JANEIRO
A cruz aumenta, os
mimos de Jesus são cada vez mais. Digo mimos, porque os desgostos, os
sofrimentos, os espinhos recebo-os como carícias e miminhos do meu Jesus. Custa
muito, muito e eu sei que não posso resistir a mais dor; mas o amor que eu
anseio ter a Jesus e as ânsias de O consolar cegam-me de tal forma que eu não
posso deixar de repetir: mais, mais, meu Jesus, mais, seja tudo por Vosso amor e
para a salvação das almas. Não posso falar; hoje tenho que abafar a voz da minha
alma, que apesar da minha ignorância sem igual, não pode calar-se. Neste dia,
tem que ocultar e fazer o sacrifício de guardar para si e sofrer em silêncio.
Não posso esforçar-me nem mover os lábios. Vontade do meu Senhor, em ti está a
minha ventura e felicidade!
Ontem de manhã
imprimiram-se mais ao vivo as chagas de Jesus no meu corpo. Senti como se Ele
viesse da cruz para mim e em mim Se imprimisse e nele me transformasse. À noite,
a visão do Calvário levou-me ao suor de sangue e à agonia do Horto. Sofri tanto,
tanto, de tantas formas! Seja o meu Jesus bendito !
Hoje segui para o
Calvário. Eu era a cruz de Jesus. Ele levou-a e nela me levou a mim. Sofri com
Ele e Ele comigo. Fomos sempre os dois num só. Ao terminar da montanha, senti-me
morrer no leito da cruz. Quando esta (foi?) levantada ao alto, pareceu-me
ficar toda dentro do Coração divino do meu Jesus. Era Ele o crucificado. O meu
desfalecimento era tanto que não podia bradar; bradava Jesus e era meu e dele o
Seu brado. No momento de expirar, Jesus entregou ao Pai o Seu espírito com todo
o amor do Seu divino Coração. Foi assim que eu com Ele expirei.
Passado algum
tempo, principiei a ouvir os Seus suspiros e a Sua dolorosa voz.
Jesus sofre, chora,
suspira profundamente. Vê o mundo, contempla-o, vê o que ele é, o que há-de ser.
Jesus sofre, chora,
suspira profundamente. Vê o mundo cruel e pecaminoso, vê a justiça do Seu Eterno
Pai prestes a puni-lo, a castigá-lo com todo o rigor.
Minha filha, Minha
filha, vítima amada, vítima querida.
Minha filha, Minha
filha, esposa querida, esposa fiel e predilecta de Meu divino Coração: tu és sal
e sol da terra, tu és pára-raios e salvação da humanidade. Tu és farol, que
iluminas com todas as cores do arco-íris. És rica de graça, rica de todas as
virtudes. Um ano a mais passou-se para ti. Mais um ano de favores e prova do Meu
divino amor para as almas por te ter escolhido para vítima deste Calvário.
Coragem, coragem e alegra-te porque o Senhor está contigo, em ti Se alegrou e
alegrará sempre. Aceita, Minha filha, um muito obrigado do teu Jesus. Sim, um
obrigado Meu, um obrigado divino pelo muito que sofreste, pelo muito que amaste.
— Ó Jesus, ó Jesus,
isso humilha-me, as Vossas divinas palavras fazem-me sofrer. Sofro, porque ouvi
e senti os vossos suspiros, as Vossas lágrimas caírem no meu pobre coração.
Sofro e humliho-me pelo Vosso obrigado, quando eu sinto que nada sofro, que nada
Vos amei, que foi só o Vosso divino Coração a sofrer e amar. Eu por mim, Jesus,
nada fui, nada sou, nada serei. Morri, morri para tudo.
— Ó minha filha,
Minha filha, sim, morreste para tudo o que é do mundo e viverás sempre pata
Jesus e para as almas, porque vives só a vida de Cristo, a vida mais imitadora,
a cópia mais fiel de Cristo crucificado, de Cristo Redentor. Continua, continua
a tua missão: bem curta que ela vai ser agora aqui na terra, mas vais
continuá-la no Céu. Aqui, pedindo e sofrendo; lá, pedindo e amando.
