Outubro
3 de Outubro de
1947 - Sexta-feira
Nem
vida para viver, nem coração para amar.
Não
vivo, não vivo, não; de mim, do meu pobre corpo ficou a dor, a
dor que me tritura, a dor que, dia e noite, me consome;
consome-me, e não é no meu corpo que ela vive; sim, não é em mim
que ela existe, ela trespassa em todo o meu ser, como vento que
em todo o lugar penetra. Onde estou eu? Onde é que eu vivo? Ó
Jesus, ó Jesus, eu sou como uma aragem, que passa nos ares, nos
ares vive e em todo o lugar existe, tudo observa, vê penetra.
Sou eu e não sou, vivo eu e não vivo, penetro tudo e nada sei.
Mas, ó meu Deus, se eu não vivo nem tenho coração para amar,
como posso ter ânsias de amor, mas de um amor que se perde e
enlouquece, e sentir que um coração dentro de mim é tão mal
tratado, tão ofendido e calcado aos pés; é todo um mundo contra
ele. Pobre coração, penetrado de espinhos tão penetrantes! Se eu
pudesse mostrar, se pudesse copiar todos os ferimentos deste
coração para ver se conseguia evitá-los, para, em vez de
sofrimentos e ingratidões, fazê-lo receber consolação e amor! Ai
de mim, meu Deus; eu pertenço ao número destes ingratos e para
vergonha e confusão minha sou a pior de todas, sou a que mais
mal trato este terno e doce coração. Meu Deus, como os dias
passam e a vida foge e eu sem nada para Vos dar, pobre de tudo,
sem amor e pureza para me apresentar diante de Vós. Valei-me,
valei-me meu Jesus; ouvi o meu brado aflitivo e contínuo. Vede
que o meu espírito anda como a abelhinha de flor em flor à
procura de néctar que a satisfaça. Ele voa, voa, poisa aqui,
poisa ali, e, mais das vezes, não tem onde poisar, não encontra
satisfação, não encontra onde possa descansar. Estou cansada,
meu Jesus, de Vos procurar sem Vos encontrar; parece que errei o
caminho. Morro sem Vos ver, sem Vos possuir. Vinde socorrer-me;
apressai-Vos, eu Jesus. Oh! que desalento e trevas as minhas!
Tenho medo, tenho medo! Eu quero luz, meu Jesus; dai-me alguém
que me ilumine, dai-me quem me ajude a formar o meu voo para o
Céu, para Vós, só para Vós. O mundo, oh como eu aborreço o mundo
com o que é dele; aborreço-o e dele tenho compaixão; aborreço as
suas maldades, mas amo-o a ele; abracei-o e quero-o todo dentro
do Coração do divino Jesus.
Ontem, logo de manhã, vi Jesus pregado na cruz e pregado na cruz
do meu corpo; gravou-se em mim. Como fiquei a senti-Lo tanto ao
vivo! Como na cruz, Ele inclinou para o meu peito a Sua
Santíssima Cabeça; senti todo o Seu Santíssimo Corpo gelar e
expirar.
Esta visão com o sentimento preparou-me um Horto dolorosíssimo;
tinha-o sempre diante de mim, sentia a dor angustiosa de Jesus.
A minha alma via-O caminhar para um lado e para o outro, a olhar
o mundo, a chorar; na sua angústia levantava os olhos para o Céu
e o Seu divino rosto cobria-se de suor. Eu tinha o rosto de
Jesus e o Seu suor no meu coração e na minha alma. Estive bem
unida aos sofrimentos do meu Jesus. Passei pelas cerimónias da
ceia, o adeus à Mãezinha e por fim o Horto real com todas as
cenas; o suor de sangue, a prisão. Era noite, a este martírio do
Horto juntou-se o sofrimento do meu primeiro Horto de há 9 anos.
Como eu recordei tudo, passo por passo. Lembrei todas as minhas
dores de alma e corpo. Oh! como foi grande a minha agonia!
Hoje, data da minha primeira paixão, senti como se fosse a data
mais triste da minha vida. Tive presente todo o sofrimento
destes 9 anos. O que me trouxe a paixão! Bendito seja o Senhor!
Se eu soubesse aproveitar-me de todo este martírio, quanta
glória para Jesus, bem para mim e proveito para as almas. Na
hora em que estou a ditar, lembro sem querer da mesma hora de há
9 anos. Que cenas tristes se podiam observar dentro destas
pobres paredes. Que tristezas, que saudades, que horrores ao
mesmo tempo. A estes grandes sofrimentos juntaram-se grandes e
penetrantes espinhos. Chorei, chorei, ofereci a Jesus as minhas
lágrimas. Quando chorava, com o coração repetia a jaculatória:
Jesus manso e humilde de Coração e pedia luz ao divino Espírito
Santo para proceder conforme a vontade de Jesus.
Sem
querer fui encontrá-Lo na prisão desfalecido e gelado; juntei ao
Seu o meu grande desfalecimento e com Ele rompi por entre todos
os sofrimentos que acima ficam ditos. Com Ele senti na cabeça
grande coroa de espinhos, o corpo açoitado e o grande peso da
cruz. Senti no coração a perda do sangue e da vida, que, bem
próximo, na montanha, se ia dar. Vi abrir-se a chaga do seu
divino Coração e dela saiu uma fortíssima labareda de fogo e uns
fios doirados que eram prisões que prendias Jesus à cruz e à
morte. Custou-me a suportar as ânsias que Jesus tinha por dar a
vida apesar da visão de todo o martírio Lhe causar horror de
morte. A montanha levantou-se dentro em meu peito; vi a cruz, vi
Jesus quase no cimo. Eu ia com Ele e com Ele quase morri. Junto
à cova, preparada para a cruz, vi Jesus a ser crucificado; vi a
pressa, senti o rancor com que O crucificaram. A pressa dos
malfeitores era o receio de Jesus morrer antes deles
satisfazerem as suas maldades. Junto aos vestidos de Jesus foram
pedaços da Sua carne Santíssima. Quase ninguém se compadecia da
dor de Jesus; só a Mãezinha queria acariciá-Lo e limpá-Lo no
alto da cruz; como não podia fazê-lo sofria a mais não poder
sofrer. Sem querer aumentava, mais e mais, a agonia e a dor de
Jesus. Sofria a Mãe por não poder suavizar a dor do filho e O
filho por não poder consolar a Mãe. Eu via tudo; via a Mãezinha
por Jesus, por Ele via e sentia toda a doe Dela.
Levantou-se dentro em meu peito a montanha dura e cruel do
Calvário; cresceu, cresceu, quase chegava ao Céu a atrair para
Ela a justiça do Senhor. No cimo, ia a cruz, tocou-lhe, o Céu
abriu-se, quando Jesus expirou. Já todos, do Calvário podíamos
passar ao Céu. Que bondade, que amor o de Jesus! O Seu divino
Coração ardia de amor por nós. Eu morri com Ele e, à Sua voz
divina, voltei a viver.
― Minha filha, Minha filha, vem ao teu Jesus que te ama, que te
quer e tu és Dele; vem ao teu Jesus que quer confortar-te; e tu
necessitas do Seu conforto. Tem coragem. Tu aumentaste no amor
ao Meu divino Coração, à medida que em ti aumentou a dor.
Amas-Me e amas as almas. É pelo Calvário, é pela cruz que elas
são salvas. Coloquei-te no Calvário, dei-te um Calvário e com
ele a cruz que abraçaste. Confia em Mim. Ai do mundo sem o
sofrimento destes dolorosos anos! Eu pedi o teu corpo para
crucificar e tu aceitaste, entregaste-Mo; não querias que te
crucificasse e se cumprissem as Minhas divinas palavras?
― Ó
meu Jesus, eu queria e quero tudo, mas eu nunca pensei que a
crucifixão fosse desta forma; eu pensava ser só as dores que
sentia em todo o meu corpo.
