sinto-me sem forças
« Balasar, 11 de
Outubro de 1933
Senhor Padre
Pinho :
Hoje de manhã
recebi uma carta de Vossa Reverência que minha irmã me trouxe da igreja, que lhe
entregou a Senhora Teresa Matias. Agradeço-lhe muito, porque me veio dar muita
alegria. Só fiquei um
pouco mais triste por ainda faltar muito tempo para me vir
visitar, a não ser que eu continue a piorar como até aqui, porque então,
qualquer dia lhe mando bater à porta, se for ocasião de me poder vir fazer a
última visita.
Têm sido muito
grandes os meus sofrimentos nestes últimos dias. Tenho sofrido muitas dores e
tenho tido muita febre, (mas hoje de tarde era menos), mas sinto-me sem forças
nenhumas para nada. Não sei, portanto, se as melhoras virão ou não ; mas seja
tudo como Nosso Senhor quiser. Por essa razão, vejo-me impossibilitada de poder
escrever, e pedi à minha irmã para o fazer em meu lugar : é ela quem escreve,
mas sou eu quem falo.
O Sr. Abade
trouxe-me Nosso Senhor pela primeira vez sexta-feira ; sábado e domingo. Estava
muito doente, fazia grande gemido.
Amanhã a minha
irmã vai-lhe pedir para ele me trazer Nosso Senhor no dia 13 e para me vir
recon-ciliar, porque ainda o não tornei a fazer desde que Vossa Reverência aqui
veio.
Senhor Padre
Pinho, dizia-me que teve pena da Deolinda não ir aí ; pois ela não teve menos,
mas foi o dia em que eu tive mais febre. Foi bom ela não ter ido. Nosso Senhor
tudo faz por bem feito. Ela queria ir aí no dia 21 — calha ao sábado — se eu
tiver melhorado. E eu pedia, caso o Sr. Padre Pinho não esteja, o favor de
avisar.
Por hoje termino
enviando-lhe muitas lembranças de Deolinda e de minha mãe.
Peço-lhe para
pedir muito por mim, que eu da minha parte nunca mais o esquecerei enquanto
estiver neste mundo, e mais ainda quando for para o Céu.
Sou esta que
pede que a abençoe
Alexandrina
Maria da Costa ».
Quase todos os
dias, Deolinda vai assistir à santa Missa na igreja paroquial de Balasar, não
longe do Calvário onde vivem as duas irmãs com Maria Ana, a mãe.
Deolinda, que teve
a mesma educação que a Alexandrina, é uma rapariga simples e muito sensata, cuja
vida interior é também seguida e perscrutada pelo venerando Padre Mariano Pinho,
é uma vida de oração e doação, doação esta muito particular para com sua irmã
acamada já há largos anos e que, pelos motivos que conhecemos, necessita de uma
presença quase contínua de uma assistente, até mesmo para escrever. Deolinda
tornou-se por isso mesmo a “secretária” particular de sua irmã Alexandrina,
escrevendo-lhe as cartas e depois, quando essa missão for exigida, escrevendo
também o seu Diário, a partir de 1942.
Não admirará pois
que a Deolinda “trouxesse da igreja” aquela carta que “hoje de manhã
Alexandrina recebeu”, carta que tinha sido confiada aos cuidados da
“Senhora Teresa Matias”, outra dirigida do Padre Pinho.
Como sempre, visto
que a Alexandrina as espera com ansiedade, esta carta do seu Paizinho “veio
dar muita alegria” à Doentinha, que “muito lhe agradece”. Mas esta
alegria não é completa, visto lembrando-se “ainda faltar muito tempo para a
vir visitar”, “ficou um pouco mais triste”.
Como se fora um
relâmpago, à sua mente vem o pensamento da morte e, porque está muito doente e,
“se continuar a piorar como até aqui”, talvez seja para morrer, o que não
lhe causa qualquer pena a não ser aquela de “lhe mandar bater à porta, se for
ocasião de lhe poder vir fazer a última visita”. Ela não quer morrer sem ver
uma última vez o seu Pai espiritual.
“Têm sido muito
grandes os meus sofrimentos nestes últimos dias”,
confessa Alexandrina. “Tenho sofrido muitas dores e tenho tido muita febre”,
diz ela ainda, para que a mensagem se complete. Mas, como depois da tempestade
vem a bonança, mesmo se esta é de pouca dura, também na Alexandrina assim se
passa, pois ela diz ainda: “Mas hoje de tarde era menos”. Todavia, esta
breve acalmia de pouco lhe serve, visto que, como ela diz, continuando a sua
carta: “Mas sinto-me sem forças nenhumas para nada. Não sei, portanto, se as
melhoras virão ou não ”.
Como não sabe se
melhorará ou não, ela pensa que o melhor é confiar na divina Providência e
deixar-se completamente absorver por ela, num acto de fé e de amor, actos que a
“Doentinha de Balasar” pratica todos os dias : “Mas seja tudo como Nosso
Senhor quiser”. “Fiat ! Fiat ! voluntas tua !”
