11:00 ÀS 12:00 hs. JESUS RECEBE A CRUZ E A ABRAÇA POR NÓS.
...
o castigo que nos salva pesou sobre ele... (Is 53, 5)
A
VIA SACRA
Carregou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro... (1 Ped 2,
24)
“Em
seguida levaram-no para crucificar” (Mt 27, 31)
Levaram então consigo Jesus. Ele próprio carregava a sua cruz para
fora da cidade, em direcção ao lugar chamado Calvário, em hebraico
Gólgota. (Jo 19, 17)
SIMÃO DE CIRENE AJUDA JESUS CARREGANDO A CRUZ
Esperei no Senhor com toda a confiança. Ele se inclinou para mim,
ouviu meus brados. Tirou-me de uma fossa mortal, de um charco de
lodo... (Sal 39, 2-3)
“...
Acharam um homem chamado Simão... “
Enquanto o conduziam, detiveram um certo Simão de Cirene, que
voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para que a carregasse atrás
de Jesus. (Lc 23, 26)
AS MULHERES DE JERUSALÉM
Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os enviados
de Deus, quantas vezes quis ajuntar os teus filhos, como a galinha
abriga a sua ninhada debaixo das asas, mas não o quiseste! Eis que
vos ficará deserta a vossa casa... (Lc 13, 34-35)
“...
filhas de Jerusalém chorai sobre vós mesmas...”
Seguia-o uma grande multidão de povo e de mulheres, que batiam no
peito e o lamentavam. Voltando-se para elas, Jesus disse: Filhas de
Jerusalém, não choreis sobre mim, mas chorai sobre vós mesmas e
sobre vossos filhos. Porque virão dias em que se dirá: Felizes as
estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não
amamentaram! Então dirão aos montes: Caí sobre nós! E aos outeiros:
Cobri-nos! Porque, se eles fazem isto ao lenho verde, que acontecerá
ao seco? (Lc 23, 27-31)
Pai
Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela
sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu
Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.
Segundo as Visões
de Ana Catarina Emmerich
Jesus toma a cruz aos ombros
Quando
Pilatos desceu do tribunal do Gábata, seguiram-no uma parte dos
soldados e foram diante do palácio, para acompanhar o séquito. Um
pequeno destacamento ficou com os condenados. Vinte e oito fariseus
armados, entre os quais os seis inimigos furiosos de Jesus que
estavam presentes quando foi preso no horto das Oliveiras, vieram a
cavalo ao fórum, para acompanhar o séquito.
Os
carrascos conduziram Jesus ao meio do fórum; alguns escravos
entraram pela porta ocidental, trazendo o patíbulo da cruz e
jogaram-no ruidosamente aos pés do Salvador. Os dois braços da cruz,
mais finos, estavam amarrados com cordas ao tronco largo e pesado;
as cunhas, o cepo para sustentar os pés e a peça ajustada ao tronco
para a inscrição, junto com outras ferramentas eram carregados por
alguns meninos a serviço dos carrascos.
Quando
jogaram a cruz no chão, aos pés de Jesus, Ele se ajoelhou junto à
mesma, e abraçando-a, beijou-a três vezes, dirigindo ao Pai
celestial, em voz baixa, uma oração comovente de ação de graças pela
redenção do gênero humano, a qual ia realizar. Como os sacerdotes,
entre os pagãos, abraçam um altar novo, assim abraçou Jesus a cruz, o
eterno altar do sacrifício cruento de expiação. Os carrascos,
porém, com um arranco nas cordas, fizeram Jesus ficar erecto, de
joelhos, obrigando-o a carregar penosamente o pesado madeiro ao
ombro direito e com o braço direito segurá-lo, com pouco e cruel
auxílio dos carrascos. Vi anjos ajudando-o invisivelmente, pois
sozinho não teria conseguido suspendê-lo; ajoelhava-se, curvado sob
o pesado fardo.
Enquanto Jesus estava rezando, outros carrascos puseram sobre os
pescoços dos ladrões os madeiros transversais das respectivas
cruzes, amarrando-lhes os braços erguidos de ambos os lados. Essas
travessas não eram inteiramente rectas, mas um pouco curvas e na
hora da crucifixão eram ajustadas na extremidade superior dos
troncos, que eram transportados atrás deles por escravos, junto com
outros utensílios.
Ressoou
um toque de trombeta da cavalaria de Pilatos e um dos fariseus a
cavalo aproximou-se de Jesus, que estava de joelhos, sob o fardo e
disse-lhe: “Acabou agora o tempo dos belos discursos”; e aos
carrascos: “Apressai-vos, para que fiquemos livres dele. Vamos
avante! Fizeram-no levantar-se então aos arrancos e caiu-lhe assim
sobre o ombro todo o peso da cruz, que nós devemos também carregar
para segui-lo, segundo as suas santas palavras, que são a verdade
eterna. Então começou a marcha triunfal do Rei dos reis, tão
ignominiosa na terra, tão gloriosa no Céu.
Tinham
atado duas cordas à extremidade posterior da cruz e dois carrascos
levantaram-na por meio delas, de modo que ficava suspensa e não se
arrastava pelo chão. Um pouco afastados de Jesus seguiam quatro
carrascos, segurando as quatro cordas que saiam do cinturão novo,
com que o tinham cingido. O manto, arregaçado, fora-lhe atado em
redor do peito. Jesus carregando ao ombro os madeiros da cruz,
ligados num feixe, lembrava-me vivamente Isaac, levando a lenha para
a sua própria imolação ao monte Mória.
