Grande
argumento a favor da Alexandrina são os seus escritos. E eles formam grosso
volume: só as cartas para ao Director espiritual vão bastante além de mil
páginas.
Em todos esses escritos transparece um espírito de grande equilíbrio e
apurado senso comum, perfeita simplicidade cheia de dignidade, sem
sombra de
pieguices ou disfarces de amor-próprio. Mas eles são sobretudo uma riqueza
doutrinária e até literária.
Não é fácil
encontrar páginas que tão bem expliquem, tão ao vivo, tão claro o que é a
reparação vivida e os sofrimentos da alma vítima, em união com a Vítima do
Calvário. Constituem essas páginas um esplêndido poema das misericórdias do
Senhor para com os pecadores e há nelas a mais bela expressão dos extremos
de generosidade e das ânsias inflamadas a que, com a graça de Deus, pode
chegar o coração humano, no amor a Cristo e às almas.
Pela sua
correcção, viveza, novidade de imagens e originalidade de expressão, legam
às letras um verdadeiro monumento.
E isto tem uma
importância muito grande, porque em primeiro lugar, uma embusteira ou uma
histérica era incapaz de uma obra destas, sobretudo se considerarmos que a
Alexandrina viveu mais de trinta anos num contínuo sofrimento horrível e
quase sem nada se alimentar e nos últimos treze anos e meio de sua vida, em
jejum total, como vimos; mas em segundo lugar, não tendo ela estudado quase
nada, nem exame de primeiro grau chegou a fazer, vê-se que há aí uma
influência do alto muito grande. O que se confirma ao repararmos que, em
tantas páginas escritas, sempre no meio de grandes dores e sem rascunho, não
há um erro de doutrina.
A melhor prova
do que afirmamos é lerem-se esses escritos. Arquivemos aqui ao menos algumas
amostras das cartas para o director espiritual:
A 29-VII-39:
A minha alma está morta e hoje o meu corpo parece querer seguir o mesmo
exemplo. Nosso Senhor tem-me dado muito que sofrer. Falha-me a vista e por
vezes me parece perder os sentidos. Mas piores são os sofrimentos da alma.
Que morte tão custosa! O abandono é tremendo; nunca pensei haver tais
espécies de sofrimentos da alma. Sofro, mas sofro contente; sofro por amor
do meu Jesus. Eu hoje, no fim de O receber, dizia-Lhe:
Benditos sejam os vossos sofrimentos, Jesus; quanto tenho que Vos agradecer!
Sofro com dor, mas a doçura que eles trazem, no Céu a saborearei. Abro os
meus braços para os aceitar, entrego-Vos o meu coração para o possuirdes
todo.
Ai, meu P., se soubesse quanto sofri esta tarde, com ânsias de amar e dar
almas ao meu Jesus! Não sei exprimir-me: eu não cabia em mim. Queria possuir
milhões e milhões de mundos, e ir negociar: comprar almas para o meu Jesus;
por cada alma dar um mundo e juntamente por cada uma delas dar a vida e todo
o meu sangue, para assim, milhões e milhões de almas amarem a Nosso Senhor.
Eu queria ver o amor tão ateado nas almas, queria ver todos esses mundos a
arder nas chamas do amor divino, ainda que eu tivesse que passear por entre
as chamas, para fazer o contracto das almas. Por mais que queira explicar-me
nada digo.
No fim destas tão fortes e tão dolorosas ânsias, estava fria e era tão nada!
Temia o meu estado e tudo isto me parecia uma imposturice. Perdoe-me; sou a
pobre Alexandrina.
A 29-VIII-39:
Estou a subir uma grande montanha. É tão medonha, tão assustadora! Subo, sem
ver caminho, tal é a escuridão; e quanto mais subo, mais tenho que subir:
não sou capaz de lhe ver o fim. Que montanha será esta? A minha alma e o meu
coração já estão cansados, mas eu não posso parar, tenho que caminhar sempre
sem saber para onde.
Hoje não ouvi os ralhos de Nosso Senhor, contudo sofri muito. Reinava a
morte; grande aflição! Figurava-se-me que tinha morrido para Jesus e Jesus
tinha morrido para mim.
