Setembro
5 de Setembro de
1947 - Sexta-feira
Dói-me, dói-me, meu Jesus, o coração, que espinhos agudos o
trespassam dum lado ao outro. Não estão quietos, avivam-me as
feridas, estão sempre a sangrar. Lembro-me do Vosso divino amor,
e por Vós tudo sofro; lembro-me das almas, Jesus, sou vítima
delas, dai-lhes o Céu. Tudo recordo; mas sem alívio; os espinhos
ferem-me, é uma roda-viva deles à volta deste pobre coração.
Como Ele sofre e verte sangue! Ó meu Jesus, meu Jesus, por mais
que eu queira lembrar-me de que nada sofro, para só me lembrar
do que sofrestes e sofreis ainda por mim, não sou capaz; os
sofrimentos tão agudos e contínuos, esta dor tão penetrante, não
me deixa convencer disso.
Sofro, sofro, meu Jesus, e é por Vós. Sofro, sofro, meu Jesus, e
apesar de tanto sofrer, nada tenho para Vos dar; sofro e não sei
da minha dor. Ó minha cegueira, ó cegueira da minha vida, que
fazes tu que tudo me encobres e roubas. Eu te quero e abraço
sempre por Jesus. A minha vida, os meus caminhos são secos,
tristes e espinhosos; nenhum deles me dá alegria, a não ser esta
que é tudo: a vontade do Senhor. Todos eles me trazem amarguras
e espinhos agudíssimos. Oh! bendita cruz! Aceitai, meu Jesus,
todas as minhas lágrimas; bem sabeis que foram oferecidas a Vós.
Perdoai-me os meus desânimos e desfalecimentos; é mais um meio
para muitas vezes me humilhar diante de Vós e de Vos pedir
perdão de tantas faltas que cometo. Perdoai-me, Jesus,
perdoai-me sempre, e alcançai-me a graça de Vos não, ofender.
Eu
não posso, por vezes, resistir a ânsias tão fortes e tão loucas
de amor a Jesus; parece-me morrer. Quanto mais quero a vida de
Jesus e o Seu amor divino, mais despida e fria me sinto de tudo.
Tudo é miséria, toda eu sou misérias.
O
demónio aproveita-se de todo este estado de alma para deitar
tudo por terra, para mais atormentar o meu espírito já tão
atribulado. Ai de mim, se falta à minha alma a paz e a força do
meu Deus.
Sofri um corte, mas um corte, que abalou tudo, de todos os que
me são mais queridos. Como estou só, tão só, sem ninguém!
Ter-Vos-hei a Vós, meu Jesus, e a Vossa graça? Se Vos possuo,
nada mais quero; estou segura. Que medo, mas ó que medo eu tenho
de falar dos meus sofrimentos; é uma nova cruz; não posso dizer
que sofro! Nada posso dizer da minha dor e das coisas de Jesus
sem grande martírio para a minha alma. Que horror! Ó santa
obediência, como tu és poderosa!
A
caveira grande e deformada continua dentro em mim; não posso
vê-la; e para meu maior martírio tenho que vê-la e senti-la. Que
nojo! Ter que fitá-la a desfazer de podridão!
Vi,
a noite passada, muitos malvados a açoitar Jesus. Que pena! Nem
posso pensar! Tantos algozes contra um inocente! Meu doce Jesus,
pertenceria eu também ao número dos que tão mal Vos tratavam!
Na
tarde de ontem, principiou o meu coração a arder, sobre este
fogo abrasador caiu um mundo de misérias, e trazia com ele toda
a maldade e furor infernal. Sobre este mundo veio o Céu.
Travou-se uma luta, uma grande guerra; o Céu contra a terra, a
grandeza contra o nada, a pureza contra a lama. Nesta luta,
nesta guerra, fui para o Horto. Uma electricidade divina parecia
faiscar e despedaçar tudo. E eu, debaixo de toda a podridão do
mundo e da justiça divina, tinha que lhe satisfazer por tantas
maldades. E logo senti a terra a banhar-se de Sangue, saído das
veias e suores de Jesus. Vi-O a fitar o Céu e a levantar para
ele as Suas mãos divinas com o cálice a transbordar de amargura.
A satisfação não estava completa, tinha que seguir o Calvário.
Hoje de manhãzinha veio-me uma grande cruz, de encontro ao
peito; acendeu-me no coração o desejo de a beijar e abraçar;
logo a senti aos ombros e segui os dolorosos caminhos do
Calvário. Senti em meu corpo os vestidos colados de sangue,
sangue que vinha das feridas dos espinhos, que, ao eu cair por
terra, mais se abriam e aprofundavam. Que chuva de sangue da
minha cabeça, ou para melhor dizer, da cabeça Sacrossanta de
Jesus! Foi Ele que caminhou e sofreu. Que desfalecimento, ao
ver-me já sem vida e ainda tão longe da montanha! Já no alto
dela, caí com Jesus, pela última vez; foi perto do lugar, onde
ia ser crucificada; bati com o peito no solo duro; nova golfada
de sangue me subiu aos lábios.
A
dureza de tão penoso Calvário ficou bem gravada em mim. Que
doloroso, que indizível Calvário! Que dolorosa e indizível
agonia! O Sangue de Jesus não amoleceu aquele rochedo duro. Não
sei dizer o que sofri, não sei dizer o que senti, ao ver Jesus
fitar no Céu Seus olhos já moribundos e quando ao Pai entregou o
Seu espírito. Ele expirou, e eu com Ele dei a vida sem morrer;
senti-me morta para depressa ressuscitar. Veio Jesus, e
disse-me:
― Minha filha, Minha filha, a alma que anseia amar-Me, ama-Me,
quando as suas ânsias são puras e desinteressadas; ama-Me,
quando os seus desejos são do coração e da alma, sem outro fim,
a não ser possuir-Me a Mim mesmo, viver a Minha vida, a vida do
Meu amor, cumprir a Minha divina vontade. Sim, Minha filha, a
alma, que se renuncia a si própria, calca a seus pés tudo o que
é seu, tudo o que lhe dá prazer e alegria, para Me seguir e
abraçar a Minha cruz; essa sim, essa ama-Me, essa busca só a
Minha glória e tudo o que é Meu. Mas são tão poucas essas que
com tanta pureza podem ser a luz do mundo, a vida das almas aqui
na terra! Tu amas-Me. Alegra-te. Goza de Mim.
Aqui ficou Jesus silencioso, e deixou-me a nadar na Sua paz.
