NOVEMBRO
Esperei a vinda do meu Jesus numa
ansiedade e ao mesmo tempo numa indiferença indizível. Queria unir-me a Ele pela
Eucaristia, numa união inseparável, mas não sei o que me tinha alheia e me
tornava inútil a tudo. Queria voar ao encontro do meu Amado, queria preparar-me
para O receber dignamente. A inutilidade cortava-me todos os voos, absorvia em
si todas as ânsias, deixando-me abismada no abismo do meu nada. Jesus chegou,
entrou no meu coração, iluminou-me toda a casa, encheu-me d’Ele e falou-me
assim :
— “Minha filha, vem
comigo, transporta-te ao Paraíso, repara nesta massa compacta de santos e santas
que, neste dia, mais do que em nenhum outro, jubilosos, num hino deslumbrante,
bendizem o Senhor seu Deus, louvam toda a Santíssima Trindade e a sua Celeste
Rainha”.
— Ó Jesus, ó Jesus,
aqui queria ficar também, nesta paz, neste mergulhar de amor, neste fogo que
inebria. Como eles, eu queria amar-Vos, como eles eu queria entoar hinos de
louvor, hinos de reparação, hinos de agradecimento. O que é o Céu, Jesus, o que
é o Céu ! Ah ! Se todos soubessem o que é gozar o Paraíso ! Que amor, que amor,
que paz, que celeste paz ! Toques, cânticos, hinos maviosos. O que é o Céu,
Jesus ! Amor, só amor. Sois Vós, só Vós com o Vosso Pai e o Espírito Santo,
espírito de amor.
— “Minha filha,
minha querida filha, tudo está reservado para ti, espera-te para breve. Confia,
confia. Sê sempre fiel e heroína como até aqui. Dá tudo ao teu Jesus. Repara,
repara sempre, nada Lhe negues. Diz ao teu Paizinho que os eleitos do Senhor o
esperam. Ele será contado entre eles ; como os Meus santos, ele será honrado na
terra; como eles, subirá às honras dos altares. Reparo-o para isso pelo
sofrimento. Escolhi-o para luz e guia das almas, missão difícil e espinhosa,
missão que exige a maior perfeição e sabedoria; missão que exige a ciência das
coisas divinas. Diz-lhe que o Senhor é fidelíssimo, não falta ao que promete.
Diz-lhe que as nuvens se dissiparam, o sol apareceu, brilhou. Dá-lhe todo o meu
amor, todo o amor da Trindade Divina e da minha Bendita Mãe. Dá-lhe paz, paz,
toda a minha paz. Diz, diz ao teu médico que o tenho no meu Divino Coração, como
jóia do mais elevado valor. Diz-lhe que o amo tanto, tanto, que as cadeias do
meu amor o prendem, dia a dia, mais e mais ao meu. Diz-lhe que o cadinho da dor
é para purificar a sua alma; que é o cadinho que purifica o ouro das suas
virtudes. Diz-lhe que tudo quanto faço nele e no seu formoso jardim são provas
de amor e de predilecção, são cuidados inauditos do jardineiro divino. Eu não
quero, Eu não quero, atenção, que nenhuma das suas florinhas se perca, que
nenhuma se manche. Eu velo, Eu velo, mas quero sempre a fidelidade à minha
divina graça. Dá-lhe todo o meu amor divino. Diz-lhe que com ele se fortaleça,
para com ele, como sempre, cuidar e defender a minha divina causa. Vem, Mãe
Bendita, vem consolar a Nossa filhinha”.
— Ó Mãezinha, ó
Mãezinha do Carmo, muito obrigada por me dares a beijar o Jesus pequenino que
trazeis nos Vossos braços. Ele, tão pequenino, beija-me e acaricia-me. Como são
ternas as Suas carícias, como é doce o Seu sorriso. Quer vir para mim e eu quero
ir para Ele; é Jesus, é a Mãezinha, os três num só.
— “Minha filha,
minha querida filha, depois deste celeste conforto, venho pedir-te que neste mês
ofereças tudo, sofras tudo e faças que muitas almas te imitem. Tudo pelos
pecadores, para que não caiam no inferno. Mas mais, muito mais, pelos sacerdotes
que tanto ofendem ao Senhor, que tanto ferem o Coração do Meu Jesus e o Meu, e
em sufrágio das benditas almas do purgatório, para que elas subam em cada
momento para o Paraíso, aos bandos, aos bandos, como as andorinhas. Minha filha,
minha querida filha, vai em paz, leva a paz de Jesus e de Maria, leva o amor dos
Nossos Divinos Corações. Via, vai, minha filha, e não esqueças a recomendação da
tua e Minha Mãe celeste. Acode, acode aos pecadores. Aliviai, aliviai as almas
do purgatório. Leva tudo para os que amas e são teus, leva tudo para quem
quiseres, tudo o que é Nosso, tudo o que é do Céu”.
