FEVEREIRO
São tremendos os
meus dias. É pavorosa a minha existência neste exílio. O corpo, a pobre
natureza, não tem força para mais. A alma está na maior das agonias. Brada num
deserto imenso, não há quem se compadeça dela. O que será de mim, meu Deus ?
Como vencer, se me abandonais ? Vejo perdida toda a minha vida. Sinto como se
nada adiantassem tantos anos de sofrimentos. Eu não vou cair no desespero, estou
certa que é Jesus e a Mãezinha, mesmo sem eu dar por conta, que me têm amparado.
Na noite de 28 para 29, XE "Tentação
contra a fé" tive uma grande
tentação contra a Fé, contra a existência de Deus. E mais, meu Deus, muito mais,
o que não explico aqui com temor de prejudicar alguém. Não sei como devo
proceder e neste receio mais nada digo. Por várias vezes me veio ao pensamento
deixar de comungar. Mas como, meu Deus, se só Jesus é a minha força. E, depois,
o receio de dar escândalo por deixar a Sagrada Comunhão ! Ai de mim, pobre de
quem está assim tão sozinha ! Não posso mais, continuo a não poder falar. Só
Jesus e as almas são a causa do meu indizível esforço. Ainda continua no meu
coração o sangue e o ferimento do Coração Imaculado da Mãezinha, unido ao de
Jesus. Que dor imensa, que dor infinita ! Os enxertos têm de brotar, crescer e
florir no meu coração. A mim parece-me que os não deixo crescer, que os
enveneno, derroto e faço desaparecer. O meu Horto de ontem foi de duas formas. O
Horto da agonia do que em mim se passou, e o Horto de dor dos meus queridos
amigos, o Horto de Jesus e da Mãezinha que tanto me fizeram associar à dor e à
agonia dos Seus Santíssimos Corações. Senti muitos sofrimentos da paixão de
Jesus, agonizei e suei sangue. A noite foi um doloroso Calvário. Sempre que me
foi possível, fiz companhia a Jesus, ora nos sacrários, ora na prisão, sempre
prisioneira com Ele. Hoje, segui para a montanha. O coração foi vítima da
amargura e dos tormentos de Jesus. Pregada na cruz, todo o meu corpo estava
submetido no de Jesus, e as Suas chagas derramavam sangue sobre as minhas ; era
o sangue de Jesus que regava todo o Calvário. Quando Ele expirou, eu expirei com
Ele e o meu coração expirou todo abrasado em amor que cobriu todo o Calvário.
Depois de uns momentos de silêncio mortal, Jesus voltou a dar-me a vida,
incendiou-me o coração e disse-me:
― “Hoje,
minha filha, peço amor, muito amor, amor puro, semelhante ao meu divino amor.
Não posso, não posso mais com os crimes dos homens. Venho pedir amor, muito
amor, amor puro, semelhante ao do meu Divino Coração, para suavizar tanta dor,
para cicatrizar as minhas chagas. Ó mundo, ó mundo cruel e ingrato, como te
atreves a apunhalar e a ferir o teu Deus e Senhor ?”
― Ó
Jesus, ó Jesus, não consinto mais ; não posso consentir, nem mais uma punhalada
eu deixo ir de encontro ao Vosso Divino Coração. Coloco à frente do Vosso o meu
pobre e indigno coração. Estou certa, Jesus, que essas punhaladas tão cruéis,
que eu vi cravarem-se no Vosso Divino Coração, não se repetem mais no Vosso, mas
sim no meu, meu doce Amor. Jesus, Jesus, ó meu querido Jesus ferido, não
consentirei mais, não consentirei mais.
― “Ó
minha filha, minha querida filha, heroína sem igual, o mundo é cruel para mim,
os pecadores são cruéis assassinos do meu Divino Coração. Mas olha, Eu em ti
encontrei o bálsamo que me cura, o remédio que faz desaparecer de mim todas as
chagas e arranca deste Coração, que tanto amou e ama, todos os punhais que Lhe
foram cravados, todos os espinhos que o cercam. Sofre, sofre, minha filha, minha
pomba bela, florinha da Eucaristia. Sofre, porque o teu sofrimento é sofrimento
de salvação, é o mais agradável ao meu eterno Pai. A tua dor, minha filha, é um
incenso de reparação que vai aplacar a Sua justiça divina. Oh ! Como é bela e
agradável aos olhos do Senhor a alma vítima, a vítima de imolação. Escuta,
escuta, filha querida; está em paz, enche-te da paz que te dá Jesus. Tudo quanto
sofreste foi uma reparação que de ti exigi, para que não fosse, naquela noite e
naquela hora, aquela alma cair no inferno. Hás-de dizer tudo, dar-te-ei a
coragem. São lições que Eu dou, lições que devem ser aprendidas e bem decoradas
para sempre. Vem receber a gota do meu divino Sangue; depois os dois Corações
unidos, o da vítima com o de Jesus; passou lentamente o sangue virginal, o
sangue que tem sido e será a tua vida, o sangue que é fonte salvação para
quantos de ti a quiserem receber”.
― Ó
Jesus, dai-me tudo, dai-me tudo para eu sofrer, desde que me deis a Vossa graça,
o Vosso Amor, mas atendei às minhas preces, atendei, atendei, Jesus, não olheis
a esta pobre, amais pobre e miserável, que Vos pede, mas olhai às Vossas divinas
promessas e à Vossa exigência em me mandardes pedir-Vos. Peço, Jesus, peço e
confio.