O
trombeteiro de Pilatos deu então o sinal de partir, porque Pilatos
também queria sair com um destacamento de soldados, para impedir
qualquer movimento revoltoso na cidade. Estava a cavalo, vestido da
armadura e rodeado de oficiais e de um destacamento de cavalaria;
seguia depois um batalhão de infantaria, de cerca de 300 soldados,
todos oriundos da fronteira da Itália e Suíça.
Em
frente do cortejo em que ia Jesus, seguia um corneteiro, que tocava
nas esquinas das ruas, proclamando a sentença e a execução. Alguns
passos atrás marchava um grupo de meninos e homens das camadas mais
baixas do povo, transportando bebidas, cordas, pregos, cunhas e
cestos, com diversas ferramentas, escravos mais robustos carregavam
as estacas, escadas e os troncos das cruzes dos ladrões. As escadas
constavam apenas de um pau comprido, com buracos, nos quais fincavam
cavilhas. Seguiam-se depois alguns fariseus a cavalo e atrás deles
um rapazinho, segurando sobre os ombros, suspensa numa vara, a coroa
de espinhos, que não puseram na cabeça de Jesus, porque parecia
impedi-lo de carregar a cruz. Esse rapazinho não era muito ruim.
Seguia
então Nosso Senhor e Salvador, curvado sob o pesado fardo da cruz,
cambaleando sobre os pés descalços e feridos, dilacerado e
contundido pela flagelação e as outras brutalidades, exausto de
forças, por estar sem comer, sem beber, nem dormir desde a Ceia, na
véspera, enfraquecido pela perda de sangue, pela febre e sede,
atormentado por indizíveis angústias e sofrimentos da alma.
Com a
mão segurava o pesado lenho sobre o ombro direito; a esquerda
procurava penosamente levantar a larga e longa veste, para
desembaraçar os passos, já pouco seguros. Tinha as mãos inchadas e
feridas pelas cordas, com que haviam estados antes fortemente
amarradas. O rosto estava coberto de pisaduras e sangue; cabelo e
barba em desalinho e colados pelo sangue; o pesado fardo e o
cinturão apertavam-lhe a roupa pesada de lã de encontro ao corpo
ferido e a lã pegava-se-lhe às feridas reabertas. Em redor só havia
ódio e insultos.
Mas
também nessa imensa miséria e em todos esses martírios se
manifestava o amor do Divino Mártir: a boca movia-se-lhe em oração e
o olhar suplicante e humilde prometia perdão. Os dois carrascos que
suspendiam a cruz, pelas cordas fixadas na extremidade posterior,
aumentavam ainda o martírio de Jesus, deslocando o pesado farto, que
alternadamente levantavam e deixavam cair.
Em
ambos os lados do cortejo marchavam vários soldados, armados de
lanças. Depois de Jesus, vinham os dois ladrões, cada um conduzido
por dois carrascos, que lhes seguravam as cordas, presas ao
cinturão; transportavam sobre a nuca os madeiros transversais das
respectivas cruzes, separados do tronco; tinham os braços amarrados
as extremidades dos madeiros. Andavam meio embriagados por uma
bebida que lhes tinham dado. Contudo o bom ladrão estava muito
calmo; o mau, porém, impertinente, praguejava furioso.
Os
carrascos eram homens baixos, mas robustos, de pele morena, cabelo
preto, crespo e eriçado; tinham a barba rala, aqui e acolá uns
tufinhos de pelos. Não tinham fisionomia judaica; pertenciam a uma
tribo de escravos do Egipto, que trabalhavam na construção de
canais; vestiam somente a tanga e um escapulário de couro, sem
mangas. Eram verdadeiros brutos. Atrás dos ladrões vinham a metade
dos fariseus, fechando o cortejo. Esses cavaleiros cavalgavam
durante todo o caminho, separados, ao longo do séquito, apressando a
marcha ou conservando a ordem. Entre a gentalha que ia na frente do
cortejo, transportando as ferramentas e outros objetos, achavam-se
também alguns meninos perversos, filhos de judeus, que se lhe tinham
juntado voluntariamente.
Depois
de um considerável espaço seguia o séquito de Pilatos; na frente um
trombeteiro a cavalo, atrás dele cavalgava Pilatos, vestido da
armadura de guerra, entre os oficiais e cercado de um grupo de
cavaleiros; em seguida marchavam os trezentos soldados de
infantaria. O séquito atravessou o fórum, mas entrou depois numa rua
larga.
O
cortejo que conduzia Jesus, passou por uma rua muito estreita, pelos
fundos da casa, para deixar livre o caminho para o povo, que se
dirigia ao Templo, como também para não por obstáculos ao séquito de
Pilatos.
A maior
parte da multidão já se pusera a caminho, logo depois de pronunciada
a sentença; os demais judeus dirigiram-se as respectivas casas ou ao
Templo; pois haviam perdido muito tempo durante a manhã e
apressavam-se em continuar os preparativos para a imolação do
cordeiro pascal. Contudo era ainda muito numerosa a multidão,
composta de gente de todas as classes: forasteiros, escravos,
operários, meninos, mulheres e a ralé da cidade; corriam pelas ruas
laterais e por atalhos para frente, para ver mais uma ou outra vez o
triste séquito. O destacamento de soldados romanos que seguia,
impedia o povo de juntar-se atrás do séquito, assim era preciso
correr sempre à frente, pelas ruas laterais. A maior parte da
multidão dirigiu-se directamente ao Gólgota.
