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No jejum perpétuo

Desde o dia em que cessaram os êxtases da Paixão, cessou também a Alexandrina de comer e beber: iniciou o seu jejum perpétuo que duraria mais de treze anos.

A princípio, não estranharam o caso, pois já antes tinha suportado jejuns de cinco e até de dezassete dias seguidos. Mas, desta vez, foram passando semanas, meses, anos...

Deolinda, irmã da Beata Alexandrina e Maria Ana Costa, sua mãe.

Já a 2 de Fevereiro de 1943, nos escrevia o médico assistente, Dr. Manuel Augusto de Azevedo, sobre o caso:

É o anjo de sempre a cumprir fielmente a missão que Deus lhe marcou para nosso bem. A sua alimentação, desde 27 de Março de 1942 – dia de Nossa Senhora das Dores – até fins de Maio do mesmo ano, consistiu em beber, a meia manhã e a meia tarde, umas colherinhas de água com sal, sendo essa água fervida com um fiozinho de azeite, havendo porém nesse espaço de tempo um ou outro dia em que nada bebia. De Junho de 1942 até hoje (isto é, nove meses), nada pode engolir (sem que esteja aflita até vomitar o que engoliu) a não ser a própria saliva, a Sagrada Partícula e algumas gotinhas de água simples.

A isto, se quisermos ser lógicos - continua o médico - e conscientes, temos de chamar, embora respeitando a decisão da Igreja, milagre de Deus.

Meses depois, escrevia o mesmo médico:

Recebi o convite do Sr. Arcebispo Primaz, de levar alguns médicos a Balasar, afim de, à face da Medicina, ser declarado o que se deve pensar a respeito da nossa querida doentinha...

Convidei um médico católico do Porto – escreve ainda, a 13 de Maio de 1943. Convidei o especialista de doenças nervosas, Dr. Gomes de Araújo, dizendo-lhe que a doente não se alimentava e aceitou o convite. Convidei o especialista de doenças de nutrição - agnóstico - e ficou maravilhado, ao dizer-lhe que não se alimentava.

– Mas, se é verdade isso, temos um autêntico milagre! Que pena não ser internada no Porto, que isso seria para nós, uma revelação! (acrescentou).

 ... Estive com o Prelado, segunda-feira, e ele quer os exames dos médicos…

Os Doutores Gomes de Araújo, Carlos Lima, Prof. da Faculdade de Medicina do Porto, com o Dr. Manuel Augusto de Azevedo foram de facto, a Balasar, mas pareceu-lhes, finalmente, que a doente devia absolutamente ser internada, pois "não confiavam na vigilância feita na própria casa."

Vencidas não pequenas dificuldades, sobretudo por causa do estado melindroso de saúde da Doente, conseguiu-se de facto interná-la no Refúgio da Paralisia Infan­til da Foz da Douro, para ser examinada unicamente sobre a sua abstinência alimentar, pelo Dr. Gomes de Araújo.

O exame prolongou-se por quarenta dias e quarenta dias, com todo o rigor científico, como consta do Relatório apresentado, com o título:"Um notável caso de abstinência e anúria, por H. Gomes de Araújo, da Real Academia de Medicina de Madrid, Director do Refúgio de Para­lisia Infantil; especializado nas doenças nervosas e artrítica!"

Aí se lêem estas palavras decisivas:

É para nós inteiramente certo que, durante os quarenta dias do internamento, a Doente não comeu nem bebeu, não urinou nem defecou, e esta circunstância leva-nos a crer que tais fenómenos possam vir a produzir-se de tempos anteriores. Não podemos duvidá-lo. Os treze meses, como nos informaram? Não sabemos.