― “Pede,
pede, minha filha. Se tu soubesses o que seria se não sofresses, se não
pedisses ! Pede-Me, pede-Me, não desanimes. Tem coragem, fica na tua cruz. Pede
ao mundo que me atenda, que faça oração e penitência, que se emende dos seus
crimes”.
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus ; muito obrigada, meu doce Amor.
Depois duma noite
angustiosa, tormentosa, ou melhor, pavorosa, sem poder separar-me de tanto
sofrer e suavizar a dor daqueles a quem tanto ano, fiz com isto a preparação
para a vinda de Jesus ao meu coração, que ainda ardia com o fogo que ontem
recebera. Comunguei, o fogo incendiou-se, a nova vida de Jesus fez-me reviver, e
logo ouvi a Sua voz divina, que dizia :
― “É
tão lindo, tão lindo o Céu ! Só à custa de dor, só à custa de sofrimento é que
pode ser essa beleza celestial dada às almas. Minha filha, minha filha, tem
coragem, coragem heróica, aquela coragem própria só dos santos. Minha filha,
minha filha, o Céu é belo, o Céu é belo. Minha filha, minha filha, as almas
fogem. O mundo está em perigo. É necessária, é urgente a imolação. É necessário,
é urgente que haja dor, dor profunda, dor que faça sangrar o teu coração e o de
todos os que te rodeiam e mais de perto cuidam de ti.
Diz, minha filha,
ao teu Paizinho que só no Céu pode ser compreendido o porquê de tantos
sofrimentos, de tantos espinhos. Pena tenho, pena tenho, filha querida, que tão
poucos dos Meus sacerdotes compreendam a fundo a vida divina, a verdadeira vida
de Jesus nas almas. Não a vivem e por isso não a sabem compreender.
E, depois, Jesus
sofre e sofre porque não tem almas de eleição, almas vítimas que cheguem a
reparar por tantos crimes. Dá ao teu Paizinho todo o meu amor e a certeza de que
a luz brilha, as palavras de Jesus se cumprem, as Suas promessas se realizam.
Diz ao teu médico
que se abrace à cruz, que se curve reverente, com alegria, à passagem da mão
benfazeja do Senhor. Jesus passa e fere, porque muito o ama e muito se delicia
no seu jardim florido. Ele tem que compartilhar da imolação e missão da minha
vítima. Dá-lhe amor, amor, sempre amor”.
― Ó
meu Jesus, ó meu Jesus, perco a coragem para tudo. Lembro-me que sou eu a causa
de tantos males, de tantos sofrimentos.
― “És,
és, minha filha, a causa de grandes bens, dos maiores bens, dos maiores bens.
Pede-me, pede-me, porque tudo o que Eu faço é só por amor e para evitar grandes
males. Vem, minha bendita Mãe. Conforta a nossa filhinha. Purifica-a com a tua
pureza, limpa-lhe com ela toda a poeira, deixa-a alva, mais alva do que a neve”.
― Ó
Mãezinha, ó Mãezinha, Vós sois toda luz, Vós sois toda amor. Só em teus braços e
nos de Jesus estou bem.
― “Minha
filhinha, minha filhinha, querida esposa do meu Jesus, avivo no teu coração,
avivo de novo as feridas que há um mês te produziram os instrumentos que feriram
o meu Coração. Tiro um instrumento do teu coração, para vir ao meu buscar mais
sangue, para fortalecer mais a enxertia que foi feita em teu coração. É a
enxertia das almas. Repara o meu Coração e o Coração Divino de Jesus. Repara-nos
continuamente pelos crimes do mundo e pelos sacerdotes desvairados, que estão
prestes a cair no inferno. Ai deles sem a tua reparação, ai do mundo, ai de
Portugal ! Leva o amor de Jesus e de Maria, leva-o e dá-o ao teu Paizinho, ao
teu médico, dá-o a todos os que te são queridos. É amor que dá tudo, é amor que
dá coragem, toda a coragem, que vence toda a dor. Coragem, coragem”.
― Obrigada,
Jesus, obrigada, Mãezinha. Depois das Vossas carícias, ó Jesus, ó Mãezinha, mais
uma vez Vos peço: atendei, atendei aos meus pedidos, ás minhas preces. Obrigada,
Jesus, obrigada, Mãezinha.
O mundo está morto,
fui eu que lhe dei a morte. Não posso fitar esta mortandade, nem o nojo que tal
podridão me causa. É infinita a minha dor. Sinto o meu coração unido aos
Corações Divinos de Jesus e da Mãezinha ; está unido a Eles só para sofrer.
Chegam ao meu pobre coração todas as coisas que ferem Os d’Eles. É infinita, é
infinita, sim, a minha dor, porque é a dor de Jesus. Não posso com ela, não
tenho forças nem coragem para mais. Ceguei e não vi mais a luz, caí e não mais
me levantei. Parece que fiquei a meio do Calvário. E, agora, sem luz, sem guia e
sem vida, não posso chegar ao termo da minha viagem. Brado, brado num bosque
imenso; sai da minha morte este brado, não chega ao Céu, e na terra não existe
quem me possa valer. Temo e tremo com tudo e diante de todos ; parece que de
todos desconfio, e que todos me desprezam, e diante deles me apavoro. Queria
viver num lugar solitário, na maior solidão, sem ter quem me fitasse e separasse
da união com o meu Deus. Ai de mim! Quantas vezes me parece que Ele não existe.
