DEZEMBRO
Só com a graça do
Senhor e a Sua força divina eu poderei dizer alguma coisa. Apagou-se a luz da
minha vida, mas de tal forma se apagou que fez perder a vida do mundo inteiro, e
ele todo ficou nas trevas mais intensas, na noite mais pavorosa. Parece-me que
não tenho coração que possa enfrentar tudo isto, resistir a tanto pavor. Não sei
que sinto. Queria que as pedras falassem. Queria que todos os corações se
levantassem num hino de louvor ao Senhor. Não sei como, sou eu a causadora de
este louvor, de este hino lhe ser roubado. Perdi a minha vida, concorri para que
todas as almas a perdessem. Não sou útil para nada e soou inútil para tudo. Esta
minha inutilidade faz a inutilidade do mundo. São estes os sentimentos da minha
alma. É esta a minha vida dolorosa e tremenda. Ai, meu Deus, apiedai-Vos de mim!
Bendita seja a cruz que me dais. Sozinha, mesmo sozinha, no meio do mundo
habitado só por feras, e estas todas contra mim, para me tragarem e tirarem a
vida. Eu, no meio do maior pavor, sem poder ter um brado, porque na terra não
tenho a quem pedir socorro, e o Céu, de tal modo fechado, não ouve a minha voz,
murmuro sem querer. Ó meu Jesus, soube ofender-Vos, como nunca ninguém Vos
ofendeu, e nunca soube nem sei amar-Vos como muitos dos Vossos santos Vos
amaram. Perdoai-me a minha miséria. Apiedai-Vos da minha pobreza. Vou por vezes
a sucumbir. Momento há em que me parece sem remédio cair no desespero. Firmo-me
nos braços de Jesus e da Mãezinha, a quem me entreguei e abandonei. Não sinto a
Sua protecção, mas não chego a perder a serenidade e a paz. Sofro, sofro
indizivelmente, mas sofro confiada, sem sentir a felicidade da confiança. Sofro
na esperança da protecção do Céu, mesmo com muitas vezes me parecer e sentir que
nada existe depois desta vida. Tenho dentro em mim um fogo tão grande, um fogo
tão ardente pela glória do Senhor! Queria ver todos os corações numa só chama, a
humanidade inteira numa só labareda, num só amor a Jesus. Ah ! Se eu pudesse
destruir o pecado duma vez para sempre !... Que pena eu tenho de ver Jesus
ofendido !... Que dor sobre humana ! Que dor infinita! Muitos espinhos me
ferem ! Muitas lanças me atravessam o coração ! Seja tudo por amor do meu
Senhor ! Se eu com isto puder consolá-Lo e dar-Lhe as almas ! A minha ignorância
não sabe dizer nada. Quem não tem vida nada pode dizer. Ontem, o meu Horto foi
tão doloroso ! Chegou ao Céu a minha dor. Vi todas as almas mortas, sem quererem
aceitar a vida de Jesus. Eu só soube manter-me seca, dura, indiferente a tudo.
No meio do Horto, estava a coluna. Fui presa a ela por mãos humanas, mas estava
mais presa, mais firme ainda pelas cordas do amor divino. Todas as minhas carnes
foram despedaçadas. Vi tudo quanto ia sofrer. Hoje segui para o Calvário, não
fui por vontade, fui arrastada, morta pela cruz de Jesus. Ele derramou o
Seu sangue divino, submeteu-se a todos os maus tratos, para dar-me a vida. Eu
não lhe aceitei ; foi preciso Ele morrer. Pregado na cruz, continuou a regar-me
com o Seu sangue. Eu, onde a cruz estava plantada, representava toda a
humanidade morta, mas sentia as ânsias divinas que Jesus tinha pelo momento de
expirar, para que eu vivesse. Ele entregou ao Pai o Seu espírito, atirou-se para
Ele, como o criminoso para os braços da mãe, e morreu. Pouco depois, triunfando
da morte, fez-me triunfar com Ele, deu-me a Sua vida e falou-me assim :
— “Jesus vem
fatigado, ansioso, a pedir amor. Tenho sede, tenho sede. Só pode ser saciada
esta sede de amor nos corações, nos corações abrasados. Venho fatigado, venho
ansioso, venho mendigar. Bato à porta, bato à porta. Sou o Mendigo Divino. Quem
me aceitará ? Quem será capaz de recusar-me a esmola e a entrada em seus
corações ? Há tantos, tantos, digo-o com dor, digo-o com lágrimas. São tantos,
tão frequentes, os meus chamamentos !... São tantas as vezes que eu bato à porta
dos corações !... Oh, ingratidão! Oh, ingratidão ! Oh, infidelidade ! Chamo,
bato, e as portas não se abrem. Peço, peço a esmola do amor, e quase sempre me é
recusada. Sofre, sofre, minha filha, florinha eucarística. A tua dor é fogo, a
tua dor incendeia e purifica os corações”.
