Novembro
1º de Novembro de
1947 - Sexta-feira
Vejo-me sempre coberta de misérias; causa-me confusão e horror.
Em tudo vejo maldade, em tudo vejo pecado. Só ao fazer o meu
exame de consciência, para purificar a alma pela santa
absolvição, não encontro pecados. Vejo em todos os meus actos,
em todas as minhas coisas, imperfeições, mas, não aquelas
maldades e crimes de que estou sempre sobrecarregada. Causa-me
profunda dor, encho-me de medo, não conheço os meus erros e
grandes defeitos, não sei fazer o meu exame de consciência. Será
assim? Ó meu Deus, tende piedade de mim.
Na
minha grande dor esperei a vinda de Jesus à minha alma com
grande ansiedade. Não fazia nada, e tudo queria fazer para bem O
hospedar em mim. Ele veio, baixou ao meu coração e ficou
silencioso, ficou como se não entrasse. A dor aguda continuava e
toda a noite me envolvia. Eu não me importava de deixar de ouvir
Jesus, o que eu não queria é que fosse por eu O ter desgostado,
obrigando-O a Ele não viver. De repente, acendeu-se como que uma
luz brilhante em minha alma, inundou-me a Sua paz divina e ouvi
dizer-me:
― Minha filha, minha filha, buscar-Me é querer-Me, querer-Me é
já possuir-Me. Ansiar amar-Me com sinceras ânsias é amar-Me
louca e apaixonadamente. Confia que Me amas e Eu te amo. A tua
alma é um jardim celeste entre o qual à sombra de mimosas flores
Eu Me escondo para não ser atingido pelos pecadores; e deliciado
pelo teu perfume aromático vou esquecendo a gravidade com que
sou ofendido. Minha filha, flor angélica, dá-Me a tua dor, dá-Me
o teu amor, repara-Me, repara-Me. Falo-te de amor, de dor e de
almas, por ser esta a tua missão. Sem a dor, sem o amor elas não
podem ser salvas. O mundo está em grave perigo, é necessário, é
urgente almas vítimas, almas justas, mas elas fogem-Me, poucas
são as que Me amam com amor verdadeiro, mas muitas menos as que
aceitam a imolação do sacrifício. Os sacerdotes, os sacerdotes
que mal Me fazem, que grande número tão gravemente Me ofendem.
Repara-Me, minha filha, não só pelos combates do demónio, mas
com muita penitência, muitos e muitos sacrifícios. Eu não quero
que façam penitências graves, porque não podes, mas daquelas que
com tão belas artes costumas inventar e fazer-Me. Repara-Me,
minha filha, repara-Me, tem dó de Mim.
― Meu Jesus, quero e não posso, não sei viver, não sei sofrer,
não sei reparar-Vos. Tenho medo de mim mesma, de tudo e de
todos.
― Nada temas. Diz tudo o que te digo, dita tudo, mesmo quando te
parecer que nada sabes ditar. Faz assim, para cumprires a Minha
divina vontade; faz assim, porque assim Me amas e fazes amado.
Diz ao teu Paizinho que o Meu divino amor, as Minhas divinas
graças são para ele superabundantes. O mestre de almas precisa
de graças divinas, precisa de amor para as conduzir a Mim.
Quantas mais almas Me entregar, mais enriquecido será por Mim.
Diz-lhe que o confiar e esperar sinceramente em Meu divino
Coração é já ter em suas mãos a realização de todas as Minhas
promessas. Confiança, confiança. Dá-lhe todo o Meu amor divino.
Diz ao teu médico que estou sempre ao lado e dos seus. As minhas
bênçãos e protecção estão sempre sobre ele. Diz-lhe que em tudo
Me deve ter sentido e bem representado o Meu poder divino. Para
todas as coisas já tem tido e terá doravante a luz do Divino
Espírito Santo. Diz-lhe que, em Meu nome diga ao Meu
queridíssimo Cardeal Patriarca que o Meu divino Coração ferve de
amor por ele como panela de água em vivas chamas. Que lhe diga
que confio e espero tanto dele para as Minhas coisas, como ele
confiou e esperou em Mim até ao fim. Eu não atendi aos seus
desejos, porque na Minha sabedoria infinita vi tudo. Quis
premiar aquele que tanto fez por Mim, e se avizinham laços
infernais para o fazerem cair. Há no mundo veneno mais perigoso
para as almas do que a víbora para os corpos. Satanás trabalha
tanto com os seus obreiros!
― Meu Jesus, não tenho querer; se eu o tivesse, preferia tudo
sofrer e calar-me a tudo isto. Faça-se como quereis, ó meu Amor;
sou a Vossa vítima.
― Vem, Minha querida Mãe; a Nossa filhinha não pode passar sem o
teu conforto e sem as tuas carícias.
Veio a Mãezinha, logo me tomou, em Seus braços, abraçou-me,
beijou-me, acariciou-me e disse-me:
― Minha filha, minha querida filha, faz tudo o que te pede
Jesus; está sempre atentas ao que Ele te diz, para que nada te
escape. Nada temas, confia em Nossa protecção, com o Nosso amor,
isto é, com o de Jesus e Meu. Ama-Nos e pede para sermos amados;
repara e pede para sermos reparados. Somos tão ofendidos!
Nesta altura ficou a Mãezinha a soluçar, debulhada em lágrimas,
e com o Seu Santíssimo Coração, cheio de setas e espadas.
― Mãezinha, Mãezinha, são para mim as Vossas lágrimas, setas e
espadas; não quero que Jesus sofra, não quero que sofrais Vós.
Para mim toda a dor, ó Mãezinha, para mim toda a dor.
Aproximou-se Jesus, estreitaram-me docemente os dois, ao mesmo
tempo. Disse, a Mãezinha:
― Vai, Minha filha, levar o amor de Jesus e o Meu, leva a Nossa
graça e protecção àqueles a quem mais amas; e depois distribui a
quem quiseres.
Jesus acrescentou.
― Vai, esposa querida, vai, e leva tudo; vai e diz aos que te
amparam, protegem e rodeiam e estão ao lado da Minha divina
causa, que a graça de Deus os cobre, que o Céu a todos espera.
Coragem! Não temas o demónio, ele odeia-te com o maior ódio, por
seres a terra a vítima que mais mal lhe fazes, mais almas lhe
roubas. Coragem, coragem! Leva a minha paz, vai para a cruz,
leva todo o Meu divino amor.