Duvido de todas as coisas de Deus e da Sua existência. Duvido sem querer
duvidar. É uma luta, é um combate constante. Quero amar o meu Senhor, não quero
separar-me d’Ele e tudo por Ele quero sofrer e não sou capaz de nada, sou inútil
para tudo. Sofro, sofro por Jesus, por saber que Ele é ofendido. Sofro, sofro
pelos que me são queridos, por sentir que sou eu, só eu a sua ruína, a causa de
todos os seus males, que Jesus os castiga por eles me amarem e acreditarem em
mim.
― Ó
Jesus, ó Mãezinha, compadecei-Vos desta alma triste e atribulada ! Temo-me a mim
mesma, não acredito em mim, tenho dúvidas de toda a minha vida, apesar de nada
fazer, de nada sofrer, a não ser por Jesus, para O consolar e alegrar. Não faço
a mínima coisinha com os olhos no mundo nem nas criaturas. Não quero as suas
honras nem louvores para nada. Não me importa de ser sempre humilhada, contanto
que eu faça em tudo a vontade do Senhor e do Céu para tudo me venha a força.
Toda a humanidade levantou muralhas à volta de mim, tão altas, tão altas que
parecem chegar ao Céu. Entre elas estão as minhas torres a desfazerem-se de
velhinhas, e eu sozinha a habitar nelas. Sinto o coração e a alma em sangue, e
os tais enxertos, que de mim rebentaram e têm que florir, a serem derrotados
pelo vendaval. O chilrear das avezinhas, a anunciar a aproximação da Primavera,
cheia de flores e encantos da natureza, é para todo o meu ser um outro Calvário
que não posso aguentar. O Senhor seja bendito. Foi nestes sentimentos
angustiosos que passei o meu Horto de ontem. O mundo caiu sobre mim, eu fiquei
toda mundo, e o Céu caiu com todo o rigor da sua justiça sobre mim. Assim
esmagada, suei sangue e agonizei. Durante a noite, o meu coração e a minha alma
tiveram que sofrer com Jesus. E, nesta manhã, com a cabeça coroada de espinhos,
segui para o Calvário. O meu corpo descarnado era como que um esqueleto em
sangue. O coração estava ainda mais ferido. A dor era ainda mais violenta.
Sentia um tormento indizível. A mesma dor continuou, quando já pregada na cruz.
Ai! só o Céu pode ser testemunha de tanta dor! Só Jesus a pode compreender. Só
Ele podia resistir no meu pobre corpo. A dor, sim, aquela dor infinita não é
capaz a minha ignorância de a fazer compreender. O brado da minha alma ao Céu
não podia cessar. Todo o meu ser era coração para amar e se entregar ao Pai. Foi
n’Ele que Jesus expirou e foi com Jesus que eu expirei também. Fiquei no
silêncio da morte, interrompido pela voz de Jesus, que me disse :
― “Vem,
vem, minha filha. Jesus quer abraçar-te, quer estreitar-te ao Seu Divino
Coração, quer-te, minha filha, mais que às pupilas dos Seus olhos… Quero-te e
amo-te a mais não poder amar-te, apesar de todos os teus desfalecimentos.
Anima-te, anima-te, tem coragem. É Jesus sobre ti com dura prova, com a maior de
todas as provas. Não sou eu que exijo, minha filha. É o mundo em guerra, é o
mundo em incêndio de crimes, são aquelas almas que tu sabes, que Eu te fiz
conhecer. São essas que exigem tantos e tantos sofrimentos, uma vez que és a
vítima mais amada do Senhor e de maior generosidade e amor. Provo-te assim desta
forma. Não és tu que fazes sofrer os que te são queridos. Sou Eu que o quero,
sou Eu que o exijo e assim o permito. Sabes porquê, minha filha ? Aqueles, a
quem mais amo e estão perto de ti, têm de partilhar da tua imolação, do teu
Calvário. A missão é nobre, é a mais sublime… a reparação que o mundo exige não
podia ser dada só por ti”.
― Perdoai-me,
meu Jesus, perdoai-me. Estou tão triste, em tanta agonia, parece que nem
acredito. Não acredito, não, meu Jesus, mas é só em mim. Vós sois a verdade, mas
eu sou nada.
― “Coragem,
coragem, acredita no que te diz Jesus. Tudo o que em ti se passa, já há muito
que Eu te vinha prevenindo ; nem comigo terás luz, nem comigo terás a certeza de
que sou Eu, a não ser aquela luz e certeza que te é precisa para resistires à
tua imolação, ao teu calvário. Custa muito ao meu Divino Coração e ao de minha
bendita Mãe ver-te assim sofrer, fazer-te sofrer assim. XE "São
poucas as almas que se deixam sacrificar"
Mas são tão poucas as almas que se deixam crucificar ! E, assim desta forma, com
tal generosidade e tal amor, és a primeira, minha pomba bela, florinha
eucarística”.
― Ó
Jesus, dáveis-me mais certeza de que éreis Vós, se me humilhásseis, se me
dissésseis o muito que eu Vos tenho ofendido. É certo que eu me sinto humilhada,
muito humilhada, olhando para mim. Se olho para Vós e a Vós atendo, vejo bem
claramente que todas as coisas são Vossas, e que é delas que Vós falais. E então
permiti-me que eu Vos diga o meu grande obrigada, o eterno obrigada, e abraço no
meu coração tudo quanto me quiserdes dar. Com a Vossa graça, todo o sofrimento;
estou pronta, estou pronta, Jesus. Agora sinto o meu coração mais forte e sinto
mais, muito mais, o Vosso divino amor.