— Ó Jesus, ó meu
querido Jesus, estais tão calmo, mas tão triste! Não ouço os Vossos suspiros,
mas vejo rolar pelas Vossas faces santíssimas muitas e muitas lágrimas. Jesus,
Jesus, meu doce Amor, sou a Vossa vítima. Estou pronta, sempre pronta, para
sofrer. Estou pronta, sempre pronta para receber-Vos no meu coração e abraçar no
meu pobre coração com todo o amor a cruz que me dais. Esquecei, Jesus, as
infidelidades das almas, todas as recusas que Vos são feitas. Lembrai-Vos, meu
terníssimo Jesus, que ainda tendes na terra muitos e muitos corações que só a
Vós querem amar, que só a Vós e para Vós querem viver. Lembrai-Vos, Jesus,
lembrai-Vos desta pobre filhinha, que, apesar de pobríssima, quer enriquecer-se
em Vós, quer sofrer tudo por Vós. Jesus, Jesus, amo, amo tanto, tanto, as almas!
Amo-as, porque são Vossas. Amo-as e vejo nelas o meu Senhor, o meu Pai, o meu
Criador. Jesus, Jesus, custa-me muito sofrer. Nem sabeis que muitas vezes sinto
que não posso mais, mas são tais as ânsias do meu coração, são tão fortes, tão
fortes que me obrigam a dizer-Vos: se quereis que eu sofra até ao fim do mundo,
estou pronta, meu Jesus, estou pronta. O que eu quero é evitar, evitar a perda
das almas. O que eu quero, meu Jesus, o que eu quero é consolar-Vos, alegrar-Vos
dia e noite, dia e noite sem perder um só momento.
— “Minha filha,
minha filha, vítima querida do meu Eterno Pai, escora firme do Seu braço, da Sua
justiça divina. Se não fosse a tua oferta, se não fossem as almas, já cantavas
no Céu, há muito tempo, as glórias do Senhor. O mundo, as almas são ingratas,
são cruéis. Tu foste generosa, tu foste louca por elas, por meu amor, bem Eu
sei, mas foi aceite a tua oferta, foi aceite a tua oferta, a tua prece. Pede,
pede, minha filha, pede pelo amor do meu Divino Coração, para que os corações se
abrasem no meu amor. Pede que desapareçam da face da terra tantos e tantos
crimes, crimes hediondos, que desafiam a justiça do Senhor. Vem receber a gota
do meu Divino Sangue. Foram os Anjos, foram os Anjos que ligaram o tubo doirado
ao teu o meu Divino Coração. A gotinha do sangue passou, passou o sangue de
Jesus, aquele sangue que veio do seio de Maria, minha e tua Mãe também. Passou a
vida de que tu vives e a vida que Eu quero que tu dês às almas. Ela transparece
em ti e por ti atravessa os corações, como sol fortíssimo, como sol brilhante
pela vidraça. Pede oração, pede penitência e a morte para o pecado. Vai em paz.
Vai em paz. Fica na cruz. Sorri, abraça-a, beija-a por meu amor”.
— Ó Jesus, fico na
cruz, sim, fico na cruz, e é da cruz que eu Vos peço. Sede no meu coração.
Atendei ao que nele está escrito. Confio, Jesus, confio.
— “Vai em paz,
minha filha, vai em paz. Pede, pede sempre. Jesus sempre atende à Sua esposa, à
Sua vítima generosa, à Sua vítima heroína”.
— Obrigada, meu
Jesus, obrigada.