Acode, acode às
almas e previne-as, avisa-as: a justiça não demora, o castigo aproxima-se.
Avisei, avisei, esperei, esperei, pedi como mendigo da terra oração, penitência,
emenda de vida.
Não desanimes em
pedires, em sofreres com alegria e amor. Haja o que houver, venha o que vier, é
sempre de utilidade e salvação para o mundo cruel e ingrato.
Recebe agora a gota
do meu sangue ; é sangue de vida, é sangue de amor ; é gota que te leva a paz, a
Minha divina paz.
Coragem, fica na
cruz. Vêm os Anjos cheios de amor apertar-te os cravos.
— Obrigada, meu
Jesus. Bem os vejo baterem as asas, asinhas brancas. Não me batem os cravos com
crueldade, mas sim com doçura e carinho.
Obrigada, obrigada.
Atendei aos meus pedidos, às minhas grandes intenções que tenho presentes,
tomais conta delas, meu Jesus. Confio em Vós.
— Sim, Minha filha,
podes confiar. Vai em paz e leva o meu amor que é a força e a alegria da tua
cruz.
— Obrigada,
obrigada, meu Jesus.
Já hoje são oito e
eu sem nada poder dizer do que se passou no primeiro sábado. Vou ver se alguma
coisa consigo; Jesus e a Mãezinha me ajudem e aceitem o meu grande sacrifício.
Pedi, na noite de Natal, quando nasceu o Jesus-Menino, e pedi-Lhe na passagem do
ano velho para o ano novo, que fizesse que eu nascesse também para a graça, para
a pureza, para o amor; que me desse a Sua caridade, a Sua humildade e doçura com
todas as virtudes do Seu Divino Coração. Pedi-Lhe, pedi-Lhe muito e só no
primeiro sábado é que conheci que nasceram no meu coração muitas ânsias de amor,
de perfeição e de toda pertencer a Jesus. Foi só nestas ânsias consumidoras que
eu me preparei, nesta dita manhã, para O receber. Após algum tempo de Jesus
entrar no meu pobre e indigno coração, ouvi-O a dizer-me :
— Minha filha,
Minha filha, luz e estrela eucarística: tu serás para o mundo o que outrora fui
Eu e continuo a ser. Fui Redentor, morri para dar Céu às almas, fiz-me o
alimento das mesmas. Criei-te para de tal forma te assemelhar a Mim, escolhi-te
para vítima, para continuares a Minha obra redentora. Pus no teu coração o amor,
a loucura pela Eucaristia. É por ti, é à luz deste fogo que deixaste atear que
muitas almas guiadas por esta estrela por Mim escolhida, levadas pelo teu
exemplo se transformação em almas ardentes, verdadeiramente eucarísticas.
Ai do mundo sem a
Eucaristia! Ai do mundo sem as Minhas vítimas, sem hóstias comigo continuamente
imoladas !
Eu quero, Minha
filha, diz que Eu quero um mundo novo, um mundo de pureza, um mundo todo
eucarístico.
Diz ao teu Paizinho
que sou todo amor para ele, que o fiz hóstia para com ele muitas almas serem
hóstias. Diz-lhe que ele não poderá, nem saberá viver sem sofrimentos. É da dor
que nascem as almas eucarísticas, hóstias só por amor imoladas. Diz-lhe que há
um ano lhe disse que o sol brilhava e hoje lhe digo que brilha ainda mais. Quase
todos os obstáculos estão removidos para o triunfo da causa do Senhor e para a
realização das Suas promessas.
Diz ao teu médico
um muito o brigado de Jesus pela sua firmeza e defesa da Sua causa divina.
Diz-lhe que dia a dia exalto os humilhados e humilho os exaltados. Diz-lhe que
Jesus triunfa e a vitória está próxima. Dá-lhe a chuva das Minhas graças com
todo o incêndio do Meu divino amor por ele e para os que são seus.
