do coração sem nunca lhe tirarem a lança. Veio
unir-se a este meu pobre coração o da querida Mãezinha, cheio de
setas. Como Ela sofre! Sinto-o bem. O Seu Santíssimo Coração não se
separa do meu; tenho assim de sofrer com Ela. Que doloroso martírio
o do meu corpo e da minha alma! Quantas vezes desfaleço e sinto não
poder resistir a tanta dor.
Ontem,
com todo este sofrer e a visão do Horto estava desolada e sem
nenhuma vida. Senti e vi com os olhos da alma Jesus em tamanho
natural, cravado na cruz e dela desprendeu os Seus Santíssimos
braços para me abraçar; ficou preso à cruz só pelos cravos, que Lhe
cravavam os pés. Com este abraço de Jesus levantei-me, fiquei com a
alma mais forte. Veio a hora da ceia. Vi Jesus sentar-se à mesa com
os Seus Apóstolos e ao sentar-se falou para Si o Seu divino Coração.
Manjar divino; a ceia do Meu amor. Todo o aposento se iluminou e
todos os Apóstolos ficaram embebidos naquele amor, que Jesus
irradiava pelos Seus divinos olhos, lábios e todo o Seu ser, porque
todo Ele era amor. Só Judas desesperado, com o demónio nele e o fogo
infernal, já não recebeu o amor de Jesus. Como Ele amava, sofria e
sorria! Como via tudo o que O esperava. Dali fui para o Horto; senti
o romper das veias, as lágrimas de sangue, toda a agonia. Quando
Jesus foi preso, vi Judas em atitude desesperadora a cravar no
Coração divino de Jesus, que estava dentro em meu peito um grande e
agudíssimo punhal. Por aquela grande ferida saíam raios doirados.
Com o punhal cravado e a espalhar amor, assim foi Jesus para a
prisão.
Hoje
com o mesmo punhal seguiu comigo as tristes ruas da amargura. Levava
no meu a lança e o Coração da Mãezinha com as espadas. Seguimos os
três a amargurada e negra viagem. No alto da montanha, ao pé da
cruz, fui despida. Sentia todo o corpo chagado e a essa chagas
colados os vestidos; saíram com eles pedaços de carne. No cimo da
cruz, continuamos os três a mesma dor. Senti que Jesus queria levar
o Seu divino Coração, aberto pela lança do amor, a cada alma, que
estava no Calvário e em toda a Humanidade, para lhes dar nele
entrada. Ele via que não Lhe era aceite a Sua oferta, por isso a
agonia aumentou. Cerrou os Seus divinos olhos e dizia: vou morrer,
aproveitai-vos do Meu divino Sangue, da minha morte se quereis
salvar-vos; morro para dar-vos o Céu. Isto foi dito momentos antes
de expirar. E, na maior agonia por ver tanto sofrimento inútil,
expirou. Sem O ouvir, sem O sentir, estive morta com Ele. Veio,
falou-me, deu-me vida.
― Coragem, Minha filha. Eu venho a ti dar-te a vida do corpo, dar-te
a vida da alma, confortar-te, levantar-te e desabafar contigo.
Confia em Mim, confia no que te digo, se não queres desgostar-Me. A
vida que vives, a vida que sentes, não é tua, á a Minha vida divina,
é a vida do mundo. Tu, és Minha filha, a partir de todos os
martírios; és a Minha maior vítima, experimentas todos os
sofrimentos. O Artista divino não cessa, um momento, de trabalhar em
ti. Quando Eu, ontem, despreguei da cruz os Meus divinos braços para
te abraçar, não era porque estivesse na cruz; na cruz estavas tu. Eu
vim confortar-te e provar-te que se não estives tu, estava Eu
crucificado. É assim que deves sofrer e amar. Aceitas, continuas
contente a estares sempre na cruz? Responde-Me, quero ouvir-te.
― E
Vós, meu Jesus, continuais a auxiliar-me, a sofrer em mim? Se assim
continuais, também eu continuo. O que eu quero é fazer a Vossa
divina vontade, amar-Vos e dar-Vos as almas, mas temo a minha imensa
miséria.
Jesus
conservou-se, por um espaço de tempo, calado. Eu fiquei a viver
Dele.
― Minha
filha, essa vida de miséria é a vida do mundo. A terra que cavas, a
sepultura que abres é o mesmo mundo a sepultar-se na sua perda
eterna. O que sentes em ti a desfazer-se são as almas desfeitas pela
lepra do pecado. Minha filha, Minha filha, as praias, os cinemas, as
casas de jogo e de perdição, as vaidades, e imodéstia, as ambições,
enfim todos os vícios é essa a podridão que cavas e a que abres a
sepultura. Pobre Humanidade a sepultar-se! Pobres vítimas a
imolarem-se! Pobres para os olhos do mundo, mas ricas, eternamente
ricas para Mim. Depois de outro intervalo de tempo, continuou o meu
Jesus. Minha filha, vítima inigualável, continua a dar ao teu Jesus
toda a dor, sempre alegre na tua cruz. Que podridão a do mundo! Que
ingratidão a da almas! Para mais aumentar o meu sofrimento,
juntam-se a tudo isto os crimes dos sacerdotes. Sofre, ora, repara
por eles. Meu Eterno Pai quer incendiar com o fogo da Sua divina
justiça as praias, cinemas, casas de jogo e de pecado. Sofre, sofre,
repara.
― Jesus, Jesus sou a Vossa vítima, imolai-me Convosco no santo
sacrifício, nos santos altares. Fazei Vós a oferta ao osso Pai para
aplacar a Sua justiça divina.
― Recebe, Minha filha, a gota do Meu divino Sangue, a vida do teu
corpo, a vida da tua alma, a vida das tuas almas; recebe-a sempre
pelo mesmo tubo de amor.
Jesus
introduziu o tubo no meu coração, e, e antes de colocar o Dele sobre
o tubo, bafejou-me por ele com os Seus divinos lábios, e dizia-me:
― É
bálsamo divino, é bálsamo de amor.
Depois
colocou em cima o Seu divino Coração, a gotinha do Sangue caiu
dentro do meu, fez-mo encher e viver mais fortemente. Jesus voltou,
de novo, a acalentar-me, para assim poder resistir a tanta fortaleza
do Seu divino amor. Após uns momentos, ficou na cruz. Mesmo assim
chagado, a sofrer, todo Ele era amor. De todas as Suas chagas saíam
sois brilhantes. O Seu Santíssimo rosto resplandecia de luz. Jesus
era todo dor e amor.
― Minha
filha, Minha amada filha, a tua cruz já te espera. Imita-Me; sofre e
ama ao mesmo tempo. Ama o Meu divino Coração, ama as almas,
acode-lhes. Repara, repara as ofensas, que Me são feitas. Fita-Me na
cruz, vive à Minha semelhança. Semeia, dá esta vida, a tua
sementeira dará frutos brilhantes. Sofres com Jesus, semeias com
Jesus, colhes com Jesus. Coragem, filha querida, vai em paz, cheia
de confiança. O Senhor é contigo. Não te enganas; és sempre a nova
redentora das almas.
― Obrigada, meu terno e doce Jesus; sede comigo, não me deixeis cair
no desfalecimento, e deixai-me confiar em Vós. Vou contente para a
cruz. Ai de mim, sem a Vossa graça! |