A rua
estreita pela qual Jesus foi conduzido primeiro, tinha apenas a
largura de alguns passos, e passava pelos fundos das casas, onde
havia muita imundície. Jesus teve que sofrer muito ali; os carrascos
andavam mais perto dele; das janelas e dos buracos dos muros o
vaiava a gentalha; escravos que lá trabalhavam, atiravam-lhe lama e
restos imundos da cozinha; patifes perversos derramavam-lhe em cima
água suja e fétida dos esgotos; até crianças, instigadas pelos
velhos, juntavam pedras nas roupinhas e saindo das casas e
atravessando o séquito a correr, jogavam-nas no caminho, aos pés de
Jesus. Assim foi Jesus tratado pelas crianças, que tanto amava,
abençoava e chamava de bem-aventuradas.
A primeira queda de Jesus sob a cruz
A rua
estreita dirige-se no fim para a esquerda, torna-se mais larga e
começa a subir. Passa ali um aqueduto subterrâneo, que vem do Monte
Sião; creio que passa ao longo do fórum, onde há também, sob a
terra, canais abobadados e desemboca na piscina das ovelhas, perto
da porta das ovelhas. Eu ouvia o murmúrio e o correr das águas nos
canos. Naquele ponto, antes de subir a rua, há um lugar mais fundo,
onde, por ocasião das chuvas, se junta água e lama e há lá uma pedra
saliente, que facilita a passagem, como em muitas outras ruas de
Jerusalém, as quais, em grande parte, são bastante toscas.
Quando
Jesus, carregado do pesado fardo, chegou a esse lugar, não tinha
mais força para ir adiante; os carrascos arrastavam e empurravam-no
sem piedade; então Jesus, nosso Deus, tropeçando sobre a pedra, caiu
por terra e a cruz tombou-lhe ao lado. Os carrascos praguejaram,
puxaram-no pelas cordas, deram-lhe pontapés; o séquito parou,
formou-se um grupo tumultuoso em redor do Divino Mestre.
Debalde
estendia a mão, para que alguém o ajudasse a levantar-se. “Ai!”
exclamou, “dentro em pouco estará tudo acabado”, e os lábios
moviam-se-lhe em oração. Os fariseus gritaram: “Vamos! Fazei-o
levantar-se, senão nos morre nas mãos!” Aqui e acolá, dos lados da
rua, se viam mulheres a chorar, com crianças, que também
choramingavam assustadas.
Com
auxílio sobrenatural, conseguiu Jesus afinal levantar a cabeça e
esses homens abomináveis e diabólicos, em vez de o ajudarem e
aliviarem, ainda lhe impuseram novamente a coroa de espinhos.
Levantaram-no depois brutalmente e puseram-lhe a cruz de novo no
ombro. Com isso era obrigado a pender para o outro lado a cabeça,
torturada pelos espinhos, para assim poder carregar o pesado
patíbulo. Com novo e maior martírio subiu então pela rua, que dali
em diante se tornava mais larga.
O
encontro de Jesus com a Santíssima Mãe. Segunda queda de Jesus
debaixo da cruz.
A Mãe
de Jesus, transpassada de dor, tinha-se retirado do fórum, com João
e algumas mulheres, depois de ouvir a sentença que lhe condenara
injustamente o Filho. Tinham visitado muitos dos lugares sagrados
pela Paixão de Jesus, mas quando o correr do povo e o toque dos
clarins e o séquito de Pilatos, com os soldados, anunciaram a
partida para o Calvário, Maria não pode conter-se mais: o amor
impelia-a a ver o divino Filho, no seu sofrimento e pediu a João que
a conduzisse a um lugar onde Jesus tivesse de passar.
Eles
tinham vindo dos lados de Sião; passaram ao lado do tribunal donde
Jesus, havia pouco, fora levado por portas e alamedas que noutros
tempos estavam fechadas, mas nessa ocasião abertas, para dar
passagem à multidão. Passaram depois pela parte ocidental de um
palácio, que do outro lado dá, por um portão, para a rua larga, na
qual o séquito entrou depois da primeira queda de Jesus. Não sei
mais com certeza se esse palácio era uma ala da casa de Pilatos, com
a qual parece estar ligada por pátios e alamedas ou se é, com me
lembro agora, a própria habitação do Sumo-Sacerdote Caifás; pois a
casa em Sião era apenas o tribunal.
– João
conseguiu de um criado ou porteiro compassivo a licença de passar,
com Maria e as companheiras, para o outro lado e o mesmo empregado
abriu-lhes o portão para a rua larga. – Estava com eles um sobrinho
do José de Arimateia; Suzana, Joana Chusa e Salomé de Jerusalém
seguira a Santíssima Virgem.
Quando
vi a dolorosa Mãe de Deus, pálida, olhos vermelhos de chorar,
tremendo e gemendo, envolta da cabeça aos pés num manto azul
cinzento, passando com as companheiras por aquela casa, senti-me
presa de dor e susto. Já se ouviam por sobre as casas o tumulto e os
gritos do séquito, que se aproximava, o toque da trombeta e a voz do
arauto, anunciando nas esquinas das ruas a execução de um condenado
a cruz.
O
criado abriu o portão; o ruído tornou-se mais distinto e assustador.
Maria rezava e disse a João: “Que devo fazer, ficar para vê-lo ou
fugir? Como poderei suportar vê-lo neste estado?” João disse: “Se
não ficardes, arrepender-vos-eis amargamente toda a vida”. Então
saíram da casa, ficando a espera, sob a arcada do portão; olhavam
para a direita, rua abaixo, que até lá subia, mas continuava plana,
do lugar onde estava Maria.