Vem, Minha bendita
Mãe, mostra a Tua dor, ânsias e sofrimentos iguais aos meus.
Veio a Mãezinha das
Dores; vinha tristíssima, cobria-A manto roxo. O Seu Santíssimo Coração estava
cercado de espinhos, setas e vazado dum lado ao outro por fortes punhais;
escorri-a sangue. Apesar de estar a sofrer tanto, tomou-me para o Seu regaço,
abraçou-me e colocou o meu coração de encontro ao dela e disse-Me:
— Minha filha,
aceita para o teu coração todos estes sofrimentos. Não te peço licença, vou
fazendo que eles passem.
Eu quero que estes
espinhos e punhais te levem o Meu sangue para o teu coração, como Jesus to dá
gota por gota pelo tubo dourado. Aceita, é sangue virginal: aceita-o para o
ficares sempre a sentir. É sangue da Minha dor e da de Jesus: sofremos os dois
em uníssono. Sofre a mesma dor, sofre connosco também. Repara a Jesus na
Eucaristia, repara-O por tantos e tão horrendos sacrilégios. Faz com a tua dor
almas comungantes, puras e abrasadas.
Obrigada, Minha
filha, obrigada pelo que tens sofrido, obrigada pelo que vais sofrer. O Meu
agradecimento dá exemplo às almas e prova quanto Jesus gosta que Lhe agradeçam
as graças e benefícios recebidos.
A Mãezinha falava e
Jesus mantinha-se de pé a Seu lado. O Seu Santíssimo Coração ficou livre de
todos os instrumentos que O feriam; passaram-se por si para o meu coração.
Vinham todos ensanguentados.
Ai, meu Deus, só os
Anjos ou os santos saberiam dizer quanto isto me custou e continua a custar !
Sinto o meu coração todo ferido, todo em sangue e parte dele é de Jesus, é da
Mãezinha. E parece que não posso consentir que este sangue divino se una ao meu;
não sou digna.
Ai, como eu sofro !
Ai, como eu sofro !
Em seguida Jesus
aproximou-Se mais e fazendo passar sobre mim uma aragem de fogo, mostrando-me
assim o que logo de princípio me mostrou, quando me falava do Paizinho e do
médico fazendo-me sentir que era a mor, tudo amor, só amor, disse-me coma
Mãezinha, falavam os dois ao mesmo tempo.
— Dá aos que amas,
aos que ocupam o primeiro lugar no teu coração este amor também. Também Nós os
amamos e ocupam nosso nossos Corações os primeiros lugares. Dá-lhes o Nosso
amor, diz-lhes o Nosso obrigado a todos os que amas, a todos os que te rodeiam e
são teus e amparam e defendem a Minha divina causa. Distribui, enche-os de Nós,
enche o mundo inteiro; pede e sofre por ele.
— Ó Jesus, ó
Mãezinha, estou pronta a sofrer, estou pronta a pedir-Vos muitas, muitas graças.
Lembrai-Vos, atendei ao que Vos peço.
Nomeei-as, e uma a
uma foi-me dada esta resposta :
— Que confiem
plenamente em Mim e que sejam fiéis às Minhas graças. Eu porei nos seus caminhos
a protecção do Céu. E assim se cumpre a Minha divina vontade, porque muito os
amo e quero que se aproximem de Mim.
— Obrigada, Jesus;
obrigada, Mãezinha.
Ainda não posso
falar. Só dito umas palavrinhas como prova de que quero obedecer até à morte.
