BEM SEI QUE TEM MUITO TRABALHO
« Viva Jesus !
Balasar, 21 de Janeiro de 1934
Reverendíssimo Senhor Doutor :
Tomei a pena na mão para escrever a Vossa Reverência, eram nove
horas da noite, mas as lágrimas quase que me cegavam, que mal via
para seguir direito, mas tinha razão de sobra para assim fazer,
porque se acabaram quase todas as minhas esperanças de Vossa
Reverência aqui voltar dar-me alguma consolação espiritual. Ai de
mim ! Só Nosso Senhor sabe como eu esperava esse dia feliz ! Tornará
o meu bom Jesus a conceder-me esta tão grande graça ? Não Lha
mereço ; mas Nosso Senhor que tudo conhece e sabe bem todos os meus
desejos, há-de ter misericórdia de mim.
Senhor Doutor, no dia 8 do corrente tive aqui a visita da Candidinha
Almeida juntamente com um Senhor Padre que, por algumas palavras,
entendi que Vossa Reverência me tinha recomendado a ele. Mais uma
vez lhe agradeço a caridade que teve para comigo. Ele consumiu-se
para que eu ficasse bem e perguntava-me se eu ficava contente, e eu
dizia-lhe que sim. Nem mentia, nem falava verdade : ficava contente
porque não tem comparação com o nosso, mas ficava muito triste
porque de Vossa Reverência para ele tem uma distância que nem posso
comparar. E mais motivos tinha para me causar tristeza, mas fica
para lhe dizer, se tiver a alegria de o ver outra vez ao pé de mim,
pobre pecadora. Ou Vossa Reverência vai esquecer-me de todo, não
voltando a visitar-me e a escrever-me ? Oh ! peço-lhe, por amor de
Jesus e de Maria, que isso não pense, porque para mim seria como
tirar-me a luz dos meus olhos, o tirar-me a luz da alma. Oh ! como
eu preciso de quem me auxilie na santificação, para assim no Céu
poder viver mais junto de Nosso Senhor !
Senhor Doutor, já lá vai um mês sem que eu tenha tido umas
palavrinhas de Vossa Reverência para meu conforto. Bem sei que tem
muito trabalho e muito em que pensar, mas já acho uma demora grande.
Será por estar melindrado comigo ? Se assim for, peço que me perdoe,
que não fiz nada com o fim de o ofender.
Então como passou o dia de anos ? Eu há meses que tinha este papel
para lhe escrever no dito dia 16, juntamente com este santinho que
tinha mandado comprar para este fim, a final não escrevi porque
estava tão triste e tão desanimada, que não me senti com coragem de
escrever. À vista lhe contarei quanto tenho sofrido nestes tristes
dias, mas não o esqueci de um modo especial, assim como a minha irmã
e a minha mãe. Elas se recomendam muito.
Adeus, até não sei quando.
Peço
desculpa por ir muito mal escrita, mas nem sei, nem posso melhor. De
saúde continuo na mesma : dias pior, dias melhor, mas sempre
fraquinha. Peço para pedir muito a Jesus por mim e também para me
abençoar com uma benção muito grande.
Esta
que não o esquece em minhas pobres orações.
Alexandrina Maria da Costa ».
*****
Nesta
carta, como na precedente, Alexandrina volta a chamar ao seu
Director espiritual “Reverendíssimo
Senhor Doutor”, “título” que talvez não
seja muito do agrado do bom sacerdote, visto que aqui mesmo termina
essa “apelação” pomposa e contrária ao espírito humilde do Jesuíta.
Alexandrina sente a partida do seu Paizinho e, o seu coração está
triste por causa desta separação ; tem mesmo dificuldades em
escrever, por que chora :
“Tomei a pena na mão para escrever a Vossa Reverência, eram nove
horas da noite, mas as lágrimas quase que me cegavam, que mal via
para seguir direito”.
Apenas
cinco meses separavam esta data daquela em que o Padre Mariano Pinho
tinha assumido o encargo de dirigir a alma da Alexandrina, mas os
seus modos calmos, o seu falar meigo, mas sem pieguices, a persuasão
natural ao falar das coisas de Deus e os seus conhecimentos
teológicos postos à medida das almas simples, tinham de tal maneira
penetrado a alma da “Doentinha de Balasar” que ver-se privada de tão
precioso Cireneu, lhe causou uma pena muito grande, sobretudo
sabendo que agora seria muito mais difícil encontrarem-se de outra
maneira que por intermédio de cartas, por isso ela pensa que
“tinha razão de sobra para assim fazer, porque se acabaram quase
todas as minhas esperanças de Vossa Reverência aqui voltar dar-me
alguma consolação espiritual. Ai de mim !”.
Ela
voltará a encontrá-lo em Balasar, porque o Padre Pinho será diversas
outras vezes convidado a pregar tríduos na periferia daquela aldeia
e virá visitar a sua dirigida. Mas isso, ela não o sabe nem o
adivinha.
“Só
Nosso Senhor sabe como eu esperava esse dia feliz ! Tornará o meu
bom Jesus a conceder-me esta tão grande graça ?”
A sua
humildade vem de novo à tona e hei-la conformada com a vontade do
Senhor, reconhecendo no entanto que não merece tal dádiva.
