MARÇO
2 de Março de 1951 –
Sexta-feira
Não
posso cessar meu brado. Minha alma não pode deixar com o coração de
pedir ao Céu socorro. Eu não sei dizer o que sofro. A minha dor é
morta, mas é sensível. Sinto quem ela morre, não tem valor, mas
sinto que ela vive para si, vive para sofrer. A minha ignorância não
deixa exprimir-me melhor, apesar de sentir maior necessidade de
melhor me exprimir. O que é a dor, o quanto sofro, não é para mim
descrever. É indizível o tormento do corpo, mas é-o muito mais,
muito mais ainda doloroso o da alma. No corpo tenho sentido muito
profundas, muito ao vivo as chagas, os espinhos na cabeça, parece
que me esfacelam, assim como no coração. Quando sinto que vem alguém
para junto de mim apertar-me os cravos e os espinhos que me cercam,
então é tal o meu desfalecimento que nem posso respirar. Parece-me
que o coração sai fora do peito, que me deixa completamente sem
vida. Faltam-me as forças, falta-me a coragem. Só não me falta, pela
misericórdia do Senhor, a ânsia de sofrer por Ele, de me entregar a
Ele num completo abandono. O meu querer não é o bastante. Quero e
não posso. Quero, mas só se Jesus o quiser. Eu pobre de mim, morri
para tudo. Vivo neste abandono, numa cegueira tal que todo o mundo
obscureceu. Encobriu o dia, o sol, a lua, as estrelas. Quando assim
sofro, sem nada sofrer, quando assim vivo sem um momento viver, sem
o mínimo conforto e merecimento, minha alma grita, grita não sei por
quem, não sei a quem se dirige. Grita, louca de dor, rasteja pela
terra. Não sei a quem quer. É com certeza Jesus, mas ela não sabe
como nem onde o possa encontrar. E gritando sempre, mais se envolve
no seu nada, na sua miséria e cegueira, mais terra, mais lama e
podridão. O que é a dor, o que é sofrer sem um apoio, sem um
conforto, num abandono completo. A paz de Jesus não falta, não sinto
que é Ele, mas certamente que o conforto vem do Céu. A tempestade
serena, por uns momentos posso levantar, para melhor levantar-se a
minha alma, para bendizer ao Senhor, por assim me fazer sofrer, quer
para punição dos meus pecados ou para me assemelhar a Ele. Em pouco
tempo retomo forças e principia nova luta.
—
Amo-te, cruz bendita, por amor do meu Senhor, por amor às almas.
Em toda
esta semana, parecia-me que não era o meu coração que tinha as setas
do coração da Mãezinha, mas sim o d’Ela unido ao meu é que estava
trespassado. Sofri mais ainda do que se fosse propriamente no meu
coração. Custava-me tanto saber que Ela sofria! Meu Deus, que dor
infinita! Como sempre tenho tido muitos espinhos, vindo de várias
partes, aferirem todo o meu ser. Penso sempre que sofro assim por
ainda possuir em mim muito amor próprio. Jesus me perdoe e auxilie a
corrigir-me. Passei o meu dia de ontem como que esquecida, sempre
esquecida, dos sofrimentos de Jesus, de toda a sua santa paixão.
Nunca vivi o Horto e tudo desconheci. Ao cair da noite, a minha alma
viu de repente o Calvário e no cimo a Cruz levantada, Jesus pregado
nela e aos pés a Mãezinha das dores com as setas a atravessar o
Coração. Com os olhos fitos em Jesus, na mais dolorosa agonia. Tudo
isto se atirou ao Horto, e o suor de sangue principiou. Quanto mais
violenta era a agonia, mais sangue suava, mais na terra me envolvia.
Momentos depois veio a prisão. Eu fui e não fui. Vi ir Jesus
manietado no meio de numerosíssimo povo reles e soldados. Meu Deus!
Meu Deus! Como eu vi o meu Jesus maltratado! Eu só queria sofrer
sozinha Não podia vê-Lo assim. Já não me parecia Jesus quando chegou
aos tribunais. Hoje de manhã tive no meu quarto a celebração da
Santa Missa: como já tenho dito, não sei assistir a ela. Estava em
dois montes: num a acompanhar a Santa Missa, embora sem saber, e
noutro, a seguir a viagem para o Calvário. Na Santa Missa lembrei
tudo e a todos e pedi à Mãezinha os sentimentos d`Ela para assistir
à Santa Missa e aquele amor com que Ela acompanhava Jesus. Sentia-me
humilhadíssima e a mais indigna de todas as assistentes, mas o meu
coração ardia em fogo. Este parecia-me subir ao rosto. No mundo que
me conduzia ao calvário levava eu a Mãezinha; o meu coração servia
de andor e Ela ia tal e qual como a Mãezinha das Dores. Parecia que
ao mesmo tempo eu era Jesus e era Ela num só coração, num só amor,
numa só dor. Divina união! Dizer a grandiosidade desta dor, desta
união e desta dor, não posso, não sei. Cheguei ao Calvário, eu
fiquei na cruz a derramar o sangue por todas as chagas e corpo
desfacelado, mas a Mãezinha continuou sempre no andor do meu coração
a sofrer comigo. O meu brado foi constante. Ora a ouvir-se, ora em
silêncio. Chegou o momento de expirar. Entreguei ao Pai o meu
espírito e separei-me da terra. Jesus demorou-se a dar-me de novo a
vida. Quando veio, renovou-me interiormente, deu-me a sua luz, e
disse-me:
“Minha
filha, minha filha, não estou longe, não estou ausente. Estou no
sacrário do teu coração. Ao que venho Eu? Dar-te gozo, dar-te
alegria? Não, não. Venho triste, venho como mendigo. Sou o mendigo
de sempre. Neste sacrário do meu amor venho pedir amor, amor, mais
amor. Sirvo-me de ti, sirvo-me desta habitação para pedir esse amor,
mostrar as exigências que tem o meu Divino Coração. Eu sou o Senhor,
e, como tal, quero ser servido, quero ser amado. Eu sou o Senhor, Eu
sou o Jesus que outrora deu a vida no patíbulo da cruz. Por quem dei
Eu o sangue, por quem dei Eu a vida? Pelos filhos meus! Ide, almas
queridas, ide, almas amadas, ide à conquista das almas; tenho fome,
tenho sede. Trazei-as ao meu Divino Coração. Pedi-lhes, pedi-lhes,
não quero ser ofendido. Formai novos cenáculos. Ensinai, conquistai,
pregai a vida de Cristo! Eu sou o Senhor, o Senhor Jesus que veio à
terra para cumprir a vontade de meu Pai. Em nome d`Ele é que Eu peço
reparação, reparação e amor”.