― Obrigada, meu Jesus; obrigada, querida Mãezinha.
7 de Novembro de
1947 - Sexta-feira
Jesus e a querida Mãezinha me ajudem a ditar o que vai na alma,
se é que com isso Os posso alegrar e consolar, fazendo a Sua
divina vontade. Sinto-me sem forças e sem vida para nada. Só do
Céu posso receber a força que necessito, para cumprir o meu
dever de obediência. Vontade do meu Deus, santa obediência! Oh!
se não fosse isso, este dever que me obriga a não ter querer nem
vontade, punha uma pedra, encima do meu passado, e um travão
firme para nada mais poder dizer da minha vida; abafava tudo,
tudo fazia morrer. Se vejo a minha vida só com os olhos no
mundo, é a vida mais triste que imaginar se pode. E para maior
tristeza e tormento é ver que o faço tristíssima para alguém que
mais de perto me rodeia. Para me levantar desta dor
aniquiladora, fito os meus olhos em Jesus crucificado e na
Mãezinha das Dores, recordo por um pouco o que por mim sofreram,
e, depois, tirando da cruz os olhares, fito-os no Céu, na Pátria
que me espera, na Pátria que Jesus criou para mim, onde eu posso
louvar e amar eternamente, sem ao menos poder recordar o que é a
dor, e então aí a minha vida é alegre e alegre a posso fazer
para todos que me rodeiam. É a vontade do Senhor, sou a Sua
vítima, são as almas a salvar.
Ó
alegria, santa alegria, alegria do Céu. Vontade do meu Senhor,
tesouro do paraíso, não te deixarei jamais. Eu não sei falar da
minha dor; as trevas que tanto amo e tanto me fazem sofrer não
me deixam dizer as razões e consequências da dor. Sofro, sei que
sofro, mas sinto que a dor me foge, que a dor morre, que não sou
eu que sofro.
As
trevas são para mim o que as nuvens são para o sol. As trevas
nada me deixam ver nem compreender. As nuvens não deixam ver o
sol nem aparecer. Eu quero sofrer sem alívio, não quero ter uma
palavra de desabafo com pessoa alguma, quero desabafar só com
Jesus e com a querida Mãezinha. Isto no que diz respeito à minha
vida; quero sofrer em silêncio, sempre em silêncio, apesar de
ter grande horror ao sofrimento. Quero-o, mas tremo de alma e
corpo como ramo verde a baloiçar com os ventos. Não sei como
enfrentá-lo; não sei como resistir a tudo que me espera; não sei
o que é, mas sinto-me apavorada.
Continuo a sentir no meu corpo todos os sofrimentos de Jesus,
todos os instrumentos da Sua divina Paixão. Tudo me martiriza e
faz sangrar o coração e alma. A fome e sede de Jesus é
insuportável, assim como insuportável é a fome e sede das almas.
Quero o mundo, quero o mundo, quero dá-lo ao meu Jesus.
Foram quatro os combates que tive com o demónio, foram combates
do inferno. Tinha mão para tudo, menos para me benzer e afastar
de mim o maldito. O corpo foi um banho de suor, o coração uma
máquina estrondosa. Sim, eu consegui chamar por Jesus e pela
bendita Mãezinha, mas o que eu não consegui, ou me pareceu não
conseguir foi chamá-Los a tempo. Eu gostava de ser cega e surda,
para não ver nem ouvir os ensinamentos do maldito e para me não
aterrorizar com o que ele diz contra Jesus. Mas, se assim fosse,
não podia combater nem sofrer, não poderia ser vítima do meu
Senhor.
A
tarde de ontem para mim pareceu-me não ter sol, ou melhor nunca
o ter conhecido. Em tão grande cegueira abafada pelo peso da
dor, os meus olhos quase não paravam, fitavam-se ora em Jesus,
ora na Mãezinha, únicas forças do meu martírio. Comecei a ver e
a sentir uma luz brilhante, a vida do Céu a manchar-se, a
envolver-se com a terra. Era Jesus que vinha a sofrer.
Principiei a senti-Lo a meter-se, a curvar-se debaixo do peso
esmagador da humanidade. Ele chorava, gemia, eram profundos os
Seus suspiros, mas eram só para Ele, encobria-os aos Seus
apóstolos, sofria sozinho. Pensava para mim: como Jesus me
ensina a sofrer; quero sofrer à Sua semelhança. Sim, agora mais
que nunca, só com Ele quero desabafar. Uni, meu Jesus, aos
Vossos os meus sofrimentos e fazei que eu aguente com tudo.
Avizinhavam-se os sofrimentos do Horto e toda a montanha do
Calvário pesava, cada vez mais, sobre Jesus e sobre mim, pobre e
indigna companheira Sua. Um painel grandiosíssimo, ou à
semelhança dele mostrava claramente quanto Jesus ia passar. Os
Seus suspiros eram cada vez mais profundos e abafadiços e assim
eram para mim também. Triste quinta-feira! Triste e doloroso
Horto! Tristes e dolorosas horas as de agonia de Jesus!
Parecia-me que os meus vestidos eram de espinhos que me feriam e
atingiam todo o corpo e alma. Com Jesus tudo sofri; com Ele suei
sangue, com Ele por Judas fui beijada, com Ele vi todos os
soldados caírem por terra e com Ele fui presa e segui para a
prisão.
Na
madrugada de hoje, de noite ainda, cansada, desfalecida por
muito sofrer, à prisão O fui encontrar desfalecido também. De
cabeça inclinada sobre a Dele, ali fiquei naquele escuro
cárcere, até com Ele aos tribunais ser levada. Esperava o povo
ver Jesus, em grande multidão, como para um festejo; queria
ouvir a sentença e regozijarem-se, ao ouvir condená-Lo. Tomei a
cruz, e com ela segui o Calvário, e com Ele me senti nela
crucificada. Em todo o tempo da agonia, fiquei como se o sol se
escurecesse; fez-se noite, tremenda noite na montanha. De longe
a longe, senti no meu coração moverem-se os lábios de Jesus,
quando os Seus olhos divinos se entreabriam a fitar o Céu. E
constantemente ondas pretas furiosas, batiam contra a cruz e
contra o corpo de Jesus e o meu que estavam nela. Essas ondas
desfaziam-me as carnes que ficavam numa massa se sangue. E assim
me senti morrer no maior abandono, na maior escuridão.