Não sei o que me espera. Não sei se o meu coração adivinha alguma coisa. É tal a
dor e a agonia que por vezes parece tirara-me esta vida morta que eu vivo. Não
tenho para onde virar-me, não tenho quem em socorra. Digo com toda a verdade: no
sentir da minha alma, não tenho uma única pessoa que seja por mim, em quem possa
confiar. Parece-me que ninguém me acredita, todos duvidam de mim, todos me
escarnecem e desaparecem. E eu, pobre de mim, apavorada pelos sofrimentos,
parece-me que vou tantas vezes a cair no desespero! E daqui nasce a revolta
contra Deus, se é que Ele existe; sem eu querer, é claro, mas tenho momentos de
duvidar da existência de Deus. Caso Ele existisse, seria para mim pior que um
tirano. Vem-me esta tentação: como pode consentir Deus que eu sofra tanto no
corpo e na alma por tão longos anos ! Depois a dúvida da eternidade! Era melhor
gozar tudo neste mundo, porque depois desta vida nada mais há. Ai, meu Deus, meu
Deus, quando assim luto, atiro-me para Jesus e para a Mãezinha, cham-Os e
abandono-me só a Eles. Digo-Lhes : Ó Jesus, ó Mãezinha, não consintais que eu
deixe de confiar e esperar em Vós. Valei-me, eu não quero ofender-Vos. Sinta o
que sentir, passe pelo meu espírito o que passar, eu abandonada a Vós vou para
onde Vós fordes, fico onde me colocardes e convosco serei salva. Parece-me que
não acredito na Santíssima Trindade nem em Jesus sacramentado, nem nosso Santos,
nem no Céu. Tudo é morte depois desta vida, assim como é morte tudo em mim já
nesta.
Continuo a sofrer
muito com aqueles instrumentos que passaram do Coração da Mãezinha para o meu.
Mas, ai o sangue d’Ela junto ao de Jesus é o que mais me causa mais dor. Como
pode juntar-se o sangue divino ao meu ? Parece-me que foi um enxerto no meu
coração. E em mim tem que haver raízes bem fortes, bem presas para o fundo, para
não deixarem o vendaval atirar o tronco a terra, para que os rebentos possam
florir e dar bons frutos. Queria dizer muito deste sentimento, mas a ignorância
não me deixa. Sofro, sofro infinitamente, mas não deixo de ansiar os
sofrimentos, a perfeição, o amor a Jesus e às suas coisas. Quero ser vítima e só
quero o que quer o meu Senhor. Em toda esta angústia passei o meu dia de ontem
bradando, bradando uma e outra vez ao Céu. Vi-me no Calvário e este cheio de
caminhos e todos tinham que ser regados com o meu sangue. Esta visão
transportou-me ao Horto. Cheia de agonia e pavor, suei sangue. Fui presa e
transportada para a prisão. Suportei todos os tormentos daquela vil canalha. E
hoje, sob a fúria dos mesmos, segui para o Calvário e ainda crucificada na cruz
com todo o corpo retalhado a sua raiva e ódio saíam sobre mim. Eu senti que os
malvados queriam ver-me desaparecer para sempre. Que ódio, que crueldade ! E o
Coração divino de Jesus não deixava em mim de amar. Era dentro do meu coração
que Ele amava a Humanidade inteira. E eu não podia deixar de amar a cruz; via e
sentia que só ela era a vida. O sangue regou todo o Calvário e era como se
regasse o mundo inteiro, todo ali presente, todo cruel a dar a morte a Jesus.
Fiquei sem vida, foi como se entregasse o espírito ao Céu, a Deus. Não levou
muito tempo que eu voltasse à vida; foi Jesus que ma deu e falou no meu coração.
— Quantos avisos,
quantos pedidos do Mendigo Divino, e Jesus vai imolando a sua vítima, Jesus
vai-a crucificando contidamente. E o mundo, o cruel mundo continua com os seus
desvarios. Continua na opulência, na vaidade, na devassidão.
Minha filha, Minha
querida filha, os pedidos de Jesus não são uma coisa vã. É grande, é grande, é
urgente a imolação mais dolorosa e permanente. Ai de Portugal sem a vítima deste
Calvário ! Pobre Portugal, se não correspondes ! Ai do mundo sem a Santa Missa,
sem a Eucaristia, sem as minhas vítimas. Ai do mundo sem a vítima pequenina nos
seus olhos, mas grande, muito grande, com toda a grandeza aos olhos de Deus !