Ó
Jesus, onde é que estais? Eu vejo-Vos tão longe! É tão grande a
distância que me separa de Vós. Eu creio porque creio, creio porque
Vós o dissestes. Dizeis-me que sois Jesus, e eu confio. Dizeis-me
que estais no meu coração, acredito, Jesus. Mas sinto-Vos à maior
distância: que desolação a da minha alma!
“Sabes,
minha filha, sabes esposa querida, para que faço isto? Para que
sintas e faças sentir e conhecer a minha dor. É à distância que
estão as almas; aquelas porque o meu Divino Coração foi aberto,
aquelas por quem foi derramado tanto sangue por todas as minhas
chagas, fugiram, fugiram, esquecera-se de Mim.”.
Ó
Jesus, não posso consentir nesta ausência. Tendes razão de queixa,
meu Amor, não posso aguentar esta separação. Também eu Vos fugi
assim como Vos queixais? Também eu andei ao longe, tão ao longe.
“Nunca,
nunca, minha filha, viveste sempre junto de Mim como um cordeirinho
junto de sua mãe. Achei graça a todo o teu viver. Mostra, mostra
claramente o que é esta ausência. Sou Eu que não posso mais, não
posso viver mais tempo separado das minhas almas. O que é o amor
divino, o amor infinito!”
Vejo,
Jesus, vejo e compreendo. É infinito amor, é infinita a dor. Queria
reparar e não posso, meu Jesus. Queria reparar essa dor, essa
ausência, e não posso. Queria unir, queria juntar as almas a esse
amor, para que, ó Jesus, esquecêsseis essa separação. “Ai, quanto Eu
sofro, minha filha, é tão profunda a minha dor! É tão viva, tão viva
a minha chaga.”
Ponde
termo, meu Jesus. O meu coração com a Vossa divina graça ainda pede
com toda essa profundidade. Juntai mais isso a tudo o mais que me
fere. Pensai só agora no Vosso amor. Não penseis em mim. Estendei,
Jesus, estendei-o a todas as almas. Eu quero que todas Vos amem, que
nenhuma Vos ofenda. Quero sofrer por todas.
“Está
bem, minha heroína, alma forte e sublime. És generosa em todo o teu
viver! Vais ficar com este sofrimento. Bato de novo nos cravos,
cinjo-te mais e mais os espinhos. Movo e renovo a lança. Lá fica bem
profunda a abertura do meu Divino Coração. Lá ficam bem ao vivo as
setas da minha Bendita Mãe”.
“Sofre
com alegria, esconde a tua dor, sofrendo a sorrir, sofrendo a amar.
Vem receber a gota do meu Divino Sangue, alimento divino para a tua
vida corporal. Não compreendes a tua vida que não é da terra, é do
Céu, não é humana. É divina! Tem coragem! Vai em paz! Dá a minha
paz! Pede, pede, não cesses com a tua petição. Avisa o mundo e
previne sempre dos castigos horrorosos da justiça divina. Coragem,
sofre, sofre, meu amor; dá-me reparação. Ama e faz com que Eu seja
amado”.
3 de Março de 1951 –
Primeiro Sábado
Passei
a noite em grande martírio de alma e de corpo. Sentia tanta
repugnância pelo sofrimento! Parecia-me querer tirar os cravos,
desprender-me da cruz, tirar todos os espinhos que me cingiam a
cabeça e o coração. A vontade estava pronta, mas a minha pobre
natureza não podia mais. Quando pensava que vinha o primeiro sábado,
a minha alma agonizava, não queria, temia os colóquios com Jesus e
com a Mãezinha. Com tudo isto conformava-me com a vontade divina de
Jesus. Chegou a manhãzinha. Ele veio sacramentalmente e deu entrada
no meu coração. Momentos depois de O receber, acendeu-se um fogo no
meu coração, uma nova luz me iluminou e ouvi a voz de Jesus, que me
dizia:
— Minha
filha, aqui está o jardineiro divino a trabalhar no terreno que
escolheu desde toda a eternidade para ser o seu jardim formoso.
Minha filha, minha filha, que trabalhos, que maravilhas divinas Eu
aqui opero! Delicio-me no aroma de todas as flores de virtudes.
Recebe o conforto do meu Divino Coração. Junta o meu amor a estas
encantadoras flores. As virtudes são almas que afastam o mal, que
combatem todos os crimes e iniquidades e atraem para mim as almas.
Conforta-te para sofreres. Com virtudes, dor e amor, curam-se as
almas; saem da morte do pecado, renascem para a graça, para Deus.
