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SENTIMENTOS DA ALMA

1947

Setembro

5 de Setembro de 1947 - Sexta-feira

Dói-me, dói-me, meu Jesus, o coração, que espinhos agudos o trespassam dum lado ao outro. Não estão quietos, avivam-me as feridas, estão sempre a sangrar. Lembro-me do Vosso divino amor, e por Vós tudo sofro; lembro-me das almas, Jesus, sou vítima delas, dai-lhes o Céu. Tudo recordo; mas sem alívio; os espinhos ferem-me, é uma roda-viva deles à volta deste pobre coração. Como Ele sofre e verte sangue! Ó meu Jesus, meu Jesus, por mais que eu queira lembrar-me de que nada sofro, para só me lembrar do que sofrestes e sofreis ainda por mim, não sou capaz; os sofrimentos tão agudos e contínuos, esta dor tão penetrante, não me deixa convencer disso.

Sofro, sofro, meu Jesus, e é por Vós. Sofro, sofro, meu Jesus, e apesar de tanto sofrer, nada tenho para Vos dar; sofro e não sei da minha dor. Ó minha cegueira, ó cegueira da minha vida, que fazes tu que tudo me encobres e roubas. Eu te quero e abraço sempre por Jesus. A minha vida, os meus caminhos são secos, tristes e espinhosos; nenhum deles me dá alegria, a não ser esta que é tudo: a vontade do Senhor. Todos eles me trazem amarguras e espinhos agudíssimos. Oh! bendita cruz! Aceitai, meu Jesus, todas as minhas lágrimas; bem sabeis que foram oferecidas a Vós. Perdoai-me os meus desânimos e desfalecimentos; é mais um meio para muitas vezes me humilhar diante de Vós e de Vos pedir perdão de tantas faltas que cometo. Perdoai-me, Jesus, perdoai-me sempre, e alcançai-me a graça de Vos não, ofender.

Eu não posso, por vezes, resistir a ânsias tão fortes e tão loucas de amor a Jesus; parece-me morrer. Quanto mais quero a vida de Jesus e o Seu amor divino, mais despida e fria me sinto de tudo. Tudo é miséria, toda eu sou misérias.

O demónio aproveita-se de todo este estado de alma para deitar tudo por terra, para mais atormentar o meu espírito já tão atribulado. Ai de mim, se falta à minha alma a paz e a força do meu Deus.

Sofri um corte, mas um corte, que abalou tudo, de todos os que me são mais queridos. Como estou só, tão só, sem ninguém! Ter-Vos-hei a Vós, meu Jesus, e a Vossa graça? Se Vos possuo, nada mais quero; estou segura. Que medo, mas ó que medo eu tenho de falar dos meus sofrimentos; é uma nova cruz; não posso dizer que sofro! Nada posso dizer da minha dor e das coisas de Jesus sem grande martírio para a minha alma. Que horror! Ó santa obediência, como tu és poderosa!

A caveira grande e deformada continua dentro em mim; não posso vê-la; e para meu maior martírio tenho que vê-la e senti-la. Que nojo! Ter que fitá-la a desfazer de podridão!

Vi, a noite passada, muitos malvados a açoitar Jesus. Que pena! Nem posso pensar! Tantos algozes contra um inocente! Meu doce Jesus, pertenceria eu também ao número dos que tão mal Vos tratavam!

Na tarde de ontem, principiou o meu coração a arder, sobre este fogo abrasador caiu um mundo de misérias, e trazia com ele toda a maldade e furor infernal. Sobre este mundo veio o Céu. Travou-se uma luta, uma grande guerra; o Céu contra a terra, a grandeza contra o nada, a pureza contra a lama. Nesta luta, nesta guerra, fui para o Horto. Uma electricidade divina parecia faiscar e despedaçar tudo. E eu, debaixo de toda a podridão do mundo e da justiça divina, tinha que lhe satisfazer por tantas maldades. E logo senti a terra a banhar-se de Sangue, saído das veias e suores de Jesus. Vi-O a fitar o Céu e a levantar para ele as Suas mãos divinas com o cálice a transbordar de amargura. A satisfação não estava completa, tinha que seguir o Calvário.

Hoje de manhãzinha veio-me uma grande cruz, de encontro ao peito; acendeu-me no coração o desejo de a beijar e abraçar; logo a senti aos ombros e segui os dolorosos caminhos do Calvário. Senti em meu corpo os vestidos colados de sangue, sangue que vinha das feridas dos espinhos, que, ao eu cair por terra, mais se abriam e aprofundavam. Que chuva de sangue da minha cabeça, ou para melhor dizer, da cabeça Sacrossanta de Jesus! Foi Ele que caminhou e sofreu. Que desfalecimento, ao ver-me já sem vida e ainda tão longe da montanha! Já no alto dela, caí com Jesus, pela última vez; foi perto do lugar, onde ia ser crucificada; bati com o peito no solo duro; nova golfada de sangue me subiu aos lábios.

A dureza de tão penoso Calvário ficou bem gravada em mim. Que doloroso, que indizível Calvário! Que dolorosa e indizível agonia! O Sangue de Jesus não amoleceu aquele rochedo duro. Não sei dizer o que sofri, não sei dizer o que senti, ao ver Jesus fitar no Céu Seus olhos já moribundos e quando ao Pai entregou o Seu espírito. Ele expirou, e eu com Ele dei a vida sem morrer; senti-me morta para depressa ressuscitar. Veio Jesus, e disse-me:

― Minha filha, Minha filha, a alma que anseia amar-Me, ama-Me, quando as suas ânsias são puras e desinteressadas; ama-Me, quando os seus desejos são do coração e da alma, sem outro fim, a não ser possuir-Me a Mim mesmo, viver a Minha vida, a vida do Meu amor, cumprir a Minha divina vontade. Sim, Minha filha, a alma, que se renuncia a si própria, calca a seus pés tudo o que é seu, tudo o que lhe dá prazer e alegria, para Me seguir e abraçar a Minha cruz; essa sim, essa ama-Me, essa busca só a Minha glória e tudo o que é Meu. Mas são tão poucas essas que com tanta pureza podem ser a luz do mundo, a vida das almas aqui na terra! Tu amas-Me. Alegra-te. Goza de Mim.