Pede, pede, Minha
filha, levanta ao Céu as tuas mãos, fixa nele os teus olhares, não duvides da
tua prece, não duvides do teu poder com o Todo-Poderoso. Tudo pedes com Jesus,
tudo pedes com Maria. Eu quero, Eu quero, sim, Minha filha, que o teu brado seja
constante. Tem coragem, tem coragem; os teus sentimentos não são a realidade. Os
teus sofrimentos, os teus sofrimentos nascem cada vez mais dolorosos nesses
sentimentos aflitivos. A hora é grave, a hora é grave ! O teu esposo Jesus
lançou mão a tudo. Quer salvar o mundo, quer salvar sobretudo Portugal. Pede,
pede, Minha filha, a misericórdia, a compaixão da santíssima Trindade.
— Ó meu Jesus, ó
minha Trindade Divina, como hei-de eu pedir-Vos se duvido de Vós! Como hei-de eu
pedir-Vos se é tão grande a minha dúvida ? Bem sabeis, Senhor, que em nada
acredito, mas não deixo de combater. Mas já que agora não duvido, já que agora
acredito que existe uma eternidade, peço-Vos com toda a lama e com todo o
coração: Jesus Sacramentado, Coração Divino de Jesus, Santíssima Trindade,
Eterno Pai, quero aplacar a Vossa justiça, quero implorar a Vossa misericórdia.
Apiedai-Vos, apiedai-Vos, compadecei-Vos de Portugal, compadecei-Vos do mundo
inteiro; todo o mundo é filho do Coração Divino de Jesus.
— Ó Minha filha, ó
Minha filha, todos os teus sofrimentos são obra da sabedoria divina. Tu não
desgostas nem ao de leve o teu Jesus com as tuas dúvidas. Tudo quanto de ti
exijo são meios de salvação. Não percas o teu heroísmo, a tua generosidade. O
Senhor conta contigo. Da dor do teu coração hão-de rebentar rebentos novos, como
rebentarem da árvore da cruz. Não te tenho dito Eu que em tudo te assemelhei a
Mim ? Que alegria para o Meu Divino Coração se os homens compreendessem bem
isto ! Tu toda Cristo, toda Jesus. Jesus em toda a vida da Sua vítima.
Vem receber a gota
do Meu divino sangue.
Mais uma renovação
das maravilhas de Jesus, mais uma gota de sangue divino a correr nas veias da
vítima deste Calvário.
Fica, Minha filha,
na tua cruz. Fica nesta dor que só Jesus conhece e compreende. Fica nesta vida
que Ele te escolheu. Fica com coragem, fica com alegria. Bendiz e sorri sempre à
tua cruz que te dá o Senhor.
Coragem, coragem, o
Céu é contigo. Pede oração, pede penitência.
— Obrigada,
obrigada, meu Jesus.