E termina luminosamente afirmando que há, neste caso estranho, tais pormenores "que pela sua importância fundamental de ordem biológica, tais a duração da abstinência de líquidos e anúria, nos tornam suspensos, aguardando que uma explicação faça a necessária luz. "

Não nos permite o espaço copiar aqui todo esse Relatório, donde são tiradas as citações que aduzimos; mas transcrevemos ao menos o atestado firmado em conjunto pelo Dr. Carlos Alberto de Lima e Dr. Manuel Augusto Azevedo:

Nós abaixo assinados, Dr. Carlos Alberto de Lima, Professor jubilado da Faculdade de Medicina do Porto, e Manuel Augusto Dias de Azevedo, doutor em Medicina pela dita Faculdade, atestamos que, tendo examinado Alexandrina Maria da Costa, de 38 anos de idade, natural e residente na freguesia de Balasar, do concelho da Póvoa de Varzim, verificámos que era portadora de uma afecção ou compressão medular, causa da sua paraplegia.

Atestamos também que, estando internada, desde o dia 10 de Junho até ao dia 20 de Julho corrente, no Refúgio da Paralisia Infantil, da Foz do Douro, sob a direcção do Dr. Gomes de Araújo e sob a vigilância feita, de dia e de noite, por pessoas conscienciosas e desejosas de indagar a verdade, foi constatado que a sua abstinência de sólidos e líquidos foi absoluta, durante seu internamento, conservando-se o seu peso, temperatura, respirações, tensões, pulso, sangue, e faculdades mentais sensivelmente normais, constantes e lúcidas e não havendo, durante esses quarenta dias, nenhuma evacuação de fezes nem a mínima excreção de urina.

O exame de sangue, colhido três semanas após o internamento supramencionado, vai junto a este atestado e por ele se vê que, considerada a dita abstinência de sólidos e líquidos, a Ciência não pode explicar naturalmente o que nesse exame se registou, assim como, atentas as verdades da Fisiologia e Bioquímica, não pode ser explicada a sobrevivência desta doente, por motivo dessa abstinência absoluta, durante os quarenta dias de internamento, devendo-se salientar que a doente, durante esse tempo, respondeu diariamente a muitas perguntas e sustentou inúmeras conversas, manifestando a melhor disposição e melhor lucidez de espírito.

Enquanto aos fenómenos observados às sextas-feiras, pouco mais ou menos, pelas 17 horas oficiais, entendemos que pertencem à Mística, que se pronunciará sobre os ditos fenómenos[1].

Por ser verdade, mandámos passar este atestado que assinamos.

Porto, 26 de Julho de 1943.

Carlos Alberto de Lima

Manuel Augusto Dias de Azevedo.

A par do Relatório médico, é interessante ler, nas notas autobiográficas, o que a própria Doente escreveu sobre esse episódio; chega a parecer um romance, tão ao vivo nos descreve tudo e com tais pormenores. Aí se verá claro quanto sofrimento veio acrescentar à cruz tão pesada da Alexandrina essa prova a que ela se sujeitou exclusivamente para obedecer ao Prelado da sua Diocese, que assim o desejava.

Estava provada cientificamente a abstinência total da Alexandrina de sólidos e líquidos e hoje, que sabemos que esse jejum durou mais de 13 anos, temos que assimilá-lo aos jejuns dos grandes místicos conhecidos na Hagiografia, como o de Santa Ângela de Foligno, que esteve 12 anos sem tomar nenhum alimento; Santa Catarina de Sena, oito; Santa Livínia de Schiedman, vinte e oito, etc., etc.

Os jornais falaram do estranho caso e por isso não admira que, ao retirar-se a Doente para Balasar, tivesse imensos curiosos a querer vê-la, talvez uns mil e quinhentos, ao que relataram.

Que impressão, meu Deus, aquele burburinho de povo! - escreve a Alexandrina - Não valeram as súplicas da minha Irmã, para que acabassem com aquilo. Não valeram de nada os polícias. O mesmo médico teve de ir à janela a dizer que se devia acabar, porque não era possível mais movimento, para não me matarem.

Quanta gente julgava que a própria doente tivesse morrido.

Eu de facto, fiquei humilhada, abismada e cansadíssima com o nojo de mim mesma, pelos beijos recebidos, as lágrimas etc., que me deixaram no rosto a dizer-me uma estima que não mereço e não quero.