— Ó Jesus, ó
Mãezinha, muito obrigada. Vede o que agora está no meu coração, o que eu quero e
que Vos peço. Confio em Vós, confio em Vós.
— “Confia, confia,
pede e confia. Jesus e Maria velam os teus interesses, velam por quem Lhes
pertence”.
— Obrigada, Jesus,
obrigada, Mãezinha.
Sou a criatura mais
pobre e miserável. Sinto que o Senhor não pode ter um olhar de misericórdia para
mim, podridão de todo o meu ser, causada por todos e vícios e crimes. Enoja o
Céu, Jesus não pode olhar-me, o Eterno Pai não pode perdoar-me. Toda a
humanidade é por mim contaminada. Morrem na podridão todos os que seguem os meus
caminhos e pisam as minhas pisadas. A humanidade segue-me, perde-se comigo, as
almas fogem do Senhor. Quero firmar-me e não posso, a terra foge-me de debaixo
dos pés como areia arrastada pelas ondas para o fundo do mar. Estou perdida, meu
Deus, estou perdida, e comigo se perdeu o mundo inteiro. Que contas posso eu dar
ao meu Senhor? Que pavor na minha alma! Ela fita os olhos no Céu e vê-o com as
nuvens mais negras e carregadas. Sente que a terra inteira é um mar das mais
agitadas ondas. Ando enredada nelas, como folhas que o vento dissipou e já na
lágrima apodreceu. Tudo isto se acentuou no meu nada. Tudo isto aparece naquilo
que eu não sou, porque, porque não existo. Só a dor, aquela dor, que é tão
grande como Deus, é infinita, feriu e fere dia a noite; a cada momento, o
Coração Divino de Jesus se colocou no meu coração, metendo-o todo em si, para eu
sentir como Jesus sente, agonizar como Ele agoniza. Ó Céu, ó Céu, vem em meu
auxílio. Sem a Vossa graça, Jesus e Mãezinha, eu não poderei sofrer tanto, não
resisto a toda esta dor infinita. Eu queria, eu tenho necessidade que até as
pedras falem, que todas as coisas, que pregam o seu autor, declarem como Deus é
grande, como Ele ama, e o que é uma ofensa contra a majestade divina. Sou
ignorante, por mim não sei dizê-lo, sou inútil, não posso por mim reparar. Meu
Deus, o que eu sofro ! O meu coração e a minha alma estão em sangue, é um
cedeiro de espinhos a trespassá-los, é um mundo de punhais a cravá-los. Quero
luz, quero um apelo, quero um guia, não tenho, estou do Céu e da terra de todo
abandonada. Quero firmar-me e não posso; todas as escoras, a que me amarro, me
falham. Desfaleci, caí, caí, morri. Que morte tão cruel. Tudo é pavor para mim.
A lembrança das quintas-feiras, porque me trazem as sextas, a aproximação do
Horto, é tormento indizível. O de ontem aproximava-se, e eu indiferente tentei
sempre fugir. Fora, de mim, fora da minha vida, não sei como fiquei a agonizar
prostrada naquele solo duro. Agonizei e suei sangue, porque as cordas se me
ataram ao pescoço, para por elas ser arrastada, e a cruz me sobrecarregou sobre
os ombros, para com ela toda a humanidade me esmagar. De tudo fugi e para tudo
fui inútil. Nesta manhã, fugi para o Calvário ; levava-me a força divina, a
força humana não resistia. As quedas eram frequentes. Por cima de mim, a minha
alma viu Jesus de braços abertos, pregado na cruz. A Sua graça O levava sem esta
tocar na terra. Era cruz de triunfo que brilhava mais que o sol. E eu,
vermezinho da terra, levava a minha com o coração a sangrar, a cabeça coroada de
espinhos, sob o peso duma montanha mundial, feita em rocha mais endurecida.
