OUTUBRO
Temo e tremo à
vista de tanto abandono, tanta escuridão e inutilidade. O meu brado ao Céu é
abafado pelo peso da dor e das humilhações. Quero fugir para onde não possa ser
vista. Fico abatida, humilhadíssima, ao ver-me visitada e rodeada de pessoas.
Muitos vêem em mim e julgam aquilo que eu não tenho e que eu não sou, não por
mim, mas pela graça e misericórdia do Senhor. Mas muitos, em número muito mais
elevadíssimo, pensam que sou, julgam, vêem em mim as virtudes, a santidade que
eu não tenho, mas que gostava de ter por ser vontade do Senhor que sejamos
perfeitos e santos. Estes, sem querer, sem terem essa intenção, fazem-me sofrer
muito mais ainda que os outros. Eu nunca pensei, e graças ao Senhor, em querer
parecer bem, passar por virtuosa aos olhos do mundo. Eu quero ser, sim, aquilo
que Jesus quer, e nada mais. Queria amar a Jesus, a Mãezinha e dar-Lhes todas as
almas. São as minhas ânsias, as minhas aspirações. Mas nada faço; a cada momento
da minha vida sou roubada pela inutilidade. O que é bom não o tenho. O que é
meu, toda a espécie de vícios, maldades e crimes, são meus. É meu todo o ódio da
humanidade inteira contra Jesus ; são minhas todas as ofensas cometidas contra o
Seu Divino Coração. O meu brado não chega ao Céu. Parece que ele para mim não
existe. E, para maior desgraça, quantas vezes não sei quem tenta convencer-me de
que ele não existe para ninguém. Valei-me, meu Deus, valei-me, meu Jesus. Na
terra, não tenho quem me acuda ; e que será de mim se me faltais Vós ? Os meus
sentimentos não cessam de dar a volta, percorrerem toda a humanidade, com a
maldade e malícia mais pecaminosas. Entreguei-me à podridão do mundo. Ai, se eu
soubesse dizer aquilo que me parece buscar e querer, como me parece saber
praticar toda a qualidade de pecados, todos os lugares onde eles se podem
cometer. Que horror, que escândalo, meu Deus ! Estas ânsias, desejos, olhares
maldosos, chegam, por vezes, a deixarem-me na maior prostração, tal o cansaço
que sinto no coração. São horas amargas, de luta constante. Depois de um
tremendo combate, em que abandonei Deus por completo e me entreguei às mais
cegas paixões, eu era as pessoas, via as pessoas, era o lugar da habitação e via
esse lugar, dizia dentro de mim mesma: quero o prazer, quero gozar; não existe
Deus; depois desta vida, tudo acaba, quero satisfazer-me enquanto aqui estou.
Dizia isto para a minha companhia do pecado. Quando assim falava, fiquei sobre a
boca do inferno. Veio alguém sobre mim, de braços abertos, como se viesse
pregado na cruz. Não se poupou aos sofrimentos, não temeu cair também no
inferno. Sustentada não sei por quê, voava como se tivesse asas. Arrancou-me da
boca do inferno, das labaredas que já me atingiam. Fiquei libertada. E então
Jesus chorava e parecia chorar dentro de mim e em profundo suspiros dizia :
— “Não te aproximes
de mim, não me recebas nesse estado na Eucaristia, não me renoves mais vezes a
minha santa Paixão. Converte-te e vem depois a Mim, não peques mais, ama-me”.
Fiquei como se não
ouvisse a voz de Jesus, não tive nenhuma pena d’Ele ; embrutecida no vício não
pensava deixá-Lo, tinha o propósito de nele continuar. Vai-se passando dentro de
mim o sofrimento de há catorze anos, a data da minha primeira crucifixão. As
vésperas, o dia e muitos mais após este, tudo mês está presente. A alma vai
vivendo o sofrimento de cada dia, de cada hora. Sinto o que sofri, o que sofreu
o meu Pai espiritual e mais alguém que me rodeava. Que tormento ! Se este fosse
bem compreendido, não se teria erguido tão doloroso Calvário. Ó meu Jesus, tudo
foi e é por Vosso amor. Sede a minha força e a força dos que sofrem por minha
causa e comigo. Nesta agonia torturante, passei o meu Horto de ontem. Ao cair da
tarde, fiquei como que plantada nele. Fui posta naquele solo duro, para ser
responsável por toda a gente e para duma grande parte ser escândalo. Estes eram
revoltosos, carrascos e assassinos para mim. Ali recebi todos os maus tratos e
ingratidões dos homens. Parecia que era do meu coração, mas não era, porque eu
via à minha frente outro coração, embora muito unido ao meu, que derramava rios
de sangue, e pelo centro saíam chamas de fogo ateadoras. Compreendi que era o
fogo do amor de Jesus. Eram d’Ele estas chamas, era d’Ele este sangue que banhou
o solo do Horto. E era Ele que louco de amor se oferecia por nós ao Eterno Pai e
pela Sua justiça era esmagado. A noite foi um Calvário, e para o Calvário segui
nesta manhã. Era uma agonia semelhante à de há catorze anos. Era um caminho sem
luz, era um caminho sem guia, nem amparo, era uma agonia sem conforto, sem
esperança, era uma agonia só de pavor. Cheguei ao cimo da montanha, fiquei na
cruz crucificada. Jesus tomou a minha carne despedaçada, os meus ossos, todos os
meus membros. Todo o meu ser foi Cristo crucificado. O Seu brado ao Pai passava
pelo meu coração e pelos meus lábios. Perto de Jesus expirar, passou sobre mim
uma onda fogo. Jesus dizia : “Venceu o amor, venceu o amor. Pai, nas tuas mãos
entrego o Meu espírito.” Após um pouco dum silêncio mortal, a alma iluminou-se.
Sentia em mim a vida de Jesus e ouvi-O falar assim :
— “Dá-me o teu
coração, minha filha, e junto ao teu faz com que Me sejam oferecidos muitos
corações, todos os corações. Está aqui o mendigo, o mendigo, o mendigo do amor.