Passei a noite com
o peito e o coração atravessado de espinhos e lanças. A dor era tão grande, tão
grande, só podia ser dor infinita. A tristeza era infinita. A tristeza era
mortal. As ânsias de receber o meu Jesus, insuportáveis. Neste transe doloroso,
preparei-me para O receber o melhor que pude. Ele veio, e, logo que deu entrada
no meu coração, senti-me outra. Ele entrou triunfante e com o Seu triunfo fez-me
desaparecer a dor e os instrumentos que me feriam e falou-me desta forma:
— “Que lindo, que
lindo é o Céu, minha filha. Fala dele às almas. Diz-lhes quanto elas devem
sofrer, quanto devem evitar o pecado e amarem o meu Divino Coração, para o
merecerem. É belo o Céu, minha filha. Oh, como é belo!... Com que dor, com que
mágoa, Eu digo que o Céu é belo, porque os meus filhos, os meus queridos filhos,
não querem gozar dele. É grande a minha tristeza. É infinitamente grande a minha
dor. Os meus filhos, os meus queridos filhos, não querem o Céu, não querem gozar
de Mim. As paixões, as paixões desregradas, levam-nos à recusa dum belo Céu, dum
Céu triunfante, duma eternidade de gozo. Fala às almas, minha pomba bela,
instrui-as nas coisas do Senhor, põe-lhes nos seus corações, quanto possível, o
horror do pecado. Fala-lhes, fala-lhes muito do meu amor. Diz-lhes que as quero
para Mim. Foi a missão que te escolhi. Foi para tudo isto que por Deus foste
criada. Tu és a alegria, a glória, o encanto do Paraíso”.
— Ó Jesus, só Vós
podíeis encantar com aquilo que é Vosso !... De meu, só podeis encontrar o
pecado e com esse não Vos podeis encontrar. O que eu sou, meu Jesus !... o que é
a minha miséria…
— “É na tua
pequenez, violeta escondida, que Eu faço nascer, crescer, florescer as virtudes
mais belas, os encantos mais atraentes. É na tua pequenez que Eu escondo a tua
grandeza. É com a tua humildade que as almas se elevam para Mim. Dia, minha
filha, ao teu Paizinho, àquele que Eu escolhi para teu guia e guia de muitas
almas, que o Senhor pôs nele, depositou nele o que de mais caro tinha na terra.
Diz-lhe que fez dele luz, para ser luz, que o fez ternura e amor, para só de
ternura e amor ele fazer viver as almas. Diz-lhe que dias mais alegres, mais
felizes o esperam. Diz-lhe que o sol brilha nas trevas e aquece os corações que
estavam frios e no erro. Diz-lhe que ele consola o Senhor, agrada ao Senhor, ama
o Senhor e vive sobretudo a vida do Senhor. Diz ao teu médico que a chuva de
graças não cessa de chover, não deixa de cair sobre o seu lar em flor, sobre o
seu jardim perfumado. Diz-lhe, diz-lhe que “mãos à obra”. Nada de desânimo, nada
de tristeza. Olhos ao Céu, confiança no Céu, confiança no seu Deus e Senhor.
Diz-lhe que estou nele e ele em Mim; que triunfo nele e ele comigo. Avante,
avante. O meu Divino Coração espera muito, muitíssimo dele. Criei-o para a mais
árdua missão, mas não lhe faltarão as graças e todos os meios para bem a
desempenhar, conforme é a vontade santíssima do Senhor. Dá-lhe amor, paz e
alegria. Vem, minha Mãe bendita, Virgem da Conceição, pôr firmes no Céu os olhos
da nossa filha, como estão os teus no trono do Altíssimo. Minha Mãe bendita,
dá-lhe a tua pureza, a tua candura e amor. Veste-a de tudo o que é teu. Faz dela
o maior dos nossos encantos. Minha filha, minha querida filha, aceita o meu
Imaculado Coração. Pertence-te, como te pertence O de Jesus. Vive de Mim, como
de Jesus. Vive para Mim como vives para Jesus. Faz que a minha pureza e
imaculada Conceição sejam amadas como tu as amas. Faz com que muitas almas Me
imitem, sobretudo, minha filha, sobretudo os sacerdotes, para exemplo e guia de
todas as almas. Jesus está triste. Eu estou triste!... Há tão poucos, tão
poucos, puros e imaculados!... São tantos, tantos a perderem-se e a fazer perder
as almas. Consola, consola os nossos Divinos Corações e dá-Nos toda a reparação
que te pedimos”.
— Ó Mãezinha, ó
Mãezinha, como tu és bela! Fazei, Mãezinha, fazei, Mãezinha, que eu seja bela
também, e que esta beleza e que esta pureza eu as possa dar às almas, mas
sobretudo, sim, sobretudo às que mais se me recomendam. Ó Mãezinha, ó Mãezinha,
pela Vossa Conceição Imaculada Vos peço, atendei às minhas preces, a todas,
todas as minhas preces. Apresentai-as a Jesus e fazei que sejam despachadas a
meu favor.