Aqui ficou Jesus silencioso, e deixou-me a nadar na Sua paz.

― Se pudesses ver, Minha filha, como Eu trabalho em tua alma! Se pudesse ser vista a arte deste Artista divino, quantos a invejariam! Trabalho, porque Me deixas trabalhar; embelezei-te, porque te deixaste adornar por Mim. Minha filha, Minha esposa querida, aqui tens o Meu divino Coração, cheio de amor; é teu, dou-to, porque te amo; dou-to, porque Me amas, distribui pelas almas, dá-o, dá-o, ficas para ti sempre com o mesmo amor. Dou-to, cheio de amor, dou-to para mo guardares dentro do teu; não deixes o mundo feri-lo. É um caso de amor.

Jesus entregou-me um centro com um centro de flores, e por entre elas sobressaíam altas labaredas de fogo. O meu divino Jesus fez-me compreender  e ver a Sua divina luz que era aquele o Seu coração, que aquele fogo era o Seu amor.

― Meu Jesus, pela minha tão grande miséria, não sou digna de ser depositária do mais alto e mais rico tesouro. Se o desses a uma alma que Vos amasse e pudesse guardá-lo para não ser ferido pelos pecadores! Pobre de mim, pobre de mim, não sei amar-Vos, e sou eu própria a ofender-Vos.

― Amas-Me, Minha louquinha, e a prova de que Me amas foi a visão que te dei. Quando viste a imagem do Meu divino Coração, dentro de um pequenino trono, sendo Eu tão grande, era o trono do teu coração; as flores, que Me adornavam, eram as flores das tuas virtudes; a luz, que tudo iluminava, era a luz do teu amor. Confia que Me amas; confia que Eu te amo.

― Que confusão a minha, Jesus; pusestes de parte os meus pecados. Se os juntásseis às minhas pequeninas virtudes, toda a beleza desapareceria. Como sois bom e misericordioso! Eu nada disse, meu bom Jesus, da Vossa linda imagem naquele tão lindo trono, porque receei ser um sonho ou uma ilusão minha. Como sois bom e cheio de misericórdia para comigo!

― Como Eu Me encanto e enlouqueço pelas almas humildes e pequeninas; como Me atraem a si as almas generosas! Dás-Me, Minha filha, em vez do tormento do teu espírito alguns combates do demónio? Quero ser reparado. Oh! Como sou ofendido!

― Ó meu querido Jesus, sabendo Vós que eu tudo quero sofrer, que nada Vos posso negar e que não tenho licença para ceder a esse pedido, para que mo fazeis? Ó meu Jesus, que hei-de eu fazer, que há-de ser de mim. Sossega, sossega, filha querida. Eu quero que obedeças e quero ser reparado.

― Pede, pede, para Me poderes dar essa reparação. Até que ela venha, vou tirando proveito da dor, que vais sentir, por não cederes aos Meus desejos. Vou dar-te o Meu divino Sangue, vou ligar a ti o tubo do amor; ficam unidos os nossos corações e unidos também os nossos rostos. Eu para receber de ti consolação, e tu para receberes de Mim conforto. Recebe vida, recebe vida; recebe amor, recebe amor, recebe amor.

Passaram-se uns momentos nesta estreita união. Ao receber o Sangue de Jesus, fiquei com mais luz; o coração palpitou-me com mais força, senti um novo viver em todo o meu ser.

― Vai em paz, Minha filha; vai para as almas, que necessitam de ti, vai para a cruz, que te espera; vai com confiança. Leva amor, leva amor, leva a vida de Jesus; é a força na tua cruz, é a luz nas tuas trevas.

― Obrigada, meu Jesus.

6 de Setembro de 1947 - Primeiro sábado

Esta noite foi para o meu corpo um doloroso Calvário. Que tormento estar sempre a queixar-me. Eu não digo isto por queixume, digo-o por obediência. Como outra coisa não tenho, a não ser a dor, é desta sempre que eu falo. Jesus aceita o meu sacrifício. Sofri, sofri dores triturantes, mas quase me esquecia que sofria para me unir a Nosso Senhor, para maior consolação Ele poder receber.

Esperei o meu Jesus com tanta ansiedade; nunca mais chegava a hora de O receber; veio enfim, baixou ao meu pobre e indigno coração, fez-me logo sentir que era Ele. Encheu-me, o meu coração fez-se tão grande, parecia não me caber no peito; estava como se tivesse em mim toda a abóbada do Céu. Disse-me Jesus:

― Minha filha, os tesouros do meu divino Coração são inesgotáveis para o mundo; por ti os faço descer a todos os corações, a todas as almas. Pobres daqueles que os não querem receber! Que riqueza! Como tu és grande! És tão grande como o Céu. Tens o coração e a riqueza do próprio Deus que enche o Céu e enche a terra. O mundo é cruel. O mundo é ingrato. Ofende-Me tanto! Eu não posso fitar as suas maldades. Ofereço-Me constantemente ao Meu Pai para aplacar a Sua justiça divina; ofereço-Me com as minhas vítimas, mas são tão poucas! Tu és, filha querida, a primogénita de todas as vítimas, és a que rematas a cruz, estás no lugar mais alto. Brilha no alto dela sobre a tua cabeça o diadema da pureza e do amor, o diadema da vitória.

― Ó meu Jesus, quanto mais dizeis mais me humilhais; bendito sejais por me humilhardes assim na Vossa divina presença. Tendes razão; cheia como estou das Vossas riquezas, são elas que os Vossos divinos olhos vêem; é delas que podeis falar. Eu vejo a minha miséria; graças infindas Vos rendo por tão grande graça.

Jesus deixou-me por algum tempo a gozar da Sua grandeza, e ficou em silêncio. Depois, continuou:

― Minha filha, dás-Me, durante três noites, das 10 às 11, das 11 à meia-noite, umas horas de reparação? Oferece-Me tudo e não cesses de Me repetir constantemente actos de amor, ora com os lábios, ora com o coração. Vou ser nessas horas muito ofendido, ó minha esposa querida, e pelos sacerdotes. Já não falo nos crimes dos outros pecadores, falo destes que se dizem Meus amigos, e ofendem-Me tanto. Se disser que não, alguns conhece-los, a outros não.

― Não quero saber o nome de nenhum, meu Jesus; fico mais sossegada assim, e a reparação é a mesma, não é, meu Amor?