Neste momento, passou por Mim um mar de fogo, não digo mar imenso,
mas mais ainda, mar infinito, que me arrebata não sei para onde. Eu
era toda fogo, era toda amor de Jesus. Mergulhei-me, perdi-me. Não
podia aguentar mais tempo. Jesus cessou, por uns momentos, e repetiu
o mesmo até à terceira vez.
— Minha
filha, este meu amor divino por ti é dado às almas do mundo. Por ti
o dou com toda a abundância ao teu Paizinho. Diz-lhe que se
transforme e consuma todo nele. Eu quero que ele seja como que um
globo de amor, no qual possa transformar e englobar todas as almas
que lhe confiei e coloquei no seu caminho. Diz-lhe, repete-lhe, que
ele está contado no número dos meus santos e será o santo da doçura,
da caridade e do amor. Diz ao teu médico que não se preocupe, que
confie em Mim, que a Mim consagre e à Minha bendita Mãe, aqueles que
lhe confiei. Quero todos os dias esta oferta. Eu velo por todas as
suas flores e todas serão guiadas para os meus caminhos e servirão
de adorno ao meu Divino Coração. É prémio, é recompensa da sua
firmeza e fidelidade à minha divina causa. Dá-lhe o meu amor com
toda a abundância. Que nele se abrase com todos os seus. Vem, Minha
bendita Mãe, vem já: conforta, acaricia, bafeja com o teu bafo
celeste a nossa filhinha.
Veio a
Mãezinha das Dores, era Ela, mas não trazia as setas no Seu
santíssimo Coração. Eu estava na cruz. Ela beijou-me, acariciou-me,
acalentou-me com os Seus lábios e bafejou-me em todas as chagas.
Fiquei mais forte. Mas reparei que dos olhos da Mãezinha deslizavam
pelas Suas santíssimas faces muitas, muitas lágrimas; não davam
lugar umas às outras. Ó meu Deus, que dor eu senti, não podia vê-La
chorar. Queria enxugá-las, mas tinha as mãos presas, não podia.
— Ó
Mãezinha, não choreis, não choreis, fazei que eu chore as Vossas
lágrimas. Enxugai-as com o amor do meu coração, tomai-o como que
seja de Jesus e Vosso.
Que
ânsias eu tinha de lhas estancar! Pareceu-me que o amor do meu
coração chegou até ao rosto da Mãezinha. As lágrimas cessaram e
ficaram a cair-me com abundância no coração e na alma. Já se
passaram muitas horas e elas ainda caem, é como que se a alma
chorasse e chorasse o coração.
— Minha
filha, esposa do meu Jesus, as minhas lágrimas são causadas pela
visão do mundo. O que vai por ele de maldades e de crimes. Ai dele
se não se converte. Fica então com as minhas lágrimas, com a minha
dor. São minhas e são de Jesus. A minha dor é a d`Ele e a d’Ele é a
minha. Tem coragem, nada Lhe negues.
Repetiu-me as suas carícias. Jesus aproximou-se, acariciou-me
também. Os Seus Divinos Corações serviram-me de prensa; abrasaram-me
de amor.
— Vai,
minha filha, leva o amor de Jesus e de Maria, vai dá-lo aos que te
amparam, protegem e rodeiam, dizei-lhes que lho mandamos e que
contem com a nossa graça e a nossa protecção. Vai em paz para a tua
dor. Ama-nos e faz com que nos amem.
— Obrigada, meu Jesus; obrigada, Mãezinha.
9 de Março de 1951 –
Sexta-feira.
Estou a
naufragar; sinto-me perdida sem remédio. As lágrimas da Mãezinha
passaram bem para mim, não só para o coração e para a alma, mas
também para os olhos. Será, meu Jesus, que eu não tenho sabido
sofrer? Será a grande quantidade do meu amor-próprio que me leva a
sentir tanta dor? Ó meu deus, ó meu Deus, tende misericórdia, tende
compaixão de mim! Tem sido tão grande, tão grande, infinitamente
grande o martírio e a dor do meu coração. A chaga é tão profunda,
vazou-me dum lado ao outro, e até me parece que o peito e as costas,
também tudo foi aberto, tudo está ferido. O coração tem a lança, as
setas e os espinhos. Chora, sangra, sofre incessantemente. No sábado
e no domingo, senti nele um fogo tão grande, que eu não podia
resistir, faltava-me a respiração, parecia-me morrer sem ar. Só a
panos molhados em água fresca e roupa que tinha vestida molhada
sobre o peito eu pude resistir. Este fogo era de dor e não de
consolação. Estive sempre na cruz. Os cravos foram-me apertados. E
quantos sofrimentos, por caminhos diversos, vieram de encontro a
mim! Bradei, bradei muito ao Céu! Tudo ofereci a Jesus e à Mãezinha,
em favor das almas. Toda a minha oferta foi morta, sem conhecer a
vida. Tudo quanto fiz e sofri foi como que chorado ao Senhor. Parece
que vou de rasto a praticar qualquer acto bom. As minhas pavorosas
trevas não me deixam ver. A minha pavorosa e indizível ignorância
nada da minha dor, do meu martírio, me deixa exprimir. Sofro e quero
sofrer porque Jesus o quer, e eu quero fazer em tudo a Sua divina
vontade. Sofro, porque custa, e, porque custa, quero sofrer, para
alegrar a Jesus, para ser a sua vítima. Mas a minha vida é morta,
sinto que nada Lhe dou e nada O amo. Por tudo louvo ao Senhor,
seja-Lhe dada toda a glória na terra e no Céu. A morte, sem ser a
morte de sempre, está cada vez mais próxima de mim; traz com ela
todos os instrumentos que vão tirar-me a vida. Ontem, quinta-feira,
senti em mim um orgulho, uma soberania tão grande, parecia-me ser
rei do mundo, ter domínio sobre todos, até sobre o próprio Deus. Sem
atender ao Horto e ao Calvário, calcava-O aos pés com a Sua lei. Era
uma revoltosa contra o Céu. Maltratava e escarrava Jesus;
desprezava-O em todas as coisas, era senhora de mim mesma. Com estes
sentimentos de ódio e maldade, veio-me uma dor tão grande,
atravessou-me o coração, prostrou-me na agonia do Horto. Novo fogo
se acendeu no coração. Para poder aguentar, servi-me de novo da
roupa molhada sobre o peito. Tive ânsias infinitas de me dar, de ser
hóstia para alimento, e sangue para bebida. Jesus fez-me compreender
que este fogo era o amor da Eucaristia. Durante a noite, passou por
mim Jesus, na figura dolorosíssima do “Ecce Homo”. Em que estado de
sofrimento eu vi o meu amado Senhor! Nesta manhã, segui eu por um
lado fugitivo, e o meu coração tristíssimo, levando a cruz, seguiu
as ruas da amargura. Sentiu as quedas que Jesus teve ao subir a
encosta do Calvário. Sua sacrossanta cabeça e santíssimo rosto iam
bem gravados no meu coração cheio de espinhos e banhado em sangue.
