Sentia necessidade de desabafar
« Balasar, 29 de
Setembro de 1933
Senhor Padre
Pinho :
Mais uma vez
passo a escrever-lhe, para lhe dizer que tenho passado uns dias muito tristes
por várias razões. Pensei em não lhe escrever, mas não pude resistir mais.
Sentia necessidade de desabafar com quem deposito toda a confiança.

A primeira causa
da minha tristeza, é que ainda não tornei a receber Nosso Senhor dia nenhum. Lá
se foi o tríduo de Fátima sem eu comungar. Muita pena tive com isso, mas o
remédio foi resignar-me com a vontade do meu querido Jesus. Ah ! Se eu vivesse
mais pertinho de Vossa Reverência, eu seria melhor porque comungaria mais vezes.
Senhor Padre
Pinho, sabe a segunda razão , e a principal, que me tem feito chorar muitas
vezes ? É que me persuadi que Vossa Reverência estava doente e, se assim for,
foi por causa de mim, pelo grande sacrifício que veio fazer. Será impressão
minha ? Não sei. O que sei é que até quase me parecia ter a certeza que já
tivesse morrido. A causa disto é que não sei. Agora, se isto for susto em mim,
pedia-lhe para me escrever duas linhas para meu sossego. Bem sei que, devido ao
muito trabalho, exige de Vossa Reverência um grande sacrifício, mas juntará mais
esse aos muitos que por mim já tem feito. E agora, já é tempo de acabar com as
tristezas ; portanto, vamos mudar de assunto
Já acabei de
fazer a novena a Nossa Senhora de Fátima e bebi-lhe a água, satisfeita da mesma
foram, porque Nosso Senhor, que tudo conhece, veria eu que não cumpriria como
prometia, ou porque seja essa a sua divina Vontade.
Adeus, por hoje,
que já estou cansada. Muitas lembranças da minha irmã, que a minha mãe não
estava em casa.
Peço que me
abençoe por amor de Nosso Senhor.
Alexandrina
Maria da Costa ».
    
Não parece ter tido
carta do seu Director espiritual, mas a Alexandrina “sentia necessidade de
desabafar com quem deposita toda a confiança”, mesmo se para o fazer se
sacrifica, mas ela precisa de escrever ao Padre Mariano Pinho “para lhe dizer
que tem passado uns dias muito tristes por várias razões”. Ela teria
certamente preferido esperar um pouco, receber carta dele e depois escrever-lhe,
“mas não pôde resistir mais”.
Começa depois a
explicar o que é motivo de tristeza para ela e, dessas razões, “a primeira é
que ainda não tornou a receber Nosso Senhor dia nenhum”, e a sua alma
precisa tanto desse divino Alimento.
O Reverendo Abade
de Balasar, certamente ocupado e preocupado com a organização do tríduo em honra
de Nossa Senhora de Fátima, esqueceu-se da “Doentinha” do Calvário, deixando-a
“sem comungar” nesse mesmo período. Alexandrina “teve muita pena com
isso”, mas como sempre, a vontade de Deus prima sobre os seus próprios
desejos e, “o remédio foi resignar-se com a vontade do seu querido Jesus”.
Se tão somente ela “vivesse mais pertinho de Sua Reverência, ela estaria
melhor porque comungaria mais vezes”. Mas o Senhor assim não permitiu, nem
permitirá nunca...
Depois desta
primeira “queixa” uma segunda se esboça, “e a principal, que a tem feito
chorar muitas vezes” : “É que ela se persuadiu ― explica
ingenuamente ― que Sua Reverência estava doente e, se assim for, foi por
causa dela, pelo grande sacrifício que veio fazer”, aquando da última vez a
visitou.
Como não está
segura na afirmação que faz, ela questiona, esperando, claro está, que assim não
seja : “Será impressão minha ? Não sei”. Mas as suas desconfianças são
ainda mais graves, mais prementes, visto que “o que ela sabe é que até quase
lhe parecia ter a certeza que [ele] já tivesse morrido”. Depois, diz ignorar
a causa desta impressão desagradável que lhe causa tanta pena e a trás
sobressaltada, tão sobressaltada que, para acalmar a sua ansiedade,
“pedia-lhe para me escrever duas linhas para meu sossego”.
Ela sabe e
compreende que as ocupações do seu Director são numerosas e que este seu pedido
“exige de Sua Reverência um grande sacrifício, mas juntará mais esse aos
muitos que por ela já tem feito”. Alexandrina sabe muito bem juntar o útil
ao agradável !...
Para mudar de
assunto, ela escreve logo a seguir e sem qualquer transição : “E agora, já é
tempo de acabar com as tristezas ; portanto, vamos mudar de assunto”.
Provavelmente
aconselhada pelo Padre Mariano Pinho, a Alexandrina, pela ocasião do tríduo, fez
uma novena a Nossa Senhora de Fátima, talvez para uma vez mais pedir a sua cura
e, “bebeu-lhe mesmo a água”, água da Cova da Iria, certamente trazida
para Balasar pelo mesmo sacerdote Jesuíta. Mas essa novena parece não ter tido o
resultado esperado, “porque Nosso Senhor, que tudo conhece, veria eu que não
cumpriria como prometia, ou porque seja essa a sua divina Vontade”. E, desde
que se trate da aceitação da divina Vontade, a Alexandrina já não tem “querer” ;
este desaparece imediatamente para que nela se cumpra única e somente a do
Senhor.
Esta carta vai
terminar-se, como muitas outras, com as civilidades habituais e os pedidos de
oração, porque “hoje, está muito cansada”.
Como naqueles
tempos se fazia, o acto de respeito e de carinho, como se falasse ao pai
terreno : “Peço que me abençoe por amor de Nosso Senhor”.
Mas, que pensa da
sua dirigida o Padre Mariano Pinho ?
Comentando os seus
contactos com a “Doentinha de Balasar”, o Padre Mariano Pinho explica no seu
livro “Uma vítima da Eucaristia” ― a primeira biografia da Beata
Alexandrina ― que, « o andar dos anos mostrou-me à saciedade que me não
enganara nas primeiras impressões, muito pelo contrario. O que não suspeitei nem
de longe, foi o quanto de extraordinário viria Deus a operar naquela alma ».
E como para
justificar o porquê da sua aceitação em “guiar” a Alexandrina de Balasar, ele
diz ainda :
« Mas antes de
qualquer referência a este ponto, o que primeiro importa conhecer previamente é
a sua alma. Se não encontrássemos de facto virtude verdadeiramente sólida,
ficaríamos “in limine” dispensados de qualquer investigação ulterior. Se pelo
contrário, a encontrássemos, seria a melhor luz para desvendarmos tudo o mais ».
« Verifiquei
para logo ― prossegue o douto sacerdote ―, que era
uma alma de grande oração e continua união com Deus.
Neste ponto,
muito cedo começou o divino Espírito Santo a atrai-la a Si e a ser o seu
Mestre. »
O segundo Director
espiritual da Alexandrina, o salesiano italiano, Padre Humberto Maria Pasquale,
testemunhou igualmente que « a Alexandrina
viveu uma vida intensa, de incrível plenitude. Vida de amor, cuja lei é o
sofrimento. E este sofrimento impele-a para
o alto, sempre mais para o alto, até a fazer
chegar junto do Esposo Crucificado que,
desde 1930, ela tivera sempre diante
dos olhos e a esperava para, juntos, consumarem
o sacrifício comum. »
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