― É maior ainda, esposa amada; sofreres, dares, sem saberes a quem, maior é a consolação que por ti recebo. Sofre, sofre e ama, para mais Eu poder esquecer o que eles Me ofendem. Diz, Minha filha, ao teu Paizinho que sempre foi e será o teu director, escolhido pela Santidade e Sabedoria divina. Diz-lhe que Eu farei que ele seja para as almas um viveiro de luz e amor. Farei que venham ao Meu divino Coração, cheias de mim como formigas em bando, cheias de alimento para o seu celeiro. Diz-lhe que o Meu divino amor para com ele Me leva a fazê-lo subir ao mais alto grau de perfeição. Ele cantará eternamente o hino dos predestinados. Diz ao teu médico que o Meu divino Coração anseia por o cobrir e encher a ele e a todos os seus de novas graças e bênções. Diz-lhe que em tudo o prometo amparar e proteger. É sempre o Meu divino amor sobre ele, quando o consolo ou faço sofrer. Amo-o e prendia para sempre a Mim. Diz-lhe que os raios de luz, os raios brilhantes de sol se vão espalhando cada vez mais, mas não chegarão ao seu fim sem que novas nuvens tentem encobri-la. A sua fortaleza e o seu brilho rompe tudo, e tudo iluminará. A vitória é certa; sempre firme no seu posto. Que dita a ele e de todos os que com ele trabalham serem defensores da causa mais rica, da causa do Senhor. Vem, Minha Bendita Mãe, vem em auxílio da Nossa filhinha, junta ao Meu o Teu conforto, necessita dele para tanta dor.

Veio a Mãezinha coroada e trazia manto de rainha, bordado a oiro:

― Sofre com alegria, desagrava o Coração divino de Jesus e o Meu. Que onda, que incêndio de crimes nos ferem. Tanta inocência perdida! As praias e cinemas, que inferno desencadeado! São piores que demónios; muitas almas com as suas vaidades e desonestidades provocadoras excitam tanto e tantas outras ao mal. Olha como tratam o Meu Santíssimo Coração.

De Rainha transformou-se a Mãezinha na Virgem das Dores: olhar angustioso, o rosto tristíssimo e o Coração cheio de setas.

― Ó Mãezinha, querida Mãezinha, passai para mim a Vossa dor, as Vossas setas; quero sofrer todos os sofrimentos, os de Jesus e os Vossos, dai-me força, dai-me graça.

― Deixa-te então imolar, deixa que os espinhos dirigidos ao Coração do Meu Jesus te firam constantemente o teu. Sofre para Ele não sofrer; aceita as minhas setas para eu não sofrer também.

Ficou a Mãezinha libertada do sofrimento; todo se passou para mim. Aproximou-se de Jesus; Ele, dum lado, e a Mãezinha, do outro, acariciaram-me, uniram-me aos Seus Santíssimos rostos e ao meu, cobriram-me de amor. Disse a Mãezinha:

― Leva, Minha filha, estes amores, e vai dá-los em Meu nome àqueles a quem amas. Quanto mais o teu coração te atrair para eles, tem a certeza de que Jesus e Eu os amamos loucamente. E pede-lhes então para Nos amarem, amarem apaixonadamente e para repararem com grande reparação os Nossos dois Corações unidos na mesma dor, no mesmo amor.

Acrescentou Jesus:

― Vai, filhinha, vai pomba branca, forma o teu voo para a cruz, fixa em Nós os teus olhares. Coragem, coragem.

― Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha. Não me abandoneis na minha luta.

12 de Setembro de 1947 - Sexta-feira

Meu bom Jesus, sinto-me a não ter fé, nem amor, nem confiança. Que negra cegueira, que penosa vida! O demónio tenta-me, quer convencer-me de que não existe Deus, nem Céu, de que a religião é falsa e falsa é a minha vida. Tenho medo, Jesus, medo de mim, da minha vida e medo de Vós. Tudo se esconde, tudo se apaga, não tenho nada bom; o meu coração é um rochedo, está num mundo de gelo; piso em nojenta e peguenha lama, não posso desprender-me e sair dela. Que luta, que combate dentro de mim. Mas Vós existis, meu Jesus; sim, meu amor, em tenho confiança em Vós. Não sei dos actos de amor nem da reparação, que Vos dou; não é o meu coração nem os meus lábios que falam, não é o meu corpo que sofre e repara; é um outro, que não sou eu, a sofrer e a amar. Eu sou um nada nas mãos de Jesus. Eu não vivo, mas vive alguém; eu não sofro, mas alguém sofre; eu não amo, mas alguém ama em meu lugar. Se nada faço, ó meu Deus, que estou aqui a fazer? A Vossa divina vontade Senhor. Que os Vossos braços Santíssimos sejam as doces cadeias, que me prendem, para não ser arrastada por tão tremenda tempestade.

Nas horas da noite, que Jesus me pediu, para reparar e fazer-Lhe actos de amor, fiz todo o esforço para sofrer com perfeição e com amor para consolar Jesus, para Ele esquecer os crimes com que era ofendido. Tudo o que dizia eu fazia, morria, mas, apesar disso, era um verdadeiro inferno contra mim.

Os demónios queriam assaltar-me, mostravam-me os crimes e queriam levar-me a praticá-los. Que ódio contra mim e contra Jesus! Quanto mais eu O acariciava mais aumentava o furor do maldito. O inferno estava aberto, toda a raiva caía sobre mim. Sentia como se estivesse Jesus entre o inferno e os culpados. Nada mais sei dizer, digo apenas o que sei e sinto.

O pobre do meu corpo continua a ser, ora numas horas, ora nas outras, um esqueleto, caveira, chagas, espinhos, setas, dor e sangue. O que é a minha dor, só Jesus a compreende. E isso basta. Que Ele ma aceite para reparação Sua.

Tive a visão de Jesus na coluna, a ser açoitado num enorme madeiro, crucificado. Nunca O vi em cruz tão grande. Quase da altura Dele, cruzada uma sobre a outra estava a lança e a esponja; cruzavam contra o seu santíssimo peito. Tanto do alto da cruz como da coluna a ser açoitado, das suas feridas, das suas divinas carnes despedaçadas saíam raios mais brilhantes do que o sol. Eram tanto sóis quantas as feridas de Jesus. Tudo em mim e à volta de mim era escuridão. Só a luz, só o sol de Jesus brilhava. Meu Jesus, seja o meu corpo açoitado, seja eu, sempre eu pregada na cruz. Gozai na vossa glória, aceitai todo o louvor que Vos pode dar a aterra e o Céu. Sou a vossa vítima.

