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SENTIMENTOS DA ALMA

1951

FEVEREIRO

2 de Fevereiro de 1951 – Sexta-feira

Todo o meu ser é morte e todas as coisas caem aos pedacinhos, mortas, desfeitas ao pé de mim. Eu sou o sepulcro onde tudo vem ser sepultado. Meu Deus! E que sepulcro imenso. Toda a mortandade humana é nele sepultada. É um abismo de profundidade. Quanta mais mortandade lá cai, mais lugar tem para mais receber. Não sei porquê, a minha ignorância não me deixa compreender nem fazer exprimir. Se por um lado sou sepulcro e tenho lugar para toda a mortandade, tenho até fome dela, atiro-me para toda esta podridão, louca e cega pelos prazeres, quero-os todos para mim, tenho fome e quero devorá-los como se fosse a fera mais furiosa e faminta, por outro lado sou vida, tenho coração de amor, olhares de compaixão e ternura. Volto o rosto a tudo isto. Sinto um nojo infinito. Os meus olhares não podem fitar tanta podridão e morte. A alma chora, chora, suspira, o coração não pode deixar de amar. Ama, tanto, tanto, ama infinitamente e rasga-se de dor, sente contínuas lançadas, fica todo retalhado e em sangue, é calcado aos pés, escarrado e desprezado. E não deixa de amar, é louco de amor. Como se tivesse braços, estende-os para abraçar toda esta podridão e morte, para receber em si todos quantos o ferem, sem olhar à gravidade com que foi ferido. Só ele é o remédio, só ele pode dar-lhe a vida, a sua mesma vida, transformando tudo em si.

Meu Deus, meu Deus, quanta necessidade sinto de falar de tudo isto, mas a minha ignorância nada mais sabe. Pobre de mim, pobre do meu coração que não sabe viver nem amar e não tem força para mais sofrer, não pode aguentar mais. Quantas vezes a violência da dor me faz sentir como se me tapassem os lábios e no mesmo momento morresse. Do íntimo da alma brado com toda a força, chamo por Jesus e pela Mãezinha, peço-Lhes auxílio e de novo me abandono aos Seus Corações Divinos e deixo-me levar por Eles para onde Lhes apraz, contente com o que Eles querem. Nem por isso o coração deixa de sangrar, nem a alma de chorar. Pavoroso martírio! E eu tão abandonada! Ou os meus sentimentos me obrigam a crer que estou de todos abandonada, que não há no mundo ninguém por mim. E o Céu, meu Deus, o Céu assemelha-se à terra em igual abandono. Seja feita a vontade do Senhor. Meu Deus, sou a Vossa vítima! Tantos espinhos a ferirem-me! Tantas alegrias transformadas em dor dolorosa! Não chego a gozar, não chego a sentir consolação. Bendita seja a cruz que o Senhor me dá. Quero-lhe muito, não posso viver sem ela, por amor d’Ele a abraço. Ontem andei fugitiva do Calvário; ou melhor, senti que toda a minha vida foi fugir-lhe, sem pensar no Horto nem na cruz. Estava separada de Deus, parecia odiá-Lo a Ele e à Sua lei. Nesta separação levei uma longa vida. Quanto mais fugia de Jesus, mais a minha alma via o Seu Divino Coração seguir-me e melhor compreendia o amor com que Ele me amava; quanto mais me ausentava, mais Ele corria para mim a atrair-me a Ela, mais O fazia sofrer. Via-O sozinho no Horto, prostrado em agonia, a suar sangue. E foi então que me vim juntar a Ele, n`Ele reverdeci, n’Ele vivi, a Ele me associei para O seguir e levar a minha cruz. Passei a noite em grande união com Ele, sempre em tristeza, sempre em dor. De manhã segui para o Calvário; a Cruz pesava-me sobre os ombros chagados, o sangue dos espinhos banhava-me a face, o coração de longe a longe dava aos lábios golfadas de sangue. Os sofrimentos eram tantos, o desfalecimento tão grande, a tristeza mortal. Caí exausta ao terminar da montanha. Fui arrastada, novas feridas se abriram no meu corpo. Já quase moribunda, a todo o custo voltei a levantar-me. Na cruz crucificada, continuei a sentir que o meu corpo não era mais que um cadáver. Jesus no meu coração, mas sentia-O como se fosse ao meu lado, é que era a vida. Eu morta, mas com Ele ia viver. O Seu Divino Coração em agonia bebia sofregamente todo o sofrimento, na ânsia de me comunicar a Sua vida e dela me fazer viver. Foi o que neste doloroso sofrimento Jesus me fez compreender. Chegou o momento de expirar. Deixei de sentir a vida de Jesus, fiquei só eu morta. Foi por pouco tempo. Jesus voltou, mas então já a viver todo em mim, deu-me a Sua luz, iluminou-me e disse-me:

“Minha filha, o teu papel de vítima, a tua missão sublime é difícil, mas tem coragem, com a minha divina graça tudo vencerás. A tua morte é para dar a vida; a tua cegueira é para dar luz; a tua ignorância é sábia, mostra a minha sabedoria divina, o trabalho maravilhoso que faço em tua alma. Minha filha, minha filha, o teu coração é sacrário, é cofre das minhas riquezas, é roleiro, é pombal, é jardim das minhas delícias, é palácio onde eu habito. Vem descansar, inclina a tua cabeça sobre o teu Jesus. Descansa da fadiga do teu martírio, toma conforto, Jesus muito te quer e muito te pede.” Pousei a minha cabeça sobre os joelhos de Jesus, sentia que Ele me abraçava de amor. Houveram (?) uns momentos de silêncio, não cheguei a adormecer. Jesus continuou a falar-me:

“Ó minha filha, tudo o que eu faço e opero na tua alma já não é por ti, porque me amas muito e vives como eu quero. Peço-o pelas almas, para que elas compreendam o meu amor, para que elas aprendam a viver de Mim e para Mim. A tua vida está escrita no Céu, é escrita pelos anjos. Oh! como ela é bela! Quanta glória me dá e que fruto valiosíssimo para as almas! O mundo peca, o mundo não teme a Deus. Eu quero reparação, exige-a o meu Eterno Pai. Permites-me, minha filha, que te crucifique na cruz e nela ficares com todos os suplícios até terminar o santo tempo da Quaresma? Crucifico-te já hoje para me reparares neste dia em que mais, muito mais vou ser ofendido”.

Sim, meu Jesus, faça-se como quereis. É Vosso o meu corpo, crucificai-me à vontade. Vieram dois anjos que conduziam a cruz, outro trazia os cravos, ainda outro a coroa de espinhos e ainda outro a esponja e a lança. Foi Jesus que me crucificou na cruz, coroou-me de espinhos, atravessou-me o coração com a lança e colocou-me sobre os lábios a esponja. Em seguida, vieram os anjos beijarem-me todas as chagas. Jesus aproximou-se, inclinou-se para mim, colocou sobre o meu coração o Seu Divino Coração e disse-me:

“Os anjos beijam-te com devoção e veneração; beijando as tuas chagas beijam as minhas. Estás comigo crucificada. Recebe a gota do meu Divino Sangue, recebe a vida, o conforto e o amor. Tem coragem na tua cruz! É cruz invencível, é cruz de salvação. Dá este amor que de Mim recebes com toda a abundância, distribui-o, fazei com que Eu seja amado.”

De Jesus vieram para mim muitos raios de fogo mais brilhantes que o sol. O coração ardia-me. A dor que nele sentia sobressaía por entre o amor. Sentia fogo de amor, sentia fogo de dor. Fitei os olhos em Jesus e disse-Lhe: deixo-me consumir por Vós, nada Vos posso negar. Crucificastes-me com tanto amor e carinho! Sou feliz na cruz, sou feliz na dor.

“Vai em paz. Pede para Mim reparação, pede para Mim amor”.

Obrigada, obrigada, obrigada, meu Jesus.

3 de Fevereiro de 1951 – Primeiro Sábado

Só no dia 8 é que vou ditar as palavras de Jesus e da Mãezinha do dia 3. Se é para glória de Nosso Senhor, que Ele me dê a Sua força. Se não me engano, foi na noite do dia 1 para o dia 2 que eu tive uma visão, mas, temerosa de que fosse sonho, nada disse na sexta-feira. Agora que sei que não foi, vou descrevê-la. Vi junto de mim um cordeiro branco, todo sujo, caído na lama, ou melhor, enterrado nela, mal se conhecia a cor e todo enlameado em silvas espinhosas, ia morrer. Senti-me obrigada a salvá-lo, a livrá-lo da morte. Levantei-o, principiei a limpá-lo, a tirar-lhe as cadeias de espinhos que o prendiam, tomei-o para os meus braços, estreitei-o a mim, principiou a viver com mais formosura. Em seguida, divisei mais ao longe, por uma larga estrada, um rebanho de ovelhas brancas tão grande que não fui capaz de contar. Jesus caminhava entre elas de cajado na mão. Ele era belo, e belo, belo fazia todo o rebanho. Compreendi que todas aquelas ovelhas se nutriam de Jesus. Oh! como elas eram belas e gordas, faziam-me encantar. No sábado, momentos depois da sagrada Comunhão, Jesus deu-me uma vida mais confortante e iluminada com a Sua luz. Falou-me desta forma:

— Minha filha, bate à porta do teu coração o teu mendigo Jesus. Deixa-me entrar, dá-me abrigo, aquece-me ao fogo do teu amor, venho a tiritar de frio. Sabes quem assim me gelou? Foram as almas tíbias. São essas que com o seu gelo me fazem tremer. Aquece-me, aquece-me e faz com que Eu seja amado.

— Entrai, Jesus, e aquecei-Vos, não ao calor do meu amor, mas no Vosso fogo divino, que Vos peço aceiteis como se fosse meu. Não pode ser melhor, Jesus. Que poderei eu fazer mais?

— Ó minha filha, oferece-me todos os teus sofrimentos para que as almas se convertam, se afervorem e me amem.

E, mostrando-se em tom de censura, disse-me:

“Reparaste naquele cordeiro tão manchado, já perdido e naquelas ovelhas que te mostrei a caminharem comigo e de que não falaste? O cordeiro era uma alma na flor da vida prestes a cair no inferno e que foi salva pelos teus sofrimentos, pela tua vida. Não a esqueças. As ovelhas em grande número, que não pudeste contar também foram salvas por ti. Mas essas sempre nutridas pelo meu alimento já não correm risco de se perderem. Anima-te, toma coragem para tanta dor. Portugal e o mundo estão em tão iminente perigo exigem todo o teu martírio”.

Não estejais triste, Jesus, que eu nada disse por temor. Perdoai-me, sou a Vossa vítima.

“Dizei ao teu Paizinho que enleie as almas que lhe confiei ao meu Divino Coração, que as infunda no meu divino amor. Um mestre de almas escolhido por mim como ele foi, tem que ser vítima, tem que viver sempre ferido por setas em brasa. Dizei-lhe que confie, dizei-lhe que espere em Mim; dá-lhe o meu amor infinito. Dizei ao teu médico que tudo o que te disse ontem foi referente à minha divina causa. Dizei-lhe mais agora para que ele o diga a quem o deve dizer: que não esqueça, que tenha sempre presente, que a verdadeira ciência é a ciência divina. Que isto basta, para se manter fiel ao meu serviço, que o amo muito e que o tenho reservado para grandes coisas. Para o teu médico e os seus entes queridos, dá-lhes a abundância do meu amor e uma chuva de graças. Vem, minha bendita Mãe, confortar a nossa filhinha e bafejá-la com o teu bafo celeste.”

Veio a Mãezinha; cobria-a manto azul escuro de cima a baixo. Como eu estava pregada na cruz, Ela não me tomou para os seus braços, curvou-se para mim, beijou-me, encheu-me de carícias, bafejou-me os lábios e em seguida todas as chagas e disse-me

“Minha filha, tem coragem na tua cruz! Dá a Jesus tudo quanto Ele te pede, fazei a Sua vontade que é também a minha. Ele sofre tanto e eu com Ele, com os crimes do mundo! É igual a nossa dor.”

E, dito isto, abriu para o lado o seu manto; no centro do peito mostrou-me o seu santíssimo Coração ferido por setas, cercado de espinhos. Ó Mãezinha, ó Mãezinha, isso não é para a Mãe do meu Senhor. Não quero ver Jesus sofrer e não Vos quero ver a Vós. Passai para o meu coração todas essas setas e espinhos. A Mãezinha voltou a acariciar-me e passou para mim tudo quanto Lhe feria o Coração.” Aceitas, minha filha, ficar com elas por todo o tempo que Jesus te tenha nesta cruz?” Sim, Mãezinha. Jesus aproximou-se, acariciou-me com a Mãezinha, e disse-me:

“Vai, minha filha, a tua dor vai ser profunda e difícil de suportar, mas a graça do Senhor está contigo. Leva o amor doloroso dos nossos Corações, vai, dá aos que amas, dá a todos os que te rodeiam, espalha ao mundo inteiro a nossa paz, o nosso amor”.