Cheguei ao Calvário. Sentia como se a minha cabeça, dos olhos para
cima, tivesse desaparecido, desfeita pela dor e pelos espinhos.
Fiquei na cruz, e o sangue a correr de todas as chagas. O coração
ardia, ardia sempre em fogo. Tenho sede, disse eu sem querer, com os
olhos fitos no Céu. Senti passar-se pelos lábios a esponja, e o
coração respondeu: Não é esta sede que eu quero saciada. Senti a dor
da lançada que depois da morte ia ser dada. Bradei ao Pai na minha
agonia, mas sempre resignada. Entreguei-Lhe o meu espírito.
Passou-se algum tempo no apartamento e no silencio da morte. Veio
depois Jesus, deu-me a Sua luz, trouxe consigo novas labaredas de
fogo que fez penetrar em todo o meu ser, e disse-me: “Minha filha,
minha filha, Jesus reina, Jesus triunfa no teu coração. A vítima é a
cópia, o modelo do seu Mestre. Minha filha, Jesus imprimiu no teu
coração todos os sofrimentos do Seu Divino Coração. Minha filha,
minha filha, Jesus infundiu no teu coração o fogo ardente do Seu
divino Coração; é fogo que ama, é fogo que consome. É o amor que eu
quero, que Eu exijo que dês às almas. Tenho sede, tenho sede, tenho
sede dos corações. São tão poucos, são tão raros os corações
ardentes, os corações sequiosos do meu divino amor. No mundo, minha
filha, há tão pouco quem me ame, há tão pouco quem repare o meu
Divino Coração. Faz tu, que foste escolhida por Mim, que Eu seja
amado loucamente por ti e loucamente reparado. Escolhi-te,
escolhi-te, minha filha, coloquei-te neste calvário para seres
vítima e escola. Vítima dos pecadores, vítima de toda a humanidade”.
Ai, meu
Jesus, eu não sei sofrer nem amar. E como posso ser escola, se eu
não sei ensinar?! Ó meu Jesus, meu Amor, eu quero, eu quero amar-Vos
e fazer a Vossa divina vontade. Eu quero, eu quero sofrer, porque o
Vosso Divino Coração o exige e merece. Eu aceito, meu Jesus, eu
aceito e quero o que Vós quereis. Aceito todas as Vossas exigências.
Estreito ao meu coração, ao meu pobre coração a Vossa divina
vontade. Ai, meu Jesus, meu Jesus, que dor eu sinto, que dor tão
profunda, e que fogo tão abrasador! Parece queimar todo o meu ser.
“É fogo
divino, é dor divina. É amor que te dei do meu Divino Coração, é dor
que me causam os pecadores. Sofre, sofre, minha filha, faz como até
aqui, não dês a Jesus uma negativa. Sofre e pede que sofram; quero
dor, muita dor. A dor foi, é e será o maior meio de salvação. Com a
dor, o sangue e a vida foi aberto o Céu. Com a dor, o sangue e a
vida das minhas vítimas as almas são salvas. São salvas as almas,
mas não o mundo poupado. A justiça de Deus cai sobre a terra, os
corpos têm que sofrer, mas as almas, essas, se houver grande
reparação, estão abertos os meus divinos braços para a todos
receber”.
Ó
Jesus, ainda não deixei de confiar; confio que as almas vão
salvar-se e que muitos, muitos castigos vão ser poupados. Creio no
Vosso amor. Fizeste-me compreender e sentir quanto nos amais.
Fizestes-me sentir e compreender como é grande, grande,
infinitamente grande a Vossa misericórdia. Ó Jesus, fazei que passe
para todos os corações este fogo que me queima e consome. Fazei
também que passe esta dor. Não é com o fim de fazer sofrer os
corações, mas é com o fim de eles sentirem a dor que Vós sentis e
assim não Vos ofenderem. Ó Jesus, como é grande a ofensa feita ao
Vosso Divino Coração! Ai se eu pudesse evitar todas as maldades,
todos os crimes, já gozava o Céu, o Céu aqui na terra.
Evitas,
evitas, minha filha, um número sem conta de ofensas. Evitas, evitas,
com o teu martírio, que milhares de almas caiam no inferno”.
Confio,
confio, meu Jesus, porque Vós o dizeis.