Meu Deus! Meu Deus! Se a minha morte dá vida, se a minha tristeza dá
alegria, se a minha escuridão dá luz, quero estar sempre morta, quero a
tristeza, quero a escuridão, para que vivam as almas e se alegrem só em Vós,
meu Jesus, e se abrasem e iluminem nos raios do vosso amor.
Eu quero sim, meu Jesus, tudo o que quereis Vós; dai-me sofrimentos para eu
ter que Vos oferecer, para Vos consolar. Ou sofrer, ou morrer, para Vos amar
no Céu com aquele amor que me satisfaz: tenho ambição de amar e de sofrer:
não quero outra riqueza.
Adeus, meu
P., estas palavras fizeram-me alterar o coração: não posso repeti-las.
Perdoe-me: sempre a pobre Alexandrina.
A 19-X-39:
Parece-me que sou calcada com as patas de um bicho tão feroz! É tão
aterrador! Tem o tamanho do mundo inteiro. Cai sobre mim, tenta devorar-me;
sou uma arestinha em comparação dele. Tanta raiva, tanta fúria sobre uma
coisa tão pequenina! Eu parece-me que é impossível poder viver, poder
resistir a tanto sofrimento. Que horas, que dias tão assustadores me
esperam! Já falta pouquinho tempo para estar no dia da minha crucifixão (a
sexta-feira). Meu Deus, e eu tenho tanto medo! Receio que Nosso Senhor ou a
querida Mãezinha digam às pessoas santas que tudo é feito por mim; que nada
há em mim que não seja imposturice.
Não sei
como pode ser: estou nesta tribulação e a saber que não quero enganar, que
não quero ser impostora, que quero que todos me conheçam (isto é: que não se
enganem com ela). A alguma hora da tarde, quase me escapava dos lábios a
pedir ao meu Jesus que me aliviasse um pouquinho, que não podia mais. Mas
num momento lembrei-me que era vítima, que não devia pedir alívio: tomei
coragem, fui resistindo. Parece-me que não consolei nada, nada com isto a
Jesus.
Sinto o desprezo de Nosso Senhor; parece que Ele me não conhece. Ai, meu P.,
ai, quanto eu sofro, no fim de comungar, com esta indiferença de Nosso
Senhor e com a morte total que Ele me faz sentir: morro para o mundo, morro
para Deus. Para o mundo quero eu morrer, mas quero viver para Vós, meu
Jesus, para Vos consolar e amar! Para desagravar o vosso divino Coração e o
da querida Mãezinha.
Deixai, meu Jesus, deixai, querida Mãezinha, arrancar dos vossos divinos
Corações com toda a doçura, os espinhos que Vos ferem. Quero o meu coração
sempre cercado com eles, a agonizar de dor e a derramar até à última gota;
sofrer eu tudo, Jesus e Maria nada! Quero ser vítima de amor...
A 19-XI-39:
Sem ter abrigo, ando como a avezinha, sem parar, já cansada de tanta lida,
sem ter onde descansar; venho cair ao chão, ficando envolta no pó e na lama.
Que desespero, que revolta sinto na minha alma! É escusado pensar em
salvação. Assim suja como estou, escusado é tentar aproximar-me de Jesus;
parece que a sua vista divina não me conhece. Sou como monstro coberto de
lepra, causo nojo; o mal é incurável. O meu Jesus desconhece-me; não tenho
aquela beleza que por Ele me foi dada; tudo perdi.
Ai, meu Padre, isto que eu digo é o que eu sinto: parece que é mesmo comigo,
parece que perdi o meu Jesus, para não mais O tornar a encontrar. Que noite
tão tenebrosa na minha alma! Assusta-me tanta escuridão e a tristeza que vai
pelo mundo. Tudo são montões de maldades e misérias. Mas esse mundo sou eu:
ocupo todo o universo. Parece-me que o mundo está como antes de Nosso Senhor
criar a luz: é o que a minha alma sente, apesar de não saber como era. Estão
todos os males mergulhados nesta escuridão; é caso para assustar e aterrar a
minha pobre alma. Eu desanimo, suspiro, chamo pelo meu Jesus e pela minha
querida Mãezinha; parece-me que me não ouvem, que nada vale.