Passou-se algum tempo, desapareceu toda a treva, o sol dissipou
para longe as nuvens, iluminou-se brilhante e claramente a minha
alma, um fogo abrasador me incendiou o coração, fazendo passar o
calor das labaredas a todo o corpo; gozava duma grande paz, mas
sem ouvir ainda Jesus. Um pouco mais, e Ele disse-me:
― Minha filha, até aqui bateram sobre ti as ondas do mundo, as
ondas horrorosas do pecado, de grandes maldades e crimes e
cobriam-te as suas trevas, porque és vítima. Agora veio a ti a
paz e o amor do Meu divino Coração e toda a luz do divino
Espírito Santo. Coragem! Eu quero ser amado; faz que as almas me
amem. Eu tenho sede dos corações; repara-Me, conduze-os a Mim.
Coragem, minha filha, nada temas. A dor e o amor são as moedas
mais caras, são os selos com as quais selo as almas roubadas a
Satanás. Coragem, filha querida! Tu és o prado mimoso, onde
produzem as virtudes e desabrocham as flores plantadas por Mim.
Levanta-te, anima-te, não temas a cruz. No alto da montanha, no
cimo dela, Eu farei cair pelo teu coração todas as bênçãos e
graças de salvação para as almas. A tua vida será para elas o
perfume das flores, o gorjeio das avezinhas duma manhã
primaveril. Custa-te subir? Custa-te chegar ao cimo do teu
Calvário? Não estranhes. O remate das obras, o seu enfeite são
sempre o mais difícil. Mas, ó minha filha, a obra não cai,
confia em Mim. Principiei com alicerces tão firmes, que nada há
que a faça estremecer, a pontos de vir a terra. É a obra das
obras, é a obra mais sublime, é a missão das almas.
― Meu Jesus, ó amor meu, quero e não posso, desfaleço e caio;
amparai-me Vós. Não me importo de caminhar de rastos e sempre de
rastos ser humilhada, o que eu quero é estar na verdade e em
tudo fazer a Vossa divina vontade. Dai-me graça, dai-me graça,
meu Jesus, e fazei-me confiar cegamente. Quero sofrer tudo pelo
Vosso divino amor, mas custa-me, a mais não poder, ser causa de
grande sofrimento, de grande dor para os outros.
― Confia em Mim, alegra-te, Minha louquinha; estás na verdade,
és minha, vives de Mim. Que felizes e ditosos são aqueles que Eu
escolhi e associei ao teu martírio, ao teu grande, mas vitorioso
Calvário. Coragem, coragem! A tua dor dá vidas, as tuas trevas
são luz, que alumia as almas e vão brilhar aos confins do mundo.
Recebe agora a gota do Meu divino Sangue. Hoje não cairá duma só
vez; vai recebê-la, saboreá-la, como a abelhinha que
sofregamente saboreia nas florzinhas o néctar.
Jesus tomou em Suas mãos o Seu divino Coração; pelo centro saíam
labaredas que formavam uma só labareda; uniu ao meu coração e
fez que nele se introduzisse o pequenino tubo; senti-me como que
adormecer docemente. Assim demoramos, por um pouco. Depois,
Jesus retirou o Seu Coração divino, bafejou-me o peito e
passou-me sobre ele a Sua bendita mão como quem acaricia.
― Vai, Minha filha, a ferida que te fez o amor já está
cicatrizada. Vai, leva para as almas estas chamas, abrasa os
corações que têm fome de Mim; por ti Me dou a eles. Leva estas
chamas, arrasta com elas a Mim as almas presas pelos laços
infernais. Vai para a tua cruz, para a tua dor, não deixes
correr mais pelos rastilhos o fogo, que faz rebentar a bomba
divina, a justiça do Meu Pai. Coragem, coragem; nada temas,
sorri a tudo!
― Obrigada, meu Jesus. Sede comigo; tudo espero do Vosso divino
coração.
Passaram-se umas horas, o fogo de Jesus ainda me queima o
coração; custa-me, por vezes, a aguentá-lo sem saber ele deitar
panos frescos. Sinto-me mais forte; estou no fogo, mas em
trevas, e o corpo num mar de dores. Ó minha cruz, ó meu Amor, ó
meu Jesus!
14 de Novembro de
1947 - Sexta-feira
Vou
cumprir o meu dever de obediência, meu Jesus, mas oh! com que
sacrifício! Sabeis, meu doce Amor, que diga a verdade, só a
verdade. Só vós conheceis quanto me custa.
Juntou-se à repugnância que a alma tem em abrir-se a dizer o que
sofre, a falta de forças do meu corpo. O que eu tenho sofrido!
Que pobre farrapo, desfeito pela dor! Tudo aceitei, tudo sofri,
bendizendo alegremente ao Senhor. Bendita seja a minha cruz,
bendito seja tudo o que me dais, bendito seja o Vosso amor, ó
Jesus sou a Vossa vítima. Aceitai tudo para reparar a justiça do
Vosso Eterno Pai, para desagravar o Vosso divino Coração,
tirar-lhe todos os espinhos e ao da querida Mãezinha. Não Vos
esqueçais dos meus pedidos: e nomeava-lhes vários. Assim falava
ao meu querido Jesus, quando o abatimento e a prostração assim
mo permitiam. Quando a sede, os ardores da febre me abrasavam
mais, e, por vezes, nem sequer ao menos podia refrescar a boca
nem os lábios com um bocadinho de água, pela qual eu parecia
morrer de saúde, eu fitava a imagem do Sagrado Coração de Jesus,
e dizia-lhe: o que há-de ser, meu Amor, a Vossa sede das almas;
quero dar-Vo-las todas, todas; por todas morrestes, abrasado em
amor, e por todas continua a vossa sede ardentíssima. Seja por
Vós e pelas almas a minha sede, ó Jesus.