― “Sabes
para que é esse amor e essa fortaleza ? É para dizer-te, minha filha amada, que
contes com mais, mais sofrimentos daqueles que tanto, tanto te custam e fazem
desanimar. Só, assim, aquelas almas infelizes não cairão no inferno. Aceitas,
aceitas ?...”
― Aceito,
aceito, Jesus. Parece que me tiraram todo o sangue. Eu aceito, mas tudo Vos
entrego. Velai, velai, para que Vos não ofenda.
― “Vem
então receber a XE "Sangue : vem
receber a gota" gota do Meu
Divino Sangue, que vai dar força e vida ao teu sangue. É sangue novo e vida nova
que vai correr nas tuas veias, que vai viver em ti. Fica na tua cruz, fica com
alegria, encobre com o teu sorriso, o mais que te seja possível, o martírio da
tua alma. E com o teu sorriso, ou melhor, o Meu sorriso que está nos teus
lábios, que fazes o bem, grande bem, o maior bem, a tão grande número de almas.
Eu estou com o Pai e o Espírito Santo, no teu coração. Falo pelos teus lábios e
sorrio pelos teus lábios. Vai em paz e pede ao mundo a sério, a sério que atenda
aos pedidos de Jesus, que repare bem nas Suas ameaças. A justiça cai, a justiça
cai”.
― Obrigada
por tudo, meu Jesus, e perdão, e misericórdia para a humanidade inteira. Atiro
para o Vosso Divino Coração as minhas intenções. Aceitai-as e atendei aos meus
desejos, meu Jesus.
No meio do bosque
deste mundo, continuo a bradar. As muralhas que me rodeiam abafam este brado,
não o deixam ecoar nem chegar ao Céu, e na terra parece não haver folgo vivo que
possa valer-me. Tudo é morte, tudo é morte, e fui eu quem lha dei, fui eu o
veneno da pobre humanidade. As minhas torres carcomidas desfazem-se, e tudo
sobre a minha morte fica reduzido ao nada. Tremendo, pavoroso abandono ; não
tenho ninguém por mim. Parece que todo o amor, amparo e todas as coisas, que por
mim eram feitas, agora me são dadas com a maior má vontade e aborrecimento.
Sofro, sofro indizivelmente. Até agora parecia chorar eu o bem que fazia, mas
agora é mais duro ainda, parecem todos chorar a amizade forçada que me
dispensam. Meu Deus, quantas dúvidas do Senhor e de todo o Céu ! Que tremendas
tentações ! Quantos segredos eu escondo nelas. Nestes dias foram três que me
levaram a todo o receio de pecar, de ofender muito, mas muito, o meu Jesus, e
vinha-me a tentação de deixar de O receber. Mas, ai de mim, como resistir sem a
Eucaristia ? Uma destas pavorosas tentações principiou quinze minutos depois de
eu ter comungado. Parece que não podia acreditar que tal pudesse suceder. Mas a
minha alma viu tantas coisas que a fez compreender porque Jesus tal permitiu. Se
eu pudesse acreditar sempre, então não sofria. Mas são tão raros e tão escassos
os momentos ! Apesar de estar tão desordenada e fora de mim, chamei muitas vezes
por Jesus e pela Mãezinha, renovei-Lhe a minha oferta de vítima, mesmo sem saber
d’Eles e a sentir que tudo me rejeitavam. A terra abria-se em fendas, as chamas
do inferno pareciam juntar-se ao fogo das paixões, e os demónios, por aquelas
fendas, por entre as chamas, estendiam as suas negras mãos, tentavam ver se
conseguiam arrastar-se para lá. Não me chegaram, nada conseguiram, mas eu
reconheci que era digna de todo o inferno, e então dizia : antes quero, meu
Jesus, o inferno por toda a eternidade do que ofender-Vos, desgostar-Vos por um
só momento. Também já vai há uns dias que eu diviso ao longe, muito ao longe,
aquela morte que já por mais vezes tenho divisado e sentido. Esta morte vem de
encontro à vida que possuo, que não é minha, mas tenho eu que aceitá-la e sofrer
todos os tormentos que com ela me traz. Estou pronta, sim, meu Jesus, dai-me a
Vossa força e graça, sou a Vossa vítima. a minha alma não pode deixar de chorar,
nem o coração de sangrar. São tantos os punhais, são tantos e tão variados os
espinhos ! Meu Deus, meu Deus, valei-me, não tenho força para sofrer. Ontem à
noite, a minha alma estava sozinha, no meio do Horto. A dor era infinita e o meu
sangue banhava a terra. Foi dali que eu vi o Calvário e o abracei, num abraço
eterno, com todo o martírio que ele me mostrava. Recebi o beijo de Judas e fui
para a prisão. Velei com Jesus durante a noite. De manhãzinha, o meu coração
adivinhava o quanto sofria o Coração da Mãezinha, e com que ansiedade Ela andava
à minha procura, ou melhor, à procura de Jesus. Segui para o Calvário, e Ela,
lagrimosa, saiu-me ao encontro. Quantas coisas um ao outro disseram os nossos
corações ! No alto da cruz, eu estava crucificada com Jesus, e Ela, de pé,
sofria a mesma dor e agonia. A sacrossanta cabeça de Jesus, coroada de espinhos,
estava unida à minha, rosto com rosto, alma com alma, coração com coração. De
dentro do meu, falava o Coração de Jesus ao Coração de Mãezinha, e entendiam-se
muito bem. Nesta união, expirou Jesus, eu expirei com Ele. Pouco depois,
triunfei da morte. Jesus aqueceu-me o coração, fez-me viver e disse-me :
― “Minha
filha, minha filha, é grande e rico, infinitamente grande, infinitamente rico, o
meu Divino Coração. E faz grande, rico, infinitamente grande, infinitamente
rico, o teu. As minhas grandezas e riquezas são as tuas. A minha vida é a tua
vida, sou Eu quem vive em ti. Tu vives a minha vida dolorosa e vives a minha
vida de triunfo. Vives a vida dolorosa para Me reparares e consolares; vives a
minha vida de triunfo, para me honrares e louvares. Comigo triunfas em tudo e
sobre tudo. Minha filha, minha filha, flor mimosa, flor perfumada da Eucaristia,
Eu não consenti nem consentirei jamais que tu Me desgostes na reparação que te
peço. Confia, confia, minha filha ; se não fora a tua reparação heróica, muitas
almas iriam do pecado para o inferno. E, sobretudo, o maior número daquelas que
se consagram a Mim, daquelas de quem Eu tudo devia receber, daquelas que deviam
ser as primeiras no amor, no sacrifício, na renúncia de si mesmas, daquelas que
mais que todas as outras deviam ser puras, santas, para santificar a humanidade.