Obrigada Jesus, obrigada Mãezinha.

9 de Fevereiro de 1951 – Sexta-feira

Dizer a dolorosa e triste angústia da minha alma, não posso, não sei. A minha ignorância não sabe falar, mal deixa levantar ao de leve a pontinha do véu preto que encobre tamanha angústia. A alma parece rasgar-se e desfazer-se sob o peso violentíssimo da dor. Sinto como se ela gritasse e tornasse a gritar quase desesperadamente. O coração cercado de espinhos, atravessado pela lança e pelas espadas da Mãezinha vive como se não vivesse, vivo só para a dor, sempre ofegante, dando o sangue, sem caber dentro do peito. Todos estes instrumentos, quase continuamente, são mexidos, remexidos e cravados novamente, com maior violência e crueldade. Na noite da terça para a quarta, sentindo-me eu bem vivamente cravada na cruz, vi Jesus junto de mim a dizer-me:

“Minha filha, deixa cravar-te novamente, deixa-me bater-te os cravos, porque os pecadores assim tentam fazer-me continuamente. Coragem e amor”. Por muitas vezes se tinha repetido e repetiu esta cena, mas sem que eu visse nem sentisse quem mo fazia. Todo o meu corpo está desfeito em dor e sangue. Os meus lábios sentem a sede, o fogo mais abrasador; a esponja, uma e outra vez, passa por eles mas sem os saciar. Não é com frescura saciada esta sede, mas sim com amor. Tenho tantos defeitos! Sofro tanto ao receber certos espinhos, que me parece que é o meu amor próprio elevadíssimo e que não há forma de me emendar e corrigir. Ó meu Deus, ó meu Jesus, é assim que eu Vos amo? Perdoai-me e tende misericórdia de mim. Ai, as minhas trevas e a minha morte! Ai que pavor eu tenho pelos sofrimentos! Que temor, como eu me sinto desfalecida! Numa hora da noite passou por junto de mim, como quem ia, quem seguia o seu caminho, a Mãezinha, a Imaculada Conceição. Não se demorou nem me disse nada. Mas era tão linda! Só a Sua formosura me deu conforto. Nos momentos mais dolorosos, recordando esta formosura, é logo para mim bálsamo e força. A nova morte que divisei ao longe, e que vem a vir dolorosa sobre mim e sobre a morte total das minhas coisas, acabrunha-me, faz-me temer e tremer. Sinto tanta, tanta necessidade de reparar os Corações Divinos de Jesus e da Mãezinha! e não sei como! Queria o mundo inteiro a dar-Lhes amor e reparação. Ai que dor! Eu só Vos ofendo e deixo ofender. Ontem, passei quase o dia como se fora do mundo. Ao cair da tarde, já ao anoitecer, senti como se este mundo mais duro que o rochedo viesse contra o meu peito e deste rochedo saísse quem me maltratava, quem me escarrava, prendia e tirava a vida. Ao ver tanta dor, tanta maldade e ingratidão, caí e fiquei prostrada sobre o solo duro do Horto. Ali em agonia, todo o meu corpo se banhou em sangue. E o cálix da amargura foi subindo, subindo até ao Eterno Pai. A noite foi de martírio doloroso. Tudo sofri por Jesus e pelas almas. De manhã, segui para o Calvário, segui na cruz e levava a cruz, com o corpo todo ferido e a cabeça transformada em vários regatozinhos de sangue. Os espinhos eram tantos e tão profundos! Não sei como podia ser. O meu coração seco e duro não tinha dó de mim, de nada se comovia, revoltava-se contra Deus, contra a dor e o Calvário. Quando eu estava pregada na cruz, tive outro sentimento; pareceu-me que o meu coração se transformou todo no de Jesus; todo ele era amor, tinha uma sede devoradora dos sofrimentos, porque via que só estes com a morte podiam dar a vida e abrir o Céu. Dei-me, dei-me toda ao martírio, à agonia, até expirar com Jesus sob o peso das humilhações. Pouco depois, com nova vida e nova luz do Céu, ouvi dentro em mim a voz de Jesus que dizia:

“São tão doces e ao mesmo tempo tão dolorosos os convites de Jesus. Escutai-o, é Ele com todo o seu amor, com toda a ternura do seu Divino Coração. Quero o vosso amor, quero e exijo que vades à conquista das almas. Quero e exijo para Mim o amor dos corações. Quero e exijo toda a reparação. Trabalhai, trabalhai Jesus o quer. Trabalhai, trabalhai para que haja uma reforma completa, uma vida nova de completa vida de Cristo. Minha filha, minha filha, porta-voz do Céu, enlevo dos anjos, encanto de toda a corte celeste, alegra-te na cruz; alegra-te no martírio: as almas vivem porque por ti lhes é comunicada a minha vida divina. Vives da dor, vives da cruz, vives de amor.”