Parecia-me que, nestes momentos, era por um pouco a minha sede
refrigerada. Sofri tanto, tanto, meu Jesus, e quanto mais sofri,
menos encontrei, menos vi, mais vazia fiquei. Sinto-me num mundo
de escuridão, de isolamento, sem nada, sem ninguém. E este
mundo, em que eu tão só me encontro, o qual é só cinza, podridão
nojenta, é regado pelo meu sangue; sinto-o a sair do meu corpo
como chuva torrencial; não fica nem um só bocadinho desta cinza
sem ser no sangue ensopada. Vejo esta massa de ensope e eu
sozinha, mesmo sozinha sobre ela a sentir morrer em mim esta
vida que por mim, ou em mim, tanto sangue deu. Que
desfalecimento! Tenho medo de mim mesma, tenho medo de tanto
sangue ver morrer e sem vantagem para toda a humanidade. Tudo
está morto, tudo desapareceu. Para que é tanto sangue, Jesus?
Sou em tudo a Vossa vítima; tudo é por Vós.
Ontem de tarde, no mar do meu sofrimento, parecia-me ter vindo
ao mundo, mas não ser do mundo, vivia nele não para cuidar de
mim, mas sim das coisas de Deus. De vez em quando, o meu coração
ia para o Horto, mas logo fugia, ou fingia fugir para tratar das
mesmas coisas.
Logo à noitinha, para concluir esses trabalhos, passei à ceia.
Mas oh! que amargura tão cheia de amor e disfarçada! Senti a
consolação, que Jesus sentiu, quando tão carinhosamente ao Seu
lado se encostou o discípulo amado. Logo a seguir, foi grande a
dor do Seu divino Coração com a visão das lágrimas da Mãezinha,
lágrimas que para Jesus foram antecipadas, assim como a lança
que, num rápido momento, Lhe abriu o peito e o divino Coração,
deixando-o a sangrar. Depois, segui, passo por passo, as cenas
dolorosas e tristíssimas do Horto e da agonia de Jesus. Eu em
mim sentia ter que morrer e queria morrer; sem a morte não
poderia terminar os trabalhos, a que tinha vindo à terra. E,
nesta altura, sentia Jesus a fitar o mundo e com profunda
tristeza dizia o seu divino Coração: tanta ingratidão para tanto
amor. Não eram bem aceites os Seus padecimentos, o Seu divino
Sangue, a Sua morte.
Hoje, longe de aparecer o dia, muito desfalecida, no mesmo
desfalecimento, fui encontrar Jesus na prisão; estava sozinho
sem ter quem O confortasse e fizesse um carinho e Lhe provasse
amor. Quase não era Jesus; era um moribundo. Compadecia-me Dele,
disse-Lhe muitas coisas, mal, porque melhor não sabia, para O
consolar. Disse-Lhe muito, e muito Lhe pedi. Entre esses
pedidos, o principal foi que não me deixava iludir nem enganar
os outros. A verdade, a verdade, só a verdade, meu Jesus. O que
dizia e pedia na minha dor, nas minhas ânsias ardentes de
consolar Jesus e Lhe provar amor sem por sombra pensar numa
resposta; mas logo do íntimo do coração uma vez muito terna e
doce me disse:
― É
esta a verdade pura, minha filha, pura, mais pura que a água
cristalina! Confia, confia, em Mim.
Senti e vi que Jesus se sentia e via Ele mesmo preso à coluna e
depois na cruz, mas isto ainda na prisão. Não pude saborear nada
as palavras doces de Jesus; tive que sofrer com Ele.
Mais tarde, vi-O então meio despido, já solto da coluna, mas
todo banhado em sangue, e, depois, tomar a cruz, seguir o
Calvário. No meio dos espinhos do meu viver, no Calvário das
minhas dores, segui com Ele. Na viagem não me foram poupados os
maus-tratos e na cruz fui com Ele crucificada, sempre a sentir
que estava a cuidar as coisas de Deus, muito unidinha a Ele com
Ele compartilhava da mesma agonia. Como Ele eu queria enxugar as
lágrimas da Mãezinha, consolá-La na Sua dor, tirar as setas do
Seu Santíssimo Coração, tomá-La para o regaço, abraçá-La,
fazer-Lhe o que Ela bem depressa ia fazer a Jesus, mas com Ele
já morto. O coração ia morrendo lentamente e aquela vida que me
tinha trazido à terra ia-se avizinhando novamente do Céu. Jesus
expirou. Toda a vida me fugiu, e expirei com Ele.
Passou-se algum tempo neste estado mortal; veio como que uma
nuvem de fogo, envolveu-me nela, o coração principiou com total
fogo, envolveu-me nela, o coração começou a arder com tal fogo
que se comunicava ao corpo; este fogo queimava-me, mas sem me
dar luz. Senti-me adormecer naquelas trevas mais claras e
suaves. Não sei o tempo que passei neste sono com Jesus. Ao
terminar do sono, ouvi que Ele me dizia:
― Minha filha, minha amada filha, a tua noite com o teu
prolongado e inigualável Calvário são para as almas astros
cintilantes, com vão com o Seu brilho penetrar nos corações e
nas almas mais escurecidas pelas trevas do pecado. Confia,
confia em Mim. Se soubesses a luz, que elas por ti recebem! Se
soubesses os milagres, as grandes ressurreições que nelas são
operadas neste teu quartinho, Calvário escolhido por Mim! O teu
quarto é o templo das maravilhas prodigiosas do senhor. Eu
quisera. Filha querida, que viesse o mundo inteiro, o mundo que
te confiei, junto de ti. São muitas as almas que vêm, mas em
comparação das que precisam vir e eram Meus divinos desejos que
elas viessem, é como uma gotinha de água caída do oceano.
Ao
ouvir estas palavras de Jesus, não pude conter-me, e exclamei:
― Então, meu Jesus, ofendi-Vos, ficaste triste comigo por eu
pensar: se eu pudesse ir com os meus para uma ordem e
esconder-me a isto tudo. Dizei-me, dizei-me, Jesus.
― Sossega, sossega, Minha pomba amada; não Me ofendeste, antes
recebi de ti consolação. Quando assim pensares, não
acrescentaste logo: meu Jesus, não quero fugir à cruz, que me
dais, quero só a Vossa divina vontade? Compreendi-te; está tudo
visto. Que encantadora lição; viver escondida por Mim! Olha,
Minha filha; é o mundo, são os pecadores o fim principal da tua
vida aqui; é a tua missão, a mais alta e sublime missão. Quando
mandas abrir a porta às almas, é Cristo em ti a abrir-lhes o
coração: é Cristo que lhes fala com bondade e doçura, é Cristo
que lhes sorri e as fita com olhares atraentes e encantadores e
as convida para o Céu. É Cristo em todo o teu viver. Que loucura
a minha pelas almas! E elas, ai delas! E elas, ai delas, tão mal
Me tratam, tanto Me ferem! Olha para Mim.