A visão de tais sofrimentos levou-me ao Horto. O céu parecia faiscar e combatia com a terra; o solo tremia com suas árvores e folhas. No meio da noite negra e silenciosa, Jesus ali agonizava. Vi-O beber, beber o cálix da amargura até à última gota. Passaram-se já tantas horas e eu ainda sinto aquela dor e como se Ele ainda estivesse a beber na mesma amargura. Assim segui hoje o Calvário, curvada com Ele sob o madeiro da cruz, ardia no mesmo fogo, sofria a mesma sede de dar a vida. Que angústias as do coração e da alma! As carnes e o sangue ficavam nas ruas da amargura. Que desfalecimento! A vida fugia, o Calvário não chegava. Do Céu não vinha uma luz nem um conforto; só a raiva humana com mais crueldade descarregava sobre Nós nova chuva de açoites. Os suores corriam pelo rosto de Jesus, assim como corria o sangue das feridas dos espinhos. Não posso pensar no esforço que fazia o meu amado Senhor para Se manter de pé, junto ao lugar onde ia ser crucificado. Vi a sua sacrossanta cabeça com o rosto moribundo inclinar-se para a terra. Fomos os dois crucificados, mas não sei como, não era o meu sangue que corria das chagas, era o de Jesus, e corria dentro de mim. Senti abrir-se-me o lado e ir a lança lá dentro atravessar-me o coração; foi como uma espada finíssima aquele corte, ficou sempre vivíssimo em todo o tempo da agonia assim como o amargor do fel. No coração senti todo o ferimento de Jesus e o abrir dos seus divinos olhos ao entregar a alma ao seu Eterno Pai. Ele expirou, e eu com Ele me senti expirar. Reinou por algum tempo o silêncio da morte. Houve nova vida, viveu Jesus e fez-me viver a mim e disse-me:

― Minha filha, meu sacrário, palácio onde habito e reino; reino em ti e por ti vou reinar a muitos corações.

Ficou silencioso. Algum tempo depois, disse-me assim:

― Sim, minha filha, é por ti que nas almas Eu reino. Se soubesses quantas transformações, quantas conversões com sincera emenda de vida aqui junto de ti neste teu quartinho, neste Calvário onde te coloquei, calvário de dor e amor! Quantas almas há que entraram aqui com Satanás no coração e daqui saíram levando-Me a Mim, com uma dor profunda e firme propósito de emenda! Expulsaram o demónio e Eu tomei lugar em seus corações. Coragem, coragem, minha vítima amada! A tua dor, o teu martírio não cessam um momento, porque nem um só momento as almas deixam de precisar de ti. Que maldades, que maldades; que ondas, que incêndio de crimes! Diz, minha filha, que Jesus o diz:

“Sou ofendido como nunca o fui. Se não fosse a Santa Missa, se não fossem as minhas vítimas, se não fosse a minha vítima primogénita com minha Mãe santíssima, já o mundo teria sido destruído pela justiça divina, pela justiça de meu Pai”.

Sofre, sofre com alegria, fala do meu divino amor às almas, fala-lhes da minha misericórdia, pede-lhes que se convertam, diz-lhes que venham a Mim. Coragem! Com os teus sofrimentos tens salvo, continuas a salvar milhares, milhares e milhões de almas. Eu não posso sofrer nem fazer mais por elas, faço-o através de ti, és comigo outro Cristo, és comigo redentora, é por isso que a minha redenção continua.

― Ó meu Jesus, confundo-me, envergonho-me à vista da minha miséria. A quem escolhestes Vós para convosco salvar almas? Eu queria, meu bom Jesus, poder salvar a todas. Eu não quero ver-Vos ofendido; eu quero a vosso consolação e alegria e por mim não posso, nada tenho, nada valho.

― Não podes sem Mim, é certo, mas Eu ao entregar-te a mais sublime missão enriqueci-te, tens todos os meus tesouros; é comigo que tu amas, é comigo que salvas as almas. Tu não vives, é Cristo que vive em ti, é com Cristo e por Cristo que te imolas; é por Cristo e com Cristo que as almas são salvas. Alegro-me nos pequeninos, é nos humildes que Me consolo. Pede, minha filha, a lista das almas do Purgatório que queres livrar. A tua missão na terra é bem curta, bem depressa virei buscar-te; é breve, breve, não o digo só para te dar conforto. Anima-te. Quantas mais trevas, mais luz; quanta mais morte, mais vida; o fim do dia traz a escuridão; a vida termina com a morte, mas só aqui na terra. Como a tua vida é só minha, já é a vida do Céu. São trevas de luz, é a morte das vidas. As almas, as almas, minha filha, são tuas as almas. Vamos à vida que te dá vida. Vou dar-te a gota do meu divino sangue.

Jesus introduziu o tubo, uniu os corações; o meu, com a gotinha do preciosíssimo sangue de Jesus principiou a dilatar-se. Jesus com o seu carinho fez parara a dilatação, mas não retirou logo o seu divino Coração.

― É amor, amor divino que te dou, filha querida. Vai distribuí-lo e espalhá-lo. Vai, jardineira do Jardineiro divino; confia em Jesus, que te ama; confia, Deus não muda, não falta ao que promete. Vai para a tua cruz, quero a tua dor.

Tu serás para os sábios que possuem a Minha luz, maior luz; serás para aqueles a quem a quis dar e não a aceitaram, grande confusão, maiores trevas. Passou para muitos, no sentido da Minha divina causa, a hora da graça. Coragem! Vai contigo toda a luz do Divino Espírito Santo, vai Ele falar em teu coração.

― Meu Jesus, muito obrigada. Queria todos os corações do mundo, para oferecer-Vos, cheios de amor e todos os lábios para agradecer-Vos todos os benefícios.

A minha cruz, a minha dor! Fiquei logo nela, depois do colóquio com Jesus. Passaram-se umas horas; como eu sinto a minha alma chorar! Viva Jesus: salvem-se as almas.

