« Balasar, 18 de
Setembro de 1933
Senhor Padre
Pinho :
Como passou
desde sábado ? Não lhe fez mal o grande sacrifício que veio fazer em vir visitar
esta pobre doente ? Oh ! Creio que não, porque Nosso Senhor nunca pagou o bem
com o mal.
Não é fácil
imaginar como fiquei alegre quando minha irmã me entregou uma carta de Vossa
Reverência ! Que Nosso Senhor lhe pague, que a mim não me é possível fazê-lo.
Não fui a Grimancelos
;
tive muita pena, mas conformei-me com a vontade do meu amorosíssimo Redentor.
Mas, apesar de lá não ir, o meu pensamento não deixou de lá estar várias vezes
durante o dia ; e para mais me reanimar e passar o tempo, fui lendo as cartas
que tanta doçura e consolo vão dando à minha pobre alma.
Senhor Padre
Pinho, esqueceu-me de lhe dizer — e grande pena tenho com isso — que, por amor
de Deus, me não torne a pedir perdão, como o fez na última carta que me tinha
escrito. Havia de ser o contrário : ser eu quem pedia perdão a Vossa Reverência
e não V.a Rev.cia a mim, porque tudo quanto for da vontade do Senhor Padre
Pinho, é da vontade de Deus, e portanto também é da minha.
E agora, adeus.
Termino, que estou muito doente e muito cansada. Peço perdão por todas as minhas
faltas, que são muitas. Peço que nunca se esqueça de mim, que muito necessito
das orações de Vossa Reverência. Quanto a mim, pode contar que eu, no meio dos
meus grandes sofrimentos, nunca mais o poderei esquecer.
Muitas
lembranças da minha mãe e irmã.
Sou esta que,
por amor de Jesus, pede que a abençoe.
Alexandrina
Maria da Costa
P. S. Agora
mesmo acabo de receber a visita do médico. Não me deu remédios, nem me faz nada.
Disse-me que tinha medo de mim ; acha-me forte demais. O remédio é sofrer
enquanto Nosso Senhor quiser ».
O início desta nova
carta traz-nos a confirmação da visita do Padre Mariano Pinho a Balasar no dia
16, como Alexandrina lhe pedira, porque ela começa logo por lhe perguntar :
“Como passou
desde sábado ? Não lhe fez mal o grande sacrifício que veio fazer em vir visitar
esta pobre doente ?”
Esta preocupação do
bem-estar do seu Paizinho espiritual é muito particular. Alexandrina não quer de
maneira nenhuma que por sua causa, o bom Jesuíta possa ter problemas de saúde ou
outros, mas ao mesmo tempo, ela não quer nem pode passar sem ele, o que poderá
parecer paradoxal e até mesmo irreconciliável, por vezes.
Mas Alexandrina tem
uma confiança cega na Bondade e na Misericórdia divinas. Ela sabe que Deus nunca
falta àqueles que com direitura de espírito seguem o seu Caminho. A frase que
segue é uma prova dessa confiança sem limites :
“Oh ! Creio que
não, porque Nosso Senhor nunca pagou o bem com o mal”.
A visita Padre
Mariano Pinho no dia 16 do corrente mês de Setembro foi para Alexandrina um
motivo de grande júbilo e provavelmente ocasião de grandes confidências entre as
duas almas.
Mas receber uma
carta dele será sempre para ela um momento de alegria indiscritível, um prazer
indizível.
Efectivamente,
entre a visita do dia 16 e a composição desta carta, uma do Padre Pinho lhe
tinha sido entregue por sua irmã Deolinda e, Alexandrina manifesta o seu
contentamento, ao mesmo tempo que agradece tão estimada dádiva :
“Não é fácil
imaginar como fiquei alegre quando minha irmã me entregou uma carta de Vossa
Reverência ! Que Nosso Senhor lhe pague, que a mim não me é possível fazê-lo” .
A felicidade e a
alegria que lhe procuram a recepção da carta do Padre Pinho são tão grandes que
só o Senhor, diz ela, o poderá recompensar por tão grande graça : ela julga-se
disso incapaz, por isso afirma : “que Nosso Senhor lhe pague, que a mim não
me é possível”.
Um pouco de bom
humor não faz mal e, o Padre Pinho que “por graça” lhe perguntara :
“Não vai a Grimancelos ?”, recebe, sob o mesmo tom a resposta da sua
dirigida : “Não fui a Grimancelos ; tive muita pena, mas conformei-me com a
vontade do meu amorosíssimo Redentor”. Todavia, mesmo depois do ar de graça,
não deixa de voltar às coisas sérias para afirmar que não perdera tempo, e que o
tempo em poderia ter ido a “Grimancelos”,
o passou utilmente : “fui lendo as cartas que tanta doçura e consolo vão
dando à minha pobre alma”, mesmo se ― aqui está o humor da Alexandrina ! ―,
“apesar de lá não ir, o meu pensamento não deixou de lá estar várias vezes
durante o dia”.
Por qualquer razão
que ignoramos, o Padre Pinho, cuja humildade era grande, sentiu que devia
desculpar-se junto da sua dirigida. Ora, esta maneira de proceder não encontrava
a apoio desta e de maneira veemente o diz ao seu Director espiritual :
“Senhor Padre Pinho, esqueceu-me de lhe dizer — e grande pena tenho com
isso — que, por amor de Deus, me não torne a pedir perdão, como o fez na última
carta que me tinha escrito. Havia de ser o contrário : ser eu quem pedia perdão
a Vossa Reverência e não Vossa Reverência a mim”. E a razão desta simpática
admoestação é simples, na maneira de ver da Alexandrina : “Tudo quanto for da
vontade do Senhor Padre Pinho, é da vontade de Deus, e portanto também é da
minha”.
Como as coisas
parecem simples, quando sinceras e motivadas pelo amor de Deus e do próximo !
Como é sabido a
Alexandrina está doente e tem grandes dificuldades em escrever. Muitas vezes é a
Deolinda, sua irmã que escreve o que ela dita.
“Termino, que
estou muito doente e muito cansada”. No entanto, não
vai esquecer-se duas coisas essenciais : “perdão por todas as minhas faltas,
que são muitas” e o pedido habitual de oração, prometendo não esquecer o seu
“Paizinho” nas suas pobres orações e sofrimentos quotidianos : “Peço que
nunca se esqueça de mim, que muito necessito das orações de Vossa Reverência.
Quanto a mim, pode contar que eu, no meio dos meus grandes sofrimentos, nunca
mais o poderei esquecer”.
Seguem as
civilidades habituais e um Post-scriptum onde dá conta, de maneira quase
humorística da visita do médico : “Agora mesmo acabo de receber a visita do
médico. Não me deu remédios, nem me faz nada. Disse-me que tinha medo de mim ;
acha-me forte demais”.
A aceitação da
vontade de Deus faz agora parte constante do seu viver, da sua maneira de
apreender a vida espiritual que vai crescendo pouco a pouca, para em breve
atingir as cumeadas místicas : “O remédio é sofrer enquanto Nosso Senhor
quiser”.
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