― Se pudesses ver, Minha filha, como Eu trabalho em tua alma! Se
pudesse ser vista a arte deste Artista divino, quantos a
invejariam! Trabalho, porque Me deixas trabalhar; embelezei-te,
porque te deixaste adornar por Mim. Minha filha, Minha esposa
querida, aqui tens o Meu divino Coração, cheio de amor; é teu,
dou-to, porque te amo; dou-to, porque Me amas, distribui pelas
almas, dá-o, dá-o, ficas para ti sempre com o mesmo amor.
Dou-to, cheio de amor, dou-to para mo guardares dentro do teu;
não deixes o mundo feri-lo. É um caso de amor.
Jesus entregou-me um centro com um centro de flores, e por entre
elas sobressaíam altas labaredas de fogo. O meu divino Jesus
fez-me compreender e ver a Sua divina luz que era aquele o Seu
coração, que aquele fogo era o Seu amor.
― Meu Jesus, pela minha tão grande miséria, não sou digna de ser
depositária do mais alto e mais rico tesouro. Se o desses a uma
alma que Vos amasse e pudesse guardá-lo para não ser ferido
pelos pecadores! Pobre de mim, pobre de mim, não sei amar-Vos, e
sou eu própria a ofender-Vos.
― Amas-Me, Minha louquinha, e a prova de que Me amas foi a visão
que te dei. Quando viste a imagem do Meu divino Coração, dentro
de um pequenino trono, sendo Eu tão grande, era o trono do teu
coração; as flores, que Me adornavam, eram as flores das tuas
virtudes; a luz, que tudo iluminava, era a luz do teu amor.
Confia que Me amas; confia que Eu te amo.
― Que confusão a minha, Jesus; pusestes de parte os meus
pecados. Se os juntásseis às minhas pequeninas virtudes, toda a
beleza desapareceria. Como sois bom e misericordioso! Eu nada
disse, meu bom Jesus, da Vossa linda imagem naquele tão lindo
trono, porque receei ser um sonho ou uma ilusão minha. Como sois
bom e cheio de misericórdia para comigo!
― Como Eu Me encanto e enlouqueço pelas almas humildes e
pequeninas; como Me atraem a si as almas generosas! Dás-Me,
Minha filha, em vez do tormento do teu espírito alguns combates
do demónio? Quero ser reparado. Oh! Como sou ofendido!
― Ó
meu querido Jesus, sabendo Vós que eu tudo quero sofrer, que
nada Vos posso negar e que não tenho licença para ceder a esse
pedido, para que mo fazeis? Ó meu Jesus, que hei-de eu fazer,
que há-de ser de mim. Sossega, sossega, filha querida. Eu quero
que obedeças e quero ser reparado.
― Pede, pede, para Me poderes dar essa reparação. Até que ela
venha, vou tirando proveito da dor, que vais sentir, por não
cederes aos Meus desejos. Vou dar-te o Meu divino Sangue, vou
ligar a ti o tubo do amor; ficam unidos os nossos corações e
unidos também os nossos rostos. Eu para receber de ti
consolação, e tu para receberes de Mim conforto. Recebe vida,
recebe vida; recebe amor, recebe amor, recebe amor.
Passaram-se uns momentos nesta estreita união. Ao receber o
Sangue de Jesus, fiquei com mais luz; o coração palpitou-me com
mais força, senti um novo viver em todo o meu ser.
― Vai em paz, Minha filha; vai para as almas, que necessitam de
ti, vai para a cruz, que te espera; vai com confiança. Leva
amor, leva amor, leva a vida de Jesus; é a força na tua cruz, é
a luz nas tuas trevas.
― Obrigada, meu Jesus.
6 de Setembro de
1947 - Primeiro sábado
Esta noite foi para o meu corpo um doloroso Calvário. Que
tormento estar sempre a queixar-me. Eu não digo isto por
queixume, digo-o por obediência. Como outra coisa não tenho, a
não ser a dor, é desta sempre que eu falo. Jesus aceita o meu
sacrifício. Sofri, sofri dores triturantes, mas quase me
esquecia que sofria para me unir a Nosso Senhor, para maior
consolação Ele poder receber.
Esperei o meu Jesus com tanta ansiedade; nunca mais chegava a
hora de O receber; veio enfim, baixou ao meu pobre e indigno
coração, fez-me logo sentir que era Ele. Encheu-me, o meu
coração fez-se tão grande, parecia não me caber no peito; estava
como se tivesse em mim toda a abóbada do Céu. Disse-me Jesus:
― Minha filha, os tesouros do meu divino Coração são
inesgotáveis para o mundo; por ti os faço descer a todos os
corações, a todas as almas. Pobres daqueles que os não querem
receber! Que riqueza! Como tu és grande! És tão grande como o
Céu. Tens o coração e a riqueza do próprio Deus que enche o Céu
e enche a terra. O mundo é cruel. O mundo é ingrato. Ofende-Me
tanto! Eu não posso fitar as suas maldades. Ofereço-Me
constantemente ao Meu Pai para aplacar a Sua justiça divina;
ofereço-Me com as minhas vítimas, mas são tão poucas! Tu és,
filha querida, a primogénita de todas as vítimas, és a que
rematas a cruz, estás no lugar mais alto. Brilha no alto dela
sobre a tua cabeça o diadema da pureza e do amor, o diadema da
vitória.
― Ó
meu Jesus, quanto mais dizeis mais me humilhais; bendito sejais
por me humilhardes assim na Vossa divina presença. Tendes razão;
cheia como estou das Vossas riquezas, são elas que os Vossos
divinos olhos vêem; é delas que podeis falar. Eu vejo a minha
miséria; graças infindas Vos rendo por tão grande graça.
Jesus deixou-me por algum tempo a gozar da Sua grandeza, e ficou
em silêncio. Depois, continuou:
― Minha filha, dás-Me, durante três noites, das 10 às 11, das 11
à meia-noite, umas horas de reparação? Oferece-Me tudo e não
cesses de Me repetir constantemente actos de amor, ora com os
lábios, ora com o coração. Vou ser nessas horas muito ofendido,
ó minha esposa querida, e pelos sacerdotes. Já não falo nos
crimes dos outros pecadores, falo destes que se dizem Meus
amigos, e ofendem-Me tanto. Se disser que não, alguns
conhece-los, a outros não.
― Não quero saber o nome de nenhum, meu Jesus; fico mais
sossegada assim, e a reparação é a mesma, não é, meu Amor?