Mais uma vez vou
ditar estas linhas com o maior dos sacrifícios; não posso falar, é só para
obedecer. Por satisfação minha, nada dizia, mesmo que pudesse. Gostava tanto,
meu Deus, de viver escondida, muito escondidinha, onde só Vós soubésseis de mim
e conhecêsseis o meu sofrer. Oh! Meu Calvário! Meu tão querido Calvário! Vejo em
ti a vontade divina do meu Jesus. É por Ele que eu te amo, é pelas almas que eu
te quero e, num abraço mais íntimo, me uno à minha cruz. Ai! Quanto sofro! E sem
nenhuma força nem coragem para enfrentar esta vida de sofrimento, esta vida que
é só dor, dor e morte. Morte que vive na dor e dor que vive na morte. Tenho medo
do sofrimento, causa-me pavor, parece-me que o aborreço e odeio. E não posso com
mais ânsias de mais e mais sofrimentos; consome-me a fome de sofrer. Tenho fome
da dor da humanidade inteira. E toda, toda para mim essa dor, para mim sem ser
para mim. Exige-a de mim a vida divina. Eu, por mim, desalento por não poder
sofrer e morro por não saber amar. Quando, mo meio do deserto imenso, o meu
coração e a minha alma bradam ao céu a pedir socorro, sem o receber de Deus nem
dos homens, fico como que desorientada e perdida. Mas a fome da cruz e do amor a
Jesus surgem-me de repente, fazem-me despertar novas ânsias; abraço-me mais
fortemente a tudo o que me dá o Senhor e fico-me nestas reflexões: perdoai-me,
Jesus, os meus desfalecimentos, perdoai-me tudo quanto Vos possa desgostar,
alcançai-me a graça de não Vos ofender. Conheci-Vos tão cedo e ainda não
principiei a amar-Vos! Que ingrata eu sou; quero viver vida nova, apiedai-Vos de
mim. Tenho tido tantas, tantas saudades de me alimentar! Sem eu querer, levam-me
às lágrimas! Tudo faz parte da minha cruz. Bendito seja o Senhor ! O sangue e os
instrumentos dolorosos da Mãezinha, que Ela me deu do Seu Santíssimo Coração,
continuam a ser para o meu motivo de sofrimento infinito. O meu coração tem que
muitos, muitos rebentos e fazer que eles cresçam e floresçam. Mas ai ! Pobre de
mim, não sou capaz de nada. Que pena eu tenho de não ser para Jesus e para a
Mãezinha aquilo que Eles querem e desejam! Não sei que sinto a mais no coração.
Parece que dentro dele há alguém que, à semelhança dos pescadores, deita redes e
mais redes para apanhar este mundo imenso de almas. Quantas mais redes saem para
fora do coração, mais redes tem para deitar. E que ânsias infinitamente grandes
de as possuir todas, todas cheiinhas. Que tarefa, que canseira incessante! Eu
habito nas minhas torres, naquelas torres de que há muito não falo. Estou no
último andar, atingiu o máximo a sua altura. Tenho medo, muito medo de habitar
nelas. Lá não existe luz, tudo se apagou e morreu. Sinto que ninguém sabe que
elas existem. Sou ignorante e sou morte; o ignorante nada diz e a morte nada
fala. O que me espera, meu Deus! Parece que tenho ouvidos para toda a parte da
terra, e de toda a parte ouço a voz de dor e de espanto pavoroso. Todo o meu ser
parece estar espicaçado duma chuva de espinhos que o penetra. Chora o coração,
chora a alma, cheios de agonia, e a justiça do Senhor enterra-me, leva-me aos
abismos, desfaz-me sob o seu peso. Ontem vivi o dia, fitando o Horto, ansiando o
Horto. À noite, prostrada em agonia, dele vi o Calvário, a Cruz e os maus tratos
que me esperavam. Não me importava o que tinha de sofrer, só ansiava voar para
ela, para nela dar a vida. Nestas ânsias deixei-me prender, deixei-me condenar,
assumi para mim toda a podridão e dívida humana. Esta manhã, sujeita à cruz,
segui o Calvário; curvada sob o peso imenso, o meu rosto quase chegado à terra.
Na minha cabeça ia a cabeça sacrossanta de Jesus, cercada de acerbíssimos
espinhos. Por todas as feridas caía uma chuva de sangue que regava com
abundância os caminhos do Calvário. No cimo fui crucificada, e levantada ao alto
a cruz ; continuou a ser a montanha regada. O meu brado de agonia ecoava como a
dinamite na rocha, mas o Céu, sim, o Céu, para mim parecia fechado. E a
ingratidão dos homens sempre a ferir-me, sempre a levar-me à morte. As setas do
coração da Mãezinha passavam para o meu coração, e este segredava-lhe : “minha
Mãe, aceita o mundo que é Teu ; é filho do meu sangue e filho da Tua dor. Para o
salvar tens de cooperar comigo”. Neste segredo íntimo, com os olhos fitos no
Céu, acrescentei : está tudo consumado ; Pai, nas tuas mãos encomendo o meu
espírito. Tudo ficou no silêncio da morte. Veio interrompê-lo Jesus. Deu-me de
novo a vida e disse-me:
― “O Céu abre-se, minha filha, pela tua
dor, para aqueles para quem estava fechado. Tu és a chave com que os pecadores
abrem a porta da mansão celeste. Tem coragem, minha filha, tem coragem. O mundo
não é tão cruel para ti como o foi para mim. Se és perseguida, também Eu o fui.