“Vem
receber a gota do meu Divino Sangue. Vou já unir ao teu o meu Divino
Coração. Já passou o sangue, já tens nova vida, a vida de Cristo, a
vida divina, a vida que tu vives. Nem só de pão vive o homem. Nem só
de alimento corporal vivem as minhas vítimas. Vivem como Eu quero,
da forma que Eu quero. Ai do mundo, digo Eu, com todo o rigor. Ai do
mundo, se não vê claramente os meios da salvação que ponho ao seu
alcance. O que espero em ti não é para ti, é para o mundo, é para o
fim da tua missão, da tua sublime missão, da mais alta e digna
missão, a missão das almas.”
Obrigada, obrigada, meu Jesus. Fazei que eu seja fiel, cumprindo em
tudo a Vossa divina vontade.
— Vai
para a cruz. Vai dar amor, vai dar confiança”.
— Obrigada, obrigada, Jesus!
16 de Março de 1951
Vou
dizer pouco; e, se atendesse às minhas forças e disposição, nada
dizia. Que horror, que horror, meu Jesus, que martírio o da minha
alma e do meu corpo. Ai de mim, se por algum momento me falta a
confiança no meu Deus. Por tanto que sofro, seria esse momento o do
desespero. Como me abandonei à Providência, nos braços do meu Jesus
e da querida Mãezinha, estou confiada de não correr perigo, de não
desgostar o meu amado Jesus, para quem só quero viver e inteiramente
me entregar, para ser vítima da sua divina vontade. Não há palavras
que possam exprimir o quanto custa a morte das minhas orações,
mortificações, actos de caridade, de tudo, meu Deus, de tudo! Morrer
sem viver, ser ignorante a ponto de dar ignorância a todas as
coisas, e sentir que não sou capaz de suportar a mais com o peso de
mais sofrimentos nem tanto como uma aresta! Não sou capaz de nada.
Estou desfalecida de todo. O meu coração tem tido dias de arder em
dolorosas e abrasadoras chamas de fogo. A dor é profunda, vaza-me de
um lado ao outro, sangra sempre e sempre está cercado de espinhos.
As setas e a lança não o deixam, estão sempre a avivar as feridas.
Este brada sempre ao Céu, e a alma chora lágrimas de sangue. O corpo
está na cruz. Todas as chagas estão abertas, e tenho sentido, uma
vez por outra, o apertar dos cravos. Beijo e abraço a minha cruz,
levo-a por amor do Senhor e O bendigo por tudo. Temo a minha miséria
e fraqueza, mas confio n`Ele. Por algumas vezes sinto a minha casa,
e as minhas roupas em fogo. Apavoro-me, parece-me que vou a cair no
inferno. E os meus ouvidos ouvem o uivar dos demónios e gemidos dos
condenados. Cheira-me a um fogo carvonizador; chego a olhar para
mim, para ver se sim ou não estou em chamas. Ai, meu deus, que medo,
que pavor! E eu não sei amar o meu Jesus, e tanto O queria amar.
Queria dar-Lhe tudo, e nada tenho nem Lhe sei dar. Queria evitar
esta perda eterna e não sou capaz. Não sei se o meu amor próprio se
leva a sofrer tantas coisas, que me parece que não devia por tão
pequeninas coisas sofrer assim. Peço ao Divino Espírito Santo que me
ilumine e a Jesus e à querida Mãezinha que me ensinem a bem saber
sofrer. Ontem de tarde, parecia-me estar fora de mim pela dor.
Sentia-me dominada pelo orgulho e parecia-me que toda a minha vida
calquei aos pés a Jesus e toda a Sua lei. Não podia pensar n`Ele nem
ouvir falar d`Ele. Fugia do Seu Sangue Divino mais do que da morte.
Tudo isto me levou ao Horto. E já nele em agonia, o meu coração
sentia sulcos de lágrimas, e estas eram derramadas pela Mãezinha.
Oh! como a minha alma a via e o coração a sentia tão ao longe, no
pátio, à descida das escadas, fitando os caminhos, o lugar onde
Jesus estava. O Seu santíssimo Coração, ligado ao de Jesus,
adivinhava tudo o que Ele ia sofrer e em união com Ele sentia a
mesma dor. Esta visão e sentimentos tão profundos, tão dolorosos
levaram-me ao suor de sangue e senti como se lágrimas de sangue
chorasse também. Nesta manhã segui para o Calvário, e, dentro em
mim, levava Jesus curvado, com a fronte perto da terra, e levava a
cruz aos ombros. Em que estado de sofrimento ia o meu Jesus! Tive o
encontro da Mãezinha. ai quanto custou! Ela seguiu-se e os nossos
corações seguiram unidos. No Calvário junto à cruz foi minha
companheira inseparável. Era a Mãezinha das Dores cheia de agonia,
mas não tinha as setas no Seu santíssimo Coração, mas tinha lágrimas
nos seus olhos benditos. Quando estava para expirar, Jesus foi
descido da cruz pela escada do meu peito e foi depositado nos braços
da bendita Mãezinha. Ela cobriu-o de lágrimas e tratou
cuidadosamente de limpar o Corpo divino de Seu Filho. É indizível a
dor que Ela sentiu. Entreguei ao Eterno Pai o meu espírito.
Separou-se do corpo a minha alma. Fiquei por algum tempo nesta
separação. Veio Jesus novamente com a Sua vida, e disse-me: “Estou
aqui, estou aqui. Quantas lágrimas, quantos suspiros para o meu
Divino Coração! O mundo, os pecadores renovam o meu Calvário. Ó
minha filha, dá-me a tua reparação, dá-Me o amor de esposa e vítima.