― Sorri e consolei-me na inocência do teu pensar. Era preciso,
Minha filha, que houvesse alguém que se deixasse crucificar com
esta crucifixão tão real. Nesta como em nenhuma outra, eu provo
quanto sofri; tantos, tantos sofrimentos até agora
desconhecidos. Escolhi-te, esposa amada, para por ti serem
mostrados ao mundo. Ai dele, se por ele não te deixavas imolar.
Ai dele, ai das almas, ai de Portugal, sem este Calvário
vitorioso, sem esta cruz de salvação. Descansa em Mim, Minha
filha, de mim recebe todo o amor, toda a luz, todo o conforto.
Por ser hoje o aniversário, em que, pela primeira vez, por Mim
te deixaste crucificar, faço-te gozar do Meu amor e veres com
toda a luz divina para bem compreenderes e te convenceres que
não te enganas, que estás na verdade, que fui Eu e só Eu que te
crucifiquei. Goza, hoje, de tudo isto, porque os outros
colóquios serão dolorosos, voltarás às trevas.
Senti-me como se caísse no regaço de Jesus e nele adormecesse
com o meu rosto inclinado sobre o Seu rosto divino. Passara-se
uns momentos, e eu despertei a ser bafejada por Jesus, a nadar
em amor, toda embebida em luz. Toda a treva, todo o sofrimento
de alma e corpo tinha desaparecido. Não tinha dúvidas, era na
verdade Jesus o Autor de toda a minha vida. Que gozo, que
felicidade.
― Repara, Minha filha, escuta agora quem te fala. É mais um
prémio da tua dor.
Veio Santa Teresinha, vestida de luz, com um diadema
formosíssimo. Como Ela era linda e bondosa! Abraçou-me,
beijou-me muito e num abraço prolongado disse-me:
― Minha irmã, minha querida irmã, esposa do Meu esposo e filha
do meu Senhor. Tem coragem! Que grande glória te espera no Céu!
Que formosa coroa formada do teu martírio. Sofre com alegria,
conta com a Minha protecção, aqui na terra, e virei ao teu
encontro, na passagem para a eternidade.
― Santa Teresinha, minha querida Santa Teresinha, confio em ti,
conto com a tua protecção, ama por mim a Jesus e à Mãezinha e a
toda a SS. Trindade. Apresenta-Lhe todos os meus pedidos,
alcança para todos os que me são queridos e toda a minha família
as bênçãos e graças do Céu; lembra-te de todos a que a mim se
recomendam, lembra-te do mundo inteiro.
Com
a promessa de sim, de nada esquecer, desapareceu. Ficou Jesus
que logo introduziu no meu coração o tubo do amor.
Vou
dar-te a gota do Meu divino Sangue. Recebe-a e vive, vive e dá a
vida. Vai contente, abraça já a cruz que te espera, vai com ela
acudir às almas. Se não fosse o teu sofrimento, quantos milhares
delas já estavam no inferno! A dor é vida. O azeite para haver
de ser luz por quanto tem de passar; mas chega a ser luz e luz
que Me alumia. Tu és a luz do mundo, és a luz das almas; sem o
martírio não poderias ser luz. Eu farei que sejas luz e faças
luz; farei que sejas amor e dês amor. Tudo será dado pelos teus
olhares, pelos teus sorrisos, pelo teu coração. Coragem, vai em
paz.
― Obrigada, obrigada, meu Jesus.
4 de Outubro de
1947 - Primeiro sábado
Falo tão pouco do amor de Jesus e da Sua infinita misericórdia
para nós pobres pecadores. Bendito seja o Senhor! Só sei falar
de mi, do que sinto, do quanto sofro. A dor é para mim uma
ligação de conversação contínua. Que horror, que horror meu
Jesus; mas Vós bem sabeis que o faço por obediência!
Sofri muito durante a noite, ferida por espinhos novos, que se
me cravaram. Tive mais lágrimas para oferecer a Jesus e sem
querer recordava as que chorei e vi chorar os meus, porque em
mim se passava nas primeiras crucifixões de há 9 anos. O que
seria, se em vez do presente, víssemos o futuro que nos
esperava. Bendito seja Deus, louvado Ele seja por tudo o que nos
dá. É de noite, mais ainda do que de dia, que me ofereço a Ele
como vítima, que Lhe peço o Seu divino amor e cumprimento fiel
da Sua divina vontade. Com estas disposições mas a sangrar de
dor preparei-me para O receber e esperei a hora de Ele baixar a
mim. Pouco depois da Sua entrada no meu pobre coração, Ele
suavizou toda a minha dor, e disse-me:
― Minha filha, Minha filha, alma forte, coração de fogo; forte
com a Minha fortaleza, fogo do Meu Coração, calor do Meu divino
amor. Transmite esta fortaleza, irradia este fogo. Quero que
sejas luz, quero que faças luz. Dá amor aos que Me amam, faz luz
aos que não Me conhecem ou conhecendo-Me Me desprezam, para que
por essa luz venham a Mim. Repara-Me, repara-Me, Minha filha;
sem a tua reparação sangra sempre o Meu divino Coração e o da
Minha Bendita Mãe. Repara-Me a Mim, repara a Ela. Como está o
mundo, como está o mundo, como subiu a labareda dos crimes.
Estou cansada de suster a justiça de Meu Pai. Haja um mundo
novo, haja um mundo de pureza, haja um mundo de amor. Escuta,
Minha filha, escuta para que o mundo não saiba, para não se
escandalizar mais. É um desabafo de Esposo, é um desabafo de
Pai. Esse mundo novo, esse mundo de pureza e amor devia
principiar pelos sacerdotes. Que crimes eles praticam em
Portugal e fora de Portugal. Que escândalo eles dão!
Escandalizam-se os crentes, escandalizam-se os descrentes. Como
eles afastam as almas de Mim! Dás-Me por eles alguns combates do
demónio? Eu recebo desses combates tão grande reparação!
― Ó
meu amantíssimo Jesus, ó meu querido Amor, apesar do horror que
eles Me causam e do receio que eu tenho de pecar, queria
dizer-Vos, que sim e não posso; não tenho licença, bem o sabeis,
meu Jesus.
― Pede, pede, pede, Minha filha, diz que Eu quero esta reparação
por mais algum tempo; consolo-Me nela, esqueço os crimes. Pede
para Ma dares; prometo não te deixar pecar.
― Meu Jesus, quero a Vossa divina vontade e quero obedecer,
resolvei Vós tudo, que eu tudo aceito. Mas não fiqueis triste,
meu Jesus, aceitai toda a consolação e tudo o que eu Vos queria
dar.
― Sossega, sossega, Minha filha, é grande o teu amor, é
encantadora toda a tua vida. Diz, Minha filha, ao teu Paizinho
que o amo, amo, amo. E que sobre a direcção das almas, depois
duns momentos de reflexão faça ou diga o que no momento lhe for
inspirado. Tem sempre com ele toda a luz do Espírito Santo e Eu
sempre falarei em seus lábios. É mestre de almas, de grandes
almas; fui Eu que o escolhi. O mestre destas almas tem que dar
lições nas humilhações, nas perseguições e em tudo. Ele assim o
tem feito. É mestre de almas, mestre de amor à cruz. Diz-lhe que
depressa virei cumprir as Minhas promessas, satisfazer todos os
Meus desejos. Não demoro, venho depressa. Diz ao teu médico que
o tenho e a todos os que lhe são queridos presos ao Meu divino
Coração, presos por amor como Eu estão preso na Eucaristia, nas
prisões de amor. Cuidar de ti, cuidar do teu corpo e da tua
alma, é cuidar de Mim. Diz-lhe que pode dizer, que quero que
diga a quem é Autoridade, que estou triste, muito triste, que
hei-de pedir contas por não se fazer luz, por não estarem as
coisas como Eu gostaria que estivessem para bem das almas. Tens
com a Minha graça feito bem a tantas, mas não a todas que podias
fazer; isto sem culpa tua. Isto é uma ordem dada àquele que
escolhi para amparo firme da missão mais sublime. Vem, Minha
Bendita Mãe, dar à Nossa filhinha o conforto que ela necessita,
sem o qual não resiste à dor, não pode levar a cruz.