Ai!
Como o som da trombeta lhe penetrou no coração! O séquito
aproximava-se, ainda estaria distante uns 80 passos, quando saíram
do portão. Ali o povo não andava na frente, mas aos lados e atrás
havia alguns grupos: grande parte da gentalha, que saíra por último
do tribunal, corria por atalhos para a frente, para ocupar outros
lugares, donde pudesse ver passar o séquito.
Quando
os servos dos carrascos, que transportavam os instrumentos do
suplício, se aproximaram, impertinentes e triunfantes, começou a Mãe
de Jesus a tremer e chorar e torcer as mãos de aflição. Um dos
miseráveis perguntou aos que iam ao lado: “Quem é essa mulher, que
está ali lamentando?” Um deles respondeu: “É a mãe do Galileu.”
Ouvindo isso os perversos insultaram-na com palavras de zombaria,
apontaram-na com os dedos e um desses homens perversos tomou os
cravos, com os quais Jesus devia ser pregado na cruz e mostrou-o a
Santíssima Virgem, com ar de escárnio. Ela, porém, torcendo as mãos,
olhava na direcção de seu Filho e esmagada pela dor, encostou-se ao
pilar do portão. Tinha a palidez de um cadáver e os lábios roxos.
Passaram os fariseus a cavalo; depois veio o menino, com o título da
cruz e, ai! Alguns passos atrás, Jesus, o Filho de Deus, seu próprio
Filho querido, o Santo, o Redentor: lá ia cambaleando e curvado,
afastando penosamente a cabeça, com a coroa de espinhos, do pesado
fardo da cruz. Os carrascos arrastavam-no pelas cordas para a
frente; tinha o rosto pálido, coberto de sangue e pisaduras, a barba
toda junta e colada sob o queixo pelo sangue.
Os
olhos encovados e sangrentos do Salvador, sob o horrível enredo da
coroa de espinhos, lançaram um olhar grave e cheio de piedade a Mãe
dolorosa e depois, tropeçando, ele caiu pela segunda vez, sob o peso
da cruz, sobre os joelhos e as mãos. A mãe, na veemência da dor, não
via mais nem os soldados nem os carrascos, via só o Filho querido em
estado tão lastimoso e tão maltratado. Estendendo os braços, correu
os poucos passos do portão até Jesus, através dos carrascos e
abraçando-o, caiu-lhe ao lado de joelhos. Ouvi as palavras: “Meu
Filho!” – “Minha Mãe!” – não sei se foram pronunciadas pelos lábios
ou só no coração.
Houve
um tumulto: João e as mulheres tentavam afastar Maria, os carrascos
praguejavam e insultavam-na; um deles gritou: “Mulher, que queres
aqui? Se o tivesse educado melhor, não estaria agora em nossas
mãos.” Vi que alguns dos soldados estavam comovidos; eles afastaram
a Santíssima Virgem, nenhum, porém, a tocou. João e as mulheres
levaram-na e ela caiu de joelhos, como morta de dor, sobre a pedra
angular do portão, a qual suportava o muro; estavam de costas
viradas para o séquito, apoiando-se com as mãos na parte superior da
pedra inclinada, sobre a qual caíra. Era uma pedra com veias verdes;
onde os joelhos de Nossa Senhora tocaram, ficaram cavidades e onde
as mãos se lhe apoiaram, deixaram marcas menos profundas. Eram
impressões chatas, com contornos pouco claros, semelhantes a
impressões causadas por uma pancada sobre massa de farinha. Era uma
pedra muito dura. Vi que no tempo do bispo Tiago o Menor essa pedra
foi colocada na primeira Igreja Católica, que foi construída ao lado
da piscina de Betesda.
Já o
tenho dito várias vezes e digo-o mais uma vez, que vi em diversas
ocasiões tais impressões causadas pelo contado de pessoas santas em
acontecimentos de grande importância. Isso é tão certo, que há até a
expressão: “Uma pedra sentir-se-ia comovida”, ou a outra: “Isso faz
impresso”. A eterna Sabedoria não tinha precisão da arte da
imprensa, para transmitir a posteridade testemunhos dos santos.
Como os
soldados, armados de lanças, que marchavam aos lados do séquito,
impeliam o povo para diante, os dois discípulos que estavam com a
Mãe de Jesus, reconduziram-na pelo portão, que foi fechado atrás
deles.
Os
carrascos tinham, no entanto, levantado Jesus aos arrancos e
puseram-lhe a cruz de novo ao ombro, mas de outra maneira. Os braços
da cruz, amarrados ao tronco haviam ficado um pouco soltos e um
deles descera um pouco ao lado do tronco; foi esse que Jesus abraçou
então, de modo que o tronco da cruz pendia atrás, mais no chão.
Terceira queda de Jesus sob a cruz. Simão de Cirene
O
séquito continuou nessa rua larga, até chegar a porta de um antigo
muro da cidade interior. Diante dessa porta há uma praça, em que
desembocam três ruas. Ali Jesus tinha de passar sobre outra pedra
grande, mas tropeçou e caiu. A cruz tombou para o lado e Jesus,
apoiando-se sobre a pedra, caiu por terra e tão enfraquecido estava,
que não pode levantar-se mais. Passaram grupos de gente bem vestida,
que iam ao Templo e vendo-o, exclamaram: “Coitado, o pobre homem
morre!” Deu–se um tumulto; não conseguiram mais levantar Jesus e os
fariseus que conduziam o cortejo, disseram aos soldados: “Não
chegamos lá com ele vivo; deveis procurar um homem que lhe ajude a
levar a cruz.”