— “Minha filha,
minha filha, vai em paz depois de receberes as minhas carícias e as de Jesus.
Nada Nos negues, nada Nos negues. Leva, minha filha, o amor da Bendita Mãe e o
amor do teu Jesus. leva a paz e a doçura dos Nossos corações. Vai distribuí-los
Vai distribuí-las como quiseres por todos os que amas e que nós amamos. Tem
coragem! Confia que o Céu está perto !”
— Obrigada, Jesus.
Obrigada, Mãezinha.
Apesar de não poder
falar, sinto-me forçada a dizer alguma coisa. É enorme o meu sacrifico par a
mexer os lábios e pronunciar qualquer palavra. Não sei, mas é talvez a força da
obediência que me leva ao máximo do sacrifício. Todo meu viver é calvário. Os
dias e as noites são horas e momentos de agonia. Sou tão ignorante que nada sei
dizer da minha vida. A noite tremenda deixa-me apavorada no meio do caminho. Não
tenho para onde voltar-me. A inutilidade falseira está sempre a roubar-me o
vigor, a vida verdadeira a todas as coisas. Não chego a ver-lhes o princípio,
como chegar-lhes a ver o fim? Neste martírio do corpo e da lama, uno-me ao
Senhor, elevo para Ele o meu pensamento, mergulho-me nele, ofereço-Lhe as minhas
dores e agonias, apesar de muitas vezes me parecer que Ele não existe. Mas logo
a inutilidade traiçoeira apressa-se a roubar-me e eu fico como que nada sofresse
e nada Lhe oferecesse. Tudo isto são espinhos pungentes a ferirem-me, causam-me
uma dor indizível que só a força de Jesus pode suportar.
O dia da Mãezinha
foi martirizado e agonioso como os outros. Não Lhe falei muito, mas no pouco que
Lhe disse, entreguei-lhe todo o meu ser. Pedi a todo o Céu para A amarem,
louvarem e honrarem por mim. Nem ao menos nesse dia, a inutilidade me poupou.
Meu Deus, meu Deus,
morre de dor o meu coração! Dentro do meu peito, muito no íntimo da minha alma,
tenho não sei o quê, parece que como um altifalante, que rompe com toda a força
e faz ressoar o seu brado na humanidade inteira. Ele tem ânsias tão grandes, tão
infinitas de se fazer ouvir e dizer tudo o que sente o coração, que parece
amolecer e desfazer todas as montanhas e pôr tudo numa massa, numa só vida, num
só amor a Jesus. Sou ignorante, mas estes sentimentos são um nunca mais acabar.
Ando sempre fugitiva do Horto e do Calvário. Não sei, ontem, como não sei nunca,
o que me levou para aquele solo duro. Tremia de pavor e toda a terra tremia
comigo. Ao baterem-me no peito as ondas mais fortes do mar agitadíssimo, que por
todos os lados me rodeavam, eram ondas de vícios, de crimes, de podridão. Vi-me
dali com a cruz aos ombros, a seguir para o Calvário, sob uma chuva de
tormentos, já quase sem vida. A noite foi tormentosa para o corpo. E assim o
coração mais se pôde concentrar nos tormentos e na paixão de Jesus. Hoje, nesta
manhã, sabia que Ele para lá caminhava, mas eu fugia a passos largos. Deixava-O
sozinho, sem procurar libertá-Lo de tantos tormentos. Sentia no coração uma
tristeza e dor tão grande que eram só d’Ele, eram sofrimentos e tristezas
infinitos. No alto do Calvário, de dentro de mim saía este brado : a minha alma
está triste até à morte. É um Deus a manifestar esta tristeza. É Ele a desabafar
e a mostrar-nos o Coração. Vinde a mim, vou morrer por vós. Ó dor, ó dor
pungente, que matas o meu Senhor. O brado de Jesus não cessava e a ânsia de se
entregar ao Pai para a nós nos dar a vida. Ele expirou. E, pouco tempo depois,
veio com o semblante tristíssimo e sentimentos dolorosos, deu-me a mesma vida
dolorosa e falou-me assim :
— “Minha filha,
minha filha, escuta o meu Jesus, triste, triste, com o coração retalhado. Não
posso mais, não posso mais. Os crimes são tantos e tão grandes ! Os homens, os
pecadores, embrutecidos nas paixões, cegaram, emudeceram. Não vêm a Jesus, não
escutam a Sua voz. Ver a Jesus é ver os Seus caminhos, observar a Sua Lei. Ouvir
a Jesus é atender aos Seus brados. É vir, é vir depressa ao Seu encontro. Minha
filha, minha filha, vê como está o Meu Divino Coração. Deposita-O nas tuas mãos.