Caminhava sem ser eu ; levava a cruz com todo o seu peso, com forças alheias,
que eram as de Jesus. Dizer o que eu sou e o que é Jesus, dizer o que foi esta
viagem e o que era a minha miséria e a grandeza do Senhor, é impossível. Falai,
Anjos, falai por mim. Cheguei ao Calvário e então uni-me a Jesus, parecendo que
se abraçou o Céu com a terra. Os meus olhos moviam-se com Os de Jesus. O meu
coração palpitava e bradava com Jesus. Fez-se noite. Toda a terra tremeu e eu
expirei com Jesus. De novo, voltei à vida. Foi Ele quem ma deu e falou-me
assim :
— “Todo o palácio
de Jesus é luz. Todo o teu coração, minha filha, é amor, só amor. Sentei-Me no
Meu trono, depois de iluminar toda a minha habitação com a luz divina. Estou
aqui como um rei. Em ti reino, em ti triunfo. Estou no teu coração para amar e
por ti ser amado. Estou no teu coração para por ti ser dado às almas. Estou no
teu coração, para que vivas a minha vida e a faças viver em muitas e muitas
almas. Tenho sede, minha filha, muita sede. Quero beber nos corações e neles
quero habitar. Minha filha, minha filha, a dor é cadeia de amor. A dor, a dor,
atrai o Meu Divino Coração, leva-O à compaixão pelos pobres pecadores. Sou
Senhor, sou Pai, quero perdoar. Ó minha filha, minha filha, os meus súbditos não
querem que Eu reine sobre eles. Os meus filhos não aceitam o meu perdão. Ando à
busca de alojamento. Quero alojar-me, quero descansar nos corações. Há tão
poucos, tão poucos onde Eu possa entrar e descansar !... Há tão poucos, tão
poucos, quase nenhum onde Eu encontro as minhas verdadeiras delícias !... Sofre,
sofre, minha filha, sofre, florinha eucarística. Sofre, vítima deste Calvário,
semelhante à vítima do Calvário de há vinte séculos”.
— Ó Jesus, ó Jesus,
ensinai-me a sofrer. Ensinai-me a reparar. Fazei que eu me entregue a Vós, como
Vós Vos entregastes ao Eterno Pai. Ó Jesus, ó Jesus, não sei onde está o meu
amor. Ofendo-Vos tanto, tanto! Estou sempre a cair. Nada valem os meus
propósitos.
— “Minha filha,
minha filha, sou sol, graça e amor. És sal para o mundo, porque em ti está o Sol
divino. És luz para as almas, porque em ti está a luz do Senhor. És graça,
porque possuis a graça e com ela dás a graça a muitos, muitos pecadores. És
amor, porque amas com o amor de Jesus. És amor, e por ti muitos corações Me
amam. Sofre, sofre; é pouco este amor. É muito nos corações, é pouco para Deus.
Sofre, sofre. Criei-te para a dor, criei-te para o Calvário. Criei-te para seres
a cópia fiel de Cristo crucificado. Tem coragem, minha filha, Eu permito as tuas
faltas. Depois delas, levantas-te mais fortemente para Mim. São elas umas
sombrazinhas que encobrem os tesouros divinos em ti encerrados. O amor de Jesus
queima-te, abrasa-te, consome-te. Eu quero que sejas, minha filha, o cadinho de
purificação. O mundo, o mundo, as almas, hão-de purificar-se neste caminho de
sofrimento, o qual fogo é amor, amor, só amor de Jesus. Vem, minha filha,
receber a gota do meu divino Sangue. Uniram-se os corações das duas vítimas,
Jesus e o da Sua esposa amada. Passou o sangue que dá a vida, a vida de que tu
vives, a vida que Jesus te faz viver. Passou o sangue que é o teu alimento e a
força da tua cruz. O mundo, o mundo, não conhece. Ah ! Se conhecesse ! Não
conhece o meio de salvação. O mundo, o mundo, não se aproveita das graças do seu
Senhor. Fica na cruz, minha filha, minha esposa amada, crucificada, bem unida a
ela pelos laços do amor. Brada, brada sempre à pobre e infeliz humanidade: Jesus
chama-te, Jesus pede-te, não peques mais, vem ao Seu divino Coração. Vai em paz,
minha filha, vai em paz. Brada, brada, pede sempre oração, penitência e emenda
de vida”.
— Ó Jesus, eu vou,
ou melhor, eu fico, fico convosco, mesmo sem Vos sentir, mas, enquanto que Vos
sinto, enquanto que sinto o Vosso amor, em nome dele Vos peço, lembrai-Vos dos
que me são queridos, lembrai-Vos das minhas muitas e grandes intenções.
Lembrai-Vos e compadecei-Vos do mundo inteiro. Obrigada, meu Jesus, obrigada,
meu Amor.
Meu Deus, que
martírio tão grande eu sinto no corpo e na alma ! E eu ter que queixar-me, ter
que dizer que sofro muito, que não posso, aumenta-mo mais, muito mais ainda. Só
Vós sabeis, Jesus, quanto me custa manifestar aquilo que de todo queria
esconder. Tenho que obedecer e, nesta obediência, tenho que dizer a verdade.