― É
maior ainda, esposa amada; sofreres, dares, sem saberes a quem,
maior é a consolação que por ti recebo. Sofre, sofre e ama, para
mais Eu poder esquecer o que eles Me ofendem. Diz, Minha filha,
ao teu Paizinho que sempre foi e será o teu director, escolhido
pela Santidade e Sabedoria divina. Diz-lhe que Eu farei que ele
seja para as almas um viveiro de luz e amor. Farei que venham ao
Meu divino Coração, cheias de mim como formigas em bando, cheias
de alimento para o seu celeiro. Diz-lhe que o Meu divino amor
para com ele Me leva a fazê-lo subir ao mais alto grau de
perfeição. Ele cantará eternamente o hino dos predestinados. Diz
ao teu médico que o Meu divino Coração anseia por o cobrir e
encher a ele e a todos os seus de novas graças e bênções.
Diz-lhe que em tudo o prometo amparar e proteger. É sempre o Meu
divino amor sobre ele, quando o consolo ou faço sofrer. Amo-o e
prendia para sempre a Mim. Diz-lhe que os raios de luz, os raios
brilhantes de sol se vão espalhando cada vez mais, mas não
chegarão ao seu fim sem que novas nuvens tentem encobri-la. A
sua fortaleza e o seu brilho rompe tudo, e tudo iluminará. A
vitória é certa; sempre firme no seu posto. Que dita a ele e de
todos os que com ele trabalham serem defensores da causa mais
rica, da causa do Senhor. Vem, Minha Bendita Mãe, vem em auxílio
da Nossa filhinha, junta ao Meu o Teu conforto, necessita dele
para tanta dor.
Veio a Mãezinha coroada e trazia manto de rainha, bordado a
oiro:
― Sofre com alegria, desagrava o Coração divino de Jesus e o
Meu. Que onda, que incêndio de crimes nos ferem. Tanta inocência
perdida! As praias e cinemas, que inferno desencadeado! São
piores que demónios; muitas almas com as suas vaidades e
desonestidades provocadoras excitam tanto e tantas outras ao
mal. Olha como tratam o Meu Santíssimo Coração.
De
Rainha transformou-se a Mãezinha na Virgem das Dores: olhar
angustioso, o rosto tristíssimo e o Coração cheio de setas.
― Ó
Mãezinha, querida Mãezinha, passai para mim a Vossa dor, as
Vossas setas; quero sofrer todos os sofrimentos, os de Jesus e
os Vossos, dai-me força, dai-me graça.
― Deixa-te então imolar, deixa que os espinhos dirigidos ao
Coração do Meu Jesus te firam constantemente o teu. Sofre para
Ele não sofrer; aceita as minhas setas para eu não sofrer
também.
Ficou a Mãezinha libertada do sofrimento; todo se passou para
mim. Aproximou-se de Jesus; Ele, dum lado, e a Mãezinha, do
outro, acariciaram-me, uniram-me aos Seus Santíssimos rostos e
ao meu, cobriram-me de amor. Disse a Mãezinha:
― Leva, Minha filha, estes amores, e vai dá-los em Meu nome
àqueles a quem amas. Quanto mais o teu coração te atrair para
eles, tem a certeza de que Jesus e Eu os amamos loucamente. E
pede-lhes então para Nos amarem, amarem apaixonadamente e para
repararem com grande reparação os Nossos dois Corações unidos na
mesma dor, no mesmo amor.
Acrescentou Jesus:
― Vai, filhinha, vai pomba branca, forma o teu voo para a cruz,
fixa em Nós os teus olhares. Coragem, coragem.
― Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha. Não me abandoneis na
minha luta.
12 de Setembro de
1947 - Sexta-feira
Meu
bom Jesus, sinto-me a não ter fé, nem amor, nem confiança. Que
negra cegueira, que penosa vida! O demónio tenta-me, quer
convencer-me de que não existe Deus, nem Céu, de que a religião
é falsa e falsa é a minha vida. Tenho medo, Jesus, medo de mim,
da minha vida e medo de Vós. Tudo se esconde, tudo se apaga, não
tenho nada bom; o meu coração é um rochedo, está num mundo de
gelo; piso em nojenta e peguenha lama, não posso desprender-me e
sair dela. Que luta, que combate dentro de mim. Mas Vós existis,
meu Jesus; sim, meu amor, em tenho confiança em Vós. Não sei dos
actos de amor nem da reparação, que Vos dou; não é o meu coração
nem os meus lábios que falam, não é o meu corpo que sofre e
repara; é um outro, que não sou eu, a sofrer e a amar. Eu sou um
nada nas mãos de Jesus. Eu não vivo, mas vive alguém; eu não
sofro, mas alguém sofre; eu não amo, mas alguém ama em meu
lugar. Se nada faço, ó meu Deus, que estou aqui a fazer? A Vossa
divina vontade Senhor. Que os Vossos braços Santíssimos sejam as
doces cadeias, que me prendem, para não ser arrastada por tão
tremenda tempestade.
Nas
horas da noite, que Jesus me pediu, para reparar e fazer-Lhe
actos de amor, fiz todo o esforço para sofrer com perfeição e
com amor para consolar Jesus, para Ele esquecer os crimes com
que era ofendido. Tudo o que dizia eu fazia, morria, mas, apesar
disso, era um verdadeiro inferno contra mim.
Os
demónios queriam assaltar-me, mostravam-me os crimes e queriam
levar-me a praticá-los. Que ódio contra mim e contra Jesus!
Quanto mais eu O acariciava mais aumentava o furor do maldito. O
inferno estava aberto, toda a raiva caía sobre mim. Sentia como
se estivesse Jesus entre o inferno e os culpados. Nada mais sei
dizer, digo apenas o que sei e sinto.
O
pobre do meu corpo continua a ser, ora numas horas, ora nas
outras, um esqueleto, caveira, chagas, espinhos, setas, dor e
sangue. O que é a minha dor, só Jesus a compreende. E isso
basta. Que Ele ma aceite para reparação Sua.
Tive a visão de Jesus na coluna, a ser açoitado num enorme
madeiro, crucificado. Nunca O vi em cruz tão grande. Quase da
altura Dele, cruzada uma sobre a outra estava a lança e a
esponja; cruzavam contra o seu santíssimo peito. Tanto do alto
da cruz como da coluna a ser açoitado, das suas feridas, das
suas divinas carnes despedaçadas saíam raios mais brilhantes do
que o sol. Eram tanto sóis quantas as feridas de Jesus. Tudo em
mim e à volta de mim era escuridão. Só a luz, só o sol de Jesus
brilhava. Meu Jesus, seja o meu corpo açoitado, seja eu, sempre
eu pregada na cruz. Gozai na vossa glória, aceitai todo o louvor
que Vos pode dar a aterra e o Céu. Sou a vossa vítima.