Ó minha filha, estou cansado de tanto sofrer com os crimes da
humanidade. O meu Eterno Pai não pode mais suster o braço da Sua
justiça. O meu Divino Coração suspira, os meus santíssimos olhos
choram, Eu não posso mais com tantos ferimentos, não posso mais
fitar a justiça com que o mundo vai ser castigado. Ó minha filha, ó
minha filha, quantas confissões nulas, quantas comunhões sacrílegas
e daqueles que para Mim haviam de ser tudo, porque eu deles tudo
esperava!”
Ó
Jesus, ó Jesus, não choreis, o meu coração não aguenta com a dor que
me causam as Vossas lágrimas. Ver chorar o meu Deus, o meu Esposo e
Senhor, não posso, não posso. Morro, morro de dor.
“Não
morres não, minha filha, porque te sustento a vida. A tua dor como a
minha é infinita. A tua vida é a vida de Cristo, é a paixão de
Cristo. Vences e vencerás sempre até ao último alento, porque em ti
vence Jesus. O aumento da tua dor secou-me as lágrimas. O fogo do
teu coração cessou-me os suspiros. Confia, confia, Minha filha: quem
te fala é Jesus. O tormento infernal que tens sentido foi reparação
para as confissões nulas, para as comunhões sacrílegas, foi para que
não se condenassem eternamente essas almas. Tantas, tantas que se
dizem amigas minhas e tantas no número dos meus discípulos. Sofre,
sofre com alegria. Esconde sempre a tua dor. A tua vida tem a
sabedoria divina. A tua vida é de salvação, é sábia para o mundo.
Vem receber a gota do Meu Divino Sangue, Sangue de nova vida, Sangue
de novo amor. A vida, para que por mais tempo a tua se prolongue, de
amor para que o espalhes e faças que Eu seja amado. Quero, quero
amor, minha filha, e quero reparação. Não te canses, brada sempre:
amor, reparação, oração, penitência, emenda de vida. Coragem. Vai em
paz”.
Eu vou,
Jesus, e levo o meu coração em fogo; dai-me força para o aguentar.
Este fogo e esta dor sem Vós é insuportável. Dai-me coragem. Vou
para a cruz, vou confiada. Sofro, mas as almas vão ser salvas.
Sofro, mas o mundo vai ser poupado.
“Confia, confia, e nada temas. O Céu por ti é dado às almas. O Céu
espera-te para receber-te em grande triunfo”.
Obrigada, obrigada, meu Jesus!
23 de Março de 1951 –
Sexta-feira Santa
Na
cruz, sempre na cruz tem sido o meu viver. A cabeça sempre coroada
de espinhos, com o sangue das feridas a correr-me pelas faces,
deixava-me quase como cega e sufocada, sem poder respirar. O sangue
da cabeça banhava-me o corpo e o do coração parecia-me chegar à
terra. Ai, quanta dor, tristeza e amargura eu senti no coração e na
alma. Custam mais, muito mais estas do que as do corpo. Este sentia
o tormento da doença e muitas vezes o apertar dos cravos, o avivar
das chagas e feridas. Mas este sofrimento fica muito aquém da dor do
coração e agonias da alma. Só a sabedoria do Senhor compreende e
pode fazer compreender o que é este martírio. Para o coração, a dor
foi infinita e insuportável para as minhas forças. Mas Jesus venceu
sempre em mim, embora à custa do meu esforço e luta constante. Não
foi a lança, os espinhos e as setas que mais custaram ao meu
coração. Foi essa dor que eu chamo infinita, que atinge a terra e o
Céu. É como um sopro de ar que penetra todo o ser, atinge tudo, nada
há que ela não trespasse. A minha alma tem chorado constantemente;
chorou rios, mares infinitos de lágrimas. Ó meu Deus, que ansiedade
também infinita eu tenho de fazer compreender a grandiosidade desta
dor, os motivos e causas destas lágrimas. Ó Céu, ó Céu, falai vós
por mim; a minha ignorância não me deixa. Eu sou um corpo morto
sepultado na humanidade morta. Morri na podridão, nas trevas negras
da morte e nesta podridão fui sepultada. Fui veneno, sou veneno e
veneno continuarei a ser. A minha dor vive, o seu martírio existe,
mas só para eu sofrer, mas nada a mim pertence. Rompe a dor por
entre esta morte e não sei para onde caminha. Para mim só a morte
existe. Sou sempre morte e sempre dou a morte. E todo o bem que eu
faço o enveneno e mato e dou chorado ao Senhor. Não digo nada, não
me faço compreender porque não sei, meu Jesus. Não tenho forças para
sofrer, sinto que as não tenho, mas confio e espero em Jesus e na
Mãezinha querida. Meu Deus, não me deixeis morrer esta luz apagada
da minha confiança. O fogo do coração continua a ser para mim penoso
e doloroso martírio. Ele queima-me, mas é um queimar sem conforto.
Mas faz-me ter umas ânsias tão grandes, tão infinitas de amar a
Jesus, a Sua lei e tudo o que é d`Ele: de amar a Mãezinha e toda a
Santíssima Trindade. Quero só pertencer-Lhe inteiramente,
consumir-me desaparecer nesta Divindade! E não tenho nada para Lhe
dar, não há um sopro de vida para esta vida. Por vezes o meu leito
tem sido leito infernal, sempre atingido pelas suas infernais
labaredas. Sinto os efeitos dos demónios à minha volta e os
maus-tratos que dão às almas; são para elas piores que as piores
feras. Ó dor, minha querida dor, ó cruz minha amada cruz, não vos
separeis de mim. Quero sofrer por Jesus, quero acudir às almas. O
inferno, o inferno, que tormento o do inferno. A minha alma viu
nestes dias quase sempre Jesus a caminhar levando nos ombros o
pesado madeiro da cruz. Eu crucificada, e Jesus levando-a para ser
crucificado. Ontem levantou-se diante de mim a montanha imensa dos
sofrimentos. Era uma afronta indizível, infinita para o meu coração.