Repara nele, repara nele”.
— Ó Jesus, ó Jesus,
e não me dizeis se posso vê-Lo, se posso reparar eternamente. É preciso não ter
coração! Meu Deus ! Meu Deus ! Tantos, tantos punhais a atravessá-Lo, tantas,
tantas espadas a ferirem-No. Estes punhais, estas lanças vieram também ferir o
meu. Do Vosso Divino Coração atingiram o meu. A dor tirou-me a vida. Tenho a
certeza que só por milagre ela pode ser conservada. Quanto sofreis, quanto
sofreis, meu Amantíssimo Jesus ! Se não me aliviavas, não podia falar-Vos mais,
meu Amor. Fazei troca, meu Jesus. Em vez de me aliviares a mim, fazei que eu Vos
alivie a Vós. Em vez desta suavidade que me deste ao coração, fazei, fazei,
Jesus, que eu Vos console. Não posso pensar, Jesus, que, sendo Vós um Deus,
deixais ferir assim ! Não posso consentir, nem deixar-Vos assim sofrer. Eu
tiro-Vos, Jesus, eu tiro-Vos por muito jeitinho todos os punhais e espadas ao
Vosso Divino Coração. Quero-os só no meu, quero ser só eu a sofrer. Exijo de Vós
a graça a força que necessito. Já não tendes nenhum ? Não, não, meu Amor. Mas
ainda vejo tantas feridas! Não quero ver sinais de ferimentos. Ponde nos meus
lábios os Vossos ósculos divinos. Quero osculizar-Vos essas feridas todas, para
que elas desapareçam. Vós mesmo sois o bálsamo. Os Vossos ósculos curam-Vos as
feridas. Elas desaparecem. Já está dentro do Vosso sagrado peito o Coração. Não
consintais, Jesus, que ele volte a ser ferido. Sou a Vosso vítima, sou a Vossa
vítima.
— “Dás-Me então,
minha filha, a reparação que te pedir nestes dias ? Vai ser muito dolorosa.
Aceitas ?”
— Tudo, tudo, meu
Jesus, contanto que sejais comigo, para eu não Vos ofender.
— “Sim, sim, minha
filha. Nada temas. O Senhor é contigo. O Senhor é contigo. A reparação é por
muitas almas que estão quase, quase a ser condenadas ao inferno. Muitas delas,
sacerdotes, almas consagradas a Mim. Que chuva, que chuva de sacrilégios; que
horror, que horror a minha entrada em tantos corações! Mais valia que Eu fora
dado aos cães. São tremendas as palavras do Senhor. É pavorosa, pavorosa,
pavorosa a justiça do meu Pai !... Vem, minha filha, vem, minha filha, flor
mimosa, flor perfumada, flor eucarística, luz, sol, farol do mundo, vem receber
a gota do meu Divino Sangue. Passa pelo tubo dourado, que mãos angelicais
introduziram em nossos corações. Maravilha, maravilha celeste, maravilha do Céu.
Passou a gotinha de sangue, sangue puro, sangue fervente, que te leva a vida, a
graça, o amor, o incêndio de amor. Fica na cruz, fica na cruz. Dá tudo com
alegria ao teu Senhor. Com Ele triunfas, com a Sua graça perseveras até ao fim”.
— Jesus, Jesus, o
coração está triste, mas ansioso de Vos dar tudo, de Vos servir, de Vos amar, de
Vos reparar. Lembro-Vos a todos neste momento, todos, todos, o mundo inteiro.
— “Coragem,
coragem, minha filha. Vai em paz. Vai em paz. Ama-Me, ama-Me, ama-Me sempre. Faz
que Eu seja amado, com todo o amor. Faz que Eu seja reparado com a reparação
heróica, generosa. Coragem! Vai em paz !”
— Obrigada,
obrigada.