Sofro, sofro tanto, são triturantes as agonias da minha alma, e um martírio
contínuo o sofrimento do meu corpo. É só por Jesus e pelas almas que eu aceito
esta imolação. Vejo tudo perdido, sinto como se de nada me aproveitasse o meu
sofrimento; mas não me importo, o que eu quero é agradar e consolar o meu
Senhor. Ele é que é a minha força, Ele é que vive a minha vida de indizível
sofrimento. No domingo passado, na noite de nove para dez, quando eu no meio das
minhas dores procurava estar unida a Jesus na Eucaristia, dar-Lhe o incenso e a
mirra do meu martírio, ser a mesma Hóstia com Ele, inesperadamente travou-se em
mim uma luta tremenda e desesperadora. Eu ofendia o meu Jesus com a maior
malícia e gravidade. Era uma maldade que preenchia o mundo. Mas esta era toda
minha. Fiquei no inferno. Ó meu Deus, que pavor ! Vi e compreendi o que nunca
tinha visto, nem compreendido. Os demónios eram tantos, tantos, não tinham
conta. Estavam armados de instrumentos que feriam e atormentavam. As labaredas
do negro fogo eram ateadoras. As almas, meu Deus, as almas eram como moinha,
eram como um formigueiro amontoadas. Vi o que nunca tinha visto, vi e compreendi
o que nunca tinha compreendido. Isto é, vi um Papa e a sua cadeira, vi muitos
Bispos, com as suas vestes e o báculo nas mãos, vi sacerdotes em grande número e
almas sem conta de toda a classe e condição. Compreendi claramente as razões por
que tinham sido condenadas. Meu Deus, meu Deus ! Não chamei por Jesus nem pela
Mãezinha, não sei por quê. Fiquei perdida naquele pavor. A visão desapareceu,
porém aqueles sentimentos não havia forma de me deixar sossegar. A pouco e pouco
lá me fui unindo novamente a Jesus e pude, embora por pouco tempo, adormecer.
Tudo isto está tão gravado em mim, parece que jamais se poderá apagar. Na
quarta-feira já me apavorava a aproximação da quinta e da sexta-feira. Era tal a
minha miséria que eu sentia a necessidade de esconder-me dos olhares do Senhor e
fugir aos colóquios com Jesus. Ontem, passei o dia na minha inutilidade, sem
querer, recordando o Horto, mas fugindo-lhe sempre. Era já de noite, e eu senti
como que se a minha cabeça estivesse coroada dos mais penetrantes espinhos, e o
sangue a correr-me dela com toda a abundância. Foi então que as veias se me
rasgaram, e eu banhei a terra com sangue. Eu envolvia-me em toda a terra
mundial, nela me rolava em ondas pavorosas de crimes. É terrível o abandono do
Céu, quando da terra já me parece não ter ninguém por mim. Hoje, num mar
infinito de dor, caminhou para o Calvário o meu coração. Alguém o levou. Era o
amor ligado ao Amor Supremo. Eu por mim fugi-lhe, fugi-lhe sempre na minha
inutilidade, grande como o mundo. Quando Jesus já estava no Calvário, a
despirem-nO para o crucificarem, Ele atraiu-me, chamou por mim que estava ao
longe, o mais ao longe que se pode imaginar : “Vem cá, minha filha, vem
assemelhar-te a Mim, vem comigo ser crucificada”. Juntei-me a Jesus, e, ao mesmo
tempo que estava crucificada com Ele, foi uma contínua revolta. A minha maldade
era mundial. Dei-Lhe todos os maus-tratos. Fazia-O bradar e bradava com Ele.
Senti como se fosse eu que pus toda a humanidade de lança em punho para O
alcançar e atravessar o Coração. Dei-Lhe a morte e morri com Ele. Após algum
tempo, a esta cena dolorosa, Ele veio, entrou no meu coração, fê-lo viver com
Ele e falou-me assim :
— “Minha filha,
minha filha, estou aqui, escuta-Me, atende-Me. Estou no teu coração, porque é
aqui a minha morada. Escuta-Me, atende-Me, sou o mendigo de sempre. O meu Divino
coração ama, ama infinitamente. Amo infinitamente e infinitamente sofro.
Atende-Me, atende-Me, dá a esmola ao Mendigo. É o Mendigo dos mendigos, é o
Senhor do Céu e da terra, é o Mendigo divino. Deixa-Me, deixa-Me dizer mais ;
sou o Pai de toda a humanidade. Oh ! Como é terna a palavra de Pai. Sou todo,
sou todo amor para os corações. Sou Pai que ama, como nenhum outro pai. E o meu
divino amor é calcado aos pés, é desprezado, é odiado, é perseguido. Dá-Me a tua
dor, minha filha, dá-Me a tua dor. É o Pai que pede a esmola à Sua filhinha. É o
esposo a manifestar-se claramente à Sua esposa amada. Eu quero, minha filha, Eu
quero a tua dor, porque o mundo a quer e de Mim a exige. É urgente, é mais que
urgente, aplacar a justiça irada do Meu Eterno Pai. Minha filha, minha filha,
Jesus fala no teu coração, reina neste trono de delícias, Jesus pede neste
coração que sangra dia e noite. Sangra, sim, sangra, minha filha, o teu coração,
para que não sangre o Meu. Não posso sofrer sozinho, sofro em ti misticamente”.