“Não
Lha mereço ; mas Nosso Senhor que tudo conhece e sabe bem todos os
meus desejos, há-de ter misericórdia de mim”.
De vez
em quando a “Doentinha de Balasar recebe visitas, não só dos
conhecidos e amigos da aldeia ou aldeias vizinhas, mas também
pessoas que tendo ouvida falar dela desejam encontra-la e conversar
das coisas de Deus.
Aqui
tratam-se de pessoas que conhecem o Padre Pinho, como se pode
verificar pelas palavras que a Alexandrina escreve :
“Senhor Doutor, no dia 8 do corrente tive aqui a visita da
Candidinha Almeida juntamente com um Senhor Padre que, por algumas
palavras, entendi que Vossa Reverência me tinha recomendado a ele”.
Não
sabemos qual tenha sido este sacerdote, porque a Alexandrina não o
nomeia, mas o que certo é que “ele consumiu-se para que ela
ficasse bem e perguntava-lhe se ela ficava contente, e ela dizia-lhe
que sim.
Mas
este dizer que sim tem explicação : “Nem mentia, nem falava
verdade : ficava contente porque não tem comparação com o nosso, mas
ficava muito triste porque de Vossa Reverência para ele tem uma
distância que nem posso comparar”.
No
entanto a lembrança de lá o enviar a visitar a sua dirigida não fica
sem agradecimento. A Alexandrina escreve : “Mais uma vez lhe
agradeço a caridade que teve para comigo”. E aqui ela é
verdadeiramente sincera.
Outros
pormenores há que a Alexandrina não pode revelar por carta, o que
muitas vezes acontecerá, mas fá-los-á de viva voz, quando voltarem a
encontrar-se :
“E
mais motivos tinha para me causar tristeza, mas fica para lhe dizer,
se tiver a alegria de o ver outra vez ao pé de mim, pobre pecadora”.
Mas, de
repente, como um relâmpago, uma dúvida dolorosa lhe atravessa o
espírito e ela pergunta :
“Ou
Vossa Reverência vai esquecer-me de todo, não voltando a visitar-me
e a escrever-me ?”
Depois,
como se se encorajasse a ela mesma ou quisesse conjurar a sorte,
continua :
“Oh ! peço-lhe, por amor de Jesus e de Maria, que isso não pense,
porque para mim seria como tirar-me a luz dos meus olhos, o tirar-me
a luz da alma”.
Mas não
pode ser, não pode ser porque precisa de ajuda, precisa “de quem
a auxilie na santificação, para assim no Céu poder viver mais junto
de Nosso Senhor !”
A
instalação do Padre Mariano Pinho em Lisboa, a sua adaptação ao
cargo que lhe fora confiado, não lhe deixavam muito tempo para
escrever, sobretudo se temos em conta que a Alexandrina não é a sua
única dirigida, por isso tarda em responder às missivas da
“Doentinha de Balasar”. Ela queixa-se desta situação, mas compreende
que ele não tenha muito tempo livre :
“Senhor Doutor, já lá vai um mês sem que eu tenha tido umas
palavrinhas de Vossa Reverência para meu conforto. Bem sei que tem
muito trabalho e muito em que pensar, mas já acho uma demora
grande”.
Esta
demora inspira-lhe também um receio, receio que em qualquer coisa o
tenha ofendido e que ela agora esteja a procurar esquecê-la...
“Será por estar melindrado comigo ? Se assim for, peço que me
perdoe, que não fiz nada com o fim de o ofender”.
O dia
16 de Janeiro era o dia aniversário do bom Jesuíta; Alexandrina
nunca mais esquecerá esta data. O padre Pinho acabava de festejar os
seus quarenta anos ; era portanto um homem relativamente novo e
cheio de boa vontade e de coragem, mesmo se sujeito a pequenas
enxaquecas motivadas sobretudo pelo trabalho que infatigavelmente,
dia após doa levava a cabo.
“Então como passou o dia de anos ? ― pergunta
a Alexandrina. Eu há meses que tinha este papel para lhe escrever
no dito dia 16, juntamente com este santinho que tinha mandado
comprar para este fim”.
Mas,
“a final não escreveu porque estava tão triste e tão desanimada, que
não se sentia com coragem de escrever”.
Muito
mais tem para lhe dizer de quanto sofre não só desta separação, mas
também outros sofrimentos inerentes à sua doença e bem mais... que
ela voluntariamente aqui não exprime.
À
vista lhe contarei quanto tenho sofrido nestes tristes dias, mas não
o esqueci de um modo especial, assim como a minha irmã e a minha
mãe. Elas se recomendam muito.
Adeus, até não sei quando”.
Este
adeus não termina a carta : ela ainda tem mais alguma coisa a
dizer :
“Peço desculpa por ir muito mal escrita, mas nem sei, nem posso
melhor”.
Quanto
à saúde ela diz, um pouco desapontada : “dias pior, dias melhor,
mas sempre fraquinha”.
E,
desta vez, para terminar, pede, como de costume, que ele ore
“muito a Jesus por ela e também para a abençoar com uma benção muito
grande”.
E
assina depois, como as grandes almas :
Esta
que não o esquece em minhas pobres orações.
Alexandrina Maria da Costa”. |