O meu corpo foi
reduzido ao nada pela dor. Senti como que se em cinzas ficasse. Quantas vezes me
pareceu que ia morrer. Sofri, sofri indizivelmente. Quanto à alma foi
tormentoso, mais que tormentoso, foi pavoroso o que ela sofreu. Parecia-me a mim
que era capaz de inventar o que até tinha gravadas em mim, isto é, na alma,
todas as figuras indecentes, coisas que os meus olhos nunca viram. Eu sem
conseguir pecar por outra forma, parecia-me correr o mundo inteiro à busca do
prazer, sem conseguir os meus maus intentos. Ia satisfazer-me naquela variedade
de figuras, onde podia realizar com a maior malícia os meus desejos. As forças
não me permitem mais. Fica calado dentro em mim, as tristes cenas passadas, por
falta de forças e pela minha ignorância. Tive um Horto e um Calvário suportado,
não por mim, não por um esforço meu, porque o mal não me permitia, mas sim,
levada por Jesus, Ele caminhou comigo. Eu ia como que revestida d’Ele. Mal podia
levantar o meu pensamento ao Céu e ficar unida a Ele, mas podia, ou melhor,
tinha que ser, seguir a montanha e, dentro em mim, Jesus sofredor. Eu era um
corpo inútil e morto. Jesus era a vida e a utilidade para a mesma vida. Foi Ele
que expirou. Morta estava e morta fiquei. Ele, ressuscitado, fez-me viver e
falou-me assim :
— “Minha filha,
minha filha, és ditosa no teu Calvário. És feliz na missão que Jesus te
escolheu. Minha filha, minha filha, o Senhor é contigo. Minha filha, minha
filha, que bem que Eu estou dentro do teu coração. Como é delicioso estar neste
jardim perfumado! Minha filha, minha florinha eucarística, tu rodeias os meus
sacrários como as avezinhas os seus ninhos. Esvoaças, esvoaças, como a pombinha
branca, a poisar, a habitar em cada hóstia, em cada lugar, onde Eu habito
sacramentado. Coragem, minha filha. Continuas a ser para as almas o que Eu fui
há vinte séculos no alto do Calvário, na cruz crucificado. Coragem, coragem,
minha filha. Jesus triunfa no teu Calvário. Tem confiança! Com o teu esposo
serás sempre vitoriosa”.
— Ó Jesus, ó Jesus,
duvido sempre de mim. Temo tanto, tanto, a minha vida ! Temo tanto, tanto
ofender-Vos ! Não me custa sofrer com a tua graça. Custa-me e temo não sofrer
bem. Temo a minha vida, meu Jesus. Ah! Que difícil, meu Jesus, que difícil é
viver assim. Eu precisava, meu Jesus, bem o sabeis, precisava dum guia todos os
dias, todas as horas.
— “Não duvides,
não, minha filha. Sempre que Eu te peço dor, mais dor, e que tu não me negues,
quero dor, mais dor, muito mais dor. Pedi-te e vim apertar-te com a maior das
violências a minha vítima ma prensa mais dolorosa e mais tremenda. Minha filha,
minha querida filha, tudo o que sentes em tua alma, tudo o que se passa em teu
espírito, não é outra coisa senão um meio de reparação. Nada temas, nada temas,
pupila dos meus olhos. Só de uma alma pura se pode tirar pura reparação. Ai
daquelas almas, ai daquelas famílias, onde habitam as figuras tremendas, figuras
para as excitarem aos vícios, às paixões. Eu te afirmo, minha filha, é difícil a
sua salvação”.
— O que eu posso
fazer, meu Jesus ? Como poderei eu evitar ? Eu parecia-me, meu doce Amor, que
tudo isto era meu, e que eu era capaz de inventar tudo o que há de mal.
— “Não, não, minha
filha, é a reparação, é a reparação necessária e urgente nestes dias que passam.
Eu quero, Eu quero que seja dita esta minha afirmação. Vai ser tremenda a
justiça de meu Pai sobre essas almas, essas famílias, essas casas que possuem
figuras negras, retratos de Satanás, que as levam aos vícios, aos crimes mais
hediondos. O que tu podes fazer, minha filha ? Sofreres, sofreres, reparares.
Tem coragem e confia! Eu alegro-me, consolo-me na tua humildade, no teu temor de
ti mesma. Se não fosses pequenina, pequenina como a violeta e desaparecesses
como o verme na terra, Eu não teria comunicado contigo desta maneira. Nunca
terias ouvido dos lábios do teu Jesus títulos tão belos, de tão grande
elevação”.