— Ó meu Jesus, ó
meu Jesus, eu sei, oh, bem sei, meu Amor, que sois Vós, só Vós, a sofrer, que
ainda sois Vós hoje como outrora no Calvário a serdes crucificado. Eu sei, meu
Senhor, que por mim nada mais podia sofrer e nada teria sofrido. Eu sei, meu
Sumo bem, que sou capaz de Vos negar tudo, se não estivesse sempre o Vosso sim
no meu coração e nos meus lábios. Meu Jesus, meu Jesus, olhai para a minha
miséria e compadecei-Vos dela. Olhai para a minha fraqueza e fortalecei-me com a
Vossa força. Vede a minha inutilidade. Fazei úteis todos, todos os meus
sofrimentos. São pelo Vosso amor, são para a salvação das almas.
— “Minha filha, ó
florinha eucarística, florinha do Rei dos sacrários, do Rei da terra, do Rei da
glória. Eu vejo, Eu vejo tudo em ti. Só mergulhada assim no teu nada e nesse
abismo de miséria, tu podias ser depositária dos tesouros infinitos do Senhor.
Tu és a cópia fiel de Cristo Senhor. Tu reparas por todos, todos os pecados do
mundo. Ó minha filha, minha filha, escora mundial. Tu reparas, tu desagravas
pelo mundo inteiro. Ai dele, ai dele !... Ai dele, pobre dele, se não fora a
escora deste calvário. Tem coragem, tem coragem ! Tu és luz nas tuas trevas, tu
és amor na tua frieza. És útil na tua inutilidade. És vida na tua morte. Eu
peço, Eu peço. Ah! Se os homens compreendessem o que Eu peço! Eu peço e tudo
podia fazer. Eu peço e só Eu podia manifestar o meu poder. Eu peço para não
humilhar. Eu peço para chamar. Vem, minha filha, vem receber a gota do meu
Divino Sangue. São tantos, tantos os Anjos a contemplar esta maravilha do
Senhor! Uniram-se os nossos corações pelo amor, pela dor, pela vida. Passou a
gotinha do sangue divino. Passou o teu alimento. Passou a vida da graça. Passou
a força, o poder para a dor. Fica na cruz, minha pomba bela. Nela, sempre nela.
Brada ao mundo : oração, penitência, emenda de vida. Nela, sempre nela,
conquista para Mim as almas. Atrai-as ao meu Divino Coração. Diz ao mundo que o
Senhor quer almas vítimas, o Senhor quer almas justas. Vai em paz, minha filha.
Vai em paz. Coragem, coragem !”
— Obrigada, meu
Jesus. Sede no meu coração. Atendei a tudo o que nele está escrito. Obrigada,
meu Amor.
Não posso, hoje,
não posso ditar. Digo só umas palavrinhas com as quais provo a minha obediência.
O meu corpo é um mundo de dor. De toda a parte me vêm espinhos a avivar todo o
meu ser ferido, todo o meu ser em sangue. Não posso dizer que sou eu que sofro.
Se o dissesse, mentia e eu não quero mentir. Odeio a mentira. É Jesus que sofre
em mim, porque, se fosse eu a sofrer, tinha desesperado, Jesus, sem conta. Nem
ao menos sei oferecer a Jesus este mundo de sofrimento que me leva à dor
infinita. Até nisto há a inutilidade. Jesus, eu Vos ofereço o incenso dos meus
louvores pela cruz que me dais, e a mirra de toda a mortificação. Aceitai tudo
unido aos Vossos méritos e apresentai ao Eterno Pai. Sou a Sua e Vossa vítima. A
inutilidade mete-se em tudo. Surge-me de todos os caminhos. Foi inútil todo o
meu dia de ontem. Foi-me indiferente o pensamento do Horto. Era já de noite;
transportada lá sem saber como nem por quem, senti todo o meu corpo despedaçado,
fui açoitada e coroada de espinhos cruelmente. Os algozes empurravam-me e
arrastavam-me, quando sobre os ombros eu levava a cruz. As chagas abriam-se
mais; o sangue regava toda a terra. Apoderou-se de mim o pavor. Senti o abandono
do Eterno Pai, apesar de virem do alto uns raios que pendiam d’Ele e em mim se
comunicavam e infundiam. Era a Sua vida divina. Nestes sentimentos de dor e
pavor e ao mesmo tempo de inutilidade, eu segui para o Calvário e fiquei
crucificada na cruz. Não sei quem fazia que os cravos andassem dentro e fora,
avivando-me assim as chagas, que eram as chagas de Jesus. Parecia-me que era eu
com os meus pecados que fazia tudo isto. Revoltava-me e crucificava-me a mim
mesma. Feria-me tanto o brado agonioso de Jesus! Derretia-me o coração em dor!