A
visão de tais sofrimentos levou-me ao Horto. O céu parecia
faiscar e combatia com a terra; o solo tremia com suas árvores e
folhas. No meio da noite negra e silenciosa, Jesus ali
agonizava. Vi-O beber, beber o cálix da amargura até à última
gota. Passaram-se já tantas horas e eu ainda sinto aquela dor e
como se Ele ainda estivesse a beber na mesma amargura. Assim
segui hoje o Calvário, curvada com Ele sob o madeiro da cruz,
ardia no mesmo fogo, sofria a mesma sede de dar a vida. Que
angústias as do coração e da alma! As carnes e o sangue ficavam
nas ruas da amargura. Que desfalecimento! A vida fugia, o
Calvário não chegava. Do Céu não vinha uma luz nem um conforto;
só a raiva humana com mais crueldade descarregava sobre Nós nova
chuva de açoites. Os suores corriam pelo rosto de Jesus, assim
como corria o sangue das feridas dos espinhos. Não posso pensar
no esforço que fazia o meu amado Senhor para Se manter de pé,
junto ao lugar onde ia ser crucificado. Vi a sua sacrossanta
cabeça com o rosto moribundo inclinar-se para a terra. Fomos os
dois crucificados, mas não sei como, não era o meu sangue que
corria das chagas, era o de Jesus, e corria dentro de mim. Senti
abrir-se-me o lado e ir a lança lá dentro atravessar-me o
coração; foi como uma espada finíssima aquele corte, ficou
sempre vivíssimo em todo o tempo da agonia assim como o amargor
do fel. No coração senti todo o ferimento de Jesus e o abrir dos
seus divinos olhos ao entregar a alma ao seu Eterno Pai. Ele
expirou, e eu com Ele me senti expirar. Reinou por algum tempo o
silêncio da morte. Houve nova vida, viveu Jesus e fez-me viver a
mim e disse-me:
― Minha filha, meu sacrário, palácio onde habito e reino; reino
em ti e por ti vou reinar a muitos corações.
Ficou silencioso. Algum tempo depois, disse-me assim:
― Sim, minha filha, é por ti que nas almas Eu reino. Se
soubesses quantas transformações, quantas conversões com sincera
emenda de vida aqui junto de ti neste teu quartinho, neste
Calvário onde te coloquei, calvário de dor e amor! Quantas almas
há que entraram aqui com Satanás no coração e daqui saíram
levando-Me a Mim, com uma dor profunda e firme propósito de
emenda! Expulsaram o demónio e Eu tomei lugar em seus corações.
Coragem, coragem, minha vítima amada! A tua dor, o teu martírio
não cessam um momento, porque nem um só momento as almas deixam
de precisar de ti. Que maldades, que maldades; que ondas, que
incêndio de crimes! Diz, minha filha, que Jesus o diz:
“Sou ofendido como nunca o fui. Se não fosse a Santa Missa, se
não fossem as minhas vítimas, se não fosse a minha vítima
primogénita com minha Mãe santíssima, já o mundo teria sido
destruído pela justiça divina, pela justiça de meu Pai”.
Sofre, sofre com alegria, fala do meu divino amor às almas,
fala-lhes da minha misericórdia, pede-lhes que se convertam,
diz-lhes que venham a Mim. Coragem! Com os teus sofrimentos tens
salvo, continuas a salvar milhares, milhares e milhões de almas.
Eu não posso sofrer nem fazer mais por elas, faço-o através de
ti, és comigo outro Cristo, és comigo redentora, é por isso que
a minha redenção continua.
― Ó
meu Jesus, confundo-me, envergonho-me à vista da minha miséria.
A quem escolhestes Vós para convosco salvar almas? Eu queria,
meu bom Jesus, poder salvar a todas. Eu não quero ver-Vos
ofendido; eu quero a vosso consolação e alegria e por mim não
posso, nada tenho, nada valho.
― Não podes sem Mim, é certo, mas Eu ao entregar-te a mais
sublime missão enriqueci-te, tens todos os meus tesouros; é
comigo que tu amas, é comigo que salvas as almas. Tu não vives,
é Cristo que vive em ti, é com Cristo e por Cristo que te
imolas; é por Cristo e com Cristo que as almas são salvas.
Alegro-me nos pequeninos, é nos humildes que Me consolo. Pede,
minha filha, a lista das almas do Purgatório que queres livrar.
A tua missão na terra é bem curta, bem depressa virei buscar-te;
é breve, breve, não o digo só para te dar conforto. Anima-te.
Quantas mais trevas, mais luz; quanta mais morte, mais vida; o
fim do dia traz a escuridão; a vida termina com a morte, mas só
aqui na terra. Como a tua vida é só minha, já é a vida do Céu.
São trevas de luz, é a morte das vidas. As almas, as almas,
minha filha, são tuas as almas. Vamos à vida que te dá vida. Vou
dar-te a gota do meu divino sangue.
Jesus introduziu o tubo, uniu os corações; o meu, com a gotinha
do preciosíssimo sangue de Jesus principiou a dilatar-se. Jesus
com o seu carinho fez parara a dilatação, mas não retirou logo o
seu divino Coração.
― É
amor, amor divino que te dou, filha querida. Vai distribuí-lo e
espalhá-lo. Vai, jardineira do Jardineiro divino; confia em
Jesus, que te ama; confia, Deus não muda, não falta ao que
promete. Vai para a tua cruz, quero a tua dor.
Tu
serás para os sábios que possuem a Minha luz, maior luz; serás
para aqueles a quem a quis dar e não a aceitaram, grande
confusão, maiores trevas. Passou para muitos, no sentido da
Minha divina causa, a hora da graça. Coragem! Vai contigo toda a
luz do Divino Espírito Santo, vai Ele falar em teu coração.
― Meu Jesus, muito obrigada. Queria todos os corações do mundo,
para oferecer-Vos, cheios de amor e todos os lábios para
agradecer-Vos todos os benefícios.
A
minha cruz, a minha dor! Fiquei logo nela, depois do colóquio
com Jesus. Passaram-se umas horas; como eu sinto a minha alma
chorar! Viva Jesus: salvem-se as almas.