Está triste o Meu Divino Coração, e comigo O de Minha Bendita Mãe. O teu sangra
e há-de sangrar sempre, para que os Nossos não sangrem. Tu sentes que morres de
dor, para que as almas não morram no pecado, e seja essa morte eternamente”.
― Ó
Jesus, ó Jesus, Vós bem sabeis que sois tudo para o meu pobre coração. Eu queria
ser perfeita, o mais perfeita possível no cumprimento do meu dever; eu queria
ser pura, o mais pura possível para cumprir a Vossa vontade, para desempenhar a
minha missão. Temo e tremo, duvido de mim. Temo e tremo, Jesus, estou receosa de
todo o meu viver ; não me falteis com a Vossa Divina Graça. Tudo tenho feito só
com os olhos em Vós, só com o fim de Vos agradar e salvar-Vos as almas, todas as
almas em perigo, toas aquelas que se afastam de Vós. Mas ai de mim, sinto que
não sou capaz de nada e sinto que Vós não podíeis viver sem mim, nem em mim
operar tantas graças.
― “Ó
minha filha, minha filha, não duvides do poder divino. Eu com a minha sabedoria
e santidade preparei-te para esta árdua missão, a missão mais sublime de todas
as missões. Aparece o teu nada e miséria, para esconder a minha grandeza e
sabedoria. Tudo para ti se esconde nas sombras das tuas faltas. Se não fosses
preparada divinamente, Eu não poderia falar-te como te falo, empregar os títulos
que tenho empregado, e que alguém duvida por Eu te falar assim. Pobre ignorância
e cegueira humana ! Se conhecessem a grandeza de Deus, a santidade e pureza de
Deus e a vida divina nas almas, não duvidavam, acreditavam firmemente,
procuravam assemelhar-se àquelas que Eu tanto assemelhei a Mim. XE "Sangue : vem
receber a gota" Vem, minha filha,
filha querida, vítima generosa, luz e farol do mundo, recebe a gota do divino
sangue. Passou a vida de que vives, passou a força, para mais e melhor dares ao
teu Jesus a reparação que de ti exigir. Fica na cruz, é sempre nela crucificada
que acodes ao mundo em guerra, ao mundo culpado. Pede-lhe reparação e
reconciliação comigo, pede-lhe emenda de vida, diz-lhe que tema e trema com as
ameaças constantes do Meu Eterno Pai”.
― Aceito,
aceito, meu Jesus, que estes cravos me sejam mais apertados ; aceito toda a
imolação que Vos aprouver dar-me, mas aceitai também as minhas preces e atendei
aos meus pedidos ; sabeis o que eu quero e agora me está presente, mais presente
no coração. Não olheis para mim, que nada mereço ; olhai para Vós que sois
Todo-Poderoso. Confio, confio, meu Jesus.
― “Confia,
confia, minha filha, podes confiar. Tudo o que faço é por amor e para melhor.
Vai em paz”.
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus.
Está em sangue,
todo em sangue, é uma chaga viva, profunda e dolorosa, o meu coração ; não
cicatriza um só momento. Tem segredos a minha dor, o meu martírio. Os espinhos,
que me ferem, são variadíssimos. Ao sentir-me assim tão ferida, desfalecida e
incapaz de resistir a tanta dor, os meus desabafos vão para Jesus e para a
Mãezinha, e digo-lhes: ó Jesus, ó Mãezinha, quem poderá resistir a tanta dor ?
Mas, lembrando-me logo que é d’Eles, dos Seus divinos Corações que me vem a
força, acrescento logo : ai, já sei, é de Vós que eu tudo recebo, é convosco que
em tudo venço. Perdoai-me, perdoai-me. E assim passo os dias e as noites numa
indizível angústia. A minha ignorância nada sabe dizer. A morte não fala,
mostra-se a si mesma, tal qual é. Só sentindo a morte total em todas as coisas,
nós sabemos compreender o que é a morte, a morte real. Novas tentações se
repetiram em mim. Meu Deus, meu Deus, pavoroso Calvário e por vezes pavoroso
estado de alma ! Eu não as digo, tais quais elas são. Tenho medo, muito medo de
escandalizar. Eu sou a autora de todos os males, sou um monstro de podridão e de
vícios. As paixões desordenaram-me, levaram-me à desvergonha e loucura.