Veio a Mãezinha, tomou-me para o Seu regaço, cobriu-me de
carícias, queria abraçar-me e não podia por causa das espadas
que tinha cravadas em Seu Santíssimo Coração.
― Quero estreitar-te a Mim, Minha filha, mas estas espadas mais
ferem o Meu doloroso Coração.
― Fazei, querida Mãezinha ― disse eu e abracei-me a Ela ―, que
essas espadas passem para mim e penetrem no mais íntimo do meu
coração e da alma; não, não, querida Mãezinha, não Vos quero a
sofrer assim.
Senti que logo se passaram para o meu coração e o penetraram bem
fundo.
― Minha filha, alma heróica, já não sofro Eu, és tu a reparar o
Meu Coração. Repara também sempre O do teu e meu querido Jesus.
Pede a todos que amas para Me repararem também e fazer que seja
reparado o Coração divino de Jesus. Leva-Lhe os meus carinhos,
diz-lhes que os amo muito, diz-lhes que Jesus está triste com o
mundo, diz-lhes que não cessem de implorarem do Eterno Pai o
perdão; diz-lhes que nos consolem e façam que sejamos
consolados. Leva-lhes a Minha graça, leva-lhes o Meu amor.
Veio Jesus, fez com a Mãezinha uma prensa de amor na qual me
apertaram. Jesus continuou:
― A
cruz, que te espera, Minha filha, abraça-a; não te entristeças;
está à tua frente, beija-a por Meu amor. Dá-te às almas, cultiva
as flores das tuas virtudes; os Anjos levam-nas, em braçadas,
para o Céu, continuamente. O seu aroma fica espalhado pelo
mundo.
― Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha.
10 de Outubro de
1947 - Sexta-feira
Quantas graças, quantos benefícios, quantos mimos de Jesus eu
tenho recebido, e não sei agradecê-los, não sei provar ao Senhor
com a minha vida de humildade e amor à cruz o quanto estou grata
a Jesus, por tantas provas do Seu divino amor.
Obrigada, meu Jesus; obrigada, amor meu. Não posso, meu querido
Jesus, dizer-Vos o que me vai no coração. Que conforto, meu
amado, Vós permitiste, que me fosse dado. Vede meu Jesus, o meu
reconhecimento para Convosco; aceitai mais um magnificat de
acção de graças.
Não
sei se é para bem que Jesus me mimoseou assim. Quanto outro bem
não tenha, tenho ao menos eu um amparo, um apoio em pessoa de
grande autoridade.
No
meio da minha cruz, nesta luta de tão grande martírio, coberta
de humilhações, veio Nosso Senhor por intermédio de uma alta e
querida pessoa, a quem muito estimo, deitar-me a mão.
Levantei-me, na minha dor e cegueira sempre, mas com a alma mais
forte, com os olhos mais fitos em Jesus e na Pátria que me
espera. Não é por mim para grandeza e glória minha, que eu
estimei e agradeço ao Senhor este grande apoio; é por Jesus, é
pelas almas, é pelos que me são queridos. Tudo isto principia e
acaba por Jesus. É a Ele, só a Ele que quero amar, glorificar e
dar almas. É por Ele, só por Ele que eu me curvo debaixo da
minha cruz, é ainda só por Ele que eu quero ser pequenina, tão
pequenina até desaparecer. Quero viver e não viver, isto é,
viver só a vida de Jesus, estar aqui, como se não estivesse,
viver aqui como se não vivesse e nunca aqui existisse. Jesus, só
Jesus, para mim é tudo.
Não
sei o que sinto, um Céu escuro, um Céu de tremenda justiça
poisou sobre mim; poisou e ficou a faiscar. Que estrondo nele!
Rebenta como bombas, abre-se em fogo e incendeia a terra. Entre
a terra e este Céu de justiça, esmagada por ela, as chagas
abrem-se mais e com mais abundância sangram, os espinhos do
coração e da cabeça penetram mais fundo, as espadas e as lanças
não deixam de o ferir.
Passam os dias, passam as noites e eu num martírio de alma e
corpo, mas sem aumento de graça e amor, sem dar um passo por
Jesus, cheio das maiores misérias. Não posso ver-me; que nojo ao
ver-me assim! A eternidade aproxima-se, corre para mim, em
marcha apressada, vem colher-me a morte e só colhe maldades, não
encontra nada que satisfaça a Jesus. Meu Deus, que horror!
Na
tarde de ontem, senti mais o esmagamento e a justiça do Céu; não
podia aguentá-la. Debaixo deste esmagamento, senti os olhos
vendados e o rosto esbofeteado; o que sentia o rosto sentia o
coração. A seguir, ficou ao alto, junto de mim, uma cruz;
senti-me de pé, abraçada a ela; nunca mais a deixei. Via os
caminhos, que atravessava, ficaram marcados com o sangue que do
coração me saía. Este sangue luz, levava amor, mas não era meu,
era de Jesus. Era uma grande atracção e convite que Ele fazia
para todos O seguirmos com a cruz até ao Calvário. Caminhei para
o Horto; lá cheguei, de lá vi a querida Mãezinha em cuidados, em
amargura, em ânsias. Onde estava o Seu Jesus? Que sofria Ele
àquelas horas? Estava a suar sangue; de todas as Suas veias ele
corria a ensopar a terra. Senti que todo o solo estremecia e
toda a terra se movia para mais se ensopar no sangue inocente de
Jesus. Toda a justiça divina desceu, a todo o descer;
envolveu-se o divino com o humano, o amor com a ingratidão. Eu
fiquei ali naquele esmagamento, entre a terra e o Céu, a dar o
meu sangue, a beber o cálice amargo, até à última gota. Jesus é
que a bebia, é que derramava o Seu divino sangue, é que era
esmagado, mas utilizou-se do meu corpo. Se eu soubesse
acompanhá-Lo em toda a Sua Paixão! Mas oh! pobre de mim, nada
sei.
Hoje, de manhãzinha, muito cansada, quase sem vida, muito
ferida, tomei a cruz; caminhei pelas ruas estreitas que davam
para o Calvário. Oh! que tristeza, que escuridão! Sentia que
Jesus com os olhos colados pelo sangue não via para caminhar. Os
Seus olhos divinos estavam nos meus e neles senti como que o
sangue de Jesus a coalhar. Cheguei ao Calvário, ali passei pelos
demais sofrimentos.
Uma
onda mundial, toda criminosa, levantou-se contra mim e contra o
Céu; era uma revolta, uma tremenda batalha. Jesus, todo
misericordioso, com todos os meios lançou-se a essa onda para a
acalmar; queria o mundo que Lhe pertencia; deu-lhe todos os
meios de salvação. Logo a seguir a isto, senti, dentro de mim,
um suspiro de Jesus e do alto da cruz, de dentro do Seu peito
Santíssimo, como se fosse uma pomba branca a esvoaçar,
pareceu-me voar o Seu divino Coração; voava, voava, mas sem se
poder poisar. Queria abraçar, não só os que com graça e amor
rodeavam a cruz, mas sim todos os que com crueldade e ingratidão
Lhe formavam o Calvário; sim, nesses é que Ele queria poisar, é
que Ele queria abraçar. Repelido, sem poder consegui-lo,
suspirava e a Sua agonia chegou ao auge. Senti dois abandonos,
um, como sempre de costume o tenho, que me pertencia a mim e
outro que pertencia a outro; eu, que não era eu, parecia sê-lo,
mas era Jesus. E neste abandono completo, Ele expirou e eu
também, ou pareceu-me que expirei. Depois de um bom espaço de
tempo, veio Jesus, veio sem luz, deu-me vida, mas em dor.
― Minha filha, Minha filha, coração de oiro, palácio da minha
habitação, sacrário das minhas delícias; nele depositei o meu
amor, todos os Meus divinos tesouros e riquezas sem fim. Estas
riquezas são para as almas, são para o mundo. Repara, vê que
centro de maravilhas é o teu coração; é levantado ao Céu pelos
Anjos e por Minhas divinas mãos oferecido a Meu Eterno Pai para
aplacar a Sua justiça, para O fazer esquecer as maldades
humanas!