És caluniada, o teu Esposo Jesus foi-o também. XE "Alexandrina : cópia
de Jesus" És a cópia mais fiel de
Jesus. É o teu Calvário. A vítima de missão tão nobre tinha de sofrer assim.
Coragem, coragem ! Só à custa de dor e sangue as almas podem ser salvas. Sofre,
sofre, deixa que Eu te imole. A imolação é o selo das almas vítimas, das almas
de eleição, escolhidas por Jesus. Ó minha filha, minha filha, não duvides da tua
vida, é a verdade pura, é a verdade tal e qual é a vida de Jesus, só a vida de
Jesus em ti. Olha, minha filha, tem presente, sempre presente, aquelas almas que
prometeram serem minhas, que se consagraram a Mim, e estão às portas do inferno,
já nas garras de Satanás. Só a dor, só o martírio as pode arrancar. Só a tua
imolação contínua as pode salvar”.
― Ó meu Jesus, ó
meu Jesus, não me poupeis, não, meu Amor. Poupai-as a elas às penas eternas. Não
me liberteis a mim da cruz, libertai-as a elas das garras do demónio. Vejo que
sois todo amor, sinto que sois todo amor, sei e sinto que sois todo perdão e
misericórdia ; sede agora, sede sempre Pai compassivo, Pai que tudo esquece e
tudo perdoa.
― “Minha
filha, minha filha, nada negues ao teu Jesus. Minha filha, minha filha, atende
ao mendigo divino, que bate sempre à porta do teu coração generoso. XE "Portugal :
está em perigo" Portugal, o pobre
Portugal, o infiel Portugal está em grande perigo. Ele não correspondeu às
graças que lhe deu o Céu ; ele não correspondeu ao amor que lhe tem o meu divino
Coração e o de minha bendita Mãe. Ora, ora e sofre muito por ele. Escolhi-te
para vítima do mundo inteiro, escolhi-te para luz e salvação do mesmo. Mas
coloquei-te neste Calvário. No centro da província portuguesa, para seres mais e
mais luz, mais e mais farol, mais e mais salvação. Vem receber a gota do meu
divino Sangue; é gota que leva nela a tua vida; é gota que te alimenta, que te
dá a paz, que te dá a força para a vitória, para o triunfo do teu Calvário.
Deixa, deixa que os meus Anjos te apertem os cravos, Anjos que te comunicam a
sua pureza, Anjos que te rodeiam e velam por ti. Fica, fica bem cingida à cruz,
toda inebriada em amor, deste amor que supera e abunda no meu divino Coração.
Todas as riquezas, de que ele está cheio, são tuas. Compra com elas as almas.
Salva com elas o mundo em perigo, o mundo em perigo. Pede-lhe oração, pede-lhe
penitência, vida nova, vida nova. Vai em paz”.
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus. Custa-me sair deste oceano de amor, mas saio e vou contente
para a minha cruz, lutar sozinha, aparentemente sozinha, bem o sei. Perdoai-me,
meu doce Amor.
Por amor de Jesus e
para o bem das almas, obedecerei até à morte. Não posso falar. Estou com se
estivessem a finalizar os meus dias. Meu Deus, quando será o último da minha
vida ? São tão longos, os Vossos breves ! Este agravamento do meu mal é talvez
só para mais e mais sofrer. Não posso, mas quero, meu Jesus. A vontade está
pronta para o sacrifício, para o martírio, para a morte. Fugi do Horto e
entreguei-me ao Horto e assumi a mim toda a miséria humana. Entrei nas ruas da
amargura e segui para o Calvário. No cimo dele, reguei-o com o sangue. O meu
coração desfez-se em amor e fez-se todo podridão. Amou tanto, tanto que se
entregou ao Pai como réu de toda a culpa, para repará-la. Amou loucamente, até
dar a vida para que nós possuíssemos a eterna vida do Céu. Jesus entregou o Seu
espírito ao Eterno Pai. Passei por aquela reparação, pareceu-me morrer também.