Parece-me que as minhas confissões são nulas e as minhas comunhões sacrílegas.
No fim de tão tremendas lutas, a dor do meu coração é superior a toda a dor, é
infinita. Se por um lado a alma e o coração choram, por outro a loucura dos
prazeres é de tal ordem, cega-me de tal forma que não olha à ofensa feita ao
Senhor. Não penso nem me importo do Seu perdão, mas sim busco com toda a maldade
e veneno tudo quanto possa satisfazer os meus desejos infernais; todo o meu ser
é loucura, é prazer e é inferno. E então sinto Jesus a repelir-me. A minha alma
vê-O de face voltada, Ele não pode ver em mim tanto crime. Pobre de mim! Nestes
momentos, quase lhe podia chamar desesperadores, se não fosse a graça do Senhor.
Eu fito a imagem do Coração Divino de Jesus e parece-me que Ele me olha com
olhares repreensivos e de justiça. Fito o rosto imaculado da Mãezinha, e, apesar
de Ela estar inclinada para mim, parece-me que Ela nem para mim olha e fita os
Seus olhos misericordiosos para lugares opostos e não para onde eu estou. O que
fazer a isto, meu Deus ? Renovo o meu acto de abandono e a minha entrega de
vítima e vou repetindo que amo os Seus Divinos Corações, que Lhes quero e que
por Eles tudo aceito, a parecer-me mesmo que nada disto é assim. Vou sofrendo,
sofrendo e confiando, sempre sequiosa de mais e mais sofrer, de mais e mais
amar. Quero sofrer e nada posso sofrer. A vinha dos enxertos do meu coração é
tão grande ! Eu não tenho vida para lhes dar a vida. A tempestade não cessa, a
querer destruir, derrotando, deitando a terra os seus ramos verdes e viçosos. A
morte lá vem de longe, de encontro ao meu coração. Ele vê-a e estende-se para
ela e receber todas as suas crueldades. Ontem, transportada ao Horto, o meu
coração fez-se como uma nuvem que, em vez de absorver água, absorvia toda a dor
e martírio, dor e martírio estes que se transformavam em sangue que ia regar
todo o Calvário e nele a humanidade inteira. Nesta manhã, segui as ruas da
amargura; não podiam ser mais tristes e amargas. O meu coração foi sangrando em
toda a viagem. Quanto mais caminhava, mais espinhos e lanças o feriam. O corpo,
sem poder aguentar o peso da cruz, caiu desfalecido. Jesus parecia que ia
ofegante, dentro de mim. No alto da cruz continuei a senti-lo ofegante, mas
quase sem vida. O Seu Divino Coração agonizante ia agonizando dentro do meu.
Também no meu coração, os Seus divinos lábios balbuciaram : “Tenho sede !” E foi
nesta sede de amor que Jesus entregou o Seu espírito e o meu com O d’Ele.
Depressa senti como se de cima abaixo se rasgasse um véu, e Jesus apareceu-me
com a Sua luz e deu-me a Sua vida. Após uns momentos, falou-me assim :
― “Aqui
está Jesus, o mendigo, o pedinte do amor. Aqui está Jesus, o pedinte, o mendigo
da dor, daquela dor que repara, daquela dor que dá a vida às almas. Repara o
Coração Divino de Jesus, dá às almas a vida da graça, as quais custaram o Seu
Divino Sangue. Reparai, reparai bem quem é o pedinte, quem é o mendigo. É Jesus,
é Jesus, ansioso de se dar, de se dar todo, com todas as riquezas do Seu Divino
Coração. É Jesus, ansioso de possuir inteiramente os corações da humanidade
inteira. Reparai e ponderai como é grande, infinitamente grande o amor
misericordiosíssimo de Jesus. Reparai! Jesus baixa do Céu à terra, vem ao
coração da Sua esposa e vítima pedir, pedir incessantemente. Jesus pede amor e
pede reparação. Ó minha filha, minha filha, os pecadores rasgam à espada o meu
Divino Peito e atingem cruelmente este Coração que tanto amou e ama. Ó minha
filha, minha filha, os meus divinos olhos têm que chorar. Este Coração
amorosíssimo não pode cessar de sangrar ; a chaga está aberta. Fazem-Me chagas
sobre chagas. São os pecadores, são os ingratos, são os cruéis”.
― Sossegai,
sossegai, Jesus. Parem ao longe, muito ao longe, não de mim mas sim de Vós ;
longe de Vós para ferir-Vos, mas perto de Vós para receberem o Vosso perdão.
Parem e venham todos para mim, para ferirem o meu pobre coração, para não
ferirem o Vosso. Parem e venham todos para mim com todas as crueldades, com
todos os martírios, para que eu possa, sim, meu Jesus, dar-Vos a Vós toda a
reparação necessária. Eu quero chorar e chorar sempre, meu Jesus, as Vossas
lágrimas. Eu quero sofrer e sentir sempre as Vossas dores. Parem, parem ao longe
os corações ingratos, para não usarem para Vós de mais ingratidão. Venham,
venham para mim todos. Estou pronta a imolar-me, a sacrificar-me, para não ver o
meu amantíssimo Jesus chorar nem sofrer.