Vinha
justamente descendo pela rua do meio Simão de Cirene, um pagão,
acompanhado pelos três filhinhos; transportava um feixe de ramos
secos debaixo do braço. Era jardineiro e vinha dos jardins situados
perto do muro oriental da cidade, onde trabalhava. Todos os anos
vinha, com mulher e filhos, para a festa em Jerusalém, como muitos
outros da mesma profissão, para podar as sebes. Não pode sair do
caminho, porque a multidão se apinhava na rua. Os soldados, que pela
roupa viam que era pagão e pobre jardineiro, apoderaram-se dele e,
levando-o para onde estava Jesus, mandaram-lhe que ajudasse o
Galileu a transportar a cruz.
Simão
resistiu e mostrou muita repugnância, mas obrigaram-no a força. Os
filhinhos choravam alto e algumas mulheres que conheciam o homem,
levaram-nos consigo. Simão sentiu muito nojo e repugnância, vendo
Jesus tão miserável e desfigurado e com a roupa tão suja e cheia de
imundície. Mas Jesus, com os olhos cheios de lágrimas, olhou para
Simão com olhar tão desamparado, que causava dó. Simão foi obrigado
a ajudá-lo a levantar-se; os carrascos amarraram o braço da cruz
mais para trás e penduraram-no, com uma volta da corda, sobre o
ombro de Simão, que andava muito perto, atrás de Jesus, que deste
modo não tinha mais que carregar tanto peso. Finalmente o lúgubre
séquito se pôs em movimento.
Simão
era homem robusto, de 40 anos. Andava com a cabeça descoberta;
vestia uma túnica curta, apertada e na cintura uma faixa de pano
roto; as sandálias, atadas aos pés e pernas com correias, terminavam
na frente em bico agudo. Os filhos vestiam túnicas listadas de
várias cores; dois já eram quase moços, chamavam-se Rufo e Alexandre
e juntaram-se mais tarde aos discípulos. O terceiro era ainda
pequeno; vi-o ainda menino, em companhia de Santo Estevão. Simão
ainda não tinha seguido muito tempo Jesus, carregando o patíbulo e
já se sentia profundamente comovido.
Verónica e o Sudário.
A rua
em que se movia nessa hora o séquito, era longa, com uma leve curva
para a esquerda e nela desembocavam várias ruas laterais. De todos
os lados vinha gente bem vestida, que se dirigia ao Templo; ao ver
os séquito, uns se afastavam, com o receio farisaico de se
contaminarem, outros manifestavam certa compaixão. Havia cerca de
duzentos passos que Simão ajudava Jesus a carregar a cruz, quando
uma mulher de figura lata e imponente, segurando uma menina pela
mão, saiu de uma casa bonita, ao lado esquerdo da rua e que tinha um
átrio cercado de muros e de um belo gradil brilhante, onde se
penetrava por um terraço, com escadaria. Ela correu com a menina, ao
encontro do cortejo.
Era
Seráfia, mulher de Sirac, membro do Conselho do Templo, a qual, pela
boa acção praticada nesse dia, recebeu o nome de Verónica (de vera
icon: verdadeira imagem).
Seráfia
tinha preparado em casa um delicioso vinho aromático, com o piedoso
desejo de oferecê-lo como refresco a Jesus, no caminho doloroso para
o suplício. Já tinha ido uma vez ao encontro do séquito, em
expectativa dolorosa; vi-a velada, segurando pela mão uma mocinha
que adoptara, passar ao lado do séquito, quando Jesus se encontrou
com a Santíssima Virgem. Mas, com o tumulto, não achou ocasião de
aproximar-se e voltou as pressas para casa, para lá esperar o
Senhor.
Saiu,
pois, velada de casa para a rua; um pano pendia-lhe do ombro; a
menina, que podia ter nove anos, estava-lhe ao lado, ocultando sob o
manto o cântaro com o vinho, quando o séquito se aproximou. Os que o
precediam, tentaram em vão retê-la; ela está fora de si de amor e
compaixão. Com a menina, que se lhe segurava, pegando-lhe o vestido,
atravessou a gentalha, que ia dos lados e por entre os soldados e
carrascos, avançou para a frente de Jesus e, caindo de joelhos,
levantou para Ele o pano, estendido de um lado, suplicando:
“Permiti-me enxugar o rosto de meu Senhor.”
Jesus
tomou o pano com a mão esquerda e apertou-o, com a palma da mão de
encontro ao rosto ensanguentado; movendo depois a mão esquerda, com
o pano, para junto da mão direita, que segurava a cruz, apertou-o
entre as duas mãos e restituiu-lho, agradecendo; ela o beijou,
escondendo-o sobre o coração, debaixo do manto e levantou-se.
Então a
menina ofereceu timidamente o cântaro com o vinho; mas os soldados e
carrascos, praguejando, impediram-na de confortar Jesus. A audácia e
rapidez dessa acção provocou um ajuntamento curioso do povo e causou
assim uma pausa de dois minutos apenas na marcha, o que permitiu a
Seráfia oferecer o sudário a Jesus. Os fariseus a cavalo e os
carrascos irritaram-se com essa demora e mais ainda com a veneração
pública manifestada ao Senhor e começaram a maltratá-lo e
empurrá-lo. Verónica, porém, fugiu com a menina para dentro de casa.