Apenas vi o rosto de Jesus com semblante tristíssimo; todo o Seu
Santíssimo corpo, da cabeça aos pés, tinha um vestido de
espinhos, tudo era sangue. Acudi logo:
― Não posso ver-Vos, Jesus, nesse sofrimento; passai-o para mim,
aliviai-Vos a Vós; não me poupeis, sou criatura Vossa e Vós o
meu Senhor. Para assim sofrerdes, de nada valem os meus
sofrimentos.
― Ai do mundo sem eles, Minha filha, ai do mundo sem vítimas, ai
dele sem o teu Calvário contínuo; já a bomba divina tinha
rebentado! Que incêndio de justiça sobre o incêndio dos crimes!
O mundo é teu, é teu o mundo, confiei-to; sofre pelas almas;
pensa só a elas salvares. Ó mundo, ó pobre mundo, que não
acordas, ai o que te espera para breve, para breve.
Quando Jesus assim me falava, todos os espinhos Dele tinham
desaparecido, mas ai que dor a minha! Pobre de mim, nada soube
dizer a Jesus; fitei-O e fiquei calada.
― Coragem, Minha filha! Eu vou dar-te a gota do Meu divino
Sangue; vai passar para o teu coração vagarosamente; vai ser
como uma esponja com água; vai passar por todo o teu coração e
correr em todas as veias. É o sangue que gera as virgens, é o
sangue que te dá a vida, o sangue que te levanta as forças
perdidas e consumidas pela dor, é o sangue que te anima a
continuares no te martírio.
Jesus, enquanto falou, introduziu o tubo e deixou passar a
gotinha vagarosamente; quando acabou de falar, já o tinha
desligado.
― Coragem, coragem ,filha querida; vai para a dor, vai para a
cruz. Vou pedir-te grande luta com o demónio. Repara-Me pelos
sacerdotes, que é tão grande o número a ofender-Me. Repara-Me
pelos casados, que praticam graves crimes. Repara-Me pela
juventude desonesta, pela juventude corrompida. Vai sofrer, vai
para a cruz, vai com alegria, vai ditar tudo; eu serei contigo e
contigo levas a luz do Espírito Santo. Goza da minha paz, goza
uns momentos da minha luz.
Fiquei sem dor, fiquei sem trevas, por um pequenino espaço de
tempo. Abracei Jesus no meu coração, e disse-Lhe por despedida:
― Obrigada, obrigada, meu Jesus.
21 de Novembro de
1947 - Sexta-feira
Sinto-me humilhada pela minha vida enganadora, cheia de tanta
ilusão. E sinto a humilhação que, por minha causa, têm e terão
que sofrer os que me são queridos. Por vezes não sei como
aguentar com este sofrimento. Por mais doloroso que seja o meu
sofrer, pela garça do Senhor não posso deixar de Lhe agradecer e
receber com toda a alegria e amor; alegria sem gozo, amor sem
sentir que amo.
Mas
é tal a ânsia e sede que tenho de sofrimento que sinto, como se
a alma estivesse abraçada à cruz, noite e dia, sem dela se
separar; é nela nessa cruz bendita, que a alma goza e se
satisfaz: Sofrer por Jesus, sofrer pelas almas é a minha única
alegria, é toda a doçura que na terra posso saborear. Parece-me
que, de dia para dia, aumenta em mim o veneno de todos os
vícios, o veneno de todos os meus sentidos. Sou esmagada, e
quanto mais esmagada mais este veneno espirra ao longe.
Toda a humanidade está no perigo de morrer neste veneno. Sinto
nada haver na terra que não esteja infeccionado. O mundo, ai o
mundo, fui eu que o envenenei com o veneno infernal, com o
veneno de Satanás que sinto estar em e mim e sou eu que por ele
tenho de responder ao Senhor. Ó meu Deus, e que contas Vos
hei-de eu dar? Ó Jesus, ajudai-me a levantar; eu não posso com a
justiça do Vosso Eterno Pai, que descarregou sobre mim;
esmaga-me. Ajudai-me, ajudai-me, Jesus. O meu corpo está quase
transformado em chamas; rasgam-se com a violência da dor; vão-se
abrindo e ligando umas às outras; não podem unir-se estas chagas
ao veneno, que de mim passa para a humanidade. Pobre do meu
corpo, que com tudo tem que aguentar. Meu Deus, que horror?
O
vestido de espinhos que cingia o corpo de Jesus, na sexta-feira
passada, ficou a cingir-me o meu todos estes dias. Custa tanto
aguentar com este vestido tão espinhoso! Cobre-me da cabeça aos
pés, penetra no mais íntimo de todo o meu ser. Sinto-me como se
em mim não houvesse pele nem osso; tudo é sangue. E houve um
espinho disperso que veio como uma lança atravessar-me o
coração. Ele não foi dirigido a mim, mas foi por mim que ele foi
dirigido; e é por isso que eu sofro. Se ele fosse só para mim,
se fosse eu só por ele atingida beijava-o, abraçava-o. Contudo
amo-o e quero conservá-lo em meu coração como relíquia preciosa,
para que assim Jesus possa guardar no Seu divino Coração para
sempre aquele que na sua cegueira o pode tirar. Em nome de Jesus
e da Mãezinha, quero amar a todos por todos quero sofrer.
Tive três combates com o demónio; nem quero lembrar-me deles.
Parece-me e sinto que deles sou eu só a autora. Como se ofende
ao senhor! Várias vezes o demónio veio com as suas maldades e
malditas lições. Nestes momentos, eu queria poder encerrar num
cofre de ferro todos os meus sentidos para nada poder ver nem
ouvir. Se houvesse um lugar, onde pudesse esconder-me nele,
fazia-o só como receio de ofender o meu Jesus. Algumas vezes a
luta era só de espírito.
Nos
três ataques ao espírito, teve que lutar também o corpo; o
maldito tratou comigo como se fosse um mudo. Eram só gestos e
pinturas maldosas. Isto foi motivo de maior tormento; mais me
parecia que não era influência dele, mas sim minha, só minha.
