« Balasar, 28 de
Agosto de 1933
Senhor Padre
Pinho :
Então como tem
passado desde o dia 20 até hoje ? O grande excesso de trabalho não agravou o
estado de
saúde de Vossa Reverência ? Sempre tenho pedido isso a Nosso Senhor;
oxalá as minhas orações sejam ouvidas. Quanto mim, tenho passado muito mal do
coração; tenho perdido bastantes forças, e por essa razão pedi à minha irmã para
me escrever esta, para não estar a fazer esforços.
Agora tenho a
agradecer a Vossa Reverência o livrinho que me mandou. Não é fácil imaginar como
fiquei contente ! Havia talvez uma hora que eu tinha estado a chorar porque
sentia muitas saudades ao pensar as palavras que me dizia e que tanta consolação
davam à minha pobre alma ; e o carinho com que tratava esta pobre doente ! E
agora pensar que estou tão distante de Vossa Reverência ! Mas bem me reconheço
indigna de uma tão grande graça, de lhe poder falar mais vezes ; mas vejo que
Nosso Senhor vela por mim porque fez com que o Sr. P Pinho, mesmo no meio de
tantos trabalhos, me não pudesse esquecer.
Recebi a carta
de Vossa Reverência, li-a muitas vezes, em a ler me sentia mais forte para amar
a Nosso Senhor e por Ele sofrer tudo quanto fosse da sua santíssima Vontade. Não
me tenho esquecido, nem nunca mais me posso esquecer de tudo quanto me pediu. E
peço que continue a fazer a caridade de pedir por mim.
Então terei a
consolação de no dia 16 me vir visitar ? Quanto ao carro, espero que se arranje,
mas queria que Vossa Reverência fizesse o favor de mandar dizer ao certo se vem,
e a hora, para se poder prevenir, porque pode haver dificuldades nesse dia
devido à festa de Nossa Senhora das Dores, na Póvoa ; mas no caso de não
conseguir o carro, um sobrinho do Sr. Abade de Cavalões, que é nosso primo, tem
uma mota muito boa que pode transportar algumas pessoas, e penso que se
prontificará a isso, no caso de ser preciso : à não ser que Vossa Reverência não
possa vir nela, atendendo ao estado de saúde em que se encontra ; mas se não
puder, sempre de há-de conseguir um carro. Eu sem a vizitinha é que não posso
ficar ! A hora ? Marcará a que melhor lhe convier: se for de manhã, fazemos
gosto que Vossa Reverência jante aqui.
Peço perdão de
todas as minhas faltas.
Muitas
lembranças de minha mãe e irmã, que Vossa Reverência não se enganou que ela tem
passado parte do tempo na cama. Sou esta que pede que a abençoe
Alexandrina Maria da Costa ».
    
A Alexandrina começa a sua carta pedindo
notícias,
o que é não somente delicado, mas também fraternal e filialmente caridoso.
Durante toda a sua vida ela terá sempre esta preocupação pelo bem-estar dos
outros.
“Então como tem
passado desde o dia 20 até hoje ?”
Efectivamente, no dia 20 de Agosto de
1933, depois de ter pregado em Balasar o tríduo
em honra do Sagrado Coração de Jesus, o Padre Mariano Pinho, foi visitar a
Alexandrina que nessa ocasião ainda não era sua dirigida : era a primeira vez
que se encontravam. Aliás, a jovem doente, como ela explica humildemente « não
tinha nem sabia sequer o que era um director espiritual ; apenas tinha o meu
pároco como guia da minha alma » .
A seguir, ela
explica ainda :
« Como minha
irmã fizesse um retiro aberto das Filhas de Maria, tomou nessa ocasião para seu
director espiritual o conferente desse retiro, o Sr. Dr. Mariano Pinho. Este,
sabendo que eu estava doente, mandou pedir as minhas orações, prometendo orar
por mim. De vez em quando, mandava-me um santinho » .
Eis quais eram até então as relações
entre estas duas almas excepcionais.
« Em 16 de
Agosto de 1933 — continua explicando a “Doentinha de
Balasar” —, Sua Reverência veio à nossa freguesia fazer um tríduo ao Sagrado
Coração de Jesus, tomando-o então para meu director espiritual » .