Apenas
entrara no aposento, estendeu o sudário sobre a mesa e caiu por
terra desmaiada; a menina, com o cântaro de vinho, ajoelhou-se-lhe
ao lado, chorando. Assim as encontrou um amigo da casa, que entrara
para visitar e a viu como morta, sem sentidos, ao lado do sudário
estendido, no qual o rosto ensanguentado do Senhor estava impresso
de um modo maravilhosamente distinto, mas também horrível. Muito
assustado, fê-la voltar a si e mostrou-lhe o rosto do Senhor. Cheia
de dor, mas também de consolação, Seráfia ajoelhou-se diante do
sudário, exclamando: “Agora vou abandonar tudo, o Senhor deu-me uma
lembrança”.
Esse
sudário era de lã fina, cerca de três vezes mais longo do que largo.
Costumava-se usar em volta do pescoço; as vezes usavam ainda outro
em torno dos ombros. Era uso ir ao encontro de pessoas aflitas,
cansadas, tristes ou doentes e enxugar-lhes o rosto; era sinal de
luto e compaixão; nas regiões quentes também usavam dá-lo de
presente. Verónica guardava esse sudário sempre a cabeceira da cama.
Depois de sua morte veio ter, por intermédio das santas mulheres, as
mãos da Santíssima Mãe de Deus e dos Apóstolos e depois a Igreja.
A quarta e quinta queda de Jesus sob a cruz. As compassivas filhas
de Jerusalém.
O
séquito estava ainda a boa distância da porta; a rua descia um pouco
até lá. A porta era uma construção extensa e fortificada; passava-se
primeiro por uma arcada abobadada, depois sobre uma ponte e
finalmente por outra arcada. A porta ficava em direcção sudoeste; ao
sair dela, se via o muro da cidade estender-se para o sul, a uma
distância como, por exemplo, de minha casa até a Matriz, (cerca de
dois minutos de caminho); depois virava, a uma boa distância, para
oeste e voltava novamente a direcção do sul, fazendo a volta do
Monte Sião. A direita se estendia o muro para o norte, até a porta
do ângulo, dirigindo-se depois ao longo da parte setentrional de
Jerusalém, para leste.
Quando
o séquito se aproximou da porta, impeliam-no os carrascos com mais
violência. Justamente diante da porta, havia no caminho desigual e
arruinado uma grande poça: os carrascos arrastavam Jesus para
frente, apertavam-se uns aos outros; Simão Cireneu procurou passar
ao lado da poça, pelo caminho mais cómodo; com isso deslocou-se a
cruz e Jesus caiu pela quarta vez sob a cruz e tão duramente, no
meio do lodaçal, que Simão quase não pode segurar a cruz, Jesus
exclamou em voz fina, fraca e contudo alto: “Ai de ti! Ai de ti!
Jerusalém” Quando te tenho amado! Como uma galinha, que esconde os
pintinhos sob as asas, assim queria reunir os teus filhos e tu me
arrastas tão cruelmente para fora de tuas portas.”
– O
Senhor disse essas palavras com profunda tristeza, mas os fariseus,
virando-se para ele, insultaram-no, dizendo: “Este perturbador do
sossego público ainda não acabou; ainda tem a língua solta?” e
outras zombarias semelhantes. Espancaram e empurraram Jesus,
arrastando-o para fora do lodaçal, para o levantar. Simão Cireneu
ficou tão indignado com as crueldades dos carrascos, que gritou: “Se
não acabardes com esta infâmia, jogarei a cruz no chão e não a
carregarei mais, mesmo que me mateis também.”
Logo
depois de passar a porta, separa-se da estrada, do lado direito, um
caminho estreito e áspero que, dirigindo-se para o norte, conduz em
poucos minutos ao monte Calvário. A estrada grande ramifica-se, a
pouca distância dali, em três direcções: a esquerda, para sudoeste,
pelo vale Gihon, em direcção a Belém; para oeste, em direção a Emaús
e Jope e para noroeste, rodeando o monte Calvário, em direcção a
porta Angular, que conduz a Betur.
Olhando
da porta pela qual Jesus saiu, a esquerda, para sudoeste, pode-se
ver a porta de Belém. Essas duas portas são, entre as portas de
Jerusalém, as menos distantes. No meio da estrada, fora da porta,
donde parte o caminho para o monte Calvário, havia uma estaca, com
uma tabuleta pregada, na qual estavam escritas as sentenças de morte
proferidas contra Jesus e os ladrões, escritas em letras brancas
salientes, que pareciam coladas sobre a tabuleta.
Não
longe daí, na esquina do caminho de Gólgota, estava um numeroso
grupo de mulheres, a chorar e lamentar. Em parte eram moças e
mulheres pobres, com crianças, vindas de Jerusalém, que se tinham
adiantado ao séquito; em parte mulheres vindas de Belém, Hebron e
outros lugares circunvizinhos, que tinham chegado para a festa e se
juntaram aquelas mulheres.
Jesus
não caiu ali inteiramente por terra; ia caindo como quem desmaia, de
modo que Simão por a extremidade da cruz no chão e, aproximando-se
de Jesus, segurou-o. O Senhor encostou-se em Simão. Essa foi a
quinta queda do Salvador sob a cruz. As mulheres e moças, ao verem
Jesus tão desfigurado e ensanguentado, começaram a chorar e lamentar
alto, oferecendo-lhe os sudários, segundo o costume entre os judeus,
para que enxugasse o rosto. Jesus virou-se-lhes e disse: “Filhas de
Jerusalém, (isso significa também: filhas de Jerusalém e cidades
vizinhas), não choreis por mim, mas chorai por vós e vossos filhos;
porque sabei que virá tempo e quem se dirá: “Ditosas as que são
estéreis e ditosos os ventres que não geraram e ditosos os peitos
que não deram de mamar”.