Um mar altíssimo com ondas negras agitadíssimas de dor caíam sobre
mim; a alma chorava, chorava lágrimas da mais triste e dolorosa
amargura. O coração louco, louquíssimo amava, amava tudo. Fiquei com
Jesus e os apóstolos no aposento da Ceia. Assisti ao lava-pés; eu
fui a bacia, a toalha e a água, os Apóstolos e Jesus. Que cena tão
tocante, que cena só de amor, mas daquele amor só de um deus que em
mim amava. A Mãezinha retirada um pouco, mas presente, compartilhava
de tudo isto e estava ligada ao meu coração, como se fosse um só,
abrasados no mesmo amor. E a Eucaristia, meu Deus, que maravilha,
quando Jesus a instituiu! O seu fogo irradiou-se por todos e por
toda a sala. Segui para o Horto e de lá para os tribunais com o
Calvário e a cruz sempre visíveis, sempre presentes. E a Mãezinha
ficou na maior tristeza e dor e acompanhou-me, ao mesmo tempo. Nem
eu nem Ela nos podíamos separar, nem deixarmos de sentir a mesma
dor. E hoje, ainda cedo segui para os tribunais, passei por todos os
sofrimentos e com Jesus segui para o Calvário. Choraram os olhos do
corpo, choraram os olhos da alma. Ai, se o mundo soubesse e visse o
estado de Jesus e sentisse o que Ele sofreu, certamente não podia
pecar tanto. Ai, o Seu Divino Corpo como ia ferido! E como era
grande o seu desfalecimento! Pregada na cruz com Ele e Ele comigo, o
meu coração bradava junto ao d`Ele com toda a força. Os meus olhos
tinham os olhares de Jesus e fitavam-se no Céu. Que ternura, que
amor, que caridade eu sentia em mim! O perdão estendia-se a toda a
Humanidade. Era Jesus que era terno, que amava, era caridoso e
perdoava. O calvário estremeceu, abriu-se, fez-se noite, Jesus
expirou, deixou-me no silêncio da morte. Pouco depois, enchendo-me a
alma de nova vida, disse-me: “Minha filha, minha filha, desci ao
sepulcro do teu coração, não de pedra nem de terra, mas de graça e
de puro amor. Minha filha, minha filha, não morri, estou a viver
neste coração ferido só por mim, neste coração a sangrar só por
amor. Sofre, sofre, minha filha. Continua a minha obra de redenção.
Vou pedir-te e vou ser atendido. Vais dar-Me mais esta esmola. Dá,
dá, não a negues, é o Mendigo do amor. Doravante, enquanto viveres
neste exílio, ficarás sempre na cruz, não uma hora nem um dia, mas
todos os dias, todas as horas. Responde agora ao pedido do teu
Senhor”. Já sabeis, Jesus, já conheceis toda a maldade do meu
coração, mas tende a certeza, meu doce Amor, que nada Vos posso
negar. Estendo os meus braços em sinal de aceitação. Estreito
novamente tudo quanto me dais. Recolho tudo, para tudo fechar no
mesmo Coração. Não mais o retireis, Jesus. É tão doce sofrer por
Vós! É a minha única alegria na terra. Estou pronta para viver na
cruz com todos os sofrimentos desta Quaresma.
“Minha
filha, minha encantadora filha, é heróica a tua generosidade, é sem
igual o teu amor a Jesus, o teu amor às almas. Não sou eu que exijo
este martírio contínuo, são os pecadores, é o mundo. Tem coragem,
tem coragem; a graça do teu Deus nunca te faltará nunca. Tens nas
tuas mãos o triunfo e a salvação das almas. E agora, minha querida
filha, prepara-te: descem os anjos, vais comungar”.
Desceram alguns anjos, não pude contá-los. Vinham silenciosos. Os
que traziam velas abriam alas e ajoelharam-se reverentes. Dois, pelo
meio da ala, aproximaram-se de mim. Um com a píxide e a sagrada
Hóstia, o outro com o cálix. O que trazia Jesus pronunciou as
palavras: Visticum Corpus Dominostrum Jesus Cristus.
“Minha
filha, minha filha, recebe pelo cálix o meu Divino Sangue. Encanto,
maravilha celeste. O Rei do Céu, o Rei dos Anjos dá-se à sua vítima
pelas mãos dos mesmos Anjos. Prometi e não falto. Não deixarás de
comungar em nenhuma sexta-feira. Vê quanto Eu amo a obediência.
Sujeito-me à ordem do meu representante na terra”.
Outro
anjo deu-me a beber o sagrado cálix e com toda a reverência
levantaram voo e desapareceram. O silencio continuou, mas a dor e
amargura do meu coração era tanta, que me levou a dizer: Ó Jesus,
estou em tanta dor e amargura! Só o coração me queima, e é fogo
confortante.
“Vai,
vai, minha filha, vai nessa dor e amargura. Oferece-me sempre,
oferece-me tudo. Quero reparação para meu Eterno Pai, quero amor
puro para o meu Divino Coração e para o da minha Bendita Mãe. Ela
sofre unida a ti, como sofreu unida a Mim. Vai em paz, vai espalhar
o amor que te dei, infunde-o bem nas almas, incendeia-o todo nos
corações. Vai, vai, e dá ao mundo a graça que de Mim recebeste”.