Ó Jesus, dizeis que vivo e eu confio, mas para mim, no meu sentir, dizia-Vos que não vivia, que não amava, mas sim que sofria. Sinto que sofro, mas é uma dor… dor sem merecimento. Vivo para a dor, e não vivem as minhas dores. Que martírio o meu… aceitai-o para que venha a paz, para que reine a paz.”

“Minha filha, minha filha, os homens não querem a paz, os homens não querem o perdão, os homens querem o seu gozo completo, o gozo de todos os prazeres desordenados. É por isso, é esta a razão por que o meu Divino Coração está ferido.”

Eu vejo, Jesus, é bem clara e bem brilhante a luz que o ilumina, é transparente, Jesus, vejo de um lado ao outro. Mas não posso convencer-me ver-Vos assim ferido, não posso, não posso. Com a Vossa graça o meu coração ainda pode com mais. Passai, Jesus, passai essa abertura para o meu, e depois que o atravessem a lança, a lança, Jesus; que o cerquem todos os espinhos e todas espadas que recebi do coração da Mãezinha. Depois abraço a cruz. Sinto-me feliz, completamente feliz recolhendo no meu coração todos os sofrimentos do Vosso, e todos os sofrimentos da Mãezinha. Estendi os braços para tudo receber, e foi tal o sentimento que me obrigou a dizer: Ó Jesus, que abraço este… É celeste e parece eterno. Eu antes quero, Jesus, sofrer todos estes sofrimentos, não só na Quaresma, mas sempre, sempre, do que voltar a ver o Vosso Divino Coração ferido, e o da Mãezinha tão trespassado pelas lanças e cercado de espinhos. Eu amo-Vos Jesus? Amo-Vos, meu Amor?... Não me parece…

“O que é isso, minha louquinha? O que é a tua vida senão amor? O que são esses desejos senão de amor? Tu amas-Me, e porque Me amas, infundes nos corações a minha graça e a minha vida. Vem receber a gota do meu Divino Sangue, alimento divino, alimento celeste, vida que te faz viver, vida que quero que comuniques, vida que quero que espalhes através do mundo, do mundo culpado… Deixa-me apertar-te de novo os cravos, para que fiques bem cingida à cruz, para que meu Eterno Pai aceite toda a reparação.”

Jesus aproximou-se, apertou-me todos os cravos, enquanto eu Lhe fui dizendo: ”Aceitai, Jesus, aceitai tudo para que venha a paz, para que venha o perdão…” Tem coragem, minha filha, tem coragem. Pede reparação, pede amor, pede penitência com oração pura e abrasada. Vai em paz, vai em paz”.

Obrigada, obrigada, meu Jesus.

16 de Fevereiro de 1951 – Sexta-feira

Vivo a queixar-me, vivo para dizer que sofro, meu Deus, meu Jesus, só Vós sabeis o meu sacrifício quando é para ditar os sentimentos da minha alma. Vou como quem vai de rasto. Parece-me que todo o coração se me retalha. Que enormíssimo sacrifício! Sempre a queixar-me, sempre a falar da dor! Mas, meu Deus, se eu não tenho ou não sei outra forma de me exprimir, de obedecer, o que hei-de eu fazer, a não ser falar sempre do pão de cada dia, de cada hora, de cada momento, que é a dor, o martírio sem interrupção?