É
óbvio
que este primeiro encontro não se transformou em “confissão geral” em que todos
os assuntos espirituais teriam sido abordados : tratou-se única e simplesmente
dum encontro “informal”, simples e amigável. Por isso mesmo, como diz a
Alexandrina, « não lhe falei nos
oferecimentos que fazia ao sacrário, nem nos calores que sentia, nem na força
que fazia elevar ,
nem nas palavras que tomei como uma exigência de Jesus. Pensava que era assim
toda a gente » .
Alexandrina
preocupa-se do bem-estar e da saúde do seu novo Director espiritual :
“O grande
excesso de trabalho não agravou o estado de saúde de Vossa Reverência ?”.
O Padre Mariano Pinho estava na
realidade adoentado, doente de cansaço sobretudo, porque nesse tempo ele era
frequentemente chamado, do norte ao sul de Portugal, para pregar tríduos
e retiros espirituais : a sua pregação era apreciada de todos e produzia
excelentes frutos nos corações
dos ouvintes. Desde logo, a preocupação da Alexandrina era justificada. Mas ela
conhecia já o remédio eficaz para curar tais fadigas : a oração sincera, aquela
que vem do mais profundo do coração e que é capaz de mover e de enternecer o
Coração de Deus, por isso mesmo, ela prossegue e assegura :
“Sempre tenho
pedido isso a Nosso Senhor ; oxalá as minhas orações sejam ouvidas”.
Porque razão o Senhor que tinha aceite o
dom que Alexandrina lhe fizera de todo o seu ser, não iria aceitar as orações
que humilde mas fervorosamente ela lhe ofereceria para obter a graça de uma boa
saúde para o seu Director espiritual ?
Porque não
aceitaria Jesus um pedido tão fervoroso vindo dum coração tão puro e sincero ?
Mas a Alexandrina
também está doente — e portanto ela não pede para ela mesma! — está doente ao
ponto de não poder escrever. Lembremos a confidência que ela faz ao Padre
Pinho :
“Quanto mim,
tenho passado muito mal do coração ; tenho perdido bastantes forças, e por essa
razão pedi à minha irmã para me escrever esta, para não estar a fazer esforços”.
É importante lembrar que Deolinda será,
durante longos anos, a “secretária” de sua irmã e a sua primeira confidente.
Para assisti-la
e ajudá-la, esta bela rapariga ficará para sempre solteira, dando assim à sua
extremosa irmã e aos familiares uma prova evidente de dedicação e de amor
fraternal.
O Padre Pinho
tinha-lhe escrito e enviado um “livrinho”, o qual parece ter enchido de alegria
a “pobre doentinha”.
“Agora tenho a
agradecer a Vossa Reverência o livrinho que me mandou. Não é fácil imaginar como
fiquei contente ! Havia talvez uma hora que eu tinha estado a chorar porque
sentia muitas saudades ao pensar as palavras que me dizia e que tanta consolação
davam à minha pobre alma ; e o carinho com que tratava esta pobre doente !”
O bom Jesuíta
possuía a arte de dirigir as almas : as suas palavras eram sempre
reconfortantes, mas firmes ; o seu ensinamento doce, mas profundamente
teológico ; os seus conselhos precisos, mas caridosos ; as suas sugestões
práticas, mas trazendo o bálsamo do amor de Deus : em suma, o Padre Mariano
Pinho era um “santo sacerdote”.
Saber o seu
Paizinho espiritual longe dela, era para a Alexandrina um grande sacrifício, mas
ela o aceitava de boa vontade por amor de Jesus ; ela oferecia-o desde já para a
salvação das almas. O saber-se ajudada, mesmo de longe, enchia-a de esperança e
dava-lhe coragem.
“E agora pensar
que estou tão distante de Vossa Reverência ! Mas bem me reconheço indigna de uma
tão grande graça, de lhe poder falar mais vezes ; mas vejo que Nosso Senhor vela
por mim porque fez com que o Sr. Padre Pinho, mesmo no meio de tantos trabalhos,
me não pudesse esquecer”.
Tendo recebido a
carta que acompanhava o dito “livrinho” ela logo a leu ; lê-a mesmo diversas
vezes, porque a sua leitura era como um estimulante que a tornava “mais forte
para amar a Nosso Senhor e por Ele sofrer tudo quanto fosse da sua santíssima
Vontade”.