Pareceu-me que o coração, no auge da dor, veio palpitar para
fora do peito; não cabia em mim. Ensopada em suor, chamei por
Jesus e pela a Mãezinha, e fiquei libertada.
Chamaria a tempo? Não chegaria a pecar? Que medo eu tenho! Ai a
minha vida tão cheia de misérias e tão falha de virtudes e
merecimentos. Que cegueira, que mortandade! Vivo sem viver, ou
vivo sem sentir que vivo. Ó Jesus, sou a Vossa vítima, imolai-me
ao Vosso gosto.
Ontem, ao cair da tarde, a minha alma viu o Céu descer sobre a
terra; vinha dar-lhe luz, porque estava em trevas, vinha dar-lhe
vida, porque estava morta. Era Jesus que vinha dar esta luz e
esta vida, mas oh! como foi rejeitada. Eu via uma massa
grandiosíssima fugir à luz e à vida de Jesus. Que dor
dolorosíssima me causou na minha alma; conduziu-me logo ao Horto
esta dor. Jesus foi dentro em mim e dentro em mim Ele orou com o
Seu Santíssimo peito sobre uma pedra dura, e cercado de grandes
varas de espinhos, que se enleavam umas nas outras, estava o
cálice, que recebia o sangue e toda a amargura de Jesus.
Eu
sentia que só ele sofria; era tal a Sua dor, que causava espanto
e admiração aos Anjos, que do sofrimento, como se fossem
estrelas, O contemplavam. Só o Céu compreendia a dor de Jesus.
Depois do Céu, era a Mãezinha a compreendê-la e a vivê-la. Como
Jesus e a Mãezinha se amavam e viam, um através do outro. Toda a
terra ignorava, mesmo os discípulos de Jesus, a dor de tão
amantes corações. Faz enlouquecer tanta dor, tanto amor. Ó meu
Deus, que mal Vos tenho correspondido!
Hoje, segui o Calvário. A minha cabeça esteve com a de Jesus,
por algum tempo, pousada na terra nua com o desfalecimento do
corpo que, nesta ocasião, mais barbaramente recebia os
maus-tratos. O sangue corria pelos olhos e ouvidos. Toda
chagada, fiquei na cruz crucificada. Estava no alto para
escárnio de quase todos que ocupavam o Calvário. Vi a Mãezinha
subir a montanha; foi o meu pobre coração que sentiu e a alma
que viu a Sua dor e olhares angustiosos, que mal A deixavam
arrastar-se. Quanto isto custou a Jesus! Foi a união dos Seus
divinos corações e o amor que A conduziram ao Calvário. Não sei
dizer o que senti que Eles sofreram e amaram. Se fosse possível
eu falar desta dor e amor por toda a eternidade, podia dizer que
nada dizia. Sofro por só isto saber dizer. Formou-se um Calvário
de espinhos; subiram tanto que encobriram a cruz. Entre eles
como num só coração, num só amor e numa só alma estava Jesus, a
Mãezinha e eu a darmos a vida, esmagados pela justiça divina. Eu
sentia e via a mãezinha por Jesus; não era em mim que Ela
estava, era Jesus em mim e Ela em Jesus. Foi para os três o
mesmo Calvário, a mesma agonia. Senti-me morrer e morta ficar,
por um espaço de tempo. Veio Jesus, tomou lugar em meu coração,
passeava nele como numa grande sala, passeava aflito o doce
Jesus, parecia não caber em Si.
― Minha filha, Minha filha, Minha filha...
E
calava-se, continuando a andar no mesmo aposento, na mesma
aflição. Voltou novamente:
― Minha filha, Minha filha, Minha filha.
E
continuava a andar silencioso, a soluçar e a derramar lágrimas.
Pela terceira vez chamou:
― Minha filha, Minha filha, Minha filha, quero abafar e encobrir
em Mim a dor do Meu divino Coração, e não posso, tenho que
desabafar contigo não com gosto de te fazer sofrer, mas sim para
Me acudires às almas. Como Eu sou ofendido! Elas correm para o
pecado, elas lançam-se para as labaredas dos crimes, loucas,
loucas, pelas paixões. Sofre, acode-lhes, não as deixes morrer
eternamente. Continua a Minha obra salvadora, a obra da
redenção. Faz tu agora o que Eu sozinho já não posso fazer; só
posso continuar a salvar o mundo em ti, através de ti.
― Ó
meu Jesus, ó meu doce Amor, se os meus pobres sofrimentos por
Vós forem enriquecidos, algum valor têm. Por que é que chorais?
Não sabeis que eu quero sofrer, que aceito tudo para Vos
consolar e salvar as almas?
― Minha filha, coração puro, coração generoso, coração de amor,
choro para te mover à compaixão do Meu divino Coração. Aceitas a
ficar novamente com o vestido dos Meus espinhos? Aceitas a viver
assim ferida? Só assim Eu não sofro, só assim não necessito de
chorar.
― Sim, meu Jesus, aceito por vosso amor, mas sozinha não posso,
quero a Vossa força e divina graça.
― Tudo possuis, tudo é contigo, esposa das esposas, vítima das
vítimas, encanto dos Meus encantos. Escuta-me agora atentamente.
Escreve: Santo Padre, santo Padre, Meu querido Representante na
terra, escuta a voz de Jesus, fala ao mundo, fala ao mundo; fala
aos bispos em segredo, para que estes falem aos seus padres. São
tão poucos os que são a luz do mundo e o sol da terra! Padres
seculares, que cumpram o seu dever, são pétalas, que o vento
levou, deixando-as espalhadas; uma aqui, outra muito mais além.
Que escândalo, que veneno, para as almas, são os sacerdotes
destes dias, deste século! Santo Padre, santo Padre, Meu querido
Representante, fala ao mundo, faz ouvir a tua voz, dum pólo ao
outro. Faça-se oração, faça-se penitência. Vida nova, vida pura.
Depressa, depressa cai sobre a terra a justiça de Meu Pai. Mãos
à obra. Principie por quem deve principiar, venha o exemplo do
alto. Minha filha, vai dizer tudo, nada escape do que te disse.
Vai acender-se a luz do Espírito Santo, para dissipar todas as
tuas trevas, para que conheças que em ti é tudo obra divina.