Se, apesar de tudo, eu tivesse amor, era a recompensa que eu dava ao meu
Jesus por me dar tanto que sofrer, por me ter escolhido para vítima. Pobre
de mim, querer amar e não saber como, não ter amor: querer dar tudo ao meu
Jesus e não ter nada!
Ó meu Jesus, deixai-me ao menos ir mendigar, pedindo àqueles corações que
Vos amam e Vos sabem amar, para que Vos amem um pouquinho por mim. Deixai-me
pedir a todos os que sofrer, para que sofram por vosso amor, só com o fim de
Vos consolar e salvar as almas. Jesus, Jesus, deixai-me pedir a todos os
vossos filhos, para que não movam a língua senão com o fim de Vos louvar. Já
que nada mais sei, ó meu Jesus, digo-Vos tudo, dou-Vos tudo, peço-Vos tudo;
e como nada Vos soube dizer, fico na desconsolação e na tristeza. Mas é por
Vós.
Adeus, meu P., nada satisfaz as aspirações do meu coração, os desejos da
minha alma. Que doloroso sofrer. Perdoe-me, sou a pobre Alexandrina.
A 19-XII-39:
Eu quero ser conhecida; a minha maldade não pode ser encoberta. Tenho
ofendido tanto a Jesus! Mas agora quero recompensar o perdido: hei-de amá-Lo
pelo tempo que O ofendi, mas mil e mil vezes mais com um amor sem limites,
com um amor sem fim. Hei-de sofrer todos os sofrimentos com alegria. É à
custa do meu sofrer que hei-de fazer Jesus amado pelas almas que O não amam.
Quero ser filha de dor e mãe de amor: filha da dor, para não deixar de
sofrer enquanto viver na terra; mãe de amor, para amar e fazer amar na terra
e no Céu.
Ai, meu
Padre, o meu coração é tão pequenino para conter as ânsias que tenho de amar
a Jesus! Não as continha, mesmo que ele fosse grande como o universo. O
amor, o amor que tudo vence! Eu queria sim, se Jesus quisesse, não parar um
momento, noite e dia a bradar ao mundo inteiro: Amai a Jesus! Amai a
Mãezinha! O amor não teme as dificuldades e Eles são dignos de todo o amor.
Eu só queria ver o meu coração em uníssono com todos os corações do mundo, a
arderem numa só chama, para assim juntar a todo o amor com que Jesus é amado
no Céu, para lho oferecer e à querida Mãezinha e a toda a Santíssima
Trindade. Ai, mas eu bem sinto que nem assim o meu coração ficava saciado
(repare-se agora neste crescendo magnífico): Queria mundos, milhões de
mundos num só amor. Mas mesmo assim iria à procura de novos mundos, a
mendigar amor, para amar a Jesus. Ai, meu P., quanto mais vou, mais quero.
Mas parece-me que estou a arder, mas debaixo de uma dor que me cobre.
O dia de hoje tenho-o passado assim. Queria dizer tanto e acabo por não
dizer nada. Peço à Mãezinha que só não quero enganar o meu Padre...
A 9-I-40:
A minha alma está em ruína e tudo à minha volta são ruínas. Sinto o
esmagamento de um peso enormíssimo. Luz não existe; estou numa noite saudosa
e triste. Parece que os dias claros mais me ferem. Não pode o Sol vir
penetrar na minha escuridão. O canto das avezinhas são espadas que me vêm
cortar o coração. Para mim não há alegria, porque a minha tristeza é de
morte. Sinto como se tivesse todo o mundo morto na minha alma. Parece-me que
caio em desespero.
Meus Deus, meu Deus, amar-Vos sempre nunca ofender-Vos! Jesus, não me
deixeis cair; eu, por mim só, não me sustento. Dai a vossa bendita mão a
quem em Vós confia. Quero flores para Vos oferecer, mas sempre e só entre
espinhos as quero ir colher. É por teu amor que quero viver ferida!...