20 de Setembro de 1947 - Sexta-feira

Não acredito em mim mesma, não posso confiar nos bons sentimentos de minha alma, nas ânsias sinceras do meu coração. Pensar que Jesus tudo vê e conhece, não me dá alegria, nem por isso deixo de sentir que passo por bons sentimentos e bons desejos com grande amor na alma e no coração, quando eles nada disso têm; posso ser impostora para mim, para todos e para o meu querido Jesus. Que miséria, que miséria, meu Deus! Mas nem por isso, ó meu Jesus, eu quero, noite e dia, a cada momento, deixar de repetir: amo-Vos, sou a Vossa vítima. Tenho que lutar, tenho que vencer-me, para poder oferecer ao meu Jesus aquilo que não sou, aquilo que não tenho. Jesus está no primeiro andar e outros com mais complicações. Encobrem tudo o que Ele podia ver e ler. Hei-de vencer; é esta a minha confiança, com Jesus tudo venço. Confio contra tudo. Venha o mundo, venha todo o inferno a dizer-me que não Lhe pertenço, que eu responderei sempre: sou Dele e só Dele, na terra e no Céu, eternamente Dele.

São negras e arrepiantes as minhas trevas; são assustadoras as dúvidas de toda a minha vida e do meu amor a Jesus. É horrorosa a luta da minha alma com o demónio. Ele pôs em mim sentimentos vergonhosos; parece-me que quero, que anseio pelos combates com ele, para gozar os prazeres mundanos. Que horror, que horror, meu Jesus! Eu quero amar-Vos e reparar-Vos de todas as ofensas, e nada mais; ajudai-me a vencer e a convencer-me que só Vós reinais em mim e só Vós sois a única verdade.

De noite, tive uma visão; vi-me dentro dum templo, de joelhos, junto ao altar, onde estava o sacrário. À portinha dele, muito unidinho, como que para entrar para dentro estava Jesus Menino; era Formosíssimo; não tinha mais de dois ou três anos. Fitou-me com os Seus olhos encantadores; os Seus olhares divinos foram para mim olhares de convite para entrar também. Não cheguei a fazê-lo; de repente desapareceu Jesus, o Sacrário e o templo, fiquei sozinha, mas mais forte e corajosa e com mais ânsias de me unir para sempre a Jesus na eucaristia. Estes mimos do meu Jesus são para mim injecções vindas do Céu; com elas que eu aguento com esta caveira mundial, com as chagas, espinhos e as setas da Mãezinha. Com elas vou resistindo a tão grande sofrimento e ânsias de amor. Como Jesus é bom, como Ele me auxilia a levar a minha cruz!

Na tarde de ontem, ainda mesmo por ter que responder a muitas perguntas que me foram feitas sobre as coisas de Jesus, sofria a minha alma e via, ao mesmo tempo, uma cegueira mundial, pior que a minha cegueira, mais dolorosa que as minhas trevas, pois era cegueira de maldades e crimes; eu rompia por entre elas com o coração a arder, ou melhor, rompia Jesus e o fogo era Dele. Num rápido momento, vi-O abraçar a cruz, oferecida por aquela cegueira maldosa que eu via. Depois desse abraço, tomou-a para Ele e caminhava com ela, de braços abertos, mas sempre com um braço do Seu divino Coração; aquele abraço abraçava todo o sofrimento. Assim cheguei com Jesus ao Horto; sofri ali com Ele o cálice amargurado, com Ele senti esmagar-se-me o coração, romperem-se-me as veias e o sangue correr. Não sei se sim se não, mas pareceu-me adormecer. Ao despertar, fui ainda encontrar Jesus na mesma agonia do Horto. Pensei a noite já a ir alta, mas não ia, era cedo ainda. Fui com Ele para a prisão, lá O deixei quase moribundo.

Hoje, mais moribundo ainda, segui com Ele as ruas do Calvário. Sentia pisar só espinhos pelos caminhos árduos e duros.. Jesus desfalecia cada vez mais. O meu coração sentia todo o Seu esforço. Pobre Jesus, queria caminhar e não podia; era arrastado pela maldade e pelo amor; foi ele, só ele que o conduziu ao Calvário. A cruz fui eu, Ele foi em mim crucificado. Eu sentia tanto ao vivo as Suas chagas divinas! O meu corpo parecia ser só o de Jesus. Custou tanto ao meu coração sentir os martelos a baterem sobre os cravos. As pancadas não iam só para as chagas vinham também para o coração. Pelo Coração divino de Jesus eu via as setas  no Coração da Mãezinha, via as suas lágrimas e olhares angustiosos e as ânsias do Seu Santíssimo Coração de querer subir à cruz a limpar o rosto Santíssimo de Jesus, apanhar em seu manto as lágrimas de sangue e curar-Lhe todas as Suas feridas. O Calvário mantinha-se duro e toda a montanha que era o mundo se levantava contra Jesus com ondas de sofrimento piores, muito piores que as ondas mais furiosas do mar. O inocentíssimo Jesus estava num gemido contínuo. Eu sentia em mim abrirem-se os Seus divinos olhos ao bradar ao Seu Eterno Pai. Quando Jesus disse: Pai; nas Tuas mãos entrego o Meu espírito, falou o Seu divino Coração: é chegada a hora do amor, morro por Vós, não posso fazer mais, e expirou. Tempo depois, já com toda a vida fez-me viver também e disse-me:

― Minha filha, fonte de vida, abismo sem fim, abismo inesgotável dos tesouros e maravilhas do Senhor. Esqueci-te, esqueci-te, com tudo o que era meu; não te enriqueci para ti, enriqueci-te para o mundo, para as almas. Fiz tudo, empreguei todos os meios para lhes acudir, para as salvar. E a recompensa? O que me fazem elas? Olha para Mim, repara bem, Minha filha.

Estava Jesus em seu tamanho natural, sem manto da cintura para cima,, mas só do lado esquerdo; tinha o peito aberto e da chaga do Seu divino Coração corria o sangue em bica.

― Basta, basta, meu Jesus; não derrameis mais sangue, quero vertê-lo eu, não Vos quero com tão grande sofrimento.