Principiei a gozar duma luz brilhante e a gozar do amor de Jesus
e a nadar na Sua paz.
― Se assim fosse sempre, meu Jesus, nada podia temer, nada podia
duvidar.
― Coragem, Minha filha. Recebe agora toda a luz para dela
viveres, logo que caias nas trevas. Fora de Mim é cegueira, fora
de Mim sentirás nada saberes dizer, mas é o teu Calvário
doloroso, são as Minhas divinas palavras a cumprirem-se. Vou
dar-te lentamente a gota do Meu divino Sangue, uno os nossos
corações para descansar Eu no teu e tu no Meu, enquanto que do
Meu recebes a luz e o amor; a vida que é a tua vida, o amor que
Eu quero que espalhes, que incendeies, que infundas nos corações
e nas almas. Vai, pede aos meus amigos para que Me amem e
reparem o Meu divino Coração. Vai espalhar o bem, vai com as
tuas trevas da luz; vai dar ao mundo, espalhar nele o perfume
celeste, o perfume das grandes virtudes. Coragem, não temas a
cegueira, não temas a ignorância, não temas a cruz. O divino
Espírito Santo ilumina-te, Eu falo em teus lábios e em ti venço
e levo a cruz.
― Obrigada, obrigada, meu Jesus.
Depois de umas horas do meu colóquio com Jesus, ao acabar de
ditar tudo isto, caí no mundo da maior cegueira. Que ignorante
eu sou! Bendita seja a cruz do meu Senhor. Quero a todo o custo,
amá-Lo, e, a todo o custo, salvar-Lhe almas.
28 de Novembro de
1947 - Sexta-feira
Não
só sinto que se apagou para mim a luz do dia, mas também a da
eternidade; toda a luz se apagou para mim para sempre. Estou
como se perdesse tudo, a felicidade e a luz e o gozo do Paraíso.
Ai, como é doloroso o meu sofrer. Quantas vezes invoco os nomes
de Jesus, da Mãezinha e dos Santos, na esperança de encontrar
alívio e conforto e nada consigo; tudo morre sem em mim ter
vida. Não acabem os meus lábios de se moverem a pronunciar
qualquer acto de louvor ou amor a Jesus sem que tudo morra e
desapareça para sempre.
Ó
meu Deus, que pobrezinha eu sou! Ó Jesus que cegueira a minha!
Que horror, que horror! Só vejo maldades, só vejo misérias em
mim e à volta de mim. Que lama tão nojenta! Que mundo sem
habitantes! Tudo é podridão vergonhosa e nojenta podridão. Estou
agarrada e presa a ela; quero levantar-me, caminhar, e não
posso, não tenho quem me deite a mão. Fugiu-me tudo, fugiram-me
todos, não tenho ninguém por mim, nem um só amigo me ficou. Só
eu existo no mundo, só eu sou crimes, só eu sou veneno. Tenho
medo de mim; tenho medo de estar sozinha. Jesus, valei-me; a
eternidade aproxima-se. Que tremenda escuridão, e eu de mãos
vazias. Que me aproveitou a mim vir ao mundo? Como me utilizei
eu da vida, que me foi dada? Ó Jesus, ó Jesus, sou a Vossa
vítima; amparai-me com a Vossa divina mão; não resisto sem o
Vosso amparo, sem a Vossa graça.
O
meu corpo continua a ser o depositário do vestido espinhoso de
Jesus; sinto-o todo numa ferida e em sangue. Sinto também que
continuo a ser o veneno das almas, o veneno de toda a
humanidade, veneno que tenta, contra o Céu, a envenenar se
possível fosse o próprio Deus. Que peçonha tão perigosa e que
ódio contra Jesus!
Na
terça-feira, dia 25, quando estávamos a fazer o mês das almas,
sem nada pensar nem se tratar do Senhor dos Passos, eu vi-O, por
três vezes, a caminhar, aparecendo aqui e além,
desfiguradíssimo, coroado de espinhos, com um grande madeiro aos
ombros. Não posso dizer o que senti; comoveu-me tanto em assim
ver Jesus! Não soube falar-Lhe, quase nada Lhe disse. Pedi-Lhe
para que não sofresse e passasse para mim todo o Seu sofrimento
e a cruz.
Esta visão causou-me tal sentimento e foi tal a pena de não
saber oferecer e falar a Jesus, que parece-me, ou melhor, sinto
que se me abriu no coração uma ferida tão profunda que o vazou,
dum lado ao outro. Esta ferida sangra sempre, desde esse dia,
todos os dias, em algumas horas, não são horas certas; eu sinto
sobre os meus ombros aquele pesado madeiro, que Jesus levava, e
na cabeça a coroa de espinhos que cingia a Sua sacrossanta
Cabeça. Quantas vezes me parece ter os cabelos ensopados em
sangue e este mesmo sangue saído das feridas, a correr-me pelas
faces.
Ontem de tarde, sentia mesmo no meu rosto o Rosto de Jesus, bem
gravado. A princípio, depois de fitar o mundo, cobriu-se de
suores; depois derramava copiosas lágrimas de sangue e este
saía-Lhe também pelos ouvidos. Jesus queria abraçar o mundo, mas
a maior parte dele não queria aceitar o Seu abraço. Passei pela
sala espaçosa da ceia, pela sala do grande amor. Jesus dava do
Seu divino Coração para cada um dos Seus discípulos o Seu divino
amor, em raios luminosos, como sol aparecer no horizonte; todos
os discípulos o receberam e deixara-se por ele iluminar, apenas
Judas se fechou e recusou o Seu brilho e luz.
Passei para o Horto para todas as cenas dolorosas e comovedoras;
nele vi todo o martírio que me esperava, ou que esperava a
Jesus. Entre grandes e muitos espinhos, que se enleavam em meu
coração, enchi o cálice da amargura. Fui presa e levada aos
tribunais, e destes para a prisão.
Durante a noite, depois de grandes ameaças do demónio, combati
com ele, por três vezes. Causa-me grande horror a forma como ele
pinta e consegue as coisas. Parece-me que sou eu só a causa de
tanto mal. De um combate ao outro, fiquei presa sempre ao
demónio e sobre a boca do inferno. Ouvia uivos raivosos e
grandes leões tentavam engolir-me. Dizia-me o maldito que por
mim se ia povoar o mundo de demónios. O que eu sofri! Eu queria
e não queria pecar. Chamei por Jesus; Ele veio em meu auxílio;
dum demónio que eu era transformei-me em serenidade e paz.