— Ó meu Jesus, meu
Jesus, bendito Vós sejais ! Sois a sabedoria infinita e a meu respeito parece
que nada sabeis. Como sou miserável e pobrezinha ! Sinto-me despojada de todas
as virtudes, de todas as graças, de tudo o que é bom.
— “Vem, vem receber
a gota do meu Divino Sangue, minha filha. Vem fortalecer-te no alimento do teu
Senhor. Vives com a minha vida, vives com a minha graça, vives com o meu amor.
Passou a gotinha do meu sangue divino. É o sangue que trouxe do ventre da minha
bendita Mãe. É o sangue que dá a vida e gera as virgens. Fica na tua cruz. Fica
mais forte, fica com mais vida, para mais dar. Fica com mais amor, para mais
heroísmo. Diz, minha filha, não cesses de dizer a todos quantos se aproximam de
ti : Jesus está triste com os vossos pecados. Arrepiai caminho. Vinde ao Bom
Pastor. Vinde, vinde. Ele quer apascentar-vos no pasto imenso do Seu Divino
Coração. Fica na cruz. Vai em paz. Pede sempre oração e penitência. Coragem !”
— Ó meu Jesus, sede
comigo. Sem Vós nada posso. Eu não quero separar-me de Vós. Eu não devo
separar-me de Vós. Eu não devo separar-me de Vós sem Vos apresentar todas as
minhas intenções, a humanidade inteira.
— Obrigada, meu
Jesus, obrigada. Meu amantíssimo Senhor!
Depois da noite vem
o dia. Depois de muito sofrer, veio novamente Jesus compor tudo. Já tive outra
vez Missa no meu quarto. Foi no dia 22 que recebi esse mimo do Céu. Os homens só
vêem, enquanto que Jesus os deixa. Devia ser um dia de consolações e alegria,
mas não o permitiu o meu Amado. Bendizia-O e louvava-O por tudo. Ele ama quando
consola e ama quando fere; é sempre amor, amor sem igual. Como não sabia
assistir à Santa Missa, como de costume ocupei o Céu, pedi à Mãezinha que
assistisse Ela por mim, com os sentimentos d’Ela e não os meus, que acompanhasse
a Jesus, que merecesse Ela por mim e fizesse Suas as minhas intenções e que
unida a Jesus me oferecesse ao Eterno Pai na mesma imolação e sacrifício.
Principiei assim o bercinho para o Menino Jesus para o dia de Natal. Mas, ai!
Pobre de mim, o presépio que Lhe preparei foi muito pior ainda do que o de
Belém. Sofri tanto, tanto! Meu Deus, que dor infinita! Não há palavras que a
possam exprimir. Foi de tal forma a noite pavorosa, foi tão tremenda a tristeza
e agonia que me levou a pensar a sério se seria o último Natal que passava na
terra. Seja o que Jesus quiser. Preparei-Lhe o bercinho com espinhos, com as
minhas infidelidades e imperfeições. Tudo isto me fazia sofrer mais e mais. À
meia-noite, na hora do nascimento de Jesus, abraçada a uma imagem d’Ele,
humilhada por causa dos meus pecados, pedi-Lhe muito perdão e, debulhada em
lágrimas, dizia-Lhe: quero regar os Vossos pezinhos. Aceitai-mas como se fossem
lágrimas de perfume, o incenso, o ouro e a mirra dos Reis Magos. Renovei-Lhe o
meu completo abandono e pedi-Lhe que fosse perfeito o mais que fosse possível.
No meio de tudo isto, no meio de toda a morte, quando tudo era vida e alegria
para os outros, uma coisa tive a meu favor: a paz do Senhor reinava na minha
alma. Não me desesperei. Que graça tão grande do Senhor! Os dias vão passando e
eu vou vivendo naquele abandono a que me entreguei, sofrendo, sofrendo, sofrendo
sempre. Quanto mais sofro e me parece que nada mais posso sofrer, maiores são as
ânsias de mais sofrimentos. São tão grandes como o Céu, são tão grandes como
Deus. Quero consolá-Lo, quero amá-Lo, quero dar-Lhe almas. E para isso
repito-Lhe: quero dor, meu Jesus, sempre mais dor. Sede a minha força, meu
Jesus.