Pouco tempo depois, uma luz brilhante iluminou a minha alma, e Jesus falou-me:
― “O
sol divino brilha. A vida de Jesus vive na Sua vítima, na Sua esposa querida.
Sim, sim, minha filha, esposa amada, só a vida de Jesus vive em ti, só o sol
divino brilha na tua alma. XE "Podridão : morte
dos pecadores" A podridão, a
morte, toda a morte, que tu sentes, é a podridão dos pecadores, é a morte das
suas almas. Minha filha, minha filha, as punhaladas rasgam-me o peito, vazam de
um lado ao outro o meu Divino Coração. Estas repetem-se aos milhares, aos
milhões, a cada momento. Que chuva, que chuva constante de crimes !”
― Não
posso, Jesus, não posso sentir no meu peito, no meu coração tantas punhaladas,
tantas lançadas. Ai, Jesus, ai Jesus, sabeis por que não posso, meu Amor ?
Porque sinto que é o Vosso peito, o Vosso Coração a sofrer isto tudo, e eu não
posso, não aguento com a Vossa dor. Eu quero-Vos, meu Jesus, sim, eu quero-Vos
dentro do meu pobre coração, mas é só para resguardar-Vos de todos estes
sofrimentos e não para Vos deixar ferir.
― “Sossega,
sossega, minha filha ; sossega, sossega, flor eucarística ; sossega, sossega,
louquinha do meu Divino Coração. És tu, tu, sim, misticamente a sofrer tudo
isto. Eu venço, Eu triunfo ; venço por ti e em ti ; triunfo, porque cooperas
comigo, porque és fidelíssima à tua missão de vítima. A tua generosidade está
pronta, sempre pronta. O que tu sentes, minha filha, todo este sofrimento vinha
para Mim, se não fosses vítima, se por Mim não sofresses”.
― Ó
Jesus, sois sempre Vós e não eu, pobrezinha ; por mim nada vencia, nada era
capaz de sofrer.
― “Tens
razão, minha filha, sem mim nada podes. Mas, para eu operar todas as maravilhas
nas almas, não posso obrigá-las, têm elas de cooperarem comigo. Sofre, sofre
sempre por Mim, aceita todas as lançadas, chora as minhas lágrimas. O mundo, o
mundo ! As almas, aquelas almas que me arrancam o Coração ! Eu quero salvá-las !
Faço tudo, mas elas fogem, elas querem perder-se”.
― Não
choreis, Jesus, não. Eu choro, eu quero chorar. Dou-me a Vós, a Vós me entrego.
Descarregai sobre mim tudo o que for sofrimento, mas poupai o mundo e poupai
essas almas; ai! poupai-as ao fogo eterno.
― “A
paz, a paz de Jesus seja contigo para tranquilizar o teu coração. XE "Sangue : recebe
a gota" Recebe a gota do Meu
divino Sangue, o Sangue que te leva a vida, o Sangue que te leva o amor, todo o
amor. É esta vida, filhinha, é este amor que as almas por ti recebem com toda a
abundância. Pede-lhes em troca, pede à humanidade inteira o amor ao meu Divino
Coração ; pede-lhe oração, pede-lhe penitência”.
― Eu
vou pedir, vou, meu Jesus, e peço-Vos também por todos os que me são queridos;
coloco no Vosso Divino Coração todas as minhas intenções e por fim o mundo
inteiro.
― “Fica
na tua cruz, leva a minha paz, o meu amor sorri a todo o martírio”.
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus.
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