Ele entregou-se, expirou o eu com Ele. Fiz a minha oferta, entreguei o meu
espírito. Jesus foi pronto a fazer-me viver. Novamente fez luz no meu coração,
inundou-me na Sua doce paz e disse-me :
— “Ouvi, escutai !
Jesus vai falar, vai dizer quanto sofre o Seu Divino Coração. Ouvi e atendei,
Jesus vai pedir a Sua esmola de sempre. O mundo, o mundo, minha filha, fere,
calca aos pés o meu Coração divino, o meu Coração de Pai. São tantas as
lançadas, são tantos os pés cruéis que Me esmagam. As almas, as almas, os
pecadores !... Que estragos causam no mundo ! Como eles provocam a ira de meu
Pai ! Como eles desafiam a Sua justiça ! Vem, vem, minha filha, florinha
eucarística, luz e farol do mundo, vem consolar o meu Divino Coração, vem com o
bálsamo das tuas virtudes, dos teus sofrimentos, curar as chagas do meu Coração
que tanto sangra. Vem, minha filha, e faz que venham a Mim muitas almas, muitos
corações. Tenho sede, sede devoradora. Tenho ânsias, ânsias de dar-Me, dar-Me
inteiramente”.
— Ó Jesus, ó Jesus,
não descanseis; dai-Vos, dai-Vos todo a mim. Dai-Vos todo às almas que Vos
buscam, que Vos querem, que por Vós suspiram. Não olheis para mim, para a minha
miséria. Eu não sou digna de nada Vos pedir, de nada Vos receber. Mas tenho
ânsias, também tenho muitas ânsias. Queria-Vos ver reinar em todos os corações.
Não queria, não, meu Jesus, que houvesse um só que Vos desprezasse, que Vos
ofendesse. Se eu pudesse, ó Jesus, correr o mundo e soubesse falar de Vós ! Como
eu gostava de falar às almas do Vosso amor ! Como eu gostava que todos
compreendessem o que é uma ofensa feita ao Vosso Divino Coração ! Pobre de mim,
Jesus! Sou ignorante, sou inútil. Nada sei dizer, nada posso fazer !
— “Minha filha,
minha filha, íman atraente. Tu não corres o mundo, mas corre a tua vida o mundo.
Tu pregas com o teu sofrimento, com o teu exemplo. És a missionária querida do
Altíssimo. É no teu leito de dor que és missionária como tanto ansiavas.
Coragem, minha filha, coragem ! Coragem, crucificada mais imitadora de Jesus, do
Cristo do Gólgota. A tua vida, a tua vida o exemplo de Jesus Cristo !
Assemelhei-te em tudo a Mim. Fala, fala às almas que vêm junto de ti. Foi a
missão nobre, nobilíssima a que te escolhi! Nenhuma delas volta como vem para
aqui, mesmo as mais criminosas e endurecidas. É por ti que Eu me estou a dar. É
por ti que Eu me comunico aos corações. Vem, minha filha, vem receber a gota do
meu Divino Sangue, vida e alimento divinos. Vives a vida de Jesus. Vives com o
sangue e a carne de Jesus. Oh ! Maravilha ! Oh ! Maravilha extasiante ! Os Anjos
estão em torno. Desceram do Céu, desceram aos bandos. Rodeiam o teu coração,
como rodeiam o sacrário. Como são belos os corações e as almas nas quais habita
o Senhor! Minha filha, minha filha, estou no teu coração, delicio-me nele e nele
esqueço os crimes da humanidade. O teu sofrimento salva milhões, milhões,
milhões de pecadores. O teu sofrimento é escora firme, escora do meu Eterno Pai.
Avisa, avisa o mundo. Se ele não arrepia caminho, as escoras do Senhor deixam de
ser escoras, e o braço vingador cai, cai com toda a Sua justiça, cai sem
remédio; pede, minha filha, pede-Me sempre perdão para os pecadores. Eu não Me
importa a tua inutilidade, quero que tu os ofereças. Oferece-Ma também. Tudo é
útil, tudo é poderoso, tudo é salvação com teu Senhor”.