― Ó esposa, ó esposa querida, aceitas que grave em teu coração esta chaga? O sangue que dela vai correr será o sangue da tua dor. É grande o teu martírio, é grande o teu amor como grande é a missão que te dei. Que sublime que ela é! Tu és, Minha filha, o pára-raios que está mais alto, mais próximo do Meu Eterno Pai, para receberes os raios da Sua justiça divina; sobre ti descarrega tudo à Minha semelhança.

Cerou-se a chaga e o lado de Jesus, e logo em meu coração principiei a sentir correr a mesma bica de sangue.

― Custa-me muito sofrer, meu Jesus, mas custa-me imensamente mais ver-Vos sofrer a Vós. Aceito todo o sofrimento só para Vos reparar e dar-Vos consolação. Aceitaria, Jesus, aceitaria, que é Vossa e não minha; sois Vós que reparais, sois Vós que consolais, sois Vós que amais em mim, sois Vós, só Vós que sofreis. Eu sou um instrumento Vosso, sou nada, sou miséria.

― Tu és a estrela do mundo, a louquinha de Jesus, a lâmpada dos sacrários, a sentinela Eucarística. Tomo à letra tudo quanto Me dizes e como prova de que é assim mostrei-te em Mim o teu retrato, junto da Eucaristia. Não Me repetiste há tanta tempo tentas vezes: eu quero ser a sentinela dos Vossos Sacrários? Aceitei; foi por isso que te Me fiz ver à portinha como sentinela. A minha cabeça inclinada sobre o Sacrário e o Meu olhar de convite para ti foi para te mostrar que assim estás unida a Mim na Sagrada Hóstia. Se soubesses a alegria que de ti recebo nesta união! Se soubesses como com a tua guarda de sentinela tens evitado que Eu ali seja maltratado, recebido sacrilegamente, que alegria seria a tua! Viste-Me pequenino junto ao Sacrário, porque pequenina te vejo em todas as coisas, à semelhança de Mim. És pequenina para seres grande para as almas e para o Céu.

― Meu Jesus, a quem escolhestes Vós. Causa-me horror ver-Vos utilizar deste trapo de misérias.

― Não pode o Rei escolher para Si a esposa mais pobrezinha e vesti-la e adorná-la com as vestes mais ricas e as pedras mais preciosas? Eu sou Rei, escolhi-te para Mim, adornei-te, enriqueci-te, não olhei à tua miséria. Coragem! Conta com Minha graça; com ela te tornarás sempre digna de Mim. Vou agora dar-te a gota do Meu divino Sangue; é esta vida para ti, sem ela não viverás. Recebe vida e dá vida.

De repente, introduziu Jesus o grande tubo de oiro em meu coração, a gotinha do Sangue precioso caiu; o coração ficou logo grande, grande; não podia tê-lo em meu peito. Jesus acudiu logo, espalhou sobre mim a Sua chuva de amor, foi um orvalho fecundo que tudo suavizou.

― Vai para a cruz, filha amada, não duvides de Mim, confia no Meu amor, nas Minhas divinas promessas. Pede-Me o que quiseres, nada te negarei nem na terra nem no Céu. Só não alcançarás de Mim o que for de prejuízo para as almas. Nada posso negar a esposa tão amante e fiel, nada posso negar à grande heroína que nada Me nega. Vai em paz, vai plantar nas almas as tuas flores de virtudes. Toma a cruz, sempre alegre no teu Calvário, no teu inigualável Calvário.

― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Dai-me a Vossa santa alegria para eu com ela poder sorrir a todos os sofrimentos que me dais; quero em todos ver-Vos a Vós, só a Vós e só para Vós sorrir.

Logo que Jesus se ausentou, fiquei sobre a cruz a derramar o sangue das chagas e dos espinhos. Caiu sobre mim uma tristeza profunda. Quanto tenho que vencer-me para poder sorrir-me. Ó cruz, ó cruz eu, amo-te.

26 de Setembro de 1947 - Sexta-feira

Passo o dia, vem a noite, e eu vazia, sem nada ter dado a Jesus e sem nada ter para Lhe oferecer. Não posso examinar a minha consciência. Um dia, um mês, um ano e outro ano, sempre a sofrer, e sem ter que dar e sem amar o meu querido Jesus. Que pobreza, que miséria! De cada vez mais vazia, de cada vez mais defeitos. Ó meu Deus, poderei eu dar-Vos menos do que Vos tenho dado? Oh! Não; sei que não, e não tenho mais, não sei mais nem melhor. Ai, pobre de mim, a minha cegueira só me mostra miséria e maldade; e para melhor eu ver esta maldade, sinto-me, por vezes, tão sábia, capaz de enganar toda a gente com a minha sabedoria. Sinto-me até vaidosa por saber e poder enganar toda a gente. Que horror, ó meu Jesus, que horror! Se eu quiser enganar! Se eu pensasse em enganar! Mas nem ao menos isso. É pela graça de Deus que não o penso nem faço. Mas oh! que doloroso martírio, ver e sentir tudo isto em minha alma! Poderei vencer? Poderei passar assim os meus dias, ó meu Jesus? O que seria ou será de mim sem a graça e a protecção do Céu! Sou tão miserável e cheia de defeitos, sou um nada capaz de todas as maldades, sou um nada incapaz de fazer algum bem.

A minha alma chora e o coração anseia, quer só pertencer a Jesus, quer dar-se a Ele, perder-se Nele.

Passei quatro dias sem O receber. Que fome indizível! Que ânsias insuportáveis! Quantas vezes voava em espírito para junto da Eucaristia e Lhe dizia: Jesus, meu Amor, vinde a mim, estou a morrer de fome, desfalece-me a alma e o corpo; vinde, vinde, enchei-me e operai em mim tantas graças como se Vos recebesse Sacramentado. Nestes momentos, ficava a nadar num mar de paz, mas sempre com as mesmas ânsias e fome devoradora. Não sei; sinto que só no Céu posso ser saciada de Jesus; aqui, na terra, por mais que corra e voe para Ele, mais vazia me sinto e mais Ele me foge. Eu já não vivo, de mim ficou a dor, essa é a que eu sinto, mas nem essa agora me pertence. Ah! Se eu amasse ao menos O meu Jesus, e se nunca O ofendesse! Eu não sei, mas sinto que Jesus deve estar muito desgostoso comigo; não Lhe dei, com certeza provas de toda a minha confiança Nele.