Além dos médicos supracitados, outros ainda, ao lerem o relatório, atestaram que o caso não tinha explicação natural. Ainda a 3 de Novembro de 1954, declarava o Dr. Ruy João Marques, Prof. da Faculdade de Ciências Médicas, catedrático da Universidade do Recife e especialista em assuntos de nutrição:

A meu ver, não é possível explicar por meios puramente científicos (melhor diria, por meios médicos) o que se vem passando com a Sra. Alexandrina Maria da Costa. Nada faz crer, segundo se depreende dos minuciosos relatórios dos médicos... que se trate de um simples caso de histerismo, sobretudo porque é demasiadamente prolongado o tempo que a observada passou e vem passando sem tomar o mínimo alimento. Por outro lado, estou certo de que não se trata, igualmente, de mistificação, pois a comissão (insuspeitíssima e à altura da investigação a proceder) que a observou por 40 dias e 40 noites, sob rigorosa vigilância, na Casa de Saúde "Refúgio da Paralisia Infantil", pude constatar que de facto, sua abstinência alimentar era total.

Ora esta ausência absoluta de consumo de substâncias nutritivas, durante tão largo espaço de tempo, cerca de 14 anos, se não me engano, não é compatível com a vida e muito menos com a manutenção da normalidade da temperatura, da respiração, do pulso, da tensão arterial, etc., etc. Até mesmo as funções psíquicas deveriam cedo se apresentar obnubiladas, mas é exactamente o contrário o que se verifica: sua vida intelectual é intensa, suas relações afectivas são perfeitas, suas faculdades e seus sentidos absolutamente conservados.

Trata-se pois, de um caso extraordinário, direi mesmo excepcional, de modo algum explicável por meios puramente naturais ou através de dados científicos. Quanto ao progresso de mielite, muito provavelmente existente, e responsável pela paralisia, nada tem a ver com a abstinência de alimentos, sendo apenas uma doença paralela.

Dr. Ruy João Marques.

Não há dúvida: este ponto ficou brilhantemente demonstrado, ainda em vida da Alexandrina, o que não quer dizer que cessasse toda a oposição que se notava, em certos sectores, ao caso de Balasar; pelo contrário, dir-se-ia que mais se agravou. Serviu para mais pôr em foco a vir­tude nunca desmentida da "'Doentinha". A 20-III-46, escrevia ela:

Jesus bem sabe que, se me falta Ele, que me falta tudo. Só Ele sabe no abandono em que estou. Ninguém como Ele vê o desprezo a que os homens me deitaram. Estou como que seja a maior criminosa do mundo; e de verdade sinto e vejo que o sou. E por isso mesmo devia ser digna de mais compaixão. Não é verdade que o amor e a compaixão de Jesus se estendia mais e se estende ainda sobre os maiores pecadores?!

E daí a três meses, a 18-VI-46:

... como me sinto abandonada! Necessito muito de quem me guie. A minha vida vai fugindo, como o Sol ao cair da noite. Isto falando da vida do corpo, porque a da alma há quanto tempo sinto não a ter...

 ... eu só tenho alegria neste mundo na vontade de Deus e no sofrimento, de contrário, nada há que me alegre. Tudo é morte e dor para mim. O meu coração tem uma ferida tão profunda que nunca, nesta vida, poderá cicatrizar... Sorrio para todos, mas é enganador o meu sorriso: é para encobrir as grandes angústias que me vão na alma. Mas um sorriso muito diferente ao dos meus lábios tenho-o e sinto-o constantemente: é um sorriso para dentro, sorriso interior; sorriso doce, sorriso terno, sorriso que beija e abraça a vontade do Senhor; sorriso que prende a cruz com toda a dor, para nunca mais a deixar: é Jesus que ma oferece. Este sorriso é real, não é enganador; é o sorriso da cruz e da vontade d'Aquele que ma enviou.

Frase sintomática e discreta a que encontramos em carta de 21-XI-46:

Sinto-me tão humilhada ao ver-me acompanhada! Apesar de tão grande luta e de muitos inimigos, tenho muita, muita gente amiga de todas as classes e condições, amizades que eu não merecia... Eu sofro muitíssimo, é certo, mas o nosso querido Jesus é tão bom, tão bom para comigo, tem-me dado tanta coragem e tão grande amor à cruz!...