20 de Setembro de
1947 - Sexta-feira
Não
acredito em mim mesma, não posso confiar nos bons sentimentos de
minha alma, nas ânsias sinceras do meu coração. Pensar que Jesus
tudo vê e conhece, não me dá alegria, nem por isso deixo de
sentir que passo por bons sentimentos e bons desejos com grande
amor na alma e no coração, quando eles nada disso têm; posso ser
impostora para mim, para todos e para o meu querido Jesus. Que
miséria, que miséria, meu Deus! Mas nem por isso, ó meu Jesus,
eu quero, noite e dia, a cada momento, deixar de repetir:
amo-Vos, sou a Vossa vítima. Tenho que lutar, tenho que
vencer-me, para poder oferecer ao meu Jesus aquilo que não sou,
aquilo que não tenho. Jesus está no primeiro andar e outros com
mais complicações. Encobrem tudo o que Ele podia ver e ler.
Hei-de vencer; é esta a minha confiança, com Jesus tudo venço.
Confio contra tudo. Venha o mundo, venha todo o inferno a
dizer-me que não Lhe pertenço, que eu responderei sempre: sou
Dele e só Dele, na terra e no Céu, eternamente Dele.
São
negras e arrepiantes as minhas trevas; são assustadoras as
dúvidas de toda a minha vida e do meu amor a Jesus. É horrorosa
a luta da minha alma com o demónio. Ele pôs em mim sentimentos
vergonhosos; parece-me que quero, que anseio pelos combates com
ele, para gozar os prazeres mundanos. Que horror, que horror,
meu Jesus! Eu quero amar-Vos e reparar-Vos de todas as ofensas,
e nada mais; ajudai-me a vencer e a convencer-me que só Vós
reinais em mim e só Vós sois a única verdade.
De
noite, tive uma visão; vi-me dentro dum templo, de joelhos,
junto ao altar, onde estava o sacrário. À portinha dele, muito
unidinho, como que para entrar para dentro estava Jesus Menino;
era Formosíssimo; não tinha mais de dois ou três anos. Fitou-me
com os Seus olhos encantadores; os Seus olhares divinos foram
para mim olhares de convite para entrar também. Não cheguei a
fazê-lo; de repente desapareceu Jesus, o Sacrário e o templo,
fiquei sozinha, mas mais forte e corajosa e com mais ânsias de
me unir para sempre a Jesus na eucaristia. Estes mimos do meu
Jesus são para mim injecções vindas do Céu; com elas que eu
aguento com esta caveira mundial, com as chagas, espinhos e as
setas da Mãezinha. Com elas vou resistindo a tão grande
sofrimento e ânsias de amor. Como Jesus é bom, como Ele me
auxilia a levar a minha cruz!
Na
tarde de ontem, ainda mesmo por ter que responder a muitas
perguntas que me foram feitas sobre as coisas de Jesus, sofria a
minha alma e via, ao mesmo tempo, uma cegueira mundial, pior que
a minha cegueira, mais dolorosa que as minhas trevas, pois era
cegueira de maldades e crimes; eu rompia por entre elas com o
coração a arder, ou melhor, rompia Jesus e o fogo era Dele. Num
rápido momento, vi-O abraçar a cruz, oferecida por aquela
cegueira maldosa que eu via. Depois desse abraço, tomou-a para
Ele e caminhava com ela, de braços abertos, mas sempre com um
braço do Seu divino Coração; aquele abraço abraçava todo o
sofrimento. Assim cheguei com Jesus ao Horto; sofri ali com Ele
o cálice amargurado, com Ele senti esmagar-se-me o coração,
romperem-se-me as veias e o sangue correr. Não sei se sim se
não, mas pareceu-me adormecer. Ao despertar, fui ainda encontrar
Jesus na mesma agonia do Horto. Pensei a noite já a ir alta, mas
não ia, era cedo ainda. Fui com Ele para a prisão, lá O deixei
quase moribundo.
Hoje, mais moribundo ainda, segui com Ele as ruas do Calvário.
Sentia pisar só espinhos pelos caminhos árduos e duros.. Jesus
desfalecia cada vez mais. O meu coração sentia todo o Seu
esforço. Pobre Jesus, queria caminhar e não podia; era arrastado
pela maldade e pelo amor; foi ele, só ele que o conduziu ao
Calvário. A cruz fui eu, Ele foi em mim crucificado. Eu sentia
tanto ao vivo as Suas chagas divinas! O meu corpo parecia ser só
o de Jesus. Custou tanto ao meu coração sentir os martelos a
baterem sobre os cravos. As pancadas não iam só para as chagas
vinham também para o coração. Pelo Coração divino de Jesus eu
via as setas no Coração da Mãezinha, via as suas lágrimas e
olhares angustiosos e as ânsias do Seu Santíssimo Coração de
querer subir à cruz a limpar o rosto Santíssimo de Jesus,
apanhar em seu manto as lágrimas de sangue e curar-Lhe todas as
Suas feridas. O Calvário mantinha-se duro e toda a montanha que
era o mundo se levantava contra Jesus com ondas de sofrimento
piores, muito piores que as ondas mais furiosas do mar. O
inocentíssimo Jesus estava num gemido contínuo. Eu sentia em mim
abrirem-se os Seus divinos olhos ao bradar ao Seu Eterno Pai.
Quando Jesus disse: Pai; nas Tuas mãos entrego o Meu espírito,
falou o Seu divino Coração: é chegada a hora do amor, morro por
Vós, não posso fazer mais, e expirou. Tempo depois, já com toda
a vida fez-me viver também e disse-me:
― Minha filha, fonte de vida, abismo sem fim, abismo inesgotável
dos tesouros e maravilhas do Senhor. Esqueci-te, esqueci-te, com
tudo o que era meu; não te enriqueci para ti, enriqueci-te para
o mundo, para as almas. Fiz tudo, empreguei todos os meios para
lhes acudir, para as salvar. E a recompensa? O que me fazem
elas? Olha para Mim, repara bem, Minha filha.
Estava Jesus em seu tamanho natural, sem manto da cintura para
cima,, mas só do lado esquerdo; tinha o peito aberto e da chaga
do Seu divino Coração corria o sangue em bica.
― Basta, basta, meu Jesus; não derrameis mais sangue, quero
vertê-lo eu, não Vos quero com tão grande sofrimento.