A doença que não a
deixa em paz, impedi-a de certos e numerosos gestos, assim como aquele de
escrever, o que causa uma certa pena à Alexandrina, visto que é obrigada de
pedir à Deolinda que o faça por ela :
“Por essa razão ― por
não poder segurar a caneta ―, vejo-me impossibilitada de poder escrever, e
pedi à minha irmã para o fazer em meu lugar : é ela quem escreve, mas sou eu
quem falo”.
De vez em quando,
Alexandrina escreve algumas palavrinhas no fundo da página, como já vimos,
sobretudo se se trata de assuntos que ela ainda guarda secretos, no mais recuado
recôndito do seu coração. Não porque não confie na irmã, mas porque se sente
envergonhada de os revelar.
Uma grande alegria
teve ela e, não pode deixar de a partilhar com o seu guia : “O Sr. Abade
trouxe-me Nosso Senhor pela primeira vez sexta-feira ; sábado e domingo. Estava
muito doente, fazia grande gemido”.
Como é sabido a
Alexandrina é uma “louca” ― a palavra é de Jesus e não nossa ! ― pela Eucaristia
e, receber no seu coração humilde e puro o Amado celeste é motivo de alegria não
contida, é ocasião de júbilo indizível, por isso esta “primeira vez” reveste um
carácter de festa para ela.
Diz ela que
“estava muito doente” e que além disso, “fazia grande gemido”, o que
levou provavelmente a Deolinda a solicitar ao bom Abade de Balasar aquela visita
tão agradável.
E, porque houve essa
primeira vez, porque razão não viriam outras. Como diz o ditado popular : “é
necessário bater no ferro enquanto ele está em brasa”, a Alexandrina deseja
que “amanhã”, portanto quando esta for à Missa a Deolinda, “vá
pedir-lhe para ele lhe trazer Nosso Senhor no dia 13 e para a vir reconciliar”
com o Senhor, visto que “ainda o não tornou a fazer desde que Sua Reverência
lá veio” visitá-la a Balasar.
O Padre Mariano
Pinho vivia em Braga e a Deolinda devia lá ir visitá-lo. Mas não pôde
deslocar-se à capital do Minho ― porque “foi o dia em que eu tive mais febre”,
explica Alexandrina ―, o que lhe causou pena, visto que não só teria aí ocasião
de encontrar o seu Director espiritual, mas teria igualmente podido dar a este
notícias de sua irmã e trazer-lhe de lá uma cartinha. Mas, justamente por
Alexandrina estar doente, “foi bom ela não ter ido”. E, para que ninguém
esqueça, Alexandrina justifica tal incidente sem gravidade, com a frase
seguinte : “Nosso Senhor tudo faz por bem feito”.
Não faltarão outros
dias, outras ocasiões mais propícias, Alexandrina faz uma proposta ao seu Pai
espiritual : “Ela queria ir aí no dia 21 — calha ao sábado — se eu tiver
melhorado. E eu pedia, caso o Sr. Padre Pinho não esteja, o favor de avisar”.
Mas esta mesma
proposta é subordinada a uma condição : “Se a Alexandrina tiver melhorado”,
porque caso isso não aconteça, a Deolinda não poderá ir, visto que deve
ocupar-se da irmã.
Bom é não esquecer
que a Alexandrina está acamada e que a mãe trabalha para ganhar o sustento da
família, não estando pois em casa a não ser de manhãzinha ou à noite, algumas
vezes tarde ; a Deolinda, por conseguinte é o “nervo” da casa, a boa caseira que
tudo prepara e tudo faz para o bem comum.
A uma pergunta
feita ao Padre Humberto Pasquale sobre a Deolinda, a resposta deste é elogiosa e
melhor nos fará compreender que o trabalho de Deolinda pode assemelhar-se a um
apostolado. Disse pois o Padre Humberto : “Não sei qual das duas seja mais
santa !”
Podem ter lugar
aqui estes dois parágrafos escritos pelo Padre Humberto :
« Por volta
do fim do ano de 1935, conclui-se a primeira
fase da vida interior da
Alexandrina, fase que tivera início — podemos
afirmá-lo sem receio de errar — com o uso da
razão. Sob o aspecto histórico, nenhuma qualificação
mais
adequada a este longo período
do que a de
vida purgativa.
À Deolinda
dizia por vezes a Serva de Deus : — Eu não
sei recordar o que é
viver sem dor. — E
a irmã explica o que
ela queria dizer : — Há
tantos anos que sofro, que já não me
posso lembrar de ter tido um dia sem
sofrimento ».
Mas a carta já vai
longa, mesmo se não é ela que escreve, “mas é ela quem fala”, e ela quem
sofre, por isso termina a missiva ao seu Paizinho espiritual, “enviando-lhe
muitas lembranças da Deolinda e de sua mãe”.
Como sempre, as
últimas frases são para pedir orações e bênçãos e a promessa que jamais o
esquecerá “enquanto estiver neste mundo, e mais ainda quando for para o Céu” :
“Peço-lhe para
pedir muito por mim, que eu da minha parte nunca mais o esquecerei enquanto
estiver neste mundo, e mais ainda quando for para o Céu.
Sou esta que
pede que a abençoe,
Alexandrina
Maria da Costa”. |