No dia 21, passou o aniversário do meu médico. Veio visitar-me com a esposa e 7 filhinhos entre os quais vinham todos os meus afilhados. Não digo que senti alegria, porque essa Jesus não me permite senti-la, mas, sim, uma grande estima junto com um grande conforto. Retiraram-se ao ser noite. Passados uns momentos, principiei a sentir em mim uma grande preocupação; cheguei a perguntar se o carro teria luz. Não pude orar, para que tivesse boa viagem, porque estava acompanhada, mas nem por isso o meu coração deixava de Lha desejar. Passava já de uma hora solar, quando nos parou à porta um carro; bateram; minha irmã, sobressaltada, foi ver o que se passava. Era o filho mais velho do meu querido médico, que vinha à procura do Pai, da Mãe e dos irmãos. Não sei dizer o que senti, pareceu-me que fiquei louca; não pude conter as lágrimas, chorava em grande aflição; vi tudo pelo pior. Ao ver esse querido filhinho com sinais de profunda dor, sem pensar o que dizia, exclamei: eu sou uma desgraçada e a desgraça de toda a gente. Ao acabar de pronunciar a última palavra e a reflectir no que dizia, veio-me logo o arrependimento, e, ao mesmo tempo, o remorso pelo mau exemplo que acabava de dar. Meu Jesus, perdoai-me, já não tem cura; é desta forma que eu Vos amo, tende compaixão de mim.

Travou-se um combate, dos mais aterradores da minha vida. Estava Jesus, o demónio e eu. Eu vi-os todos em estilhaços e em sangue, sem vida, onde só depois de dia se podiam encontrar. Nove pessoas! Ai tanta criancinha, exclamava eu, e por minha causa; se não fosse eu, eles não vinham aqui. Nesta dor indizível, Jesus, no íntimo do coração, dizia-me:

― Sossega, Minha filha; não houve desastre, não há o mais pequenino ferimento. Eu não permitia isso àquele a quem tanto amo e tão firme e fielmente tem cuidado e velado pela Minha divina causa. Sossega, confia em Mim. Estou para ver a tua coragem. Permiti isto para grande reparação; repara. Sou, nesta noite, tão ofendido.

Jesus segredava-me isto docemente, e o demónio, forte e bruscamente, dizia-me:

― Só assim a tua vida será descoberta. Que grande castigo! Já todos estão no inferno, até mesmo dois dos teus afilhados. Olha que horror; foram as tuas maldades! Eles eram inocentes, mas foi por ti que foram condenados. Este já não chega a casa.

Referia-se ao tinha vindo procurá-los.

― À procura deste vêm os que estão em casa; acabam, nesta noite, todos os descendentes daquele a quem tanto odeio. Só assim me satisfaço do mal que ele me tem feito e podia vir a fazer. Que castigo, que vergonha!

Jesus, no íntimo, repetia-me sempre o mesmo, e o maldito, muito satisfeito, maltratava-me de insultos. Eu orava, orava, e chorava, não podia estancar as lágrimas. Ardiam duas velas a Jesus e à Mãezinha; pedia-Lhes sossego, pedia-Lhes conforto. Oferecia a Jesus todo o sofrimento para reparar o Seu divino Coração e O da Mãezinha e por várias intenções. Mas eu não podia mais, o meu espírito já não resistia. O demónio tentava vencer-me e calar a Jesus. Eu temia vacilar. Senti que Jesus veio expulsar, para longe, o demónio. Fiquei mais calma por um pouco; deixei de chorar e continuei a orar. Oferecia a Jesus o cântico dos galos, que duma e doutra parte, se ouviam e as festas de um gatinho que junto de mim estava. Aceitai todo este louvor, já que eu não vo-lo sei dar. Queria pedir para me porem no chão duro, para fazer penitência, com uma firme confiança de que, ainda que todos estivessem mortos, Jesus a todos podia ressuscitar. Porque, nesta altura, já o demónio tinha voltado com as suas falsas manhas e mentiras. Eu então vi-os a todos conduzidos ao hospital, em mísero estado. E um caderno e uma carta que o senhor doutor levava, visto e lido por quem queria; já tudo se sabia. Jesus ia bradando:

― Confia no teu Jesus, não há ferimento nenhum. Prova-Me a tua confiança em Mim. Foi o meu divino amor, que assim vos quis associar.

Chegou a hora em que eu tinha dito ao filhinho do senhor doutor, se não aparecesse ninguém que ficava sossegada, que tudo estava bem; mas não foi para mim, não consegui sossegar. Era já dia; eu não pedia para mandarem saber o que se tinha passado, para mostrar a Jesus que confiava Nele e não dar alegria ao demónio. Depois de insistirem, aceitei. Ao ser informada pelo senhor doutor do que se tinha passado e de que, na verdade, não havia ferimento algum, chorava, agradecia e louvava ao Senhor; oferecia-Lhe os meus suspiros e continuei a oferecê-los, por espaço de alguns dias, porque, sem querer, tinha que suspirar e respirar fundo. Não sei dizer o mal que esta aflição deixou em mim. Por tudo bendigo Nosso senhor, mas a dor das palavras que, sem querer, pronunciei, continua ainda. Tenho confiança que Jesus me perdoou.

Ontem, logo de manhã senti, além dos espinhos, que diariamente me cingem a cabeça, nova coroa deles por cima; parecia-me que eles me chegavam ao coração. Sentia os meus vestidos ensopados em sangue, colados ao corpo. Sentia isto em mim, e via ao mesmo tempo, em mim Jesus, com esses espinhos, com esses vestidos em sangue no Seu Santíssimo Corpo. Isto repetiu-se, durante o dia. Ao cair da tarde, quando se repetiu este sentimento e visão senti uns arrepios de frio, que me fizeram tremer; e vi Jesus muito triste a tremer também.

Não vi Jesus, ao sair da sala da ceia, despedir-se da Mãezinha, mas via a Ela, no cimo das escadas, a seguir os passos de Jesus para o Horto. Por Jesus vi os Seus olhares dolorosos, já sem O ver, e quanto ao Seu Santíssimo Coração O seguia e adivinhava o que Ele ia padecer. Que união de dor e amor era o daqueles dois Corações! Jesus caminhava, à frente dos Apóstolos não se preocupavam nem sofriam pelo que iria acontecer; iam cheios de cansaço, e, já no Horto, adormeceram. Jesus orou, suou sangue, viu-se desfalecido a caminho com a cruz, prestes a dar a vida; bebeu o cálice até à última gota. Que amargura que produzia trevas e fazia tremer a terra!