O mendigo da dor. Está aqui o mendigo que há tantos anos veio bater à porta do
teu coração. Hoje, como nesse dia, venho pedir a mesma coisa. Quero o teu corpo
e a tua alma para serem sempre comigo crucificados. Quero o teu corpo para ser o
pára-raios de toda a humanidade. Quero a tua dor, formada em braseiro, para ser
luz de todos os pecadores. Bati, bati à porta do teu coração generoso. Bati e
fui atendido. Bati e tive entrada. Minha filha, minha querida filha, a hora é
grave. Avante, avante, coragem na tua cruz, no teu Calvário. Eu pedi para te
crucificar. São os meus desejos, são os meus anseios divinos que continuas nesta
crucifixão. O mundo, o mundo, os pobres pecadores, obrigam-Me a todas as
exigências, obrigam-me a crucificar-te com a mais dolorosa crucifixão. Coragem,
minha filha. Sê apostola. Coragem, coragem, minha filha, sê missionária no teu
leito de dor. É nobre a tua missão. É nobilíssima a tua dignidade de esposa de
Cristo, de vítima de Cristo, de florinha eucarística, de mãe dos pecadores.
Catorze anos são passados. Foi neste lugar, a esta hora, que há catorze anos
foste crucificada, e neste momento tinha contigo os Meus desabafos. São catorze
anos de glória, catorze anos de salvação, catorze anos de heroísmo, de amor às
almas. Bem hajas, esposa minha, pela tua generosidade. Estreito-te ao Meu Divino
Coração, pela tua entrega total. És minha, toda minha. Pertences-Me, amas-Me, e
Eu amo-te! Sou teu e todo teu. Vem, minha esposa celeste, vem abraçar, vem
beijar, vem unir-te à minha esposa e vítima, à vítima heróica deste Calvário,
que sofre, luta, combate. À minha semelhança, tem salvo e continua a salvar
muitas almas, milhões e milhões de almas. Minha irmã, minha querida irmã, aceita
o meu abraço, o meu íntimo abraço. Aceita os meus beijos, os meus celestes
beijos”.
— Teresinha,
Teresinha, minha querida amiga, roga por mim ao Senhor. Ama por mim Jesus, ama
por mim a toda a Santíssima Trindade, ama por mim a querida Mãezinha. Teresinha,
Teresinha, minha querida amiga, quero abraçar-te, quero estreitar-te muito ao
meu pobrezinho coração. Vela por mim, ajuda-me na minha cruz, no meu calvário.
Quero, quero abraçar-te e não mais separar-me de ti. Ah ! se eu fosse contigo
para o Céu!... Já lá estaria com certeza, se como tu soubesse amar, se como tu
soubesse sofrer e mais ainda se como tu soubesse ser pura e santa. Obrigada,
obrigada, minha querida Teresinha, pela tua chuva de rosas.
— “Tem coragem e
confia. Será breve, muito breve, que eu virei com a minha e tua Mãe, a nossa Mãe
e Rainha celeste, levar-te para o Paraíso. Confia. Ama-te o Céu com a maior
loucura de amor. Vem, minha filha, depois deste mimo celeste, receber a gota do
meu divino sangue. É a vida que passa, é o amor que te inunda e fortalece.
Coragem, coragem. Quem muito dá muito quer receber. Dou-te tudo, dou-Me todo a
ti. Fica na tua cruz. Dá-te dela, sempre, toda a mim. Com ela, com este
sofrimento inigualável, dá-Me às almas, dá-Me às almas, todas as almas. Acode,
acode ao mundo perdido. Pede oração, muita oração, muita penitência. Vai em paz.
Coragem na tua dor, coragem na tua imolação, no teu Calvário”.
— Obrigada, Jesus,
obrigada, meu amor. Antes de Vos deixar, antes de me separar de Vós, ou de
sentir a Vossa separação, lembro-Vos, meu Amor, todos os que me são queridos.
Ponho tudo, tudo, diante de Vós. Todos os que se me recomendam, toda a
humanidade, porque toda ela é Vossa. Ficai comigo, é Jesus, triunfai na minha
cruz !
Passei a noite numa
ansiedade indizível de receber a Jesus e, ao mesmo tempo, numa dor angustiosa
pela hora da Sua visita ao meu pobre coração. Temo os colóquios com Jesus.
Parece que chego a querer libertar-me de tudo. Temo os colóquios, porque temo
enganar-me. Tenho dúvidas de todo o meu viver. Apavoram-me as sextas-feiras e os
primeiros sábados. Meu Deus, eu não quero enganar-me, nem enganar ninguém. Não
consintais em tal, meu Jesus. Ele veio, e, logo que O recebi, o temor
desapareceu-me, dissipando-se as trevas. A Sua presença em mim iluminou-me o
coração, encheu-me de paz, abrasou-me toda no Seu Divino Amor. Após uns
momentos, falou-me assim :
— “Vim ao mundo
trazer a paz. Quero dar a todos a minha paz. Minha filha, minha filha, o Rei
Divino está no palácio do teu coração, sentado no trono da maior realeza. Este
trono está adornado das mais puras e heróicas virtudes. O perfume é delicioso,
tem o aroma das rosas. Aqui, minha filha, sim, neste trono encantador, Eu posso
esquecer os crimes com que sou ofendido. É deste trono que Eu falo, é daqui que
Eu suplico. Coragem, coragem, a dor é o escudo da salvação. Dá-Me almas, dá-Me
almas, não mas deixes fugir, não mas deixes perderem-se. Tenho sede, tenho sede
de ser amado. Estou cheio e enfartado de ser ofendido. Dá-Me almas, minha filha.
Com os teus sofrimentos, conquista-as para Mim. Eu faço, esposa querida, que
elas corram para junto de ti, como as formiguinhas para o seu celeiro. O teu
coração é celeiro divino. Está cheio, todo cheio, transborda das maravilhas,
graças e tesoiros do Céu. As almas, as almas, vêm junto de ti. Vêm ao celeiro do
teu coração buscar alimento para se alimentarem e viverem de Mim. Quantas, minha
filha ! Quantas !... Se tu pudesses ver !... Vêm para aqui umas e vão tão
transformadas!... Ai daquelas que se opõem aos meios que Jesus escolheu para as
salvar! Utilizei-Me deste calvário riquíssimo, calvário de salvação, para lhes
acudir. As almas são minhas, custaram o sangue divino. Quero que se salve aquilo
que é meu. Diz, diz ao teu Paizinho que uni a vossa dor na mesma união, na mesma
intensidade, que uni as vossas almas. Ele há-de ser contado no número dos meus
santos. Foi escolhido para eleito do Senhor, mas para isso tem de passar a sua
vida na terra calcando espinhos, trespassado de espinhos. A sua missão, a missão
das almas, para a qual o escolhi, é a mais árdua, a mais difícil, a mais
dolorosa. Diz-lhe que o amo com todo o meu amor. Se assim o não amasse, não o
teria escolhido para tal fim. Dou-lhe toda a minha paz, todo o amor e doçura do
meu divino Coração. Diz, diz ao teu médico que Jesus visita sempre os amigos que
mais ama. Diz-lhe que Jesus bate à porta, com mais intensidade, daqueles de quem
espera tudo. Diz-lhe, diz-lhe que o meu Divino Coração tem por ele e pelo seu
jardim florido especial afeição. Diz-lhe que é grande a recompensa que o espera.