― “Pede,
pede, minha filha, pede mais uma vez a Sua Santidade, ao Papa, ao meu
representante na terra que a sua voz se faça ecoar na humanidade inteira como
trombeta celeste que vem avisar, que vem prevenir, que cai em breve, muito em
breve, sobre o mundo culpado, toda a justiça, toda a vingança do Senhor. Que
mais uma vez ecoe a sua voz de Pai. Filhos meus, pede-vos Jesus. Fazei oração,
fazei penitência. Convertei-vos ! Deixai-vos dos crimes e das iniquidades, minha
filha, minha filha, todo o pai que avisa ama. Todo o pai que repreende é
correcto e fiel à lei do Senhor, assim como Eu o sou à lei do meu Pai”.
― Ó
meu Jesus, ó meu Jesus, estou cheia de medo, estou aprovada. A minha lama vê o
mundo destruído, todo em ruínas. E parece que o Céu, revestido de nuvens negras,
esmaga a terra e sobre ela deixa cair um fogo, um fogo consumidor. É a chuva, é
a chuva da justiça. Bem o compreendo, meu Jesus. Perdoai, perdoai, sou a Vossa
vítima. Perdoai por mais tempo. Perdoai, perdoai sempre.
― “Vem,
minha filha, minha amada filha. XE "Sangue : vem,
minha filha, receber a gota"
Recebe a gota do meu divino Sangue. Uniram-se os corações, O de Jesus com o da
Sua esposa. Passou lentamente a gotinha de sangue. É a tua vida, é a tua vida.
Jesus to afirma. É a força na tua imolação. É a vida que dás às almas. Vives de
Jesus, dás a vida de Jesus. Vives a vida da graça, é a vida da graça que tu dás.
Tem coragem, estou contigo. O meu divino Coração não pode separar-se do teu
coração sofredor. Coragem, coragem ! Fica na cruz”.
― Obrigada,
meu Jesus, obrigada, meu Amor !
Tenho medo de Jesus, tenho medo dos Seus
colóquios, e apetece-me dizer-lhe que os não queria. Tenho medo das visitas.
Queria-me sozinha, no recolhimento, no silêncio. A presença das pessoas causa-me
por vezes tal revolta, quase me levam a impacientar-me. Meu Deus, meu Deus, a
minha cruz, o meu martírio! A dor é tanta, tanta e eu sem força para sofrer.
Quantas vezes me parece que o meu corpo e a minha alma não têm força para sofrer
mais. Tudo o que é dor me apavora, mesmo que o não seja. Continuo a ter medo de
todos e a sentir que tudo quanto fazem por mim é chorado. E continuo a sentir
que sou a causadora de todo o sofrimento e de todos os males de todos quantos me
são queridos. Tenho tido várias tribulações, tremendas tribulações; levam-me o
coração e a alma à maior das agonias. Quando estou quase persuadida de que Jesus
e a Mãezinha, se existem, não olham para mim, fito as Suas imagens com a maior
confiança que me é possível e digo-Lhes : ó Jesus, ó Mãezinha, ainda que seja eu
a praticar todas estas maldades, vícios e crimes, é sempre dentro dos Vossos
Corações que eu os pratico. Não saio, não há quem me arranque d’Eles para fora.
Bem sabeis que antes quero o inferno por toda a eternidade do que só um momento
Vos ofender. Sou a Vossa vítima. os enxertos cá estão no meu coração, vão
crescendo, crescendo, têm que ser regados e cevados com dor e sangue. A
tempestade não cessa, parece que só se satisfaz com a sua completa derrota.
Aquela morte mais estranha vem vindo a passos lentos para mim. Traz à sua frente
as maiores humilhações, tormentos e barbaridades. Ontem, pela noite, o meu
coração fez-se como que uma pomba a descer do Céu; pousou sobre o olival do
Horto ; parecia com o seu biquinho passar para si não sei o quê ; como que o
suco das folhas, e em si sustentava muitos, muitos raminhos, que colhia como
sinal de paz. Queria dar-se, dar-se e receber. E para isso baixou ao solo, louco
de amor envolveu-se em toda a terra. Ficou todo manchado e em troca descarregou
o mundo sobre ele toda a espécie de sofrimentos. Gostava de dizer tudo quanto
senti nesta ocasião. A pureza e o amor do que disse parecer pomba que baixou do
Céu, como ficou manchado o meu coração, que significava tudo isto. A ansiedade
que ele tinha de se dar, para dar toda a felicidade, que era o Céu. E como
ficou, quando se viu envolto no lodo e na lama do mundo. Ficou podre como ele.
E, em troca de tudo isto, só ia receber a ingratidão e tudo quanto era sofrer. A
minha grande ignorância não me permite dizer mais nada. Destes sentimentos e
visão nasceu a agonia e suor de sangue. Depois de uma noite de doloroso
martírio, segui nesta manhã para o Calvário. XE "Missa : celebrada no seu
quarto" Foi celebrada no meu quarto a Santa Missa. Ofereci-me à Mãezinha, para
ser imolada no altar. Pedi-lhe para assistir, como Ela assistiria, ao Santo
Sacrifício. Caminhei para o Calvário. Não tinha nenhuns sentimentos de piedade e
de amor. Fiz quase toda a viagem a sentir o demónio sentado no meu coração.