Meu Deus, quanto eu sofro! Que tremendo é o meu calvário! Oh! quão difícil é a minha vida. Praticar o bem, dar esmola, ou fazer qualquer acto bom, é para mim uma tristeza mortal. Parece-me que tudo dou chorado a Nosso Senhor ou ao meu próximo. Tudo é morte, nada há que me dê alegria. Tremo de pavor, no meio do mundo. Quero sim, aceitai meu Jesus, e a Vós e à querida Mãezinha me abandono. Vou contente para onde me levardes, sofro pelo que Vós sofreis. Quero viver em Vós, de Vós e para Vós. Repito-o muitas vezes ao dia no meu íntimo, mas a realidade custa tanto! Vou forçada; quero e repugna-me, a minha natureza não quer, tenta revoltar-se e nada aceitar, não tem força. O meu sentir de alma é de não poder a mais com o mínimo sofrimento. Quanto mais cingida à cruz, quanto se me apertavam os cravos e avivavam as chagas, quanto mais os espinhos da cabeça e do coração, a lança e as setas me ferem, maior é o desfalecimento, mais exausta me sinto, maiores trevas, maior morte tenho em mim, nas minhas coisas e à volta de mim. Tudo é morto para mim. Sou morte e dou a morte. Vivo para sofrer e a minha dor vive para morrer. Nada disse e não sei dizer mais, nem exprimir-me melhor; a minha ignorância não me deixa. Ontem, é indizível descrever quanto sofri na minha pobre alma. Não era mais que um farrapo desfeito e apodrecido na lama. Sobre o corpo era um peso infinito a esmagá-lo. O coração aberto chorava sobre toda a terra. Não podia mais com tanta agonia, compreendeu todo o sofrimento que o esperava. A alma viu com os seus olhos a Mãezinha das Dores com setas grandíssimas a atravessarem-Lhe o Coração. Foi esta visão da Mãe que levou o meu coração à mais extrema agonia. Doloroso Horto! O sofrimento prolongou-se durante a noite. De manhã, segui para o Calvário sem ir para o Calvário. Eu fui, ou pareceu-me que ia por um outro mundo superior a este, enquanto que o coração cá em baixo sofria a dor mais triste e profunda. De olhos fitos no Céu, ele bradava por o socorro de Jesus e da Mãezinha. Era tão pequenino para tanto sofrer! No alto da montanha senti-me então na cruz bem crucificada. Com os olhos da alma no Céu, o coração em Deus, aceitei tudo: amava e porque amava sofria. O peso da justiça divina sobre mim era tão grande, tão infinito, parecia arrancar-me dos braços das cruz, a infundir-me na terra, a ser a mesma terra. Pai, meu Pai, porque me abandonaste? Pai, meu Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito. Sem morrer, separei-me da cruz; e após uns momentos desta separação, ouvi dentro em mim, muito lá no íntimo, Jesus a dizer-me

“Minha filha, minha filha, estou aqui no meu coração como Rei, faço dele um jardim florido do qual Eu sou o Jardineiro e no meio de tantas e tão variadas flores me delicio nos seus aromas e perfumes. Confia. Eu estou aqui em silêncio, mas velo como a mãe vela pela criancinha que dorme silenciosa no seu bercinho. Tem coragem, minha filha! Escuta-me: a cruz é o selo de preço mais caro com que selo as almas eleitas, as almas vítimas. Sofres com alegria as dores, as humilhações, os desprezos, o martírio completo enviado pela Providência? És a predilecta, a eleita, escolhida por Jesus. A tua vida é a completa vida de Cristo. O que fiz Eu aos meus santos que não te fizesse a ti? São tão grandes e tão raras as maravilhas que opero na tua alma! Em tudo te assemelhei a Mim. Em ti foi realizado o casamento, as núpcias celestes. És a esposa de Jesus Cristo. Tens por alimento o meu Divino Sangue; corre em tuas veias, é ele que te dá a vida. Descansa, descansa junto de Mim. Enquanto que descansas e recebes vida para mais dor, vai poisar sobre ti o Divino Espírito Santo para com a Sua luz te fazer ver e obrigar a crer que estás na verdade, que a tua vida é só minha”. Desceu uma pombinha branca e dela pendiam muitos, muitos raios de luz; poisou sobre a minha cabeça e passava do biquito para os meus lábios não sei o quê que me enchia a alma. Os raios penetraram e iluminaram todo o meu ser. Fiquei como que a dormir, mergulhada em tudo isto. Despertei à voz de Jesus que me dizia:

“Enche-te de Mim, para sofreres por Mim. Enche-te de Deus para viveres de Deus. Enche-te de luz para seres luz. Minha filha, minha filha, o peso da justiça de meu Pai pesa sobre o mundo. A Sua justiça é rigorosa, mas as almas, ditosas almas, são aos milhares salvas por ti. Não viste como era belo o rebanho sem número que há pouco te mostrei? Tem coragem! Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Vai já passar do meu Coração para o teu. Ó maravilha, ó prova do meu infinito amor!”