― Ó
esposa, ó esposa querida, aceitas que grave em teu coração esta
chaga? O sangue que dela vai correr será o sangue da tua dor. É
grande o teu martírio, é grande o teu amor como grande é a
missão que te dei. Que sublime que ela é! Tu és, Minha filha, o
pára-raios que está mais alto, mais próximo do Meu Eterno Pai,
para receberes os raios da Sua justiça divina; sobre ti
descarrega tudo à Minha semelhança.
Cerou-se a chaga e o lado de Jesus, e logo em meu coração
principiei a sentir correr a mesma bica de sangue.
― Custa-me muito sofrer, meu Jesus, mas custa-me imensamente
mais ver-Vos sofrer a Vós. Aceito todo o sofrimento só para Vos
reparar e dar-Vos consolação. Aceitaria, Jesus, aceitaria, que é
Vossa e não minha; sois Vós que reparais, sois Vós que
consolais, sois Vós que amais em mim, sois Vós, só Vós que
sofreis. Eu sou um instrumento Vosso, sou nada, sou miséria.
― Tu és a estrela do mundo, a louquinha de Jesus, a lâmpada dos
sacrários, a sentinela Eucarística. Tomo à letra tudo quanto Me
dizes e como prova de que é assim mostrei-te em Mim o teu
retrato, junto da Eucaristia. Não Me repetiste há tanta tempo
tentas vezes: eu quero ser a sentinela dos Vossos Sacrários?
Aceitei; foi por isso que te Me fiz ver à portinha como
sentinela. A minha cabeça inclinada sobre o Sacrário e o Meu
olhar de convite para ti foi para te mostrar que assim estás
unida a Mim na Sagrada Hóstia. Se soubesses a alegria que de ti
recebo nesta união! Se soubesses como com a tua guarda de
sentinela tens evitado que Eu ali seja maltratado, recebido
sacrilegamente, que alegria seria a tua! Viste-Me pequenino
junto ao Sacrário, porque pequenina te vejo em todas as coisas,
à semelhança de Mim. És pequenina para seres grande para as
almas e para o Céu.
― Meu Jesus, a quem escolhestes Vós. Causa-me horror ver-Vos
utilizar deste trapo de misérias.
― Não pode o Rei escolher para Si a esposa mais pobrezinha e
vesti-la e adorná-la com as vestes mais ricas e as pedras mais
preciosas? Eu sou Rei, escolhi-te para Mim, adornei-te,
enriqueci-te, não olhei à tua miséria. Coragem! Conta com Minha
graça; com ela te tornarás sempre digna de Mim. Vou agora dar-te
a gota do Meu divino Sangue; é esta vida para ti, sem ela não
viverás. Recebe vida e dá vida.
De
repente, introduziu Jesus o grande tubo de oiro em meu coração,
a gotinha do Sangue precioso caiu; o coração ficou logo grande,
grande; não podia tê-lo em meu peito. Jesus acudiu logo,
espalhou sobre mim a Sua chuva de amor, foi um orvalho fecundo
que tudo suavizou.
― Vai para a cruz, filha amada, não duvides de Mim, confia no
Meu amor, nas Minhas divinas promessas. Pede-Me o que quiseres,
nada te negarei nem na terra nem no Céu. Só não alcançarás de
Mim o que for de prejuízo para as almas. Nada posso negar a
esposa tão amante e fiel, nada posso negar à grande heroína que
nada Me nega. Vai em paz, vai plantar nas almas as tuas flores
de virtudes. Toma a cruz, sempre alegre no teu Calvário, no teu
inigualável Calvário.
― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Dai-me a Vossa santa alegria
para eu com ela poder sorrir a todos os sofrimentos que me dais;
quero em todos ver-Vos a Vós, só a Vós e só para Vós sorrir.
Logo que Jesus se ausentou, fiquei sobre a cruz a derramar o
sangue das chagas e dos espinhos. Caiu sobre mim uma tristeza
profunda. Quanto tenho que vencer-me para poder sorrir-me. Ó
cruz, ó cruz eu, amo-te.
26 de Setembro de
1947 - Sexta-feira
Passo o dia, vem a noite, e eu vazia, sem nada ter dado a Jesus
e sem nada ter para Lhe oferecer. Não posso examinar a minha
consciência. Um dia, um mês, um ano e outro ano, sempre a
sofrer, e sem ter que dar e sem amar o meu querido Jesus. Que
pobreza, que miséria! De cada vez mais vazia, de cada vez mais
defeitos. Ó meu Deus, poderei eu dar-Vos menos do que Vos tenho
dado? Oh! Não; sei que não, e não tenho mais, não sei mais nem
melhor. Ai, pobre de mim, a minha cegueira só me mostra miséria
e maldade; e para melhor eu ver esta maldade, sinto-me, por
vezes, tão sábia, capaz de enganar toda a gente com a minha
sabedoria. Sinto-me até vaidosa por saber e poder enganar toda a
gente. Que horror, ó meu Jesus, que horror! Se eu quiser
enganar! Se eu pensasse em enganar! Mas nem ao menos isso. É
pela graça de Deus que não o penso nem faço. Mas oh! que
doloroso martírio, ver e sentir tudo isto em minha alma! Poderei
vencer? Poderei passar assim os meus dias, ó meu Jesus? O que
seria ou será de mim sem a graça e a protecção do Céu! Sou tão
miserável e cheia de defeitos, sou um nada capaz de todas as
maldades, sou um nada incapaz de fazer algum bem.
A
minha alma chora e o coração anseia, quer só pertencer a Jesus,
quer dar-se a Ele, perder-se Nele.
Passei quatro dias sem O receber. Que fome indizível! Que ânsias
insuportáveis! Quantas vezes voava em espírito para junto da
Eucaristia e Lhe dizia: Jesus, meu Amor, vinde a mim, estou a
morrer de fome, desfalece-me a alma e o corpo; vinde, vinde,
enchei-me e operai em mim tantas graças como se Vos recebesse
Sacramentado. Nestes momentos, ficava a nadar num mar de paz,
mas sempre com as mesmas ânsias e fome devoradora. Não sei;
sinto que só no Céu posso ser saciada de Jesus; aqui, na terra,
por mais que corra e voe para Ele, mais vazia me sinto e mais
Ele me foge. Eu já não vivo, de mim ficou a dor, essa é a que eu
sinto, mas nem essa agora me pertence. Ah! Se eu amasse ao menos
O meu Jesus, e se nunca O ofendesse! Eu não sei, mas sinto que
Jesus deve estar muito desgostoso comigo; não Lhe dei, com
certeza provas de toda a minha confiança Nele.
