POUCAS VEZES O RECEBO
Viva
Jesus !
Balasar, 8 de Março de 1934
Senhor Padre Pinho :
Ontem mesmo tive a grande consolação de receber uma carta de Vossa
Reverência que há muito tempo desejava, porque me via abandonada de
tudo. Só pedia a Nosso Senhor que me não abandonasse também, porque
então seria para mim um caso de desanimar de todo, de conseguir o
que tanto desejo, que é de ser santa. Pois, a não ser as cartas de
Vossa Reverência, não tenho ninguém que me ajude a ser de cada vez
mais do meu querido Jesus.
Senhor Padre Pinho, faz um mês no dia 10 que me confessei e, se Deus
quiser, fazê-lo-ei outra vez para o dia 13, mas tenho que mandar
pedir, porque se assim não fizesse nunca me confessava, porque ele
nunca me fala de confissão. Não sei o que será de mim.
Agradeço imenso o dizer-me que comunga por mim, porque apesar de ser
o Santíssimo Sacramento o meu maior Amigo, com grande mágoa o digo,
poucas vezes O recebo. De primeiro, trazia-me a Sagrada Comunhão nas
primeiras sextas-feiras e primeiros sábados e domingos e nos dias
13, e agora já ma não traz nos primeiros domingos. Algumas vezes
tenho chorado de pena. Que hei-de fazer no meio disto ? Sofrer por
amor do meu querido Jesus. Já Vossa Reverência pode fazer ideia
quanto me custou passar este tempo, e quanto são de agradecer todas
as palavrinhas que me escreve.
Senhor Padre Pinho, vi por o que me mandava dizer que só para o
verão, se eu for viva, terei a consolação de o ver. Não imagina
quanto fiquei triste, porque ainda tinha algumas esperanças de lhe
poder falar antes desse tempo — o que muito precisava — pois no
estado em que me encontro temo não chegar a essa ocasião. O meu
sofrimento tem-se agravado muito. Ainda agora fico simplesmente a
águas por não poder comer com um inchacinho que tenho dentro da
boca. Pode ser, assim como cresceu, depressa também desaparecerá ;
se assim for, no estado de fraqueza em que estou, é-me impossível
poder viver, porque o pouco que comia me faz muita falta, porque, só
águas, passados dias principio a vomitar. Mas não são os sofrimentos
que me afligem, porque todos os dias os peço a Nosso Senhor e Lhe
peço também que me não abandone nem um momento, porque bem sei que
sem Ele nada podia sofrer ; o que me aflige mais é o muito e muito
que O tenho ofendido.
Quanto ao eu pedir por Vossa Reverência, em todas as minhas orações
e em todos, todos os meus sofrimentos o recomendo logo de manhã ;
portanto eu seja ouvida diante do meu amado Jesus.
Também senti muito dizer-me que fica com a gripe ; peço para logo
que esteja livre dela possa fazer o grande sacrifício de me
escrever, desde já lho agradeço, que era para meu sossego.
Envio-lhe muitas lembranças de minha mãe e da escrevente, que anda
com uma terrível tosse a caminho de dois meses. Não sei no que
resultará ; e parece que também anda desconsolada em todo o sentido.
Fará
a grande caridade de me abençoar e de pedir por mim, que tanto
preciso.
Alexandrina Maria da Costa
Já
me esquecia de lhe agradecer as duas estampazinhas que me mandou ;
dei uma à Deolinda. Muito obrigada.
* * * * *
Em
Fevereiro de 1934 Alexandrina parece não ter escrito ao seu Director
espiritual. Não encontrámos nenhuma carta desse mês. Portanto só mês
e meio depois da última carta ela lhe escreve porque “teve
a grande consolação de receber uma carta
de Sua Reverência que há muito tempo desejava, porque se via
abandonada de tudo”.
Esta
dita carta recebera-a na véspera, dia 7 de Março.
Nesta
carta deixou também de dar ao seu Pai espiritual o famoso título de
“Reverendíssimo Senhor Doutor”, para voltar ao simples e bem
mais familiar “Senhor Padre Pinho”.
Ele
sente-se “abandonada de todo” e certamente pensava ela
“abandonada de todos”, mas não ousou escrevê-lo para não magoar
o seu Paizinho que já ha mais de um mês não escrevia. Isto se deduz
ao lermos a frase seguinte : Só pedia a
Nosso Senhor que me não abandonasse também”,
visto que todos a abandonaram já. Porque se mesmo o Senhor a
abandonasse, isso seria mesmo, como ela diz “mim um caso de
desanimar de todo”, porque nesse caso, não tendo quem a dirija e
a aconselhe, ela não poderia “conseguir o que tanto deseja, que é
de ser santa”.
E, como
se quisesse “remover a faca na ferida”,
ela acrescenta à intenção do seu Director : “Pois, a não ser as
cartas de Vossa Reverência, não tenho ninguém que me ajude a ser de
cada vez mais do meu querido Jesus”.
Estes
“queixumes” naturais e bem humanos terminados, ela volta-se para o
espiritual, explicando ao Padre Mariano Pinho que já “faz
um mês no dia 10 que se confessou”, mas
que “se Deus quiser”, e o Senhor Abade estiver disponível,
ela o “fará outra vez para o dia 13, mas tem que mandar pedir,
porque se assim não fizesse nunca a confessava, porque ele nunca lhe
fala de confissão”.