A minha vida é cheia de humilhações e contradições - desabafa a 13-XIl-47 -. Mas, apesar disso, o número dos meus amigos não diminui, antes pelo contrário, aumenta e com este aumento, cada vez me sinto mais só. Tinha que ser assim. Tantas vezes digo a Jesus: Despi-me de tudo, esvaziai-me de tudo, para só Vós me encherdes. Vós, só Vós, sempre Vós, eternamente Vós.

Se eu sofresse sozinha, não me custava tanto; o que mais me custa é os que me rodeiam sofrerem comigo. Mas cá vou indo, dia e noite, bradando ao Céu por socorro, abraçada ao meu Crucifixo e à querida Mãezinha, sempre à espera de melhores dias e por fim o Céu.

Mais que as contradições e humilhações, mais que o jejum corporal, torturavam à Alexandrina os jejuns do espírito, as trevas da alma, a terrível noite escura, que Deus lhe destinou para esta última fase da sua existência, mais formidanda do que em nenhuma outra época da vida. Não dispomos de espaço para um estudo profundo sobre esta fase. Algumas passagens de suas cartas dar-nos-ão ao menos uma pálida ideia do que foi esse despojo total.

A 20-V-47:

... falando humanamente, não há para mim um momento de alegria. Só me alegra a von­tade do Senhor, sofrer por Jesus e pelas almas. Sofro tanto e nada é meu. Todos os meus sofrimentos, todas as graças com que Nosso Senhor me tem favorecido morrem em mim antes de nascerem; é como luz que se apaga antes de aparecer. Quero amar e não tenho nem conheço o amor. Quero sofrer e não sou eu que sofro, não me per­tence a dor. E assim vivo de mãos vazias, sem nada ter e ver em mim, a não ser o mundo das mais vergonhosas e nojentas misérias. É o que me mostra e deixa ver a tre­menda cegueira do meu espírito, cegueira que eu temo e amo. Não sei pelo quê, sinto-me obrigada a ser eu mesma a mergulhar-me nela; quero abraçá-la, é ela que me mostra o que eu sou: miséria e nada mais.

28-VIII-47:

Sinto-me morrer desfalecida, sinto-me a não poder mais. Queria morrer de amor, de amor só por Jesus. Quero amá-Lo e não sei; quero ser perfeita e em nada vejo em mim a perfeição. Que trevas de morte! Mas se soubesse os desejos que tenho de amar estas trevas! Abracei-as com a cruz, abracei-as com Jesus, dei-lhe este abraço para sempre. Vejo na cruz, amor e dor; amor e dor sem fim. É este amor, é esta dor que eu quero, foi esta a cruz que abracei pelo meu Jesus e pelas almas.

18-II-948:

Vivo em grandes trevas, em medonhas trevas: a querer desfazer-me em amor, naquele amor mais puro e perfeito e de maior intensidade que se pode dar a Jesus, e não tenho! Parece e quero desfazer-me em desejos de fazer a todos bem, e nada faço. Não vivo, não sofro, não amo, sou nada! Mas este nada quer tudo e tudo quer dar a Jesus. É um nada que vive de ansiedades; é um nada que tendo tantos amigos e vendo aumentar o número deles, sente-se tão só, tão só, sem ninguém, mergulhado num nunca acabar de sofrimentos.

E a treva aumenta, como se vê na carta de 2-VI-48:

Tudo o que sofro, tudo o que faço desaparece, morre sem conhecer a vida. É o que sente a minha alma. E custa tanto sentir o aproximar-se da eternidade, e eu nada e sem nada! A minha vida é uma vida sem vida, é um mundo sem luz. Quanto mais cegueira, mais Jesus Se au­senta e mais em mim se apagam as Suas coisas, a Sua vida divina. Até, permita-me este desabafo: nunca O conheci, nunca O amei, nunca soube o que era a vida de Deus nas almas. É o que eu sinto. Quantas mais ânsias de viver a vida interior, a vida de Deus em nós, menos a vivo, menos a sei, menos a compreendo. Meu Deus, ó meu Deus, que ignorante eu sou! Mas apesar de tudo isto, a minha alma mantém-se em paz. É uma grande graça de Jesus. Eu até já disse: eu tenho paz, a paz da minha alma, a não ser que eu não compreenda o que é a paz de Deus. Mas creio que Nosso Senhor não há-de permitir que a minha paz seja a do demónio, porque essa não deve dar alegria. E no meio de tantos espinhos, de tantos sofrimentos, de tão pesada cruz, sinto a alegria da alma, que sorri a tudo o que vem das mãos do Senhor. Posso gemer, podem chorar os olhos do corpo, mas os da alma estão alegres, dispostos a receber todo o martírio que o Céu envia. Não me chega a Eternidade para agradecer tudo isto a Nosso Senhor.

Ainda do ano de 1948, a 13 de Setembro, esta passagem magnífica:

Tenho o meu corpo cheio de ligaduras, sinto todos os ossos a desconjuntarem-se. Mas é esta e só e esta a minha alegria, sofrer por Jesus. Não me importa que já em vida, se à divina Vontade assim aprouver, todo o meu corpo se desfaça em podridão. O que eu quero é amá-Lo a Ele, só a Ele. Não quero perder um momento de sofrimento, quero que ele seja aproveitado em favor das almas, das minhas almas que custaram o pre­ciosíssimo sangue do meu amado Jesus. Custa sofrer e por vezes solto gemidos, mas quero sofrer e por nada do mundo trocava o sofrimento. Se no corpo sofro muito, não sofro menos na alma... Que fases eu estou a atravessar! Não sou eu, não vivo eu, não há luz nem houve luz, nunca sofri nem sofro, nem virei a sofrer; nunca dei nada a Jesus, nem virei a dar. Eu sou tão nada, tão nada que este nada me apavora! Eu sinto isto mas a razão diz-me o contrário. Mas o pior é que este estado da alma não aten­de à razão. A minha cegueira nada me deixa ver nem compreender; só me resta a minha confiança em Jesus. Quero viver sem preocupação alguma, sobre Ele descarregar tudo. E isso procuro fazer. Entrego-me nos braços da Divina Providência, sem querer pensar o que sofro ou virei a sofrer; deixo passar a tempestade incessante que por vezes é aterradora. Vontade do meu Jesus, eu quero-te e amo-te, por nada te trocarei. Sejam quais forem os sofrimentos, por maiores que sejam as dores do meu corpo e da minha alma, sinto no meu íntimo uma grande paz, a paz que nos vem de Deus. Se em alguns momentos estou mais atribulada e me sinto como que a cair no desespero, lá vem Jesus invisivelmente a deitar-me a mão, faz serenar tudo; e a alma, no meio de tanta dor, fica a gozar a mesma paz.

É quase insuportável o abandono em que estou, parece-me não ter por mim nem o Céu nem a terra. Sinto não haver criatura alguma das que me são mais queridas que possa consolar-me. Jesus, só Jesus, assim Lhe disse eu muitas vezes, que só a Ele queria: fui atendida, fez-me a vontade. O dizer não custa, o que custa é estar na prova. É Ele e só Ele e tem que ser Ele. E eu outra coisa não quero. Se tenho Jesus, que mais posso desejar? Parece-me que O não tenho nem Lhe pertenço, mas a paz da minha alma mostra-me que não é a realidade.

Passagens como estas repetem-se, nas cartas dos últimos tempos da Alexandrina e põem cada vez mais em evidência a seriedade com que ela procurava viver o voto feito há anos de fazer sempre o mais perfeito. Em circunstância nenhuma se torna mais difícil o cumprimento deste voto do que nos sofrimentos e é neles que ela se mostra exímia.

Ainda no mesmo ano de 1948, a 22 de Dezembro:

... não sei como subo o meu calvário doloroso e sem nenhuma vida. No sentir da minha alma, não há nada a que possa chamar vida, luz, consolação, ou alegria; tudo é morte, mas uma morte que sente dor, dor dolorosa, dor de toda a espécie. E Jesus quando me fala, repete tantas vezes:

– Dá-Me dor, minha filha, sempre mais dor.