— Ó meu Jesus, meu
Jesus, é neste momento, e quero que seja a todos os momentos do dia e da noite,
que eu Vos peço pelas minhas grandes intenções, por todos quantos me são
queridos e me pertencem, por todos quantos querem as minas pobres orações, e
pela humanidade inteira, meu Jesus. Perdão e misericórdia, perdão e
misericórdia, perdão e misericórdia para mim, Jesus, e para todos os filhos
Vossos.
— “Vai em paz,
minha filha! Muita coragem e confiança ! O Senhor está contigo, em ti habita.
Fica na cruz e nela crucificada pede oração, penitência, emenda de vida”.
— Obrigada, Jesus,
obrigada. Custa-me tanto separar-me de Vós! Valei-me sempre! Sede a minha força.
Continuo a não
poder ditar o muito que me vai na alma, que se resume ao nada, por ser grande a
minha ignorância. Jesus não larga a prensa da dor, espreme, aperta dia e noite,
aperta sempre e só com Ele assim se pode sofrer. Quanto mais intensa é a dor,
mais íntima é a minha união com Ele. O incenso de louvor, a mirra da
mortificação é contínua a subir ao Céu. A inutilidade apresenta-se logo, ou
melhor, presente sempre, rouba-me tudo, nem ao menos me deixa ver um
rastilhozinho, como fumo que desaparece. De mãos vazias, sem nada, nada para o
meu Senhor, num completo abandono da terra e do Céu. Eu chego, ó meu Deus, a
dizer quantas vezes a mim mesma, inesperadamente, mas sem eu querer. Mas eu
vivo. O mundo existe e existe o Céu. Estremeço com estes sentimentos de abandono
e com estas perguntas que não sei de onde vêm. Sim, Jesus, eu vivo pela Vossa
graça. Existe o mundo e eu não sou por todas as criaturas abandonada. Existe o
Céu, porque Vós existis e Vós não abandonais nenhum dos filhos Vossos. Creio,
creio, creio e confio. Jesus, sou a Vossa vítima. A última proibição, que houve
no meu caso, já não há. Depressa acabou. Se fosse assim a primeira que tive, que
foi a proibição do meu pai espiritual, já há quase dez anos. Louvado seja o
Senhor. Foi no Domingo que eu soube que a última proibição estava novamente na
mesma, que tudo poderia seguir como antes, e eu que não mais pensasse nisso. Foi
um peso que saiu de mim, que tanto me oprimia. Ah ! Se todos assim
compreendessem e zelassem o bom nome do seu semelhante !... Eu não sabia, nem
sei, como agradecer ao Senhor. Pedi à Mãezinha que suprisse a minha falta,
agradecendo-lhe por mim. Esta boa nova foi como que uma injecção a fortificar-me
a alma. Como mais nada sabia dizer, repetia o meu eterno obrigada a Jesus e
sempre a minha oferta de vítima. Depressa o conforto desapareceu e eu voltei
para a mesma noite, para a mesma vida duvidosa, para o jugo do meu Calvário.
Ontem, desejava que as quintas-feiras desaparecessem, apavorada pelos
sofrimentos do Horto. Fugi-lhe, fugi-lhe sempre, como louca perdida. Já de
noite, muito de noite, eu fiquei naquele solo duro, espavorida, sem ter ninguém
que pudesse valer-me. Por todos os lados, ou melhor, por caminhos sem conta,
surgiam feras nos rebanhos a atirarem-se a mim. Nem do Céu me vinha a defesa,
nem de lá o conforto. As veias rasgaram-se-me, e o sangue banhou a terra.
Durante a noite, acompanhei a Jesus o melhor que pude. Nesta manhã, não segui
para o Calvário com Jesus, deixei-O sozinho. Eu fiquei numa noite pavorosa, numa
agonia e dor de alma indizíveis. Os meus lábios não se abriam para desabafar.
Eram interiores as minhas queixas, o meu desabafo. Não sei quem me levou ao
encontro de Jesus, quase no cimo da montanha. Ali, unida à Mãe, senti no meu
coração o ofegar e palpitar d’Ele; batia no meu coração como que uma enxurrada
saída dos Seus divinos lábios em golfadas fortíssimas de sangue. É indizível a
minha dor com estes sentimentos. Jesus estava moribundo. Fui eu crucificá-Lo, a
dar-Lhe a morte. Nas horas da agonia senti sempre as afrontas feitas ao Senhor,
apesar de ser eu quem Lhas dava. Eu era a humanidade revoltada contra Jesus a
dilacerar-Lhe as carnes, a rasgar-Lhe o peito e a abrir-Lhe o coração. Neste
momento, Ele deu o Seu Divino Sangue e expirou. Expirei com Ele e, um pouco mais
tarde, por Ele ressuscitada, ouvi a Sua voz divina :
— “É grande, muito
grande, infinitamente grande, a misericórdia do Senhor. É séria, infinitamente
séria, a Sua justiça. É a misericórdia infinita e seriedade infinita. Reparai,
reparai. Estai bem atentos, Jesus perdoa. O Senhor quer perdoar. O Senhor quer o
vosso arrependimento. Jesus há-de vir julgar-vos. Alerta, alerta. Avisa-vos o
Senhor. Não pequeis, não pequeis. É séria, e muito séria, a justiça do Senhor”.