Vi
que três Anjos sustentavam em suas mãos um centro riquíssimo,
parecia uma piscina toda iluminada e adornada com o amor de
Jesus. Vi que Ele a levantava ao Céu em Suas divinas mãos. Não
saí da minha dor. Fiquei tão pequenina, parecia-me estar de
rasto, junto aos pés de Jesus. Não soube dizer-Lhe uma palavra.
Ele tomou-me para o Seu regaço, inclinou-me para o Seu peito
Santíssimo o meu rosto e pôs-me a beber na chaga do Seu divino
Coração e ali ficamos por algum tempo em silêncio. Jesus
interrompeu e disse:
― Bebe, bebe, minha filha, levanta o teu desfalecimento, resiste
à tua dor, sacia-te; é o meu divino amor. Eu quero-te na dor,
quero-te na treva para Me consolares, para acudires ao mundo
ingrato, ao mundo que Me foge. O teu coração é um palácio com
portas de virtudes pelas quais entram e passam para Mim os
pobres pecadores. Aceitas o ficar em grande dor e agonia, afim
de reparares o Meu divino Coração e acudires às almas, até que
possas dar-te a alguns combates do demónio? Estou à espera
deles, pede, minha filha, para mos poderes dar.
― Ó
meu Jesus, aceito a maior dor, aceito a maior agonia, aceito
tudo, se sois comigo e tudo Vos dou, se me deixarem. Tudo Vos
dou sem ter que Vos dar; sinto que nada estou aqui a fazer.
― Tudo aceitas, minha filha! Que grande alegria para mim! Não
poderei deixar de te exaltar e dar-te os títulos de maior honra
e maior louvor. Não posso Eu exaltar-te e dizer-te: minha bela,
és toda minha? Que grande bem estás tu aqui a fazer às almas!
Este Calvário é para elas o amor que as abrasa, fonte que as
lava e purifica, luz que as alumia e trai a Mim. A tua dor, a
tua dor, minha filha, é dor de salvação; sobe ao Céu
incessantemente, dia e noite, e depois de Me reparar é pelos
Anjos atirada às almas e nelas vai penetrar como raio
fulminante. Confia, confia, a tua dor é de conquista, é de
salvação. Parecia-me que o Céu estava aberto e muitos Anjos
espalhavam para a terra, ora para um lado, ora para outro, não
sei o quê; estavam canseirosos, não sei o que semeavam. Não te
demores, filha querida; faz a lista das almas que queres que
passem da terra ao Céu; fazendo isso, consolas-Me e sempre
continuas a amar-Me.
― Sim, meu Jesus, faço-o logo que me mandem; eu quero
consolar-Vos, quero amar-Vos. Aceitai-a já, como se ela neste
momento fosse feita. Nela ponho a todos que agora me estão
presentes, a todos que querem que eu ponha e todas aquelas que é
do Vosso divino desejo.
― Vou, agora, dar-te a gota do Meu Sangue. Pela chaga bebeste
amor e pelo tubo de oiro rompe das veias, do Meu Coração, para o
teu a gotinha do Meu divino Sangue. É o sangue que te dá vida, é
a vida do que to vives, é a vida que dás às almas, é o sangue
que gera as virgens. Com toda a razão Eu posso dizer: minha
esposa, virgem louca, Eu sou o Esposo das virgens. Oh! como Eu
as amo, sobretudo como Eu te amo!
Quando o sangue de Jesus passou para mim, o coração cresceu,
cresceu, levantou-me o peito, fiquei sem poder respirar; sem
poder aguentar, parecia-me morrer. Jesus inclinou-me para Ele e
acariciou-me.
― Coragem, minha esposa amada; toda a tua vida, toda a tua força
dá-ta Jesus, vem-te do Céu. Confia, vives de Jesus e para Jesus,
vives de Jesus e para as almas. Vai para a dor e para a cruz,
sorri-lhe sempre, abraça-a sem temor. Coragem, coragem! É teu o
mundo, são tuas almas, salva-as. Combate, minha heroína, combate
e vencerás.
― Obrigada, obrigada, meu Jesus.
Vim
para a cruz e não sei o que sinto. Vejo que todo o mundo é
noite, que todo o mundo é revolto. Quero acudir-lhe, quero
salvá-lo e não posso. Como é grande a minha dor! Quero levá-la
com alegria. Jesus, vinde e vencei em mim.
17 de Outubro de
1947 - Sexta-feira
Os
meus olhos parece não verem sequer a luz do dia, resultado da
cegueira da minha alma. Nada sinto, nada vejo, a não ser a dor
da cegueira. Que tormento, que tormento, ó meu Deus! Oro e
apagam-se as minhas orações, sofro e foge-me a minha dor; se,
por graça do Senhor, algum bem pratico, tudo desaparece.
O
tempo passa, vem a Eternidade e eu de mãos vazias. Que luta
dolorosa dentro de mim! Como passo o meu tempo? Como passo os
dias que Jesus me dá de vida? A dor desaparece e nada tenho que
entregar a Jesus. Não sei como enfrentar este viver. Não posso
convencer-me deste nada que sou, desta miséria que só Jesus
conhece e que a mim causa horror, e ter que viver assim; não
posso, não posso. Ver que nada tenho, saber que Jesus me espera
e me encontra assim vazia de todo, só cheia d maldades. Se eu me
horrorizo e me envergonho de mim mesma, como se não há-de
horrorizar e envergonhar Jesus de me ver na Sua divina presença.
Ó meu Jesus, ó meu Jesus, eu confio em Vós, não me deixeis cair
no desespero, não deixeis o demónio convencer-me de que a minha
vida é inútil, que todas as maldades são minhas.
Todos estes dias tenho vivido, esmagada pelo peso da justiça
divina; fez-me lembrar a serpente debaixo dos pés imaculados da
querida Mãezinha. O peso da justiça divina esmaga-me e eu tento
levantar a cabeça e revoltar-me contra a mesma divina justiça. É
debaixo deste peso que eu sinto envenenar toda a humanidade;
sinto o veneno a cair-me dos olhos, ouvidos, da língua, do
tacto; sou só veneno até mesmo no pensamento. Este veneno corre,
não tem freio, espalha-se, vai envenenar tudo. Todo o meu ser,
toda a terra é veneno. E é sobre este veneno que pesa a justiça
divina. Eu não quero aceitá-la, revolto-me e sinto querer
envenená-la também. Ó meu Deus, não pode ser envenenar-se aquilo
que é divino, aquilo que é Vosso. Sou pior que a serpente, sou
veneno mais perigoso.
Que
horror eu senti toda a humanidade a beber, a envenenar-se, a
mergulhar-se em mim. O coração rasga-se-me de dor, ando como o
ladrão fugitivo; quero esconder-me, tenho medo de tudo, tenho
medo do Céu, tenho medo de Jesus. Ouço em meus ouvidos, sinto em
minha alma o som da trombeta que me chama; Ele vem a pedir-me
contas. Que será de mim, meu Deus, como poderei aparecer diante
de Vos!
Na
tarde de ontem, senti Jesus debruçado sobre a cidade, que
representava o mundo e chorava. Estas lágrimas causavam suores,
trevas, agonias de alma. A seguir sentia nos meus olhos lágrimas
de sangue e dos ouvidos saíam-me gotas dele também. Na cabeça
senti os espinhos, via esponja, senti no coração a lança.
Era
ainda cedo e eu prostrada no Horto, naquele solo duro que tanto
me feria. Rolava nele com aflição. Apresentou-se-me ali o
Calvário; estava coberta de iniquidades que atraíram sobre mim a
justiça do Eterno Pai; com o peso suei sangue; a aflição era
indizível, sentir-me assim esmagada e ver-me, cheia das maiores
iniquidades. Veio Jesus, beijou Jesus, deu-se a prisão. Eu
caminhei com Ele, com Ele senti o frio, parecia gelar, e o
desfalecimento.
Na
manhãzinha de hoje, sem pensar encontrá-Lo, lá O fui encontrar
quase moribundo. Tomei a cruz, depois dos açoites e todos os
maus-tratos com os quais perdi muito sangue. Senti o caminho do
Calvário, mas logo no princípio senti que o sangue de Jesus
fervia em Seu divino Coração como panela que ferve sobre chamas.