Não posso deixar de o compensar pela sua firmeza heróica, pela sua fidelidade e
amparo à minha divina causa. Diz-lhe que tenha coragem. Ela triunfará. Diz-lhe
que não cesso, dia e noite, de velar por ele, de cuidar dele e dos que são dele.
Dá-lhe a chuva das minhas graças. Dá-lhe a abundância do meu amor e diz-lhe mais
uma vez: mãos à obra, mãos à obra. Jesus o quer. Diz à minha filha atribulada
que a acompanho, que o Senhor está com ela e lhe dá toda a Sua paz e o amor do
Seu coração. Diz-lhe que os seus caminhos estão traçados, traçados por mim. Ela
está bem como Eu quero e onde quero. Diz-lhe que ela tem sido fidelíssima à
vontade santíssima do Meu Divino Coração. Diz-lhe que lhe dou toda a paz, que a
feche bem no seu coração. Avante, avante sempre, sempre a velar na missão que
lhe destinei. Vem, minha Bendita Mãe, Mãe do Rosário, Mãe da salvação, vem
consolar a nossa filhinha. Vem confortá-la, encorajá-la. Os seus caminhos são os
mais espinhosos e difíceis de romper. Minha filha, minha querida filhinha,
esposa amada, esposa de Jesus, estás no regaço da tua Mãezinha celeste. É Ela a
estreitar-te, a acariciar-te, a acalentar-te ao Seu Santíssimo Coração. É a
Virgem Celeste, a tua Mãezinha querida a quem tanto amas, a quem tanto queres,
que vai pela segunda vez enlear nas tuas mãos o rosário bendito, o rosário da
salvação. Aconselha, faz que ele seja rezado. O Rosário bem rezado e bem
meditado, com os teus sofrimentos, são a salvação dos pecadores, são a salvação
da humanidade. Ai dela, ai dela, se depressa não corresponde às graças do Céu,
às graças e protecção de Jesus e de Maria. Coragem, minha filha querida. Está
atenta sempre, sempre, a tudo o que Jesus te pede. Nada Lhe recuses. Dá-Lhe toda
a dor. O mundo, os pecadores, assim o exigem. Conta com Jesus, conta comigo.
Velamos por ti, amparamos-te. Estás sempre mergulhada no amor infindo dos Nossos
Corações. Não o sentes, mas estás. É nesse estado de alma que dás a maior honra,
a maior glória, a maior prova de amor a Jesus e a Maria. É nesse estado de alma
que o Eterno Pai recebe de ti a reparação, com a abundância que apode dar uma
criatura humana”.
— Ó Mãezinha, quero
abraçar-Vos e beijar-Vos. Eu não sou digna, eu não sou digna, perdoai-me.
— “Recebe as novas
carícias de Jesus. Recebe o conforto, as carícias e toda a doçura da tua
Mãezinha. Dá, minha filha, dá, minha filha, a todos os que amas, a todos os que
te amparam e rodeiam o amor e doçura da tua Bendita Mãe. Espalha-os a todos os
que se aproximam de ti. Faz que se espalhem no mundo inteiro”.
— Obrigada, Jesus,
obrigada, Mãezinha. Sede sempre comigo.
Passo a vida
mergulhada num mar agitadíssimo de dor. É o mundo inteiro transformado em água,
é o mundo inteiro esse mar infindo de sofrimento. A dor mergulha-me lá para os
abismos. Só de longe a longe, movida e removida pelas ondas, chego quase à
superfície da água ; só os braços consigo deitar de fora. Este esforço da minha
parte, este mostrar e abrir de braços, é um sinal de pedir socorro. Parece que é
para o Céu que eu os abro e levanto. Na terra não tenho ninguém que possa entrar
por entre as ondas a abeirar-se de mim. Tudo é mar, tudo é revolta. Ao estender
os braços, como que a pedir auxílio, chego quase que a respirar, libertada da
dor, do sofrimento. Mas, ao mesmo tempo, sem o Céu me salvar, volto a
infundir-me pelo peso inaudito da dor. Nem da terra, nem do Céu posso ter
salvação. Lá vou eu, parece que passo anos e anos a lutar com as ondas sem poder
conseguir vir à superfície a pedir de novo auxílio. Entregue à mercê da água,
desfalecida, já não procuro esforçar-me para ser salva. Eu queria desabafar,
sinto a necessidade de dizer o que é este mar de sofrimento e como eu sou
submergida nas ondas. A inutilidade rouba-me toda a luz, todo o esforço que eu
fazer para me salvar. A ignorância não me larga. E, assim, eu fico sem ter
lenitivo para a minha alma. Não me faço compreender, não posso fazer nenhum bem.
Estas ondas são para mim piores do que a lepra; roem-me, desfazem-me todo o ser.
Mas ainda tenho um coração e uma alma que anseiam servir e amar o meu Senhor,
entregar-me a mim e em tudo fazer a Sua Divina Vontade. Digo isto, não pelos
sentimentos, mas sim pela confiança e pelo abandono a que me entreguei. Eu não
sei se amo a Jesus, mas Ele sabe que eu quero amá-Lo. Eu não sei se faço a Sua
divina vontade, mas Ele sabe bem a perfeição com que eu quero fazê-la. Eu não
sei se sigo os Seus caminhos, mas não importa, porque eu confio, sem sentir que
confio, e espero no Senhor que hei-de confiar até ao meu último momento.