Ai, meu P., custa tanto querer amar a Jesus e vê-Lo amado por todos e não
ter amor e sentir que Jesus não é amado! Falei muito com Ele e com a
Mãezinha, mas sempre na dor; só por último é que estive um pouquinho mais
abrasadinha. Desapareceu-me por algum tempo a dor que me feria o coração.
Depressa tudo voltou. Voltei a trilhar o mesmo caminho. Bendito ele seja,
que foi Jesus quem mo escolheu!
Perdoe e abençoe a pobre Alexandrina.
A 13-1-40:
É preciso pôr termo aos meus queixumes. Já que eu não sei senão dizer que
sofro, parece-me que é melhor acabar por não dizer nada. Eu não me
compreendo: não sei como me possa reduzir tanto ao nada e sentir este nada
que causa horror, cheio das mais horrendas misérias. Ó vida, ó vida, que és
tão amarga! Já me parece não poder viver mais.
O meu coração está a ser moído. As pedras que servem de moinho são do
tamanho do mundo; o moinho não pára de moer: também não pode cessar a dor.
Ai, meu Jesus, nem eu quero! Ser moída, bem esmagadinha pelo vosso amor é a
minha vontade. Já que não posso com mais nada provar quanto Vos amo, quero
na dor e na amargura que não saia outra coisa dos meus lábios que não seja
dizer: tudo por teu amor! A dor é a minha glória, já na terra é o meu
tesouro. Tudo deposito nas vossas divinas mãos para que distribuais como Vos
aprouver.
Hoje, no fim de receber a Jesus, ouvi d'Ele umas palavrinhas. Fez-se dia na
minha alma, mas foi só por uns rápidos momentos: foi só enquanto Jesus me
falou. Depois fez-se noite, tremenda noite. A dor mais penetrava o íntimo do
meu coração e um peso imenso mais fortemente ficou a esmigalhar-me. As
palavras de Nosso Senhor foram estas:
- Não temas, minha filha, coragem! A tua dor, a tua cruz purifica as almas,
aproxima-as do meu divino Coração. A tua pureza, o teu amor mais elevado,
inclina sobre ti Jesus, toda a Santíssima Trindade e a tua Mãezinha querida:
encanta todo o Céu...
Ai, meu Padre: digo isto, porque a minha consciência não se cala: tenho que
obedecer em tudo e por tudo. Quero cumprir em tudo a vontade do meu Jesus;
mas parece-me que é tudo falso. Jesus não me disse nada e nem ao menos me
quer. É o que eu sinto. Perdoe-me, sou a pobre Alexandrina.
A 15-1-40:
Os raios do Sol que apareceram esta manhã eram setas que me penetravam todo
o coração. Ai, como eu necessitava que não houvesse luz, que tudo lá fora
fossem trevas, para assim se parecer com a minha alma! É uma guerra, é um
combate a luz do dia com as trevas da alma. Mas momentos há que parece tudo
se transformar em escuridão dentro e fora da alma... Ai, meu Jesus, eu caio,
eu caio desfalecida! O meu nada e a minha miséria assustam-me. Ai, o que eu
fui! Ai, o que eu sou!
As dúvidas estão teimosas. Só temo enganá-lo e enganar-me. Foi com toda esta
luta que eu recebi hoje o meu Jesus. A minha alma estava como uma nuvem
negra a cair aos pedaços. E Jesus dizia-me:
– Aparta-te,
aparta-te de Mim. Retira-te, retira-te da minha vista para o inferno! Os
condenados e os demónios teus acusadores serão os teus companheiros.
Aparta-te por toda a eternidade. Preferiste ao teu Criador, Satanás, meu
inimigo!
Eu fiquei
um monstro de abominação (que força de expressão: só assim fala quem o sente
ao vivo). Sentia os demónios a dar mau trato à minha alma. Pobre de mim; se
não fosse Nosso Senhor sustentar-me a vida, não precisava mais nada para
morrer de susto.
Meu Jesus,
meu Jesus, sede comigo; sem Vós nada posso, convosco nada temo. Se não fosse
a vossa Bondade e predilecção para comigo, eu era pior ainda que todo o
inferno. Eu quero ser um monstro terrível, quero ouvir tudo dos vossos
lábios, para que o não oiçam os pobres pecadores. Sou a vossa vítima, Jesus.