– Então
começarão os homens a dizer aos montes: “Caí sobre nós!” e aos
outeiros: “Cobri-nos”. Porque, se isto se faz no lenho verde, que se
fará no seco?” ainda lhes disse outras belas palavras, as quais,
porém, esqueci; entre outras disse que aquelas lágrimas lhes seriam
recompensadas, que doravante deviam seguir outros caminhos, etc.
Houve
ali uma pausa, pois o séquito parou por algum tempo. Aqueles que
levavam os instrumentos do suplício, continuaram o caminho para o
Calvário; seguiam-se depois cem soldados do destacamento de Pilatos,
o qual tinha acompanhado o cortejo até ali, mas chegado a porta da
cidade, voltara para o palácio.
Jesus no Monte Gólgota. Sexta e sétima queda de Jesus e seu
encarceramento
O
séquito pôs-se novamente em caminho. Jesus, curvado sob a cruz,
impelido a empurrões e golpes, arrastado pelas cordas, subiu
penosamente o áspero caminho que segue para o norte, entre o monte
Calvário e os muros da cidade; depois, no alto, se volta o caminho
tortuoso outra vez para o sul. Lá caiu Jesus, tão enfraquecido, pela
sexta vez, foi uma queda dura e a cruz, ao cair, ainda mais o feriu.
Os carrascos, porém, espancaram e impeliram-no com mais brutalidade
do que antes, até que Jesus chegou ao cume, no penedo do Gólgota e
ali caiu novamente com a cruz por terra, pela sétima vez.
Simão
Cireneu, também maltratado e cansado, estava cheio de indignação e
compaixão; quis ajudar Jesus a levantar-se, mas os carrascos, aos
empurrões e insultos, fizeram-no voltar pelo caminho, morro abaixo;
pouco depois se associou aos discípulos do Mestre Divino. Também os
outros que trouxeram os instrumentos ou seguiram o cortejo e de que
os carrascos não precisavam mais, foram enxotados do cume. Os
fariseus a cavalo subiram o monte Calvário por outros caminhos, mais
cómodos, do lado oeste. Do cume se avistam justamente os muros da
cidade.
A face
superior, o lugar do suplício, tem a forma circular e caberia bem no
largo diante da nossa Matriz; é do tamanho de um bom picadeiro e
cercado de um aterro baixo, cortado por cinco caminhos. Essa
disposição de cinco caminhos encontra-se em quase todos os lugares
do país, em lugares de banhos públicos ou de baptismo, como na
piscina Betesda; muitas cidades também têm cinco portas. Essa
disposição acha-se em todas as construções dos tempos antigos e
também em mais modernos e assim foram feitas em atenção as antigas
tradições. Como em todas as coisas da Terra Santa, há também nisso
um profundo sentido profético, cumprido nesse dia, em que se abriram
os cinco caminhos de toda a salvação, as cinco sagradas Chagas de
Jesus.
Os
fariseus a cavalo pararam fora do círculo, no lado oriental do
monte, onde o declive é mais suave; o lado que dá para a cidade e
por onde eram conduzidos os condenados, é escarpado e íngreme.
Estavam ali também cem soldados romanos, nativos das fronteiras
entre a Itália e a Suíça, que estavam distribuídos em parte em
vários lugares da execução. Alguns ficaram com os dois ladrões, que,
por falta de lugar no cume, não tinham levado para cima, mas fizeram
deitar de costas, com os braços amarrados aos madeiros transversais
das cruzes, na encosta do monte, um pouco abaixo do cume, onde o
caminho vira para o sul.
Muita
gente, na maior parte das classes baixas, estrangeiros, servos,
escravos, pagãos e muitas mulheres, gente que não se importava de
contaminar-se, juntavam-se em redor do largo do cume ou formavam
grupos, cada vez mais numerosos, nas alturas circunvizinhas,
acrescidos de gente que se dirigia a cidade. Para oeste, ao pé do
monte Gihon, havia um grande acampamento de forasteiros, vindos para
a festa da Páscoa; muitos ficavam olhando de longe, outros se
aproximavam pouco a pouco.
Eram
cerca de onze horas e três quartos, quando Jesus arrastado com a
cruz para o lugar do suplício, caiu por terra e Simão foi expulso de
lá. Os carrascos levantaram o Salvador aos arrancos das cordas e
desligaram os madeiros da cruz, jogando-os no chão, um em cima do
outro. Ai! Que aspecto terrível apresentava Jesus, em pé no lugar do
suplício, abatido, triste, coberto de feridas, ensanguentado,
pálido. Os carrascos deitaram-no brutalmente por terra, dizendo em
tom de mofa (gozação): “Ó rei dos judeus, devemos tomar
medida de teu trono?”
Mas
Jesus deitou-se de livre vontade sobre a cruz e se a fraqueza lho
tivesse permitido, os carrascos não teriam tido necessidade de
jogá-lo por terra. Estenderam-no sobre a cruz e marcaram nesta os
lugares das mãos e dos pés, enquanto os fariseus em redor riam e
insultavam o Divino Salvador.
Levantando-o novamente, conduziram-no amarrado uns setenta passos ao
norte, descendo a encosta do monte Calvário, a uma fossa cavada na
rocha, que parecia uma cisterna ou adega; levantando o alçapão,
empurraram-no para dentro tão brutalmente, que se não fosse por
auxílio divino, teria chegado ao fundo duro da rocha com os joelhos
esmagados. Ouvi-lhes os gemidos altos e agudos.