Causou-me tal tormento que eu queria arrancar, se pudesse, para fora de mim o
coração e atirá-lo ao longe, onde não pudesse mais pertencer-me, nem unir-me a
mim. Crucificada na cruz, ainda continuei a sentir a mesma coisa. O maldito
estava em mim e parecia-me que estava em terreno que não era meu, que não me
pertencia. A Mãezinha estava dolorosa ao pé da cruz. Eu sofri por a ver sofrer.
Sentia a Sua dor. Do coração saiu a entrega do espírito ao Eterno Pai.
Pareceu-me que morri. Jesus veio e fez-me ressuscitar, não com aqueles
sofrimentos, mas sim com a Sua vida, ora dolorosa ora de amor. Falou-me assim :
― “Jesus
vem, Jesus manifesta-se, Jesus mostra-se claramente. O que vem Ele fazer ao
coração da Sua esposa e vítima? Vem falar pelos Seus lábios, vem pedir, vem
mendigar. Reparai, reparai. Estai atentos. É o amor de Jesus. São convites
celestes. Venho pedir amor, venho convidar todos a amar o meu Divino Coração.
Venho, venho, sim, nestes tempos em que as maldades, os crimes hediondos
atingiram toda a altura. Amai, amai o Coração Divino de Jesus. Reparai, reparai
por todas as iniquidades. Ó minha filha, minha filha, Jesus está no teu coração.
Como prova de que Ele está, e não Satanás, não sentes que o expulsei para longe,
muito para longe de ti ?”
― É
verdade, ó meu Jesus, não o sinto a ele, e toda aquela impressão, que tinha de o
arrancar para fora do coração, desapareceu-me. Que terror ! Que terror, meu
Jesus ! Se não fôsseis Vós a resistir em mim, tenho a certeza de que tinha
desfalecido, a ponto de Vos ofender. Sofro assim, porque sois Vós que sofreis,
sim, sofreis em mim; sois a minha força.
― “Dá-me
dor, dá, minha filha. Dá-me toda a reparação que te peço. Tudo o que a tua alma
vê, o que te faço sentir, é a realidade. Minha filha, minha filha, sofre tudo,
tem pena do Coração Divino de Jesus. Sente bem, compenetra-te de quanto Eu
sofro”.
― Mas
eu não posso, Jesus. Não aguento com a Vossa dor. Não posso sentir e não posso
consentir o Vosso Coração Divino assim tão rasgado.
― “Dá
então ao teu Jesus, neste tempo de penitência, toda a reparação que Eu te peço”.
― Custa-me,
Jesus, a dar-Vos a resposta. Tende dó de mim. Não me deixeis iludir. Eu só quero
reparar-Vos e não ofender-Vos. Não, Jesus, não, Jesus.
― “É
Jesus a afirmá-lo : dá-me toda a reparação no género que te tenho pedido, se não
queres ver aquelas almas infelizes serem precipitadas no inferno”.
― Primeiro
Vós, não Vos quero ver ofendido, e depois elas, por Vosso amor. Sim, aceito.
Amparai-me, amparai-me.
― “Conta,
minha filha, conta, minha filha, com o amparo e protecção de Jesus e de Maria…
Jesus ampara-te e fará que alguém te ampare. Sofre com alegria. Deixa Jesus
fazer do teu corpo um farrapo humano, ou pior ainda. O mundo, o mundo, ai o
mundo, não teme o Senhor, não teme a Sua justiça. Estou cansado, estou cansado
de perdoar e prevenir”.
― Ó
meu Jesus, ó meu Jesus, não Vos canseis de prevenir, nem de perdoar.
Compadecei-Vos da humanidade inteira.
― “Vem,
vem, louquinha de Jesus, louquinha das almas, louqinha eucarística. XE
"Sangue : vem, vem receber a gota" Vem receber a gota do meu Divino Sangue. É a
tua vida, é a vida de Jesus a passar para ti. Vives da Eucaristia, vives do
Sangue de Jesus. Deixa que te humilhem, deixa que te caluniem; mais te
assemelhas ao Mestre do Calvário, mais te assemelhas ao Divino Crucificado.
― Ó
Jesus, ó Jesus, queria saber de tudo, mas não queria sofrer. É um sinal do meu
amor-próprio, não é, Jesus?
― “Nunca
o foi, minha filha, e nunca o será. Sem dor não há reparação. XE "Amor : não
existe sem dor" Sem dor não há amor. Tu sofres com a sensibilidade que Eu pus no
teu coração, sensibilidade inigualável. Sabes para quê ? Para maior ser a tua
dor e maior a reparação”.
― Está
bem, meu Jesus. Confio em Vós. Faça-se tal como quereis. Eu estou pronta a
sofrer tudo, contanto que eu Vos ame e não Vos ofenda voluntariamente, meu
Jesus, porque por fraqueza estou sempre a ofender-Vos.
― “Fica
na cruz, minha filha. Ditoso Portugal por ter em si a maior vítima que Jesus
escolheu na humanidade, depois de Maria Santíssima. Ditoso Portugal, ditosa
humanidade, ditosas as almas que são salvas aos milhares, aos milhões, pela
vítima deste calvário. Vai, minha filha, para o teu martírio, vai dar todo o
amor que agora recebeste do meu Divino Coração”.
― Obrigada,
meu Jesus. Obrigada, meu querido amor. Lembrai-Vos e compadecei-Vos do mundo
inteiro. Obrigada, obrigada, meu Jesus.
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