Abandonei-me a Jesus e à Mãezinha e vou para onde Eles me levarem. Não quero as
honras do mundo, nem o louvor das criaturas ; não me importa ser odiada,
humilhada, incompreendida e desprezada por todos, o que eu quero é amar a Jesus
e dar-Lhe as almas. E para isso tudo espero d’Ele. Temo a minha miséria e
fraqueza, duvido de toda a minha vida, que tudo é engano, ilusão, falsidade, mas
tudo isto sem eu querer. O que eu não posso é consentir no pensamento que Jesus,
vendo-me, como sei que vê, que o único fim da minha vida é Ele, me deixe
abandonada. O meu coração quer falar ao mundo. Que ânsias infinitas da fazer
conhecer o Coração Divino de Jesus, de dizer o quanto Ele nos ama e o quanto se
sente quando O ofendemos. Ó meu Jesus, meu Jesus, como sangra o Vosso Divino
Coração! Como sofreis, meu doce Amor, ao verdes o mundo dos meus crimes, o mundo
das minhas paixões, o mundo de todas as maldades, o mundo da mais nojenta
podridão. Não disse nada e nada sei e quase nada estou a poder dizer. Mostrai,
Jesus, fazei compreender, para Vossa glória e bem das almas, aquela infinidade
de coisas que eu sinto necessidade de saber exprimir. Parece que o meu coração
não cessa de as mostrar, de as escrever. O meu Horto de ontem foi o da
inutilidade e do esquecimento, com um completo desprezo. Á noite, toda a
humanidade, de lança em punho, rasgou-me o peito, abriu-me o coração. Toda a
terra ficou regada com o seu sangue. O coração assim aberto era um abismo de
amor, era uma lição nunca aprendida nem compreendida, era um asilo para todo o
mundo cruel. O mundo fui eu, a cruel fui eu, quem tirou a vida a Jesus fui eu,
só eu. Que pavor, meu Deus, que pavor! A noite foi um tormento de sofrimento
para o corpo, mas foi melhor para a passar unida a Jesus. Hoje, logo de
manhãzinha, não fui eu, mas foi o meu coração. Alguém o levou para acompanhar a
Jesus de tribunal em tribunal. Ele foi testemunha de quanto Jesus sofreu! Para
melhor dizer, os tribunais pareciam-me que estavam no meu coração, e ao mesmo
tempo eu fui que lavrei a sentença de Jesus, fui eu que Lhe coloquei a cruz aos
ombros e O fiz, debaixo de todos os maus tratos, caminhar para o Calvário ; à
parte sempre a minha inutilidade para o bem e a utilidade, como autora de todo o
mal. No cimo do Calvário, crucifiquei o meu Amado. Ia dentro em pouco dar-Lhe a
morte. O Seu Divino Coração aberto era um mundo infinito de amor. O Seu brado ao
Eterno Pai, ao mesmo tempo que era brado do abandono, era-o de convite a
entrarmos nele para dele recebermos o perdão. Quanto mais Jesus bradava, mas eu
compreendia o Seu amor e mais ele se submetia à vontade do Pai. A ela submetida
para responder por toda a humanidade ao Céu, entregou o Seu espírito. A minha
alma sentiu um trespasse de morte para depressa despertar para a vida ao ouvir a
voz de Jesus e ser iluminada pela Sua luz divina.
— “Alerta, alerta.
Olhos ao Céu, coração humilde, coração resignado à vontade santíssima de Deus.
Alerta, alerta! Estai bem atentos. Alerta, alerta! Escutai, escutai! É Jesus
quem fala. É Jesus, sim, Jesus no Calvário, na Sua esposa e vítima. É no
Calvário que Ele está. É no coração da Sua florinha eucarística que Ele habita.
É pelos seus lábios que Ele pede. Tenho sede! Quem poderá saciar-ma ?... Tenho
fome ! Quem poderá satisfazer-me ? Os corações puros, os corações sequiosos de
Mim, os corações e as almas reparadoras. Tenho sede de amor, tenho fome das
almas. Ó minha filha, ó minha filha, alma da mais elevada eleição, o Senhor é
contigo. Foste criada para a mais alta e difícil missão e para esposa de Jesus
Cristo. Foste criada e escolhida por Deus, para seres a cópia fiel, a vítima
mais semelhante de Cristo crucificado. A tua missão é nobre, é nobilíssima. O
Céu exulta de alegria na contemplação do farol luminoso, da luz brilhante de
toda a humanidade. É a vítima salvadora das almas. Coragem, coragem, minha
filha, escuta a voz de Jesus que te ama e anseia que O faças amar. Sofre, sofre
com alegria. Sofre com heroísmo. Tu és, esposa minha, a ave escondida,
escondida, sim, escondida, escondida e seres visitada, escondida e seres
contemplada. Escondida, sim, minha filha, porque poucos vêem em ti a graça e as
virtudes, as maravilhas e os tesouros que em ti estão encerrados. Tu és o sol, o
sol brilhante, encoberto por uma nuvenzinha que há-de romper, que há-de ser
rasgado para que os raios luminosos vão penetrar, vão iluminar todos os
corações, todas as almas através dos tempos. A tua vida há-de chegar dum pólo ao
outro do mundo, como o reinado de Cristo crucificado. Dá-Me dor, dá-Me dor,
minha filha, aquela dor que abrande a justiça do Senhor, aquela dor que apague o
seu fogo vingador, aquela dor que dê ao mundo uma vida nova, aquela dor que
arranca às garras de Satanás os milhares, os milhões, os milhões, os milhões de
grandes e perversos pecadores. Alerta, alerta, ouvi, almas vítimas, ouvi, almas
amantes do Senhor. Vinde depressa, vinde com urgência, antes de ecoar o trovão
da destruição. Salvai as almas, salvai as almas. Consolai a Jesus, aplacai a
justiça do Senhor”.
— Ó meu Jesus, meu
Jesus, estou confundida. Não sei o que hei-de dizer-Vos. Digo-Vos que sou Vossa,
que sou a Vossa vítima e que conto convosco para em tudo ser fiel à Vossa Divina
Vontade. Dai-me graça, Jesus, dai-me amor à cruz.
— “Vem, minha
filha, vem, esposa minha, receber a gota do meu divino sangue. Ó maravilha, ó
maravilha extasiante! Uma nova gota de sangue de Jesus corre pelas veias da Sua
esposa e vítima. É sangue que dá a vida, a vida que gera as virgens e as faz
crescer na graça e no amor. Fica na cruz, minha filha, ama-me, ama-me. É nela
que provas o teu amor a Jesus, o teu amor às almas. Coragem! Vai em paz. Vai
pedir, sem cessar, penitência, emenda de vida”.