Ele atirava-se de braços abertos para os sofrimentos, como quem
se atira às ondas para nadar. Em todo o caminho da amargura, e
no Calvário, e já no alto da cruz, Jesus levantou por muitas
vezes os Seus divinos olhos como que a pedir auxílio; sentia-os
na minha alma como que abrirem-se e a fecharem-se.
Cravaram-se-me no coração todas as feridas do corpo Santíssimo
de Jesus e bem gravadas ficaram e todos manchados de sangue os
caminhos que percorremos. Já lá vai muito tempo e ainda os sinto
em mim, como se fosse agora! Não foram só os caminhos dolorosos
que me fizeram sofrer, surgiram espinhos postos por mãos humanas
a ferirem-me também; levaram-me a fitar a cruz com Jesus, a
pedir-Lhe forças para os suportar. Quanto custa este viver!
Quando estava assim no Calvário, a cruz e Jesus levantaram-se em
meu peito, a montanha foi subindo, subindo, levou a cruz e nela
Jesus, desapareceu tudo, sumiu-se o Céu. Eu fiquei sozinha
ligada ao princípio dessa montanha. Levantou-se um mar de
crimes, das maiores iniquidades, e as ondas desse mar batiam em
mim, membro dessa montanha, como batem as ondas num cais. Quanto
mais batiam, mais cegueira eu tinha, mais ó me sentia. Sem luz,
sem auxílio para aguentar tão0 grande mar de crimes, pior
imensamente pior do que a fúria da mais tremenda tempestade,
senti-me morre, mas sem Jesus a acompanhar-me. Não O senti a Ele
a expirar. Assim fiquei por um bom espaço de tempo, morta sem
morrer, nas trevas sem ser noite. Veio, depois, Jesus; não me
trouxe logo a luz, trouxe-me a vida e um fogo que me incendiou o
coração; pegou o fogo e disse-me:
― Minha filha, minha filha, tu não estás só; eu estou contigo. E
sabes quem Eu sou? Sou aquele Jesus a quem escolheste e
preferiste para Esposo. Como Eu te quero e amo! Anima-te,
anima-te; tem coragem. Tu não és trevas, és luz; as trevas são
para ti, para viveres nelas e a luz, a luz, que tu és, é para as
almas. Criei-te para elas, não és do mundo e vives para o mundo,
não estás no Céu e vives do Céu. Desde o primeiro instante da
tua existência, desde que te criei vi sempre em ti a missão que
te confiei, a missão mais bela, a missão mais nobre, a missão
das missões, a missão das almas; criei-te para elas, delas és
vítima. E à Minha semelhança, vítima do Calvário, vítima do
Gólgota. Como prova de que o és, foi por isso que te uni ao
princípio da montanha e sobre ti fiz bater o mar das
iniquidades.
A
montanha subiu, a cruz desapareceu, e eu com ela fui para o Céu.
Mas os crimes continuaram, e eu continuei a dar a prova do Meu
amor e a derramar sobre o mundo as Minhas graças. Foi aquela
chuva de oiro, que do alto da cruz viste das Minhas chagas, de
todas as Minhas feridas brotar. E a prova desse amor foi fazer
continuar a obra da redenção. O Calvário, o Meu divino Sangue
foi desprezado; desprezadas foram as Minhas graças, o Céu
fechou-se para a maior parte da humanidade, perdeu-se para ela o
sofrimento da cruz. Foi preciso continuar essa obra, através das
Minhas vítimas. És a maior vítima, és a maior depositária das
riquezas de Jesus. Acode ao mundo. Eu continuo a dizer que ele
está em perigo, grave perigo, urgente perigo. A maldade desafia
a justiça do Eterno Pai. Escuta o mendigo que bate, dá a esmola
a Jesus que te pede; aceita a cruz, leva-a com alegria, dá-Me a
dor, dá-Me o fruto do teu Calvário; quero-o para as almas; dá-Me
o combate do demónio. Que grande reparação eles Me dão! Dá-Me as
almas, acode-lhes. Faz tua a Minha dor, faz teus os Meus
suspiros, faz teu o Meu amor e as ânsias do Meu divino Coração.
Quero almas, fala ao mundo, diz-lhe que Eu o chamo, que Eu o
quero; pede-lhe que se converta.
― Ó
meu Jesus, eu não sei falar, nada sei dizer, falai Vós por mim;
incendiai nas almas o fogo que Vos consome, aceitai a minha dor,
aceitai o fruto do meu martírio que é Vosso e não meu, meu
Jesus; distribuí como Vos aprouver. Eu quero dar-Vos tudo, mas
não posso ouvir-Vos a pedir-me, a falar-me como um mendigo.
Mandai-me o que Vos aprouver, já sabeis que tudo aceito e tudo
Vos dou, sem ser preciso pedir nada, nada, meu Jesus. Não sois
Vós o meu Criador, o meu Rei, o meu tudo? O que Vos dou eu, a
não ser o que é Vosso? Não tendes Vós licença de pegar e
distribuir? Sou a Vossa vítima, imolai-me, imolai-me, Jesus.
― Como é bela a prece dos humildes! Como atrai a si as graças e
a loucura do amor de Jesus. Como é consolador para mim a oração
daquela, que, sendo grande com a Minha grandeza, se humilha e
faz pequenina! Que graças, que graças, atrais para o mundo, ó
Minha filha, ó bela com as belezas divinas!
Com
o meu coração a arder, fiquei a gozar de Jesus; gozava-O no
silêncio; nem eu nem Ele falava. De repente introduziu o tubo de
oiro no meu coração e no centro poisou o dele.
― Vai já correr em todas as tuas veias a nova gota do sangue do
teu Esposo Jesus; é o sangue divino que te dá a vida, é a vida
que te faz viver e fazer viver as almas.
Senti a gota do sangue de Jesus a correr em todas as veias,
quero dizer em todo o meu corpo; senti a força daquela vida.
Jesus acariciou-me, uniu aos meus os Seus divinos lábios, cheios
de doçura, e disse-me:
― É
ósculo de amor, não de traição como foi para Mim o de Judas.
Leva a vida, este amor que agora em ti fundi e vai infundi-lo
nas almas. Atrai a Mim com este amor as que ferem e atraiçoam o
Meu divino Coração. Vai para a cruz, leva a cruz, fica nas
trevas, dá luz. Coragem, Minha filha, coragem na dor, Espalha,
espalha no mundo o perfume, o aroma delicioso, fruto do teu
martírio; cultiva as flores de tão formoso jardim. Eu delicio-Me
entre elas a contemplá-las. Coragem, coragem!
― Obrigada, obrigada, meu Jesus; eu vou mas vou confundida. O
que sou eu e quem sois Vós? Ó amor, ó grandeza, vinde comigo.
As
graças de que Jesus falou, esqueci-me de dizer que as vi cair de
todas as chagas e feridas de Jesus, enquanto que O vi no
Calvário. Que chuva lindíssima caía do alto da cruz! E eu
sentia-me a voltar-lhe as costas e a desprezá-lo.
Jesus me aceita o grande sacrifício, que fiz em ditar tudo isto.
Não foi só o horror que me causa o ter de ditar, foi também a
grande falta de forças, o grande sofrimento de todo o meu corpo.
Tenho a certeza de que Jesus me auxiliou; sem Ele não poderia
dizer palavra. Bendito seja o Seu divino amor, e bendita seja
toda a cruz, que Ele me dá!
24 de Outubro de
1947 - Sexta-feira
Oh!
quanto sofre o meu corpo, e que dor e luta interior na minha
alma! Como pode ser isto?
Sofrendo eu tanto, não só me parece que os sofrimentos não são
meus, mas para mais doloroso ainda, sinto que nada sofro; sinto
que não sofro e sinto a dor, e sofro, sofro, sofro tanto. O meu
corpo, desfeito pela dor, é menos que o pó que o vento espalha.