Logo que Jesus uniu os nossos corações e a gotinha do Sangue passou, o coração dilatou-se tanto, quase não cabia dentro do peito. O fogo queimava-me, mas logo senti uma dor tão grande que me levou a dizer: Ó Jesus, que dor tão grande. Não resisto!

“Tem coragem, minha filha! Tens poder e alimento dentro em ti que tudo vence. Não mais deixarás de sentir dor. Em tudo sentirás a morte; nenhuma coisa jamais em ti sentirás viver. Todas as alegrias em ti morrerão sem que jamais as saboreies. Uma coisa te anima: é teres a certeza de perseverares até ao fim. Vai em paz, sempre com alegria, sem gozares essa alegria. As almas exigem o teu martírio. Coragem, coragem! Do Céu te vem toda a força.”

Obrigada, obrigada, Jesus.

23 de Fevereiro de 1951

Cá estou na renúncia de mim mesma, sujeita à obediência, a contrariar a minha vontade, a querer só o que Jesus quer, nada mais queria dizer, abafar por completo tudo o que em mim se passa. Se assim fizesse, entrava a minha vontade, não me renunciava, não obedecia, Jesus ficaria triste. Nisso não posso consentir. Obedeço às cegas, obedeço por amor. Estou a sucumbir sob o peso da minha cruz. Que dor, que amargura, meu Deus! Esta dor, esta amargura estende-se ao mundo inteiro. É uma angústia constante para o meu coração tão aberto pela lança e a cada momento avivada a ferida, tão cingido de espinhos e avivado pelas setas. Meu Deus, meu Pai, ouvi o meu brado incessante. Estou na cruz crucificada. Repete-se o número de vezes que os cravos são apertados. Toda a cabeça está trespassada pelo capacete de agudíssimos espinhos. A agonia da minha alma e o brado do meu coração não cessa. A alma chora, chora de tristeza e angústia e o coração brada, brada sempre: Meu Deus, meu Jesus, meu Senhor, valei-me pelo Vosso amor, valei-me pela Vossa sagrada Paixão e Morte. Eu quero, ó Jesus, e não posso mais. Não me abandoneis, vinde depressa socorrer-me. Com a Vossa graça, com a Vossa ajuda eu sou e serei sempre a Vossa vítima. Aí, quanto custa sofrer para consolar o meu Senhor e valer às almas, e sentir que não posso mais, que não sou capaz de aguentar com o aumento do mínimo sofrimento. Perdi tudo, tudo, tudo morreu e tudo o mais morrerá. Estou sempre no meu sepulcro de morte; ele nada deixa em mim viver. As trevas são pavorosas; a noite tristíssima e escura não deixa cintilar uma estrela. Tudo morreu, tudo se apagou. A minha ignorância invadiu todo o meu ser; é uma inundação total. Não sei falar de Jesus, não sei falar do sofrimento, não digo nada do que me vai na alma.

Passou no dia 20 o quinto aniversário da partida para a Baía do meu Pai espiritual. Ó cruz, ó calvário! Como eu revivi aqueles dias tão trágicos! Para vencer-me e alegrar a Jesus, no meio da maior angústia, fiz o que já há muito não tinha feito, por não ter forças: cantava baixinho, entoava louvores a Jesus e à Mãezinha. Assim fui escondendo o meu penoso martírio, até que durante a noite, sem poder resistir mais, rompi em lágrimas. Essas mesmas ofereci ao Senhor. Não é um afecto, não, Jesus bem sabe que não é; Ele não separou o meu Paizinho da minha alma, está bem unido a ela. Ó Calvário, ó dor que tão mal és compreendida! Tenho tido inumerosíssimos espinhos a ferirem-me, os quais tenho recebido como miminhos de Jesus. Repetidas vezes O bendigo por tudo.