— “Minha filha,
minha filha, depositária do meu Divino coração. Minha filha, cofre das minhas
riquezas e de tudo o que é meu. O Calvário é dor, o Calvário é de imolação, o
Calvário é de sacrifício, é de salvação. Quem ama sofre, quem sofre é rico. A
dor enriquece, dá nobreza ao coração e à alma. Se o mundo soubesse ! Se almas
compreendessem o segredo, o verdadeiro segredo da perfeição e do amor ! Se o
mundo soubesse, se as almas compreendessem o mais difícil de atrair a si as
misericórdias do Senhor ! Amar, sofrer, sofrer e amar. é o segredo da perfeição.
É o maior meio de salvação. A dor não pode separar-se do amor. Ai daquele que
sofre sem amar. Eu sofri muito, minha filha, porque muito amei. Foi o amor que
me levou a sofrer. Eu sofri como nenhuma outra criatura. Amei, amei, como jamais
alguém amará. Minha filha, esposa predilecta de Jesus, muito te amei, muito a
Mim te assemelhei. Amei-te tanto, tanto e tanto a Mim te assemelhei, até te dar
um calvário, o calvário mais doloroso, mais difícil que dei às minhas vítimas.
Eu fiz, sim, minha filha querida, que compreendesses os meus segredos, a dor e o
amor. Eu fiz e faço que pela dor te purifiques e pela dor me salves as almas”.
— Ó Jesus, ó Jesus,
muito anseio purificar-me, muito anseio ser pura e consolar-Vos, mas estou
sempre, Jesus, sempre a manchar-me, sempre a entristecer-Vos, sempre a
arredar-me dos Vossos caminhos.
— “Diz-me, diz-me,
esposa minha, se sim ou não confias no teu Jesus”.
— Ó Jesus, meu doce
amor, Vós bem sabeis até que ponto eu confio. Não sou perfeita, bem o sabeis.
Estou sempre a vacilar. Mas ao menos, Jesus, quero confiar tanto quanto me seja
possível.
— “Então escuta-me,
escuta-me com atenção. Falo Eu, Eu, Jesus, nos teus lábios. Quando falas, falo
por ti. O Divino Espírito Santo sobre ti, está sempre com a Sua luz e com as
Suas inspirações. Não deixes, não, minha filha, que ela escureça. Não deixes
passar despercebida nenhuma inspiração. Eu sorrio, sorrio, muitas vezes, quando
te humilhas diante de Mim. Permito as tuas pequeninas quedas para a ocasião dos
meus sorrisos. Consolo-me, consolo-me muito ao ver-te humilhada em grandes
coisas, em coisas gravíssimas. Na sombra das tuas faltas, escondo as minhas
grandezas. És rica, és rica. Possuis as riquezas do Senhor. Amas, porque estás
cheia, bem revestida do amor divino. A tua alma é bela, o teu coração é belo ao
Coração de Deus. Coragem, coragem, filha querida. Mergulha no mar imenso do meu
amor as almas que de ti se aproximarem. Pede-lhes, pede-lhes. Faz como tens
feito. Pede-lhes que Me amem. Pede-lhes que Me não ofendam. Não é em vão, não é
inútil, não, minha filha, a tua vida, calvário ditoso, calvário ditoso, calvário
de salvação. As almas, as almas, verdadeiramente, ah! se te conhecessem! Depois
da tua morte, muitas, muitas vão ser atormentadas pelo remorso. Mesmo nisso te
assemelhei a Mim. Quando Eu fui crucificado, quando dei a minha vida no alto do
Gólgota, quantos tormentos, quantos remorsos que as almas tiveram quando
souberam que Eu era Jesus. Vem receber a gota do meu Sangue Divino. Dois
corações num só coração, incendiados numa só chama, enleados numa só cadeia de
amor. Passou a gotinha, passou a tua verdadeira vida. Vives do sangue e corpo de
Jesus. Vives a verdadeira vida de Jesus. Coragem, coragem, minha filha, tens
muito que sofrer, porque muitas almas tens a salvar. Previne-as sempre,
previne-as de que Jesus está triste, triste, tristeza de morte. Eu vejo, Eu vejo
aos milhões, aos milhões, a morte nas almas. Faça-se oração, faça-se penitência.
Haja emenda de vida. Jesus pede, Jesus avisa, porque ama muito, ama
infinitamente.
— Obrigada, meu
Jesus, o meu pobre coração está iluminado com a Vossa graça, com o Vosso amor.
Obrigada, obrigada, meu Jesus. Lede, lede o que nele está escrito. Atendei-me,
meu Jesus. Atendei-me, meu Amor !...
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