Obrigada, obrigado meu Jesus. Lembrai-Vos daqueles a quem eu amo,
lembrai-Vos de todos os que me pertencem e se recomendam às minhas
orações, lembrai-Vos do mundo inteiro. Perdoai-nos, perdoai-nos. Vou
confiada sempre no Vosso perdão para tudo e para todos, meu Jesus.
“Recebe
mais uma efusão do meu amor”.
Obrigada, obrigada, meu Jesus.
30 de Março de 1951 –
Sexta-feira (seu dia de aniversário)
A minha
alma não teve aleluia; para ela parece que não se comemorou a
ressurreição de Jesus. Ó meu Deus, quanta tristeza e amargura!
Sofri, sofri espezinhada; todo o meu ser se reduziu ao nada pela
violência da dor. Repiquem os sinos, os aleluias, foram para mim uma
dor, uma agonia mortal. Passei no dia 27, o nono aniversário do meu
jejum. Tudo isto aumentou mais a minha dor; tudo isto roubou a vida
à minha vida sem vida. Não soube em nada viver as alegrias do Céu.
Uni-me em espírito ao festival celeste, mas nada gozei: tudo foi
noite, tristeza e morte. Só a vontade se manteve fiel, permaneci
gostosamente na cruz. Custa a dor, custam os cravos, a coroa de
espinhos, a lança, enfim, todo o martírio que aprouve ao Senhor
dar-me. É por isso que eu tudo amo, amo porque custa e porque tanto
custa e quero dar ao Senhor. Embora no meu sentir nada Lhe dou,
porque sinto não ter vida. O meu espírito vagueia, anda perdido num
oceano infindo, parece que abandonou a mortandade do meu ser. É
grande, muito grande o martírio do meu coração. Os espinhos
cingem-no dolorosamente. A lança e as setas trespassam-no. E estas
feridas, de vez em quando, são avivadas. O fogo queima-o, consome-o.
É um fogo dolorosíssimo. É no meio destas chamas ateadoras que as
minhas ânsias de amor sobem até ao Altíssimo, até ao meu Deus e meu
Criador. Fico-me só nas ânsias, nada amo. E neste sentimento caio
desfalecida e sem vida. O que poderei eu fazer, meu bom Jesus? O que
Vos poderei eu dar, querida Mãezinha? Abandonar-me e deixar-me guiar
por Vós e crer que Vós me levais, guiais e amparais. Sou Vossa, sou
a Vossa vítima. Na quinta-feira, passei o dia abandonada de tudo e
desprezando tudo o que era do Senhor. O coração deixava-se e ia ao
encontro d’Ele, ia para o Horto, para o Calvário e a vontade
revoltosa fugia-lhe e não queria ouvir falar d`Ele. Principiei a
sentir a humanidade inteira, de todos os tempos a vir ferir-me, a
apunhalar-me um a um o coração e em seguida a mesma Humanidade me
abriu o túmulo. Agonizei, suei sangue. O cálix da amargura
transbordou ao máximo. Veio-me o conforto do Céu, e segui presa aos
tribunais. De manhã cedo, tive no meu quarto a Santa Missa. Foi o
meu aniversário. Nada se passou que me desse alegria, apesar de ter
muitas e grandes provas de amor. Não fui mais quem um cadáver no
meio de todos. Ofereci à Mãezinha para oferecer a Jesus o meu triste
viver, só alegre por muito sofrer. Pedi à Mãezinha o seu amor e
sentimentos para assistir à Santa Missa, para seguir a Jesus para o
Calvário e para o O acompanhar junto à cruz. Eu na minha ignorância
nada sabia dizer. No alto da cruz todo o meu ser se transformou em
Cristo. Senti-me tanto por Ele atravessado, que nada havia em mim
que não fosse N`Ele. Pareceu-me que Jesus entrou em mim com mais
fortaleza que os raios de sol pela vidraça. Eu não tinha olhos,
ouvidos, pensamentos, lábios, coração que não fossem os de Jesus.
Sofria como Ele, ou melhor, Ele sofria em mim, sofria só Ele. Num
brado dolorosíssimo, fitei os olhos no Céu, o coração pronunciou a
palavra “Consumatum est”, e entreguei ao Pai o meu espírito. Por um
pequeno espaço de tempo fiquei não sei onde; pareceu-me não ser
terra nem Céu. Veio-me para o coração uma nova vida e luz. Falou-me
Jesus:
“Tenho
sede e venho beber à fonte da graça, à fonte do amor, à fonte de
pureza que é o teu coração. Minha filha, minha filha, estou entre
lírios e açucenas intercalados de espinhos. Vem tirarmos, vem
tirarmos, minha vítima querida. Não consintas que só venham ferir-me
o meu Divino Coração. Tenho sede, tenho sede, e venho ao teu coração
saciar esta sede e pedir por ti para que outras almas me venham
saciar. Tu és, minha filha, a glória, a alegria do Céu, o porta-voz
de Jesus. Coragem, coragem, filha querida, separa, separa estes
espinhos. Deixa-me só nas delícias das flores. Não consintas, não
consintas que um só espinho venha cravar-se neste Coração Divino que
tanto ama. Coragem, coragem, minha filha. A tua cruz é cruz de
salvação. Vives na cruz, vives ferida, para que as almas não vivam
no pecado, não sejam condenadas eternamente. Minha filha, minha
filha, os anjos descem, formam trono à volta de ti”.
Ó
Jesus, ó Jesus, não me alegram os anjos, alegra-me só a Vossa
vontade divina. Quereis que os veja? ´«E essa a minha vontade.
(Cantou): Glória, glória ao Senhor! Glória, glória ao Senhor, por
ter escolhido na terra o mimo do Seu amor. Glória ao Deus Criador!
Glória ao deus Criador! |