Se não
conhecêssemos tão bem a Alexandrina, poderíamos pensar que ao dizer
isto ao seu Pai espiritual estaria a dizer mal do Abade de Balasar,
o que seria grave. Mas assim não é, graças a Deus, porque a
“Doentinha de Balasar” era incapaz de dizer mal de alguém, mesmo se
esse alguém fosse o seu pior inimigo. Aqui trata-se nada mais nada
menos do que um desabafo que outra intenção não tem que aquela de
informar o guia da sua alma, a quem ela prefere, mais do que a
qualquer outro, confessar os seus “grandes pecados”.
Comentando este estado da sua situação actual uma simples frase que,
sendo curta explica bem o que ela sente :
“Não
sei o que será de mim !”
Uma
excelente notícia trazia a carta do Padre Pinho para ela : Ele
comungava por ela, ou melhor, comungava pelas intenções dela.
Alexandrina fica contente e mostra-nos aqui uma faceta do seu amor
eucarístico :
“Agradeço imenso o dizer-me que comunga por mim, porque apesar de
ser o Santíssimo Sacramento o meu maior Amigo, com grande mágoa o
digo, poucas vezes O recebo”.
Como é
sabido, a Alexandrina tinha pela Eucaristia um amor “louco”, amor
esse que a levou a escrever uma das mais belas orações eucarísticas
que na Igreja existe : o Hino aos sacrários.
Infelizmente o Senhor Abade nem sempre está disponível, nem sempre
pode atender a todos os doentes da paróquia que, como Alexandrina
estão acamados e desejosos também de receber a Santa Comunhão.
“De
primeiro ― explica ela, penosa ―,
trazia-me a Sagrada Comunhão nas primeiras sextas-feiras e primeiros
sábados e domingos e nos dias 13, e agora já ma não traz nos
primeiros domingos”.
Por
causa destas falhas “algumas vezes
tenho chorado de pena”, acrescenta ela,
mas “que hei-de fazer no meio disto ?”
Desta
pergunta a Alexandrina conhece desde há muito a resposta : “Sofrer
por amor do meu querido Jesus !”
É
facilmente compreensível que o seu Director lhe faça falta, visto
que ela quer “ser santa” e que ainda “está muito longe de o ser”.
Para atingir essa meta ela sente necessidade de ajuda, de conselhos,
de alguém que a conduza pela mão e, actualmente só as cartas do seu
Pai espiritual a podem ajudar, mas é também necessário que essas
mesmas cartas não escasseiem, não lhe faltem...
Isto dá
ela a compreender ao Padre Mariano Pinho :
“Já
Vossa Reverência pode fazer ideia quanto me custou passar este
tempo, e quanto são de agradecer todas as palavrinhas que me
escreve”.
Outra
notícia, mas esta menos agradável para ela :
“Senhor Padre Pinho, vi por o que me mandava dizer que só para o
verão, se eu for viva, terei a consolação de o ver”.
A
notícia é “rude”, sobretudo quando não é esperada, sobretudo quando
se precisa de “alimento para a alma” e, Alexandrina não hesita, ela
diz o que sente, o mal que essa novidade lhe causa :
“Não
imagina quanto fiquei triste, porque ainda tinha algumas esperanças
de lhe poder falar antes desse tempo — o que muito precisava — pois
no estado em que me encontro temo não chegar a essa ocasião”.
O seu
estado de saúde continua precário e a ideia que não estará em vida
para o verão atormenta-a, porque o “sofrimento
tem-se agravado muito” e, de mais para
mais, as coisas complicam-se, porque, diz ela, “agora fico
simplesmente a águas por não poder comer com um inchacinho que tenho
dentro da boca”. Mas, como é seu costume, continua optimista e
cheia de confiança, porque “pode ser, assim como cresceu,
depressa também desaparecerá ; se assim for, no estado de fraqueza
em que estou, é-me impossível poder viver, porque o pouco que comia
me faz muita falta, porque, só águas, passados dias principio a
vomitar”.
Esta
impossibilidade de se alimentar poderá parecer uma espécie de
“repetição geral” daquilo que mais tarde acontecerá : ela viverá
então só da sagrada Eucaristia, não se alimentando mais até à morte.
“Mas
não são os sofrimentos ― explica ela
ainda ― que me afligem, porque todos os dias os peço a Nosso
Senhor e Lhe peço também que me não abandone nem um momento, porque
bem sei que sem Ele nada podia sofrer ; o que me aflige mais é o
muito e muito que O tenho ofendido.
Tendo-lhe pedido que ore por ele, a Alexandrina responde-lhe
claramente :
“Quanto ao eu pedir por Vossa Reverência, em todas as minhas orações
e em todos, todos os meus sofrimentos o recomendo logo de manhã ;
portanto eu seja ouvida diante do meu amado Jesus”.
O Padre
Mariano Pinho diz-lhe que está engripado, o que o impossibilita
talvez de escrever regularmente neste período; todavia Alexandrina
não “perde o norte” e logo previne :
“Também senti muito dizer-me que fica com a gripe ; peço para logo
que esteja livre dela possa fazer o grande sacrifício de me
escrever, desde já lho agradeço, que era para meu sossego”.
Seguem
depois as civilidades habituais e nelas dá notícia da Deolinda,
“a escrevente” “que anda com uma terrível tosse a caminho de dois
meses, e parece que também anda desconsolada em todo o sentido”.
E, para
terminar ― ou quase ! ― o pedido de bênção, seguido pelo
agradecimento das “duas estampazinhas” enviadas.
“Fará a grande caridade de me abençoar e de pedir por mim, que tanto
preciso.
Alexandrina Maria da Costa
Já
me esquecia de lhe agradecer as duas estampazinhas que me mandou ;
dei uma à Deolinda. Muito obrigada”.
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