Reine o vosso amor; é ele que me faz vencer. Ai, meu P., a dor consome-me, o
coração vai sangrando, mas eu creio, amo e confio. Parece-me estar perdida e
com certeza estou bem perdida no meu Jesus...
A 14-II-40:
Continua a
minha viagem por debaixo do mundo.
Todo o peso que nele se encerra está morto, é portanto a morte que me cobre.
Esta mortandade causa-me medo, arrepia-me, faz-me estremecer. O gelo tudo
gelou e todo o meu ser morreu gelado. Ó meu Jesus, por vosso amor quero
viver e morrer no gelo, para assim incendiar o vosso amor nos corações de
todas as criaturas, para que nele possam viver e morrer também.
Como há-de ser belo! Nem posso pensar; parece que já estou a ver todos os
corações no Céu a arder numa só chama! Ó amor do meu Jesus, incendiai-vos no
meu coração, para que eu o possa espalhar na terra e incendiá-la nos raios
do vosso amor!
Falou em amor
e por isso ficou em ímpetos dolorosos e assim se explica o que ela diz
imediatamente:
Ai, meu P., que sofrimento que tanto fere o meu coração! Eu tenho ânsias de
voar para Jesus, mas quanto mais voo, mais quero voar; quanto mais me quero
aproximar dele, mais Ele me foge, até que desaparece e fica como se não
existisse para mim.
Repare-se
agora na beleza do que vem a seguir:
Eu fico como uma pombinha batendo as asas: para baixo não quero descer mais,
para cima não tenho força, não posso voar. Estou em risco de cair
desfalecida.
Ó meu Jesus, ó meu amor, compadecei-Vos da minha dor. Não me deixeis cair;
dai-me força para ir ao encontro do vosso divino Coração e nele descansar
eternamente.
Ai, meu Padre: que dor, que dor! Quero e não posso; busco a Jesus e não O
encontro. Morro de dor, desfaleço e caio. Não posso mais; perdoe-me, sou a
pobre Alexandrina.
A 12-III-40:
Estou esmagadinha pela dor. Não vale de nada estender os braços a pedir
compaixão: não acho quem se compadeça de mim. O meu coração está ferido e
constantemente a sangrar. O sofrimento de hoje é igual no da manhã de ontem,
do resto da tarde e da noite. São variados os tormentos que o meu coração
sente. Ao receber Jesus sinto o fogo que o consome; arde sem labaredas;
queima, mas está coberto de negras cinzas dum luto triste e mortal. Noutros
momentos sinto que ele anda a ser cilindrado, com um enorme cilindro da
estrada; fica em pó, reduzido a nada.
Meu Jesus, ser nada - porque sou nada - mas ainda que o não fosse, sê-lo-ia
de boa vontade por teu amor! Ser nada, para fazer alguma coisa; ser nada
para dar vida às almas; sofrer todos os martírios, para que elas sejam
salvas.
Estou duvidosa, cheia de incertezas, na mais tremenda escuridão. Mas nestas
densas trevas, eu vejo o meu nada aterrador e todo o mundo em ruínas e
desordens. O mundo sou eu: tudo se representa em mim.
Ai, meu Jesus! Que tristeza e horror!
Quer saber então o que se passa em meu Coração, mesmo assim no meio de
tantas tristezas e amarguras? Tem ânsias, grandes ânsias. Está caído em
desânimo, não tem forças para voar: está caído. Sinto-o como a pombinha
ferida pelo chumbo. Abre as asas, bate-as, mas bate-as conta o chão: o
ferimento não a deixa levantar voo. Mas queria gritar bem alto a Jesus que O
amo. Eu queria com a minha própria mão arrancar do peito o coração, assim
nestas chamas abrasadoras em que o sinto e ir colocá-lo no Coração do meu
Jesus e dizer-Lhe: Aqui tendes a prova do meu amor; guardai-o, guardai-o
para sempre. É vosso e da querida Mãezinha.