E na minha alma, ó meu Deus, que grande horror! Sinto que tenho
duas almas, uma que sofre e a outra que não pode sofrer. A que
não sofre não é minha, e a que sofre não são meus os
sofrimentos. A que não sofre é puríssima parece que tudo vê e em
toda a parte habita e que nada se lhe pode ocultar; é dela a
terra, é dela o Céu. A que sofre está em trevas, não é pura,
está manchada. Mas não sei como; são duas almas e uma só alma. A
que é pura está ligada à culpada; dá-lhe vida, ampara-a,
encaminha-a. Mas eu não posso aguentar em mim esta pureza, unida
a tanta miséria, que eu sou; é um sol, é um brilho que eu não
posso enfrentar, faz-me conhecer mais os meus defeitos e
horrorizar-me deles. Se eu tivesse força para corrigir-me e
emendar-me para sempre! Vejo os defeitos em mim, e não sou
capaz, não tenho forças para não cair. Tantas vezes invoco o
nome de Jesus, tantas vezes chamo pela Mãezinha e Lhe peço que
me faça pura, obediente e humilde, que me encha de tudo o que é
Dela, para que Jesus em mim só a Ela veja!
E
sou sempre a mesma, cheia de maldade, coberta de crimes, a
desfazer de podridão, e sempre a ser esmagada pelo Céu e sempre
debaixo desse esmagamento a espirrar, a espalhar veneno por
todos os meus sentidos, por todo o meu corpo. Que horror, que
horror, ó meu Deus, que veneno me sai dos olhos e de todo o meu
ser, como ele envenena o mundo e tenta atirar contra o Céu esse
mesmo veneno!
Sinto a Jesus crucificado em todo o meu corpo; sempre as chagas
Dele em minhas mãos, pés e coração, sempre o corpo ferido e a
cabeça cercada de espinhos. Não sou eu, é Jesus que está em
assim, é Ele que assim sofre; é o Seu divino Coração que tem
espinhos, lança, espadas, punhais e setas.
É
Ele que sofre com a Mãezinha e vêm os dois sofrer em mim. É por
Jesus que eu vejo quanto Ele sofre, toda a dor Dela. E a tudo
isto se vieram juntar mais dores, mais torturas de almas. Como,
Jesus é bom; é Ele que tudo manda, tudo permite.
Com
estes sofrimentos não sofro por mim, sofro por saber sofrerem os
que me são tão queridos e não lhes poder acudir. Por pessoa, que
grande lugar ocupa em meu coração, foi-me recomendada a saúde de
um enfermo. Meu Deus, o que eu sofri, me sacrifiquei e orei por
ele; ofereci-me como vítima a Jesus; disse-Lhe que, durante um
mês, descarregasse sobre o meu corpo e alma todos os
sofrimentos, que Lhe aprouvesse, em cima dos que eu já tinha,
contanto que Ele e Mãezinha fossem comigo, para eu poder sofrer,
mas que me dessem a vida daquele enfermo, sem prejuízo da sua
salvação e da glória de Deus! Era grande, muito grande a dor e a
angústia da minha alma, quando assim falava a Jesus. Na minha
grande aflição, repetia-Lhe muitas vezes sem pensar obter uma
resposta Sua: dais-Lhe a saúde, dais, meu Amor? E Jesus, na Sua
bondade infinita, muito doce e suavemente, disse:
― Quero-o para Mim, quero coroá-lo do Meu divino amor, da Minha
glória.
Sempre na minha dor, sem atender ao que Jesus dizia, insisti no
meu pedido. Jesus, por três vezes, repetiu-me sempre o mesmo.
Passaram-se quase dois dias; a mesma pessoa de toda estima, de
novo, me recomendou o doente, já quase em agonia. Que punhaladas
na meu pobre coração! Que dor, que posso dizê-lo, quase
irresistível! Em vez de oferta de vítima por um mês, fiz uma de
três meses.
Chorei, chorei, fiz penitência, pedi para ser posta no chão, por
algum tempo, para maior sofrimento, o que me não foi concedido.
Mas, esta vez, Jesus não falou, fez-se surdo; em todas as minhas
súplicas de tantas horas, não tive um raiozinho de luz, tudo se
me apagava e desaparecia neste mundo; nem ao menos no memento da
Sagrada Comunhão eu senti outra vida. Confiava que Jesus podia
fazer o milagre, mas esta confiança não tinha lugar, ficava na
superfície, tudo o mais é que era realidade.
Senti no meu íntimo a noite e o silêncio da morte. Eu queria o
milagre, mas já orava pela boa morte do moribundo. Que medo
aterrador pela vida de sofrimento se entranhou em todo o meu
ser; foi um martírio, que se veio juntar ao martírio do Horto e
do Calvário. Só depois de mais de 24 horas é que eu soube que o
doente tinha partido para o Céu, se bem que já assim o pensava
pelo meu colóquio com Jesus.
Tenho tido tanto medo do demónio! Receei tanto os seus assaltos!
Há dois dias e noites que ele andava furioso, à volta de mim:
uivava raivosamente, queria assaltar-me; atormentava-me com
várias coisas o meu espírito. Apesar de todo o meu receio, Jesus
não permitiu que ele viesse com os seus ataques. Que conjunto de
sofrimentos, meu Jesus; contudo eu sou e serei sempre a Vossa
vítima!
Na
tarde de ontem, principiou o meu Horto. Primeiro que tudo, veio
um sol do Céu que parecia iluminar todo o mundo; veio e envolveu
em si toda a terra. O Calvário, o Horto juntou-se àquele sol,
formou-se tudo numa massa. Desapareceu todo o brilho; toda a
maldade, todo o erro lho encobriu. Jesus, dentro de mim, fitava
tudo aquilo, e, curvado sobre aquela massa mundial, chorava;
choravam os olhos do Seu corpo, chorava a Sua alma Santíssima.
Logo depois, vi a cruz e Jesus nela crucificado, a derramar
sangue, muito sangue que Lhe atravessava a cintura. Ao senti-Lo
e vê-Lo assim, passei-me com Ele para o Horto, ali veio
representar-se todo o Calvário. Que aflição! Rolávamos pelo solo
duro, o qual tremia e nos fazia tremer. Falo assim porque Jesus
ia comigo; sofríamos os dois. Ali mesmo, Jesus suou sangue e
falava a Seu Eterno Pai e Lhe oferecia o cálice tão amargo;
amargo para Jesus e amargo para mim. Foram dois Hortos. Sofria
com Ele, sofria por Ele e sofria por mim. Como eu desabafei com
Jesus e Lhe pedi para as consolar! Ó noite, tremenda noite! Que
todo este meu sofrer seja para honra e glória do Senhor e bem
das almas. Não sei, não sei traduzir a minha dor.
Veio a prisão e eu segui Jesus, sempre a ser com Ele maltratada;
e, hoje, logo de manhãzinha eu, à prisão O fui encontrar, sempre
acompanhada do mesmo sofrimento que era um martírio triturante.
Voltei a ver a cruz de Jesus e com Ele andei a caminhar entre o
alarido e grande algazarra do povo. Os sofrimentos de Jesus eram
para todos grande festejo. Não se comoveram ao vê-Lo chagado,
ferido. Caminhamos para o Calvário, suportei a Sua amargura e a
minha. Custou tanto a chegar ao cimo! O meu peito serviu de
montanha e o meu coração de cova da cruz onde Jesus estava
crucificado. Ele regou com o Seu divino Sangue o solo duro, que
eu representava. Com ser eu o Calvário sento-me abraçada a ele,
abraçada à cruz. Queria sofrer, queria morrer. O sangue de Jesus
caía, os corações dos que O rodeavam com rancor não se comoviam.
Um grande número tinham em suas mãos chicotes e finas varas com
os quais, mesmo na cruz, tentavam satisfazer mais seus gostos,
ferirem a Jesus. Quantos escarros Lhe queriam ainda lançar em
rosto. O meu coração via tudo aquilo. Oh! como Ele sofria! O meu
brado unia-se ao de Jesus, a pedir socorro ao Pai. Quando Jesus
expirou, com que amor bondade e doçura Ele Lhe disse: Pai, nas
tuas mãos entrego o meu espírito; é para ti o Meu último
suspiro. Tudo se calou, tudo ficou por algum tempo em silêncio.