No
dia 21, passou o aniversário do meu médico. Veio visitar-me com
a esposa e 7 filhinhos entre os quais vinham todos os meus
afilhados. Não digo que senti alegria, porque essa Jesus não me
permite senti-la, mas, sim, uma grande estima junto com um
grande conforto. Retiraram-se ao ser noite. Passados uns
momentos, principiei a sentir em mim uma grande preocupação;
cheguei a perguntar se o carro teria luz. Não pude orar, para
que tivesse boa viagem, porque estava acompanhada, mas nem por
isso o meu coração deixava de Lha desejar. Passava já de uma
hora solar, quando nos parou à porta um carro; bateram; minha
irmã, sobressaltada, foi ver o que se passava. Era o filho mais
velho do meu querido médico, que vinha à procura do Pai, da Mãe
e dos irmãos. Não sei dizer o que senti, pareceu-me que fiquei
louca; não pude conter as lágrimas, chorava em grande aflição;
vi tudo pelo pior. Ao ver esse querido filhinho com sinais de
profunda dor, sem pensar o que dizia, exclamei: eu sou uma
desgraçada e a desgraça de toda a gente. Ao acabar de pronunciar
a última palavra e a reflectir no que dizia, veio-me logo o
arrependimento, e, ao mesmo tempo, o remorso pelo mau exemplo
que acabava de dar. Meu Jesus, perdoai-me, já não tem cura; é
desta forma que eu Vos amo, tende compaixão de mim.
Travou-se um combate, dos mais aterradores da minha vida. Estava
Jesus, o demónio e eu. Eu vi-os todos em estilhaços e em sangue,
sem vida, onde só depois de dia se podiam encontrar. Nove
pessoas! Ai tanta criancinha, exclamava eu, e por minha causa;
se não fosse eu, eles não vinham aqui. Nesta dor indizível,
Jesus, no íntimo do coração, dizia-me:
― Sossega, Minha filha; não houve desastre, não há o mais
pequenino ferimento. Eu não permitia isso àquele a quem tanto
amo e tão firme e fielmente tem cuidado e velado pela Minha
divina causa. Sossega, confia em Mim. Estou para ver a tua
coragem. Permiti isto para grande reparação; repara. Sou, nesta
noite, tão ofendido.
Jesus segredava-me isto docemente, e o demónio, forte e
bruscamente, dizia-me:
― Só assim a tua vida será descoberta. Que grande castigo! Já
todos estão no inferno, até mesmo dois dos teus afilhados. Olha
que horror; foram as tuas maldades! Eles eram inocentes, mas foi
por ti que foram condenados. Este já não chega a casa.
Referia-se ao tinha vindo procurá-los.
― À
procura deste vêm os que estão em casa; acabam, nesta noite,
todos os descendentes daquele a quem tanto odeio. Só assim me
satisfaço do mal que ele me tem feito e podia vir a fazer. Que
castigo, que vergonha!
Jesus, no íntimo, repetia-me sempre o mesmo, e o maldito, muito
satisfeito, maltratava-me de insultos. Eu orava, orava, e
chorava, não podia estancar as lágrimas. Ardiam duas velas a
Jesus e à Mãezinha; pedia-Lhes sossego, pedia-Lhes conforto.
Oferecia a Jesus todo o sofrimento para reparar o Seu divino
Coração e O da Mãezinha e por várias intenções. Mas eu não podia
mais, o meu espírito já não resistia. O demónio tentava
vencer-me e calar a Jesus. Eu temia vacilar. Senti que Jesus
veio expulsar, para longe, o demónio. Fiquei mais calma por um
pouco; deixei de chorar e continuei a orar. Oferecia a Jesus o
cântico dos galos, que duma e doutra parte, se ouviam e as
festas de um gatinho que junto de mim estava. Aceitai todo este
louvor, já que eu não vo-lo sei dar. Queria pedir para me porem
no chão duro, para fazer penitência, com uma firme confiança de
que, ainda que todos estivessem mortos, Jesus a todos podia
ressuscitar. Porque, nesta altura, já o demónio tinha voltado
com as suas falsas manhas e mentiras. Eu então vi-os a todos
conduzidos ao hospital, em mísero estado. E um caderno e uma
carta que o senhor doutor levava, visto e lido por quem queria;
já tudo se sabia. Jesus ia bradando:
― Confia no teu Jesus, não há ferimento nenhum. Prova-Me a tua
confiança em Mim. Foi o meu divino amor, que assim vos quis
associar.
Chegou a hora em que eu tinha dito ao filhinho do senhor doutor,
se não aparecesse ninguém que ficava sossegada, que tudo estava
bem; mas não foi para mim, não consegui sossegar. Era já dia; eu
não pedia para mandarem saber o que se tinha passado, para
mostrar a Jesus que confiava Nele e não dar alegria ao demónio.
Depois de insistirem, aceitei. Ao ser informada pelo senhor
doutor do que se tinha passado e de que, na verdade, não havia
ferimento algum, chorava, agradecia e louvava ao Senhor;
oferecia-Lhe os meus suspiros e continuei a oferecê-los, por
espaço de alguns dias, porque, sem querer, tinha que suspirar e
respirar fundo. Não sei dizer o mal que esta aflição deixou em
mim. Por tudo bendigo Nosso senhor, mas a dor das palavras que,
sem querer, pronunciei, continua ainda. Tenho confiança que
Jesus me perdoou.
Ontem, logo de manhã senti, além dos espinhos, que diariamente
me cingem a cabeça, nova coroa deles por cima; parecia-me que
eles me chegavam ao coração. Sentia os meus vestidos ensopados
em sangue, colados ao corpo. Sentia isto em mim, e via ao mesmo
tempo, em mim Jesus, com esses espinhos, com esses vestidos em
sangue no Seu Santíssimo Corpo. Isto repetiu-se, durante o dia.
Ao cair da tarde, quando se repetiu este sentimento e visão
senti uns arrepios de frio, que me fizeram tremer; e vi Jesus
muito triste a tremer também.
Não
vi Jesus, ao sair da sala da ceia, despedir-se da Mãezinha, mas
via a Ela, no cimo das escadas, a seguir os passos de Jesus para
o Horto. Por Jesus vi os Seus olhares dolorosos, já sem O ver, e
quanto ao Seu Santíssimo Coração O seguia e adivinhava o que Ele
ia padecer. Que união de dor e amor era o daqueles dois
Corações! Jesus caminhava, à frente dos Apóstolos não se
preocupavam nem sofriam pelo que iria acontecer; iam cheios de
cansaço, e, já no Horto, adormeceram. Jesus orou, suou sangue,
viu-se desfalecido a caminho com a cruz, prestes a dar a vida;
bebeu o cálice até à última gota. Que amargura que produzia
trevas e fazia tremer a terra!