— Obrigada, meu
Jesus, obrigada, meu Amor. Atendei às minhas preces. Vede todos os meus pedidos.
Por último, é o mundo, é o mundo, meu Jesus. Compadecei-Vos dele.
Parece-me que não
tenho fé. E, umas vezes, vivo como se nunca a tivesse nem a conhecesse, e outras
como que a tivesse e a perdesse. Esta vida, com o seu breve, dá-me tempo para
tudo, tudo, mesmo tudo do que é para o pecado. Sou um mundo maldades, vícios,
ódios, um mundo de ofensas ao Senhor, um mundo de perdição. Tenho tempo para
tudo o que é mau, tenho em mim todo o veneno e parece que conheço toda a
variedade de crimes, tenho toda a maldade e sabedoria como eles são praticados.
Para o que é bem, ó meu Deus, para Vos servir e amar, não tenho um momento. Que
desespero, que inferno, por vezes dentro de mim ! Ao ouvir, no dia 13, a
transmissão de Fátima, às invocações não desesperei, porque Jesus e a Mãezinha
velaram por mim. Quando ouvia “Meu Deus, creio em Vós, mas aumentai a minha Fé”
parecia-me que dentro de mim se repetia : não creio, não creio, não tenho Fé. O
meu sentimento era de que não havia ninguém no mundo como eu. Não tinha força
para chamar por Jesus e pela Mãezinha. As lágrimas bailaram-me nos olhos,
tentaram vencer-me, rolaram-me pelas faces. O abandono do Céu e da terra
prevalecem em mim. O martírio do corpo é contínuo, mas a agonia da alma não é
menos assídua, custa mais ainda. A tempestade não cessa. As ondas agitadíssimas
do mar enrolam-se sempre nelas, levam-me lá para os abismos. As trevas da noite,
unidas à inutilidade, são pavorosas. Com tudo isto no coração e na alma, a paz
acentua-se no mais íntimo. O inferno, o desespero, estão na superfície, só por
momentos encobrem a tranquilidade e a paz que habita no alojamento mais fundo.
Quando assim é, estremeço ao parecer que sou lançada no abismo da perdição. Não
sei de onde, vem do alto como que uma corda que me atrai a si. Parece que os
meus braços se firmam nela, e, como que se tivesse de degraus, de longe a longe,
vou passando um, apesar de estar sempre no mesmo sítio. Este sentimento é
bálsamo para as feridas de muitas, muitas punhaladas, e de muitos, muitos
espinhos. Meu Jesus, como é vasto o jardim dos Vossos sofrimentos ! Não tem
conta a variedade de tão dolorosas, mas tão amadas flores ! Amo, amo tudo o que
é Vosso, tudo o que me enviais. Dai-me graça e força, Senhor, só em Vós confio.
O meu Horto de ontem foi um verdadeiro pavor! Eu era como que envolta, amassada,
calcada por toda a terra. Temia os sofrimentos, temia a Deus mais do que a
própria morte. Prostrada no solo do Jardim das Oliveiras, dizia não sei quem
dentro de mim: a minha alma está triste até à morte. E tal era a tristeza que me
levava a manifestá-la, a desabafá-la. Via ao longe, mas como se fosse dentro de
mim, a Mãezinha das Dores a contemplar-me. Via o Céu fechado, o mundo feito um
rochedo, sem nele poder penetrar, e todos os sofrimentos que me esperavam. Suei
sangue; só com ele tal dureza podia ser amolecida. Nesta manhã, temerosa de
Jesus e dos meus colóquios com Ele, d’Ele queria fugir e esconder-me. Segui para
o Calvário, mas fui forçada. Não segui a Jesus com amor; senti em mim uma
revolta imensa contra Ele. Sempre a inutilidade a dominar-me para toda a Sua
vida, para tudo o que era d’Ele. No cimo da montanha, Jesus estava crucificado
na cruz. E eu não fiz outra coisa a não ser cobri-Lo de insultos e
atirar-me a Ele, como a fera mais furiosa. Eu era a fera mundial e ia tirar-Lhe
a vida. Jesus amava, amava profunda e loucamente. A cada brado ao Seu Eterno
Pai, a cada afronta, repetida uma e outra vez à Sua Divindade, o Seu Coração
parecia esquecer. O amor superabundava tudo. Quando Ele bradava em dolorosa
agonia, o Seu amantíssimo Coração jorrava sangue que regava a terra em
abundância, e junto ao sangue saíam fortes labaredas de fogo, que se ateavam e
pareciam incendiar o mundo. No meio de indizível afronta e sofrimento, Jesus
amava e a todos perdoava. Vi-O suar sangue e senti na minha alma que os Seus
suores eram os suores frios da morte. Ele expirou, e a minha alma com Ele. Tudo
ficou silencioso, como se morresse toda a terra. Veio o meu Amado, deu-me a Sua
vida, deu luz à luz escura do meu coração e falou-me assim:
— “Minha filha,
minha filha, estou aqui no teu coração. Escuta o Jesus da tristeza, o Jesus da
dor, o Jesus da compaixão, o Jesus do amor, o Jesus do perdão. Minha filha,
minha filha, estou aqui e é no teu coração que Eu falo aos pecadores, que Eu
falo ao mundo inteiro. Eu amo, Eu amo a humanidade, infinitamente, divinamente.
Eu amo e não sou amado. Eu amo e ela não corresponde ao meu amor. O mundo, o
mundo, minha filha, é o cruel do teu Calvário como outrora o foi do meu. O
mundo, o mundo infiel, é a causa da tua imolação tão dolorosa e sangrenta. Eu
sou o Jesus ofendido. Eu sou o Jesus ultrajado e venho ao teu coração pedir
amor, amor, amor de muitos corações, de milhões de corações, amor dum universo
de corações. Tenho sede, tenho sede, tenho sede de amor, sede de reparação.
Conquista, minha filha, conquista muitas almas para Mim. Pede, para que Eu seja
amado e seja reparado. Eu quero apresentar a meu Eterno Pai corpos e almas
reparadoras, corações transformados em sacrários vivos, com hóstias imoladas,
abrasadas em amor. Eu venho ao teu coração, minha filha, não só deliciar-me no
jardim das tuas virtudes, no seu perfume delicioso, no fogo ateador que as
rodeia e faz crescer, mas sim pedir-te, pedir-te sempre dor, mais dor, para essa
dor incendiar nos corações ânsias de sofrimentos, ânsias de reparação, ânsias de
amor mais elevado”.