O Padre Mariano
Pinho deverá ter pedido à Alexandrina, não somente orações, mas também a oferta
de sacrifícios que o ajudassem a resolver certos problemas precisos e
importantes, visto que a “Doentinha de Balasar” lhe diz explicitamente que
“não me tenho esquecido, nem nunca mais me posso esquecer de tudo quanto me
pediu”. Mas ela sente-se frágil e pobre, eis a razão porque ele continua a
frase, dizendo : “E peço que continue a fazer a caridade de pedir por mim”.
A comunhão dos Santos é isto mesmo : pedirmos ao Senhor uns pelos outros.
O desejo sincero de
frequentemente ver o seu Paizinho espiritual é uma constante na Alexandrina :
ela sente que precisa dessa ajuda a fim de poder avançar na vida espiritual.
Mais tarde, por diversas vezes, ela o exprimirá nas suas cartas. Não admira pois
que nesta primeira ela faça já uma pergunta nesse sentido:
“Então terei a
consolação de no dia 16 me vir visitar ?
Mas esta vinda
risca de encontrar alguns problemas : a incerteza do dia, o problema de
transporte e também a “festa de Nossa Senhora das Dores, na Póvoa” ;
festa para a qual se deslocavam peregrinos de todo o Norte de Portugal e mesmo
de mais longe .
“Mas no caso de
não conseguir o carro, um sobrinho do Sr. Abade de Cavalões, que é nosso primo,
tem uma mota muito boa que pode transportar algumas pessoas, e penso que se
prontificará a isso, no caso de ser preciso : à não ser que Vossa Reverência não
possa vir nela, atendendo ao estado de saúde”.
Ao lermos esta
proposta da Alexandrina de pedir ao seu Director espiritual de vir a Balasar
utilizando uma mota, não podemos deixar de sorrir, mas temos igualmente de
convir que isto demonstra, com evidência, a maneira prática e simples que ela
utilizava para resolver qualquer problema. Todo o problema tem a sua solução :
se ele não pode vir por seus próprios meios, irão buscá-lo ; se não se encontrar
um carro, o primo tem uma mota e virá buscá-lo. Onde está o problema ? O
Padre Pinho não pode vir de mota, que isso não seja motivo para não vir :
“sempre se há-de conseguir um carro”. O que é certo é que a Alexandrina
“sem a vizitinha é que não posso ficar !”
Aqui fica dito, de
maneira clara e precisa o seu desejo inquebrantável de ver o seu Paizinho
espiritual : ela não pode privar-se de tal visita, visto que é para bem da sua
“pobre alma”.
E a hora ? Pouco
importa ; essa também não cria problema de maior :
“E a hora ?
Marcará a que melhor lhe convier : se for de manhã, fazemos gosto que Vossa
Reverência jante aqui”.
De manhã ou de
tarde, pouco importa, mas que venha... Todavia, de uma maneira mais terra à
terra, a Alexandrina faz uma proposição interessante, simples e natural, quando
diz ao seu Paizinho espiritual : “se for de manhã, fazemos gosto que Vossa
Reverência jante aqui”. Que fará o “santo” sacerdote ?
Mas já o aspecto
espiritual retoma o seu lugar natural. O objectivo da Alexandrina não é outro
que aquele de receber do bom Jesuíta, de viva voz, os conselhos que ela pensa
serem muito úteis para o progresso da sua alma nos caminhos de Deus. Ela deseja
igualmente conversar de certas coisas que a trazem preocupada, visto ela ser
“a mais indigna pecadora”. Por isso mesmo, para que os escrúpulos não
atemorizem a sua alma nobre e pura, ela pede já perdão pelas “grandes faltas”,
pelos “grandes pecados” ainda não confessados :
“Peço perdão de
todas as minhas faltas”.
A Alexandrina
utilizará muitas vezes esta fórmula, porque não se confessando que raramente,
nesses tempos, ela deseja apesar disso, obter de Deus o perdão de todos os seus
“grandes pecados” ― nós sublinhamos, porque são expressões dela ! ―,
visto que ela mesma se considera a mais vil e miserável pecadora.
Vem depois o
momento das urbanidades habituais e das informações familiares :
“Muitas
lembranças de minha mãe e irmã, que V.a Rev. cia não se enganou que ela tem
passado parte do tempo na cama. Sou esta que pede que a abençoe”.
Em breve, todas as
suas cartas terminarão com a menção “pobre”,
Alexandrina
Maria da Costa
|