De
madrugada, fui encontrá-Lo na prisão. Tremia de frio. Tinha
perdido tanto sangue! Ó que desfalecimento era o Seu!
Associei-me à Sua dor e tristeza, e como Ele fiquei desfalecida.
Saí da prisão, nesta santa união; acompanhei-O, segui os mesmos
passos. Depois, de açoitada e ferida com os mesmos espinhos de
ontem, tomei a cruz, segui o Calvário, com a lança atravessada
no coração. Sentia nos meus joelhos e no meu rosto as feridas, e
parecia que em mim batiam as duas lajes: ou antes que eu com
Jesus batia nelas. Como eu sentia todo o meu corpo ficar sem
vida e sem sangue! Junto a Jesus, caminhavam os dois ladrões com
as suas cruzes; ao lado de Jesus, foram crucificados. Eu sentia
que os sofrimentos, as cruzes deles sobrecarregavam sobre mim,
sobre a cruz de Jesus, que em mim estava. Sentia sair do Coração
divino de Jesus o mesmo amor; as mesmas graças. Eu aceitava-as,
o outro repelia-as. Jesus sofria, agonizava.
Hoje, no Calvário, e, ontem, no Horto, eu sentia que quanto
maior era o sofrimento, a agonia de Jesus, mais o peito
arquejava e coração batia! Sentia no meu as palpitações do Dele!
Quando Jesus fazia romper o Seu brado ao Eterno Pai, eu sentia,
como se o mundo viesse abafar-lho, ao sair dos Seus divinos
lábios; ficava como se não subisse ao Céu; sumia-o a maldade do
mundo. Neste abafamento angustioso Jesus expirou. Senti-me
também morrer e a minha alma deixar. Passou-se algum tempo em
silêncio e noite morta. Veio Jesus, e disse-me:
― Minha filha, tabernáculo de delícias, coração de fogo, coração
de amor. Aqui, como em nenhum outro coração, Eu Me delicio e sou
amado; aqui, como em nenhuma outra vítima, Eu recebo reparação.
Repara, repara; a dor é cruz, a cruz é amor. A dor e o amor dá
aos ingratos, dá aos pecadores o Céu. Se não fosse a dor e o
amor abrir-lhes as portas, não havia Céu para eles apesar de
existir. Continua comigo a obra da redenção; acode ao mundo,
acode ao mundo. Tu és alma pura, trigo loiro joeirado, seara
florescente das almas. Coragem, Minha filha! Salva-Me os
pecadores. O número dos criminosos aumenta e o das almas vítimas
diminui; atemorizam-se ao sentirem os sofrimentos; ao verem a
cruz fogem, fogem, fogem; tornam-se tíbias e ingratas para o Meu
divino Coração.
― Ó
meu Jesus, ao número desses infelizes pertenço eu também. Eu fui
ingrata para Vós, não soube sofrer, não aceitei também a cruz
que de novo me enviastes. Que confusão a minha, ao ouvir-Vos
dizer que Vos deliciais em mim, depois de eu ter sido tão má!
Perdoai-me, meu Jesus, perdoai-me; dei mau exemplo, tende
misericórdia de mim.
Jesus sorriu, cheio de bondade, e disse:
― Não Me ofendeste, não, Minha filha. Eu sorri, ao ouvir-te
falar assim em tão grande aflição. Permiti que assim falasses,
para tirar da tua dor a reparação, que desejava. Não Me
ofendeste, não; confia em Mim. É no meio da luta, no combate
mais renhido que a alma fiel, a alma forte mostra o seu amor a
Jesus. Se o combate só fosse um não custava nada vencer.
Consola-Me tanto ver-te na Minha divina presença humilhada! Tem
coragem! Sê forte na cruz. Sê forte na dor. É com essa
fortaleza, é com esse conjunto de dor e amor que acodes às
almas, que acodes ao mundo, que te confiei, e que é tão ingrato
para Comigo. Vê no estado em que Me põem os pecadores. Sou por
eles ferido com as suas horrendas maldades, como o caminhante
que é assaltado por ladrões, que procuram todos os meios para
lhe tirarem a vida. Não morro, porque não posso morrer, mas
repara bem no estado em que Me puseram.
Vi
Jesus, caído à borda de uma estrada; era um mendigo chagado,
esfarrapado, a tiritar de frio; parecia estar nos últimos
momentos de vida. Acudi logo:
― Meu Jesus, quero levantar-Vos e não posso, quero curar-Vos as
Vossas chagas e não sei quero consolar-Vos e não tenho com quê.
Sou a Vossa vítima. Quero perder eu a vida, e assim chagada como
Vós estais a tiritar, não de frio, mas de dor. Alegrai-Vos,
Jesus, com a alegria, consolai-Vos com a Vossa divina
consolação; aceitai-a, como se fosse minha, tomai a Vossa
formosura e deixai-me sofrer a mim.
Jesus ficou formoso, ficou o mesmo Jesus, e disse-me:
― Ó
Minha esposa querida, ó grande heroína do Calvário, em ti
encontrei tudo, a ti tudo entreguei: o mundo e todos os Meus
divinos tesouros; utiliza-te deles e brada incessantemente a
toda a humanidade: convertei-vos, vinde a Jesus, orai e fazei
penitência, se quereis salvar-vos. Deixa agora, Minha filha, que
te dê o Meu divino Sangue; sem ele não tens vida, sem ele não
podes dar a vida às almas.
Foi
um momento para Jesus introduzir o tubo doirado no meu coração e
deixar cair no meu a gotinha do Seu Sangue. Senti-me grande, tão
grande, sem poder com tanta grandeza. Jesus colocou sobre o meu
peito Sua divina mão, como para cicatrizar a abertura que o tubo
fez. Deixei de sentir aquela grandeza; pude resistir.
― Vai, luz brilhante; vai, relâmpago faiscante; vai, farol, que
guias os errantes para o Meu divino Coração, para o Meu Coração
de Pai. Leva o Meu amor, leva a Minha paz, braça a cruz que te
espera e vem já ao teu encontro.
― Obrigada, meu Jesus. Vou para a cruz, vou contente; vinde
comigo, sem a vossa graça não tento abraçá-la. |