— Ó meu Jesus, meu
Jesus, eu estou pronta, sempre pronta a fazer a Vossa Divina Vontade, a pôr
sempre em prática os Vossos divinos desejos. Não conto comigo, Jesus. Não conto
com as minhas forças, mas conto convosco, com a Vossa graça, com o Vosso amor,
meu Jesus. Se eu soubesse ser fiel à Vossa Santíssima vontade ! Se eu soubesse
viver dia a dia, momento a momento, a Vossa vida divina, a Vossa vida de amor e
servir-Vos fielmente !... Pobre de mim, Jesus ! Não sei sofrer, nem sei amar o
Vosso Divino Coração ! Não sei sofrer, nem fazer a Vossa Santa vontade.
Perdoai-me, Jesus, perdoai-me. Guiai-me, encaminhai-me nos Vossos caminhos. Ó
meu Jesus, bendito sejais ! O meu coração é um oceano infinito de amor. Estou
abrasada e queimada nas Vossas chamas. Sinto que sou grande como Vós. Tenho em
mim o Céu com todo o poder.
— “Tens, minha
filha, tens o Céu, porque tens Jesus. És poderosa com o Meu poder. Ardes no
oceano do amor; fui Eu que te comuniquei. Dei-Me todo a ti, tal qual Eu sou,
para que me dês às almas, como Eu a ti me dou. Ó mundo, ó mundo ingrato e
cruel ! Que pode fazer mais por ti Jesus, para te salvar ? Não tenho entrada nos
corações empedernidos, directamente. Procuro entrar pela minha vítima, florinha
eucarística, pelo crucificado deste doloroso Calvário, mas tão querido, o mais
querido ao meu Divino Coração. Vem, minha filha, receber a gota do meu Divino
Sangue. Mais uma gota para a vida, para a vida de que tu vives, mais uma prova
da minha predilecção por ti, mais uma nova vida, nova força para a missão que te
escolhi. Coragem, coragem, minha filha. Fica na cruz. Fala às almas.
Conquista-as para Mim. Tu és o íman que as atrai, para por ti virem sequiosas ao
Meu Divino coração. Coragem ! Diz ao mundo que Jesus está triste, o Eterno Pai
está irado. Converte-te depressa. Ai de ti se não vives nova vida. Atende,
atende, são ameaças do Senhor! É Jesus a avisar-te, a prevenir-te pelos lábios
da Sua vítima”.
— Obrigada, meu
Jesus. Estão presentes no meu coração todas as intenções, tudo, tudo. Atendei às
minhas preces. Cedei aos meus pedidos. Obrigada, meu Jesus.
Estou no meu Calvário. É-me difícil
vencê-lo. Por mim, não posso, meu Deus, sei que não posso. Vou ser breve, muito
breve nas minhas palavras, na impossibilidade de o poder fazer. Cada esforço que
faço para pronunciar uma palavra, todo o meu ser parece desfazer-se, tal é o
sofrimento que em mim sinto. Ó Jesus, tudo por Vosso amor e para a salvação da
almas. Que todo o meu viver seja sofrer e amar-Vos, amar-Vos e sofrer! Sem a
dor, jamais poderia viver. Sinto necessidade de abrir a minha alma e queria quem
me soubesse compreender. Não tenho ninguém, o abandono é completo. Vem do Céu e
das criaturas. Meu Deus, parece que estou sozinha no mundo. XE "Fé : parece
que não acredito" É quase
constante a minha dúvida e grande tentação contra a Fé. Parece que não acredito
na existência de Deus, nos Seus mistérios, na Sua doutrina, na Sua Lei. Duvido
de mim, de todo o meu viver, e parece-me ter igual dúvida da vida e existência
de Jesus. Creio sem crer, confio sem confiar que não há-de ser assim, que não
hei-de ofender o meu Senhor com tais dúvidas, com tais sentimentos. Isto me
atormenta triste e dolorosamente a minha alma. Parece-me que são constantes as
minhas ânsias de pecar, de me dar ao mundo e aos seus prazeres. Busco por toda a
parte as melhores ocasiões, as mais variadas formas de satisfazer as minhas
paixões. Ó meu Deus, o que se passa em mim, no mundo do meu corpo ! Tenho em mim
estampadas todas as figuras indecentes que convidam e ensinam o mal. Ai, que
tormento ! Ai, que pavor ! Não posso e sou ignorante. Ai, se eu pudesse
esconder-me, sem fugir à minha cruz! Se eu não pudesse não ser visitada, viver
na oração e no recolhimento, sem com isto deixar de amar e fazer a vontade do
meu Jesus! Não tenho querer, não tenho escolher, Jesus. Sou a Vossa vítima.
Ontem, no mundo da minha inutilidade fiquei encaixada, infundi-me num Horto de
gelo. Eram dois mundos num só mundo, gelo e inutilidade. Ali, gelada, vi o
Calvário de Jesus. Vi-O a ser despido, escarnecido e debaixo dos sofrimentos
mais atrozes a ser crucificado. Comecei então a suar sangue. Levantei-me com os
cabelos e os vestidos nele ensopados. E mais uma vez me ofereci ao Pai, sem que
Ele afastasse o cálice da amargura. Vi os tribunais e a multidão ingrata que ia
pedir a condenação de Jesus. Fiz-Lhe companhia o mais que pude, durante a noite.
Nesta manhã, Ele seguiu para o Calvário, levando a cruz aos ombros. E eu, como
se não tivesse coração, não O acompanhei, deixei-O seguir sozinho. Segui na
inutilidade os caminhos dos vícios e da perdição, para os quais eu sou útil, os
quais amo sem amar, para os quais tenho ciência para toda a espécie de crimes e
maldades. Jesus, quase no cimo da montanha, fitou-me ao longe, penetraram em mim
os Seus olhares, atraiu-me para Ele e numa dor indizível, infinita, murmurou
baixinho: “vem cá, vem a mim, vou morrer por ti, vou dar-te o Céu”. Principiei a
caminhar para Ele. Cheguei ao Seu encontro e com Ele fui crucificada. Durante as
horas da agonia, eu era como o ladrão da esquerda. Estava com Jesus e sempre
revoltosa contra Ele. Bradava com Ele ao Pai e com Ele entreguei o meu espírito.