Jesus tinha morrido, mas veio depressa; ressuscitou, deu-me a
Sua vida e falou-me:
― Coragem, coragem, minha filha! Oh! commo são belos e
prodigiosos os caminhos dos escolhidos do Senhor. Oh! como é
bela, luminosa e atraente a vida da esposa mais fiel, a vítima
mais generosa que Jesus escolheu para Si. Coragem, coragem,
minha filha. Não é só pedir-te a dor para ouvir dos teus lábios
um sim cheio de amor e generosidade; peço-te a dor e quero a
dor, peço-te a dor e busco todos os meios para te fazer sofrer.
Ó dor, ó dor, ó dor salvadora! O fogo das paixões incendiou-se
no mundo, não há quem o apague; em vez de água a apagá-lo,
dentando-lhe a lenha das maldades, crimes hediondos, as maiores
iniquidades a incendiá-lo; subiram ao seu auge as labaredas
criminosas. Dá-me a tua dor, filha querida, e diz tu ao mundo
que Jesus o ama e quer; diz-lhe que se converta depressa,
depressa. Se assim não for, quanto ele terá que chorar e gemer.
O fogo já corre pelos rastilhos, a bomba divina não demora a
explodir.
Jesus dizia isto com lágrimas, suspirava em profunda tristeza.
Não pude vê-Lo assim.
― Meu Jesus, meu Jesus, não consinto nas Vossas lágrimas. Para
que sofro eu? Para que quereis Vós a minha dor, a minha tão
pobre e sofrida dor! Ponde-lhe os Vossos méritos, ponde-lhe o
Vosso amor e consolai-Vos nela e dela fazei o que bem Vos
aprouver. Quero eu chorar, sofrer e estar triste, contente só
por fazer a Vossa divina vontade.
As
lágrimas de Jesus cessaram logo, e continuou.
― Já estou contente, filha amada, mas tens tanta reparação a
dar-me! Tens que dar tão grande lição ao mundo! Repara-Me, mas
com alegria; fita na cruz os teus olhos, que eles vêm para Mim a
poisarem em Meus braços como pombas brancas para descansarem.
Fita em Mim os teus olhares e em Mim toma conforto; dá-Me grande
reparação, o veneno corre. Os esposos não dão vidas; matam
vidas. Oh! que crimes! A imodéstia alastra-se. As almas vítimas
fogem, temem o sofrimento, temem a cruz. E tantas de quem Eu
esperava tudo, pecam horrivelmente. Dás-Me por tudo isto o que
te vou pedir? Dás-Me os combates com o demónio? É deles que Eu
tiro para esta matéria a maior reparação.
Jesus dizia isto e chorava novamente.
― Não choreis, meu Jesus; que eu Vos dou tudo, bem o sabeis,
pois já tenho licença para tudo Vos dar; dou-vo-los na confiança
de que me não deixeis ofender-Vos. Mas não quero ver mais em
Vossos divinos olhos as lágrimas. Dou-Vos, mas também Vos peço,
sabeis bem o que é. Fazei-me o que Vos peço, mostrai o Vosso
poder. Pela Vossa graça nunca Vos neguei nada, não me negueis
também; não é por mim, é por vós, é por aqueles que tão
profundamente colocaste em meu coração.
Jesus sorriu docemente com modos e gestos de quem quer dizer
mais, muito mais, e disse-me:
― Pede-Me com confiança, nunca são em vão os teus pedidos. Os
desígnios de Deus são imperscrutáveis; os Meus olhos divinos
vêem tudo, tudo Me é presente. A criatura humana só pode ver e
compreender à luz da eternidade. Coragem, coragem, Eu vou dar-te
o Meu divino Sangue; recebe-o que é força, recebe-o que é vida.
A dor que te espera, só a força divina a pode vencer; nada
temas, Eu estou contigo.
Jesus introduziu o tubozinho brilhante como oiro, e no cimo
trazia o Seu divino Coração. Caiu a gotinha de sangue, Jesus
tirou-o rapidamente, fez que eu pudesse aguentar, e logo deixou
a abertura cicatrizada.
― Minha filha, pomba querida, vai, não deixes de, na dor, teres
o sorriso; não deixes de beijar e abraçar a cruz; ela espera-te,
corre para ela, leva a vida, tu és a vida das almas, tenho-te no
mundo para elas. Vai em paz, e leva a Minha paz, leva a Minha
luz, és a luz, vai guiá-las, vai salvá-las. Fica nas trevas,
vive nas trevas, são trevas da maior luz. Milagre, milagre,
milagres, milagres por ti os opero nas almas, aos milhares, aos
milhares. Vai contente, semeia as Minhas graças, semeia o Meu
amor. Obrigada, obrigada, meu Jesus. Ai! Como eu temo os
sofrimentos, as oh! como eu quero a cruz que me dais; recebo-a,
recebo-a só por amor. Meu Deus, como são já tão grandes e
assustadoras as trevas em que me encontro! Poderei vencê-las?
Venha o Céu, venha o Céu todo por mim.
31 de Outubro de
1947 - Sexta-feira
Sinto em mim as chagas de tal modo abertas, que, apesar de serem
em mim, parece-me, por dentro delas, passar de um lado para o
outro. Mas não sou só eu, é o mundo inteiro que por elas
atravessa, por elas passa, ora por uma, ora por outra; são
portas francas, pelas quais todos podem passar, sem pedirem
autorização.
Todas estas chagas dão passagem para um só caminho, que vai ter
à chaga do coração e da chaga dele passam a outro Coração, que
unido ao meu está. Oh! e com que ansiedade esse Coração recebe a
todos quantos para Ele querem ir. Parece que tem braços para
abraçar, olhos para fitar e atrair, lábios para sorrir e beijar.
Que coração, que coração que é amor, só amor! O meu é tão
pequenino e mesquinho, nada, mesmo tão nada ao pé deste; não sei
até como, sendo assim tão pequenino, pode ter em si chaga tão
grande, parece uma chaga mundial. Custa-me tanto a aguentá-la! É
tão grande, é mesmo imensa a dor que me causa. Sofro tanto, e
não sou capaz de, com os meus sofrimentos, remediar tanto mal.
Eu quero, não sei o que quero; quero tudo em poucas coisas se
resumem. Consolar e amar Jesus, fazer só a Sua divina vontade e
salvar-Lhe as almas. Quero as almas, quero o mundo, quero-o para
Jesus. Não sou eu o anseio é Ele. Ai como eu O sinto, de braços
abertos, para o receber e abraçar.
Não
sou capaz, não me é possível, por mais que eu sofra, dar
alegria, dar alegria ao meu Jesus, amá-Lo com a maior loucura.
Ai de mim, e eu quero amá-Lo! Não resisto a estes desejos de
amar a Ele, só a Ele; e temo não resistir, não vencer atravessar
as trevas, que, de cada vez, se tornam mais distantes, mais
profundas, mais minhas, minhas para por elas caminhar, minhas
para nelas sofrer, minhas sem serem minhas; sou feitora deste
terreno de negra escuridão. Temo-as tanto e quero-as, não as
posso deixar.
O
demónio tem-se regalado de atormentar-me; tentou levar-me ao
desespero, persuadir-me de que não sou ouvida por Deus, que nada
adiantam as minhas orações.
Depois desta tentativa, veio atormentar-me com os seus ataques.
Foram oito assaltos, e sempre de noite. Em duas noites foram
três, a seguirem-se uns aos outros, e, noutra, foram dois. Não
sei, parece-me que nunca teria a coragem de dizer as coisas
horrorosas que ele dizia contra Jesus e os gestos maliciosos que
ele fazia. Horrorizava-me, por dois motivos; um pelo receio de
pecar, outro por tais coisas ter que ouvir de Jesus e temer que,
na mesma ocasião, Ele me castigasse. Que horror e que,
horrorosos são os crimes com que Ele é ofendido! O meu coração
pareceu-me saltar para fora do peito; a batida que ele fazia com
tanta força, não parecia de um coração, mas sim duma fábrica. Eu
estava toda revestida de malícia, todo o meu ser era inferno,
tinha toda a maldade do demónio.