Ontem, na última parte do dia, levantou-se uma montanha de sofrimentos que chegavam da terra ao Céu. Eu estava sobre essa montanha, atingida por ondas agitadíssimas. Fui por elas atirada ao Horto. Prostrada naquele solo duro, com as veias rasgadas, suei sangue; pelos meus ouvidos, boca e olhos, sangue saiu. O meu coração ergueu ao Pai o cálice da amargura, a transbordar também de sangue. Nesta manhã segui no meu sepulcro de morte os caminhos tristes e dolorosos do calvário. Mesmo morta e dentro do sepulcro, senti como se o Céu me esmagasse e reduzisse ao nada. É indizível dizer os espinhos que me feriram e a dor e amargura que eu sentia. Os meus lábios não se abriram para desabafar; só o coração pedia socorro ao Céu. No cimo da montanha pendente da cruz, o meu corpo não foi mais que um cadáver. O coração estava preso, bem firmado na vida do Céu, e quase continuamente bradava por Jesus. Só Ele e a Mãezinha podiam vir em meu auxílio. Passaram pelo meu corpo os suores frios da morte. A alma fitou os olhos em Deus e a Ele se entregou. Não morri, deixei tudo para bem depressa tudo receber. Jesus fez-me reviver e ouvi a Sua voz divina que dizia:

— Eu sou a ressurreição e a vida, eu sou a ressurreição e a vida. Vem cá, minha filha, vem cá e escuta. Para quê tanto desânimo, tanto desfalecimento e temor de ti mesma? Não sabes que Eu estou contigo, que velo por ti e por tudo o que é meu? Eu sou a ressurreição e a vida. E tu à semelhança de Jesus, teu esposo, és ressurreição e vida de muitas almas, de milhares, milhões, milhões e milhões de almas.

Quando Jesus falava de milhões parecia que a Sua divina voz se espalhava ao longe e que era um nunca, nunca acabar. E tomando nas Suas sacrossantas mãos o Seu divino Coração como se fosse uma custódia, cheia de raios doirados, começou a abençoar-me de cima a baixo. Os raios que dele pendiam atravessaram e penetraram todo o meu ser. Parecia ver-me a mim mesma toda luz, dum lado ao outro. Fiquei como que a arder em fogo.

“Enche-te, minha filha, do que é divino, enche-te do meu amor. A minha graça e tudo o que é meu há-de transparecer e ver-se em ti como em espelho cristalino. Vive, toma conforto para tanto sofreres.”

Já com o Seu Divino Coração dentro do peito, Jesus tomou-me nos Seus braços, inclinou-me sobre o Seu lado aberto e disse-me:

“Coloca aqui os teus lábios, vem beber amor na chaga do Meu Divino Coração. Enche o teu d`Ele, bebe a minha graça, bebe a minha a doçura. Eu sou e serei sempre a tua fortaleza.”

Fiquei quase a dormir, com os lábios na fonte sacrossanta de Jesus. O coração bebia, bebia sem parar. Jesus continuou:

“Enche-te, enche-te, esposa minha. À semelhança da nuvem que vai beber ao rio ou ao mar para em seguida regar a terra com uma chuva torrencial. Tu não és nuvem negra, mas arco-íris brilhante e luminoso que se estende ao mundo para o iluminar. Vai dar-te às almas, vai fazê-las viver. Tem coragem! Tu não te enganas. Sempre que falas, Jesus fala em ti.”

Ó Jesus, esquecestes-Vos do que eu sou, o tanto que Vos tenho ofendido?

“Não, minha filha, mas quero que saibas, que quando dizes palavras que depois entendes  não deveres teres dito, ou cais em alguma falta, sou sempre Eu que o permito, para melhor conheceres o teu nada, e gosto de te ver humilhada junto de Mim. A tua vida é minha, só minha; é um portento de maravilhas celestes”.

Unindo em seguida o meu coração ao d’Ele, fez passar a gotinha do sangue e continuou: “É esta a verdadeira vida do teu corpo. Foi este Sangue, que recebi da Virgem das Virgens, da mais santa entre todas as mulheres, da rosa mais pura e mais bela. Vai agora para a tua cruz. Continua nela, generosa e fiel. As iniquidades, os crimes hediondos dos pecadores exigem para Meu Eterno Pai toda a tua reparação. Confia! As almas que estiverem no Céu, salvas pelos teus sofrimentos, hão-de vir com os anjos e santos ao teu encontro quando para lá fores. Terás uma entrada triunfal. As que partirem para lá depois da tua morte, mas sempre salvas por ti, virás tu com os mesmos anjos ao seu encontro, a entoares com eles hinos e louvores. Vai em paz! Coragem e confiança”!

Obrigada, obrigada meu Jesus!

   

 

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