Ai, meu P., sinto que sou o retrato da pombinha de que falei acima. O chumbo
feriu-me por todos os lados. A dor é constante. Com a tristeza, parece-me
que me faz agonizar. Tudo me parece mentira, mesmo meu Jesus dizer-me ontem
que com um pequeno voo repousava n’Ele para sempre. Parece-me que nunca mais
posso voar para Ele nem possuí-Lo.
A noite passei-a muito doentinha e muito alerta. Apesar de muito sofrimento,
sentia-me presa a Jesus Sacramentado com fortes cadeias. De boa vontade não
dormia um só minuto, para estar alerta, sempre alerta com Jesus
Sacramentado. Adeus, perdoe a esta desconsolada que sente a necessidade de
estar sempre a escrever para falar de Jesus…
A 13-III-40:
Na manhãzinha de hoje era na dor, na dúvida e na amargura que eu me
preparava para receber a Jesus. Veio Ele baixar ao meu coração. Sentia
tantas ânsias de O amar! Mas todas ficaram escondidas debaixo da enorme dor
que me cobria. Eu não podia nem sabia dizer outra coisa, a não ser:
Meu Jesus, eu quero amar-Vos, meu Jesus, eu quero amar-Vos.
Murmurava isto continuamente mas sem sentir o mínimo bocadinho de amor.
Estava inquieta e desanimada. Veio Nosso Senhor e disse-me:
– Paz, paz, minha filha, na tua alma. Tu amas-Me com um amor puro e
abrasador que nele podia queimar-se o mundo inteiro. Coragem, que em pouco
te espera o Céu! Acaricia-te Jesus e a tua Mãezinha.
A dor que eu sentia antes, tinha desaparecido. Voltou de repente para mais
me fazer sofrer. Estava tão ferida e esmagadinha! As ânsias continuavam; o
peso esmagador não as deixava sobressair. Mas eu queria amar a Jesus; para
Lhe dar a prova do meu amor, queria abrir o peito, arrancar fora o coração,
com abraços os mais ternos e beijos os mais doces, com os raios de amor mais
abrasador, atirá-lo da terra ao Céu e dizer:
Tomai-o, meu Jesus, é vosso; pertence-Vos só para Vos amar.
Esta prova não me bastava: desejava mais ainda: retalhar todo o meu corpo em
bocadinhos; dele tirar o meu sangue até à última gota. Se fosse possível
deste meu pobre corpo tirar um mar de sangue, para eu mesma poder escrever
com ele em toda a terra:
JESUS, EU AMO-VOS! AMEM TODOS A JESUS!
Ai, meu Padre, queria dizer tudo e não sei dizer nada. Fico inconsolável por
não ser capaz de mostrar os meus desejos de amor a Jesus. As minhas ânsias
ficam todas debaixo no negro mundo que me esmaga...
Depois destas
palavras sublimes, fiquemos por aqui, advertindo que cartas parecidas às que
aqui deixamos, como amostra, há imensas. A sua leitura basta, a nosso ver,
para concluirmos que anda aí o dedo de Deus. É a conclusão a que têm chegado
quantos puderam apreciar alguns desses escritos, como por exemplo o Rev. Dr.
Molho de Faria, que a propósito nos escrevia de Braga, a 2-III-43:
Li a carta
que se dignou de enviar com excertos dos escritos da Alexandrina (acerca da
Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria), em que parece já se vai
historiando o acontecimento máximo qual é a Consagração do mundo ao Coração
de Maria. Queria dizer-lhe que nos diga ainda muito mais nesta matéria. A
causa santa o exige. Creia que o triunfo pleno está próximo. Gostei e
admirei, nas cartas que teve a gentileza de me ceder, sobretudo o espírito
de simplicidade e máxima confiança em Deus. Há tanta beleza e exactidão em
algumas coisas de real dificuldade teológica que, ao sabermos donde
procedem, não podemos deixar de ver claramente o dedo de Deus. Há ainda
modos de exprimir, figuras de uma tal grandiosidade, ao expor certos desejos
e afectos, que logo temos que admitir um sentir altíssimo. Creia que um dia
se fará plena justiça.
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