De madrugada, fui encontrá-Lo na prisão. Tremia de frio. Tinha perdido tanto sangue! Ó que desfalecimento era o Seu! Associei-me à Sua dor e tristeza, e como Ele fiquei desfalecida. Saí da prisão, nesta santa união; acompanhei-O, segui os mesmos passos. Depois, de açoitada e ferida com os mesmos espinhos de ontem, tomei a cruz, segui o Calvário, com a lança atravessada no coração. Sentia nos meus joelhos e no meu rosto as feridas, e parecia que em mim batiam as duas lajes: ou antes que eu com Jesus batia nelas. Como eu sentia todo o meu corpo ficar sem vida e sem sangue! Junto a Jesus, caminhavam os dois ladrões com as suas cruzes; ao lado de Jesus, foram crucificados. Eu sentia que os sofrimentos, as cruzes deles sobrecarregavam sobre mim, sobre a cruz de Jesus, que em mim estava. Sentia sair do Coração divino de Jesus o mesmo amor; as mesmas graças. Eu aceitava-as, o outro repelia-as. Jesus sofria, agonizava.

Hoje, no Calvário, e, ontem, no Horto, eu sentia que quanto maior era o sofrimento, a agonia de Jesus, mais o peito arquejava e coração batia! Sentia no meu as palpitações do Dele! Quando Jesus fazia romper o Seu brado  ao Eterno Pai, eu sentia, como se o mundo viesse abafar-lho, ao sair dos Seus divinos lábios; ficava como se não subisse ao Céu; sumia-o a maldade do mundo. Neste abafamento angustioso Jesus expirou. Senti-me também morrer e a minha alma deixar. Passou-se algum tempo em silêncio e noite morta. Veio Jesus, e disse-me:

― Minha filha, tabernáculo de delícias, coração de fogo, coração de amor. Aqui, como em nenhum outro coração, Eu Me delicio e sou amado; aqui, como em nenhuma outra vítima, Eu recebo reparação. Repara, repara; a dor é cruz, a cruz é amor. A dor e o amor dá aos ingratos, dá aos pecadores o Céu. Se não fosse a dor e o amor abrir-lhes as portas, não havia Céu para eles apesar de existir. Continua comigo a obra da redenção; acode ao mundo, acode ao mundo. Tu és alma pura, trigo loiro joeirado, seara florescente das almas. Coragem, Minha filha! Salva-Me os pecadores. O número dos criminosos aumenta e o das almas vítimas diminui; atemorizam-se ao sentirem os sofrimentos; ao verem a cruz fogem, fogem, fogem; tornam-se tíbias e ingratas para o Meu divino Coração.

― Ó meu Jesus, ao número desses infelizes pertenço eu também. Eu fui ingrata para Vós, não soube sofrer, não aceitei também a cruz que de novo me enviastes. Que confusão a minha, ao ouvir-Vos dizer que Vos deliciais em mim, depois de eu ter sido tão má! Perdoai-me, meu Jesus, perdoai-me; dei mau exemplo, tende misericórdia de mim.

Jesus sorriu, cheio de bondade, e disse:

― Não Me ofendeste, não, Minha filha. Eu sorri, ao ouvir-te falar assim em tão grande aflição. Permiti que assim falasses, para tirar da tua dor a reparação, que desejava. Não Me ofendeste, não; confia em Mim. É no meio da luta, no combate mais renhido que a alma fiel, a alma forte mostra o seu amor a Jesus. Se o combate só fosse um não custava nada vencer. Consola-Me tanto ver-te na Minha divina presença humilhada! Tem coragem! Sê forte na cruz. Sê forte na dor. É com essa fortaleza, é com esse conjunto de dor e amor que acodes às almas, que acodes ao mundo, que te confiei, e que é tão ingrato para Comigo. Vê no estado em que Me põem os pecadores. Sou por eles ferido com as suas horrendas maldades, como o caminhante que é assaltado por ladrões, que procuram todos os meios para lhe tirarem a vida. Não morro, porque não posso morrer, mas repara bem no estado em que Me puseram.

Vi Jesus, caído à borda de uma estrada; era um mendigo chagado, esfarrapado, a tiritar de frio; parecia estar nos últimos momentos de vida. Acudi logo:

― Meu Jesus, quero levantar-Vos e não posso, quero curar-Vos as Vossas chagas e não sei quero consolar-Vos e não tenho com quê. Sou a Vossa vítima. Quero perder eu a vida, e assim chagada como Vós estais a tiritar, não de frio, mas de dor. Alegrai-Vos, Jesus, com a alegria, consolai-Vos com a Vossa divina consolação; aceitai-a, como se fosse minha, tomai a Vossa formosura e deixai-me sofrer a mim.

Jesus ficou formoso, ficou o mesmo Jesus, e disse-me:

― Ó Minha esposa querida, ó grande heroína do Calvário, em ti encontrei tudo, a ti tudo entreguei: o mundo e todos os Meus divinos tesouros; utiliza-te deles e brada incessantemente a toda a humanidade: convertei-vos, vinde a Jesus, orai e fazei penitência, se quereis salvar-vos. Deixa agora, Minha filha, que te dê o Meu divino Sangue; sem ele não tens vida,  sem ele não podes dar a vida às almas.

Foi um momento para Jesus introduzir o tubo doirado no meu coração e deixar cair no meu a gotinha do Seu Sangue. Senti-me grande, tão grande, sem poder com tanta grandeza. Jesus colocou sobre o meu peito Sua divina mão, como para cicatrizar a abertura que o tubo fez. Deixei de sentir aquela grandeza; pude resistir.

― Vai, luz brilhante; vai, relâmpago faiscante; vai, farol, que guias os errantes para o Meu divino Coração, para o Meu Coração de Pai. Leva o Meu amor, leva a Minha paz, braça a cruz que te espera e vem já ao teu encontro.

― Obrigada, meu Jesus. Vou para a cruz, vou contente; vinde comigo, sem a vossa graça não tento abraçá-la.

   

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