Fecharam o alçapão e deixaram uma guarda. Segui-o nesses setenta
passos; parece-me lembrar ainda de uma revelação sobrenatural de que
os anjos o socorreram, para que não esmagasse os joelhos; mas a
pobre vítima gemia e chorava de modo que cortava o coração. A rocha
amoleceu, ao contado dos joelhos sagrados do Redentor.
Os
carrascos começaram então os preparativos. Havia no centro do largo
do suplício uma elevação circular, de talvez dois pés de altura,
para a qual se tinham de subir alguns degraus: era o ponto mais alto
do penedo do Calvário. Nesse cume estavam cavando a cinzel os
buracos nos quais as três cruzes deviam ser plantadas; já tinham
tomado medida para isso na extremidade inferior das cruzes.
Colocaram os troncos das cruzes dos ladrões à direita e a esquerda,
sobre essa elevação; esses lenhos eram toscamente aparados e mais
baixos do que a cruz de Jesus; em cima haviam sido cortados
obliquamente. Os madeiros transversais, aos quais os ladrões ainda
estavam amarrados, foram depois ajustados um pouco abaixo da
extremidade superior dos troncos.
Os
carrascos colocaram então a cruz de Nosso Senhor no lugar onde o
queriam pregar, de modo que a pudessem comodamente levantar e fazer
entrar na escavação. Encaixaram os dois braços da cruz no tronco,
pregaram a peça de madeira para os pés, abriram com uma verruma os
furos para os cravos e para o prego do título, fincaram a martelo as
cunhas sob os braços da cruz e fizeram cá e lá algumas cavidades no
tronco da cruz, para dar espaço para a coroa de espinhos e as
costas, de modo que o corpo ficasse mais suportado pelos pés do que
pendurado pelas mãos, que podiam rasgar-se com o peso do corpo e
para que Jesus sofresse o martírio.
Ainda
fincaram em cima por um madeiro transversal, para servir de apoio as
cordas, com as quais queriam puxar e elevar a cruz e fizeram ainda
outros preparativos semelhantes.
Maria e as amigas vão ao Calvário.
Depois
do doloroso encontro da SS. Virgem com o Divino Filho, carregando a
cruz, quando Maria caiu sem sentidos sobre a pedra angular, Joana
Chusa, Suzana e Salomé de Jerusalém, com auxílio de João e do
sobrinho de José de Arimateia, conduziram-na para dentro da casa,
impelidos pelos soldados e o portão foi fechado, separando-a do
Filho bem-amado, carregado do peso da cruz e cruelmente maltratado.
O amor
e o ardente desejo de estar com o Filho, de sofrer tudo com ele e de
não o abandonar até o fim, davam-lhe uma força sobrenatural. As
companheiras foram com ele a casa de Lázaro, na proximidade da porta
Angular, onde estavam reunidas as outras santas mulheres, com
Madalena e Marta, chorando e lamentando-se; com elas estavam também
algumas crianças. De lá saíram em número de 17, seguindo o caminho
doloroso de Jesus.
Vi-as
todas, sérias e decididas; não se importavam com os insultos da
gentalha, mas impunham respeito pela sua tristeza; passaram pelo
fórum, a cabeça coberta pelos véus; no ponto onde Jesus tomara ao
ombro a cruz, beijaram a terra; depois seguiram todo o caminho da
Paixão de Jesus, venerando todos os lugares onde ele mais sofrera.
Maria e
as que eram mais inspiradas, procuravam seguir as pegadas de Jesus e
a SS. Virgem, sentindo e vendo-lhes tudo na alma, guiava-as onde
deviam parar e quando deviam prosseguir nessa via sacra. Todos esses
lugares se lhe imprimiram vivamente na alma; ela contava até os
passos e mostrava as companheiras os santos lugares.
Desse
modo a primeira e mais tocante devoção da Igreja foi escrita no
coração amoroso de Maria, Mãe de Deus; escrita pela espada
profetizada por Simeão; os santos lábios da Virgem transmitiram-na
aos companheiros do sofrimento e por esses a nós. Esta é a santa
tradição vinda de Deus ao coração da Mãe Santíssima e do coração da
Mãe aos corações dos filhos; assim continua sempre a tradição na
Igreja.
Quando
se vem as coisas como as vejo, parece este modo de transmissão mais
vivo e mais santo. Os judeus de todos os tempos sempre veneraram os
lugares consagrados por uma acção santa ou por um acontecimento de
saudosa memória. Eles não esquecem um lugar onde se deu uma coisa
sobrenatural: marcam-no com monumento de pedras e vão em
peregrinação para rezar. Assim também nasceu a devoção da Via Sacra,
não por uma intenção premeditada, mas da natureza dos homens e das
intenções de Deus para com seu povo, do fiel amor de uma mãe, e, por
assim dizer, sob os pés de Jesus, que foi o primeiro que a trilhou.
Chegou
então esse piedoso grupo á casa de Verónica, onde entraram, porque
Pilatos com os cavaleiros e os duzentos soldados, voltando da porta
da cidade, lhes vinham ao encontro. Ali Maria e os companheiros
viram o sudário, com a imagem do rosto de Jesus e entre lágrimas e
suspiros, exaltaram a misericórdia de Jesus para com sua fiel amiga.
Levaram
o cântaro com o vinho aromático, com que Verónica não conseguira
confortar Jesus e dirigiram-se todos, com Verónica, à porta do
Gólgota. No caminho se lhes juntaram ainda muitas pessoas