Jesus pede-me e eu quero dar-Lha; mas nada Lhe dou. Sempre a sofrer noite e dia e sempre sequiosa de mais sofrimentos, nunca me enjoam, e nada Lhe dou! Tenho sede de me dar, dar, abandonar-me a Ele e n'Ele me perder. Eu não queria saber fazer outra coisa senão amar o meu Jesus. Mas é o Jesus da Eucaristia, é o Jesus na Cruz, é o Coração de Jesus, em suma: é o Padre, o Filho e o Espírito Santo, unindo a Eles a Mãezinha. Ai, como eu quero amá-los e viver nesta união inseparável, não saber nada do mundo, a nada me prender, nem a nenhuma criatura! Jesus faz-me a vontade; quero aos que me são queridos e não quero a ninguém. Jesus, só Jesus!...

Quase um ano depois, encontramos estas linhas que são de uma eloquência inimitável:

É impossível descrever o grande martírio da minha alma; posso dizer que, sem a graça e a força da Mãezinha, era motivo para desesperar. Sinto-me só, completamente só, de tudo e de todos abandonada, mas o pior ainda é estar no mundo sem vida. Todos os sofrimentos, palavras e acções morrem em mim antes de nascerem, antes de em mim existirem. Parece que não vivo para o mundo nem para Jesus. Tudo é morte, no Céu, no mundo e fora dele. E é tal a minha ignorância, que tudo escureceu e escurece, que me parece que nunca compreendi, não compreendo nem compreenderei. Não sei dizer: parece-me que nunca saí do meu nada, que não vivi nem viverei.

Quando sinto necessidade de me fazer compreender, dizer estes sentimentos da alma, e sinto que nada digo, dentro em mim, o coração e a alma parecem chorar e gritar; que dor e agonia!

Não posso aguentar tanta dor, ao saber e sentir o que Jesus sofre. Eu queria mundos e mundos cheios de corpos para a cada momento por Jesus dar a vida, para Lhe dar almas e provar amor. Não sei dizer o que quero: queria o mundo em fogo, com o amor de todos os corações, para Jesus ser amado e reparado...

No meio de tanta dor e tanta treva, teve a Alexandrina, a fins de 1949, ou talvez em princípios de Janeiro de 1950, uma suave alegria. A ela se refere, em carta de 9-1-950:

De Roma, por intermédio do Sr. P.e Humberto, recebi um cartão com a fotografia do Santo Padre, de braços abertos e olhos no Céu, assim:

"Fui recebido pelo Santo Padre e pedi-lhe uma bênção especial para si, dizendo-lhe alguma coisa da sua vida. E Ele, abrindo os braços afectuosamente e orando, disse:

– Sim, sim! Não uma bênção, mas todas as bênçãos àquela filha querida! - E disse também: – A todos os seus e aos que a rodeiam."

Fiquei muito contente e estimei-o imenso.

As cartas vão rareando, porque lho não permitem os sofrimentos nem as multidões que, nos últimos anos, a visitavam constantemente, por vezes, aos milhares por dia. Mas a nota é sempre a mesma, nas poucas que escreveu ainda até à morte: sofrimentos físicos e sobretudo místicos, cada vez mais atrozes, mais incompreensíveis e, ao mesmo tempo, cada vez mais generosidade em tudo aceitar das mãos do Senhor, para O consolar e para Lhe salvar almas.

Terminemos com estas palavras da sua última carta, de 29-VII-55:

Os males do meu corpo e da minha alma são tão grandes, impedem-me quase sempre de cumprir os meus deveres. Quero e não posso. Por vezes nem sou do Céu nem da terra, nem sou viva nem sou morta; pareço um ser inútil. O eu não desesperar neste estado do corpo e da alma, nesta vida sem vida, sem Deus e sem Eternidade, é um milagre.

Assim me foi dito há dias. A minha alma manter-se em paz, nesta luta constante, é uma graça nunca agradecida ao Senhor. Para isso não chega a Eternidade…


[1] Referem-se aos êxtases que nesses dias tinha.

   

 

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