Tinha uns pequenos intervalos de um combate ao outro, mas ficava
sempre a ele presa pela loucura das paixões. Compreendia toda a
malícia e sabia o que ele me representava ou fazia sentir. Não
deixava por isso com toda a alma e coração chamar por Jesus e
pela Mãezinha, dizer-Lhes que não queria pecar, que antes queria
o inferno, que era a Sua vítima. Tudo isto me parecia que já era
tarde, que só recorria ao Céu, depois de ter pecado.
Apenas terminava o último combate, parecia-me ter vindo não sei
de onde, dum mundo para o outro, dum mundo maldoso e criminoso
para um mundo inocente; e logo deixava de compreender tais
maldades, mas com o coração a sangrar de dor, por muito tempo.
Que triste vida, Jesus; que triste vida, Mãezinha; sou sempre a
Vossa vítima para Vos consolar e amar, desejosa sempre de em
tudo cumprir a vontade do Senhor.
Na
tardinha de ontem, vi atrás de Jesus a Mãezinha, junto à cruz,
quase a desmaiar de dor; vi, no mesmo momento que não foram mãos
humanas que A ampararam, mas sim o amor de Jesus, que em raios
doirados, A cercaram e sustentaram firme sem cair. Depois disto,
caiu sobre mim a montanha do Calvário; o peso era esmagador; que
aniquilamento! Senti que Jesus caminhava comigo, curvado com o
peso da mesma montanha. O Seu Santíssimo corpo banhava-se em
suor, da cabeça aos pés, a Sua tristeza era a mais profunda, a
escuridão era a da noite mais tremenda.
Passamos para a ceia. Vi o rosto de Jesus, afogueado de amor;
iluminava toda a mesa e aposento. Era lindo vê-Lo com os olhos
feitos no Céu; era lindo ver e sentir a doçura com que Ele
deixou inclinar sobre o Seu Santíssimo peito o discípulo amado.
Foi doloroso e arrepiante ler no coração de Judas os maus
intentos, a falsidade que tinha para com Jesus e ser por seus
olhares venenosos contemplado. Judas fitava Jesus com maldade,
e, sem querer fazê-lo, fazia para disfarçar. Jesus fazia-o com
doçura e bondade para o convidar a Si. Sem sair dali, vi todo o
Horto, cheio de agonia. E pelo meu coração passaram as lágrimas
da Mãezinha, ao saber de Jesus preso e tudo o que Lhe faziam.
Hoje tomei com Ele a cruz com o corpo todo chagado e a cabeça
cheia de espinhos; seguimos o Calvário. Em todo o trajecto,
caímos por tantas vezes desfalecidos; eu sentia o rosto de
Jesus, poisado na terra dura; respirava contra ela e os Seus
lábios divinos pareciam beijá-la, ao mesmo tempo que nova chuva
de pancadas caíam sobre o Seu Santíssimo corpo. No Calvário
senti e vi que, ao despir Jesus, o fizeram com toda a crueldade.
O Seu divino corpo, coberto de sangue e feridas, não comoveu os
seus duros corações. Aumentaram com isto a amargura de Jesus.
Foi nesta amargura que Ele ficou todo o tempo da agonia até
expirar. Custou-me tanto a aguentar este sofrimento de Jesus!
Custou-me tanto suportar as palpitações fortíssimas do Seu
divino Coração! Palpitava de amor pelo mundo endurecido e
culpado, e palpitava de dor, quando o Pai pedia compaixão.
Era
noite, noite tremenda. Senti o meu peito rasgar-se como fino
pano; foi talvez no momento que Jesus expirou, não porque eu
sentisse Ele expirar, mas pelo silêncio, noite e morte que em
mim passava. Que sofrimento, que noite tão assustadora! De
repente, iluminou-se toda a minha alma com uma luz que iluminava
o mundo. Ouvi como quem bate palmas e ao mesmo tempo a voz
terníssima de Jesus disse-me:
― Minha filha, minha filha, quem bate, quem te chama é Jesus.
Repara; é a minha luz divina que te ilumina, para que saibas que
sou Eu, para que compreendas a luz celeste e saibas distingui-la
das trevas que Eu permito. Sou Eu, está atenta para bem sentires
e gozares da Minha paz, a paz que te dou, a paz que vem de Mim,
a paz que conforta e dá vida para sofreres. Coragem, um pouco
mais. A tua vida, aqui neste desterro, é brevíssima; confia, vem
o Céu, a tua Pátria, a eternidade de gozo. Ao terminar o teu
exílio, a tua dor, principia, Eu to prometo, Eu to prometo, como
recompensa, a cair para a terra uma chuva de graças constantes
que vão penetrar nas almas. Não acaba a tua missão, a tua bela e
sublimíssima missão. Enquanto que no mundo houver almas para
salvar, não cessará de chover essa chuva de graças e maravilhas
prodigiosas. É o prémio da tua dor.
― Meu Jesus, dizei que é o prémio da Vossa dor, que é a chuva
das Vossas maravilhas e prodígios. Quem sofre não sou eu, quem
sofre no meu corpo sois Vós. Muito obrigada pela promessa que me
dais; alegro-me com ela, porque me alegro na salvação das almas.
Sou Vossa, Jesus, para Vos amar, sou Vossa para com o que é
Vosso as salvar.
― Minha filha, minha amada filha, se soubesses quanto Me consolo
em ti e a grande reparação que Me dás! Continua a consolar-Me,
continua a reparar o Meu divino Coração. A tua vida de martírio
é a escora que sustenta o braço do Meu Eterno Pai. Os crimes, as
grandes iniquidades da humanidade feriram o Céu, abriram-lhe
fendas como finas lanças. A tua dor, o teu sofrer são molas
seguríssimas para não deixar sair tão depressa a grande justiça
divina. É a tua dor, que faz esperar o Meu Eterno Pai. Convida o
mundo, convida-o tu, chama-o, chama-o depressa para Mim. Dá-Me a
dor, dá-Me mais dor, dá-Me a reparação pelos combates do
demónio, para poupares as almas ao inferno. Por esta reparação
espero-os alguns anos, na vida do pecado, sem os precipitar no
inferno. Dá-Me a reparação por este meio, se a muitos infelizes
queres salvar.
― Meu Jesus, o horror que me causam tais sofrimentos, só Vós o
sabeis; o meu receio é só de pecar. Que vida cheia de temor;
temo ofender-Vos, temo e horrorizo-me em ditar tudo o que me
dizeis. Que há-de ser de mim, meu Jesus? Sem ter querer, gostava
de nada dizer e desconhecer todas as maldades infernais.
― Tem coragem, filha querida: aceita tudo. Tu não Me ofendes, Eu
por ti velo, em ti estou. Escreve, dita tudo que é pouco tempo
mais. Tu não conheces, não sentes, não sabes; confia no que te
digo: a tua vida escrita nos teus cadernos saio linhas escritas
com o oiro mais fino, guarnecidas com as pedras mais preciosas.
Não é para ti esta riqueza, mas sim para as almas. Vai agora
para o teu coração o Meu divino Sangue. É um momento que leva
esta separação. Vai já correr em tuas veias o Sangue, que te faz
viver, o Sangue que te faz dar vidas.
Jesus, junto ao tubo, já trazia ligado o Seu Coração divino;
introduziu-o no meu, passou a gotinha de sangue, foi num abrir e
fechar de olhos. No mesmo momento, que fez a abertura, a
cicatrizou.
― Que grande prova de amor, Minha filha, como Eu velo por ti,
como Eu te amo! Como Eu amo as almas! Vai, diz-lhes que Eu as
quero. Vai para a cruz, que é o teu leito de dor; vai para a
cruz, que é a cruz do amor. Sofre, sofre na alegria; ama, ama na
dor. Coragem, coragem; vai em paz.
― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Tomai o meu coração, modelai-o,
para que ele ame e sofra como Vos agrada. |