E, neste mesmo momento, fui eu a cravar-Lhe no coração a última lançada. Jesus
triunfou da morte e fez-me triunfar com Ele. Caiu sobre mim um incêndio de amor.
Vivi com a Sua vida e ouvi o que Ele me dizia :
— “Desci do Céu,
abrasado em amor, entrei no teu coração e em amor te abrasei. Entrei e senti-me
no meu trono tal qual eu sou. Fui Rei, sendo Rei deste trono de delícias. O Céu
existe, minha filha. O Deu está dentro de ti. O Céu é Deus ! O Céu é o amor e a
vida de Deus. Existe o Céu e habita em ti o Céu. Nunca fui, nem jamais serei
expulso do teu coração. É dele que Eu falo, é dele que Eu peço, é dele que Eu
choro. Falo, falo e não sou ouvido. Peço, peço, não sou atendido. Choro, choro,
choro e quase nenhumas almas se compadecem das minhas lágrimas. Falo, falo,
quero ser reparado. Peço, peço, não quero ser ofendido. Quero emenda de vida.
Choro, choro, choro sempre, choro continuamente. Vejo as almas a correrem para o
abismo. Vejo-as em perigo eminente de caírem no inferno”.
— São duros os meus
braços, Jesus. Não servem nada para apoio da Vossa sacrossanta cabeça.
Inclinai-Vos, inclinai-Vos, meu Amor, sobre o meu pobre e frio coração. Quero
abraçar-Vos. Quero enxugar-Vos as lágrimas. Quero acariciar-Vos, meu Jesus. É
frio o meu coração, mas Vós podeis aquecê-lo. É pobre, Jesus, é pobríssimo, mas
Vós podeis enriquecê-lo. Não tenho nada, nada com que enxugar-Vos as lágrimas.
Dai-me o Vosso amor, Jesus, aceitai-o de novo como se fosse meu. Só com ele
poderei estancar as Vossas lágrimas, só com ele elas podem secar. Não choreis
mais, não choreis mais, meu Jesus. As minhas mãos não se movem, mas sinto que o
meu pobre coração Vos acaricia. Que posso eu fazer, meu Jesus ? Quero ver-Vos
alegre, sem chorardes, nem sofrerdes.
— “Minha filha,
minha querida filha, recebi o teu apoio, as tuas carícias, o teu amor. Repara
nos meus divinos olhos, já não têm lágrimas. Se muitas almas assim soubessem
amar-Me ! Se muitas fossem heroínas como tu na reparação! Como é bela a alma
sofredora! Como é forte a vítima deste Calvário ! Quero que o teu sorriso tenha
o brilho do sol, os encantos das estrelas. Eu quero, sim, Eu quero que a minha
vida em ti transpareça. Eu quero que o Meu amor por ti vá penetrar nos corações,
como os raios do sol pela vidraça. Tu és vidro cristalino. Tu és espelho da
humanidade. Tu és a fonte das graças e maravilhas do Senhor. Tu és o cofre das
riquezas divinas. Eu quero, Eu quero que enriqueças as almas, abrases os
corações. Eu permito que a ti atraiam as ovelhas, preço do meu sangue. Por ti
elas vêm a Mim. Por ti saem do aprisco para pastarem no pasto mimoso do Meu
Divino coração. Sofre, minha filha, sofre, minha pomba bela, florinha
eucarística. Sofre, sofre, que a tua dor é preço de resgate. É com o valor do
teu sofrimento que as almas são arrancadas a Satanás, ao inferno. Vem a Mim para
o Paraíso. Recebe a gota do Meu Divino Sangue. Estão unidos, bem unidos, os
nossos corações. São dois num só. É Jesus a viver no teu coração. É Jesus a
falar no teu coração. É Jesus a amar. É Jesus em ti, contigo a salvar o mundo.
Já corre a gotinha do sangue nas tuas veias. Tens em ti nova vida, novas forças,
novo heroísmo. Sê forte, minha filha, sê forte! Fala ao mundo, fala com a voz de
Jesus. Penitência, penitência, faça-se penitência. Vida nova, vida nova, vida
pura. Penitência, penitência, reparação. Ó almas puras, ó corações amantes,
aplacai depressa, aplacai sem cessar a justiça do Senhor. Fica na cruz, minha
filha. Sorri à dor. Vive alegre na dor. Coragem, coragem ! Jesus é contigo.
Coragem, coragem ! Eu não demoro a vir buscar-te para o Céu !”
— Obrigada, Jesus,
obrigada, meu Amor.
Não posso ditar. O
meu corpo está como um trapo desfeito; está desfeito e destruído pela dor. O
pior ainda é que nem para ele nem para a alma há um olhar de compaixão. Parece
que todos me odeiam, escarnecem, desprezam, deixando-me entregue a um completo
abandono. Louvado seja o Senhor ! Ah ! Se a dor fosse compreendida, sem nenhum
custo, como ela podia ser suavizada! Curvo-me à vontade santíssima do Senhor,
louvo-O e bendigo-O por tudo. Vou passando o meu desterro à mercê das ondas;
estas, numa fúria inaudita, levam-me à profundidade do mar. Aí fico perdida, sem
socorro da terra nem do Céu. Meu Deus, meu deus, todo o meu ser, o corpo e a
alma, estão apunhalados, alanceados, cobertos de espinhos ! é inútil o meu
brado. A minha confiança em Deus parece estar perdida, o que espero na Sua
infinita misericórdia não seja assim. Odeio o Senhor com a Sua Lei, se é que Ele
existe. Odeio o Seu amor, não quero aceitá-lo e ao mesmo tempo anseio amá-Lo e
perder-me n’Ele. O pecado, amo-o, abraço-o, sou a autora dele. De mim nasceram e
nascem toda a variedade de crimes e de vícios. Senhor meu, que pavor! Que mundo
infinito de maldades! E que dor infinita eu sinto no coração, ao contemplá-las!