— Não posso ver,
Jesus. Não Vos deixeis cair por terra. Caí sobre os meus braços, meu Amor. Eu
sou indigna de neles Vos possuir, mas não olheis para isso, Jesus. Não posso ver
o Vosso rosto conspurcado em terra. Deixai que eu Vos abrace e Vos estreite ao
meu pobre coração. Quero amar-Vos, Jesus, quero amar-Vos por todos. Quero
reparar-Vos por todos os pecados e crimes. Caiam sobre mim, meu Jesus, todos
esses braços cruéis de armas e punhais em punho e tantos instrumentos que ferem.
— “Minha filha,
minha querida filha, com a minha santíssima cabeça inclinada sobre o teu
coração, quero acabar este colóquio. Já é sobre ti, minha filha, sobre o teu
débil corpo que Eu permito que sejam descarregados tantos e tantos açoites,
tantos e tantos sofrimentos. É sobre ti, minha filha, florinha eucarística. É
sobre ti e não sobre mim, porque és a minha vítima. Sabes, minha esposa querida,
o que tudo isto representa? Os pecadores, os pecadores de todas as classes e
condições. Eu chamo-os por eles e por ti lhes dou o perdão. Os teus sofrimentos,
o teu calvário levam-nos ao arrependimento, levam-nos a uma confissão bem feita.
Confia, confia, filha querida. Se assim não sofresses, eles não iam aos bandos
ao tribunal da penitência. A dor, ligada ao amor, é a arma mais poderosa, é a
escora mais firme que sustenta o braço do Senhor. Escutai, escutai ! Estai
atentos, que o eco de Jesus pelos lábios da Sua vítima ecoa no mundo inteiro :
oração, penitência, emenda de vida. Falem os que podem falar, avisem os que
podem avisar. Alerta, alerta, todos os filhos do Senhor. Ele vos chama, arrepiai
caminho. Escutai, escutai. O aviso vem do Céu. Atendei, atendei a Jesus que está
chamando. Vinde, meus filhos, vinde meus filhos, vinde meus filhos ao meu Divino
Coração. Porque me feres assim ?... Sou o vosso Pai. Amai-Me, porque Eu vos amo.
Vinde a Mim, porque morri por vós”.
― Ó
Jesus, ó Jesus, porque chorais assim ? Deixai para mim as Vossas lágrimas. Eu
não Vo-las posso enxugar !... Nem tenho com quê, meu Amor.
— “Choro, choro,
minha filha, porque chamo os filhos meus e eles fogem, não me atendem, não vêm a
Mim. Choro, choro, porque correm loucos para o inferno. Querem perder-se
eternamente”.
— Não choreis mais,
Jesus. Aceitai o meu frio amor, o meu pobre coração cheio de ânsias de Vos amar
e por todos Vos reparar. Estou disposta, Jesus, a sofrer tudo, tudo, todas as
humilhações, todas as calúnias, todos os sofrimentos que Vos aprouver dar-me.
Não choreis, não choreis mais. Quero chorar eu sempre as Vossas lágrimas.
— “Já não choro,
minha filha. Repara bem em Mim. O teu amor, a tua generosidade foi o suficiente
para mas secar. Vem em troca receber a gota do meu Divino Sangue. Bem unidinhos
os nossos corações, passou a gotinha de sangue, o alimento que te faz viver.
Vive de Cristo. Esta gota de sangue divino leva em si todas as riquezas divinas.
É por ti que toda esta riqueza infinita transparece e passa para as almas. Fica
na cruz, esposa minha. Fica na cruz, luz e farol do mundo. Fica na cruz, escora
do meu Eterno Pai, escora da Sua justiça, escora do Seu braço vingador. Sofre,
sofre com alegria e não cesses de dizer às almas : vinde a Jesus, vinde a
Jesus”.
— Antes de sairdes
dos meus braços, meu Amor, quero lembrar-Vos, como sempre, todos os que me são
queridos, toda a minha família, todos quantos pedem as minhas pobres orações,
amigos e inimigos, o mundo inteiro, o mundo inteiro, meu Jesus.
— “Vai em paz,
minha filha”.
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