― Aparta-te, maldito; não exijo mais da Minha vítima. Minha
filha, Minha filha, não pecaste; deste-Me nestes combates, maior
reparação do que com um ano de sofrimento, jejum e penitência. É
um cordeirinho a imolar-se sem perder a vida, no fogo sem se
queimar.
Fui
pouco depois à prisão, ao encontro de Jesus. Vi-O tão
desfigurado e cheio de frio. O meu pobre coração queria
lançar-se aos Seus pés para ser por Jesus calcada e humilhada.
Queria aquecê-lO com o meu amor, e não o tinha. Senti-me como se
tomasse Jesus pela mão e O ajudasse a caminhar. Segui com Ele o
Calvário e sentia que a escuridão, em que estava mergulhada, era
a escuridão da nossa cegueira, da nossa ingratidão para com
Jesus. No meio do ódio e maus-tratos, parecia-me que Jesus me
ajudava a mim no meu desfalecimento, e eu, pobre criatura Sua, a
Ele O auxiliava.
No
Calvário do meu peito, por quantas vezes senti Jesus desfalecer
e quase expirar! O ódio dos algozes, junto à cruz, aumentava.
Faltavam corações amorosos, só o da Mãezinha e poucos mais
choravam os martírios do Senhor. Ó agonia, ó agonia! A Mãezinha
parecia formar voo na Sua agonia para o cimo da cruz para
suavizar e acariciar o Seu divino Filho. Os sentimentos
dolorosos do Seu Santíssimo Coração mais dolorosa fazia a agonia
de Jesus. O Seu divino Coração ardia de amor, e, no momento Dele
expirar, pareceu despejar-se por toda a humanidade como vaso de
delicioso perfume. Expirou Jesus, e com Ele para, pouco depois,
vivermos. Ele veio e disse-me:
― Estou em ti como esposo para contigo desabafar as Minhas
mágoas para te condores de Mim. Venho a ti como Pai, Minha
filha, para que Me obedeças e atendas aos meus pedidos. Habito
em ti como Rei, no palácio do teu coração, para contigo reinar e
mais uma vez provar ao mundo que és a Minha rainha. Repara como
Eu venho, olha para o Meu divino lado.
Vi
o sagrado peito de Jesus aberto e, dentro, o Seu divino Coração
ferido, a sangrar. Quis logo arrancar a ferida de Jesus,
passá-la para mim; não podia vê-Lo sofrer. Senti que Jesus, por
ver a minha ansiedade e pena do Seu sofrer, logo cerrou a ferida
do Seu divino Coração, e disse-me:
― Para não estar Eu sempre assim, por saber que não queres a
Minha dor, fiz que o teu coração sangrasse e a Minha ferida
passasse para ti. O mesmo fiz com a cruz e a coroa dos Meus
espinhos. Quando te apareci a caminhar com ela foi para que te
condoesses e na tua grande generosidade a aceitasses. É a razão
porque assim te sentes sobrecarregada com o seu peso. Minha
filha, Minha amada filha, quanto mais ferida te sentires pelos
espinhos, arrastada e esmagada pelo peso da cruz, maior quero
que seja o teu esforço em a receberes e suportares com alegria,
mais frequentes e fervorosos os teus actos de amor. É nessas
horas que Eu sou mais ofendido. Sabes quem assim Me fere tão
barbaramente? São as almas consagradas a Mim, aquelas que dizem
amarem-Me e serem Minhas amigas; mas não o são. Custa-Me mais,
muito mais, as ofensas destas do que o crimes dos pecadores,
porque esses, muitos não crêem em Mim nem se dizem amigos Meus.
Dá-Me a tua dor, aceita a tua cruz, segue-Me alegremente, Minha
filha querida. Dá às almas o Meu divino amor e infunde-o em
todas aquelas que Me querem amar, pede-lhes para que Me amem.
Quero amor, quero amor para esquecer tanta ofensa ao Meu divino
Coração. Quero amor, quero amor para com ele aplacar a justiça
do Meu Pai. Minha filha olha o mundo, olha as almas que se
perdem. Dei-te o Meu amor, dei-te todo o fogo do Meu divino
Coração, incendeia-o nos corações; foi para isso que te fiz dele
depositária; é por ti que Eu lho dou, é por ti que Eu sou amado.
E, como prova disso e de que tu Me amas, Eu te apareço muitas
vezes na realidade, mostrando-te o Meu divino Coração. E tu não
tens falado disto, nada disto escreveste?
― Meu Jesus, só Vós sabeis o porquê. Com as minhas ânsias de
amor e desejo de me enlouquecer por Vós, temia que fossem
ilusões da minha parte, apesar de me sentir confortada, ao ver o
Vosso divino Coração e Rosto, tão cheios de amor.
― Não é ilusão, não, filha amada; sou Eu a confortar-te, a
comunicar-Me a ti, a dar-te amor para dares por Mim. Tu serás
para o mundo. Tu serás para o mundo farol luzente, estrela
brilhante sempre, sempre a cintilar. A tua vida será uma aragem
celeste, perfumada e deliciosa, a correr sempre através dos
tempos, a suavizar e atrair para Mim as almas. Recebe a gota do
Meu divino Sangue; dou-ta vagarosamente; é a carne, é o pão, é o
vinho que te alimenta, é a vida do que vives e a que quero que
dês às almas.
Jesus, ao dizer isto, introduziu o tubo, uniu os nossos
corações. Ao tirar o tubo, uniu ao coração os Seus divinos
lábios, bafejou-mo e passou a Sua Santíssima mão sobre o lugar
da abertura, como quem acaricia.
― Vai para a cruz, Minha filha, vai salvar as almas, e sempre
que por elas te vejas rodeada, murmura baixinho: dou-vos a vida
e o amor de Jesus, quero que todas sejais de salvação. Coragem,
coragem! Leva conforto, leva amor, vai para a cruz.
― Obrigada, obrigada, meu Jesus.
Vim
bem para a cruz; que grande é o tormento da minha alma. Bendito
e louvado seja em tudo o meu Senhor. |