Esta visão é de Jesus, não é minha. Eu parece que não tenho coração. É o d’Ele
que está em mim a sofrer. A inutilidade, meu Deus, a inutilidade roubou-me e
continua a roubar-me tudo. Não posso chegar a ver nem a possuir nada. Ontem,
sobre o solo do Horto, levantou-se uma torre de ódio, de inveja, de orgulho e
todas as espécies de pecados. Era imensa esta torre e eu reinava nela. E, não só
satisfeita com o domínio do mundo, tentava o domínio de Deus. Queria ser mais
que Ele. Oferecei-me por tudo ao Eterno Pai e logo desci à terra, abracei-a num
excesso de amor. Preguei, evangelizei. Naquele mesmo lugar, o Eterno Pai descia
como numa nuvem. Esta desfazia-se sobre mim. Era nuvem de justiça esmagadora. Os
olhares e semblante do Pai Eterno eram pavorosos ! Fizeram-me suar sangue. Não
deixei de me oferecer a Ele novamente. Amava tanto ! Oh ! Como Jesus amava ! Nas
longas horas de atrozes sofrimentos, unida ao amantíssimo Jesus, ofereci-Lhos
todos. Ele parecia não os aceitar. Nesta manhã a cena seguiu. Jesus nada
aceitava de mim. E eu fugi d’Ele, fugi sempre. O coração e a alma sofriam
unidos, uma dor que lábios nem língua humana são capazes de exprimir. A
inutilidade comigo, sempre comigo. No alto do Calvário, Jesus estava na cruz.
Fui lá dar sem saber como. Fiquei presa à cruz de Jesus, bem contra a minha
vontade; queria fugir-Lhe a todo o custo, ainda que para isso Lhe causasse os
maiores e mais angustiosos sofrimentos. Ó anjos do Céu, dizei vós por mim a dor
que causei a Jesus, quando assim procedi. Ela era tão grande, tão grande que
enchia mundos e céus. As Suas lágrimas caíam nas minhas faces. Os suspiros saíam
do meu peito como vindo do Seu divino Coração, indizivelmente, infinitamente
ferido. Toda a terra parecia estar banhada no sangue do Divino Redentor. O
abandono e ao mesmo tempo o peso da justiça divina apavoram-me. Neste momento,
entreguei com Jesus o meu espírito. Passaram-se uns bons minutos nesta morte
total. Jesus veio ressuscitado, ressuscitou-me também.
— “Apressai-vos,
apressai-vos a consolar o Coração Divino de Jesus e o Coração Imaculado da Sua
Bendita Mãe. Apressai-vos, apressai-vos a reparar a justiça de Deus ultrajada.
Escutai, escutai, fala-vos Jesus, fala-vos o Senhor. Amai-Me, amai-Me, fazei com
que Eu seja amado. Quem ama dá-se, quem se dá aceita tudo. Eu quero receber, Eu
quero receber, Eu quero dar, Eu quero dar, Eu quero dar-Me. Quero dar, dar
muito, dar sempre às almas reparadoras. Quero dar-Me, dar-Me inteiramente à
almas que Me quiserem possuir. Escutai, fala-vos Jesus, no coração e pelos
lábios da vítima deste Calvário. É sublime, sublime, mas árdua a sua missão.
Ajudai-a, amparai-a, mãos à obra. Minha filha, minha querida filha, farol
luminoso, sol que brilha e penetra, tem coragem, tem coragem. A tua reparação
sustenta o braço do Meu Eterno Pai. A tua dor faz almas reparadoras. Eu quero,
sim, Eu quero almas vítimas, almas imoladas, dia e noite, almas heróicas, que
provem, com o seu heroísmo, que querem a Jesus, que O amam e Lhe querem dar as
almas. Coragem, coragem, minha filha, filha predilecta do Senhor, pomba branca,
florinha eucarística. A hora é grave, a hora é grave. Ou há reparação, reparação
constante, ou cai sobre a terra, e cai sem remédio, a foice, a justiça vingadora
do Eterno Pai.
— Ó Jesus, ó Jesus,
o meu peito rasga-se. A minha alma vê, como que a rasgarem-se, as nuvens do
firmamento. Não posso, meu Deus, não posso, Senhor. O meu peito rasga-se, a
justiça esmaga-me. Que pavor, que pavor, meu Jesus, toda a terra se envolve na
Vossa justiça ou na justiça do Vosso Pai. Perdoai, Jesus, perdoai, Eterno Pai.
Pelos méritos da Paixão e Morte de Jesus Cristo. Perdão, Jesus, perdão, Pai
Eterno, perdão e misericórdia para o mundo. Ó meu Deus, ó meu Deus, eu sou a
Vossa vítima. Quero ser esmagada, sim, meu Jesus, mas quero que ao mundo seja
poupada a ira do Senhor. Eu quero ser esmagada, sempre imolada, sempre imolada,
mas nunca, Jesus, o Vosso Divino Coração ferido, nem O de Vossa Bendita Mãe.
— “Minha filha,
minha filha, minha querida filha, alegria no Céu, escora da justiça divina, se
os sábios da Santa Igreja estudassem e compreendessem bem a missão que o Senhor
te escolheu, a reparação que em todo o sentido da palavra que por ti é dada ao
Altíssimo, não contradiziam, não se opunham à minha vontade divina. Tudo o que
em ti se passa, todas as maravilhas divinas, que em ti opero, são uma lição para
o mundo, é uma lição para os que mais sabem, para os que mais lêem, para os que
mais compreendem. É um complexo da vida de Cristo, da vida reparadora de Cristo,
da vida redentora de Cristo. Haja reparação, faça-se penitência, muita
penitência. Vida nova, vida nova, mundo novo. Vem, minha filha, receber a gota
do Meu Divino Sangue. Uni ao tubo doirado os nossos corações. Passou a gotinha
do sangue, passou a vida de que tu vives, minha filha”.
— Ó Jesus, o meu
coração parece um sopro, está mais leve que a pena. Não tem asas e parece que
voa. Voa convosco, voa com a Vossa vida, voa com o Vosso amor. A gotinha do
Vosso sangue retirou de mim todo o peso esmagador. Estou mais forte, Jesus,
muito obrigada. Lembro-Vos, meu Amor, todos, todos os que me são queridos,
todos, todos os que se me recomendam ou querem recomendar às minhas pobres
orações. Lembro-Vos, meu Jesus, a humanidade inteira. Perdoai-lhe, Jesus,
perdoai, compadecei-Vos dela. Compadecei-Vos de mim e perdoai-me os meus muitos
pecados.
— “Fica na cruz,
minha filha, fica nesta cruz dolorosa, é cruz de triunfo, é cruz de milhões,
milhões, milhões de almas que se salvam. Coragem, coragem”.
— Obrigada, meu
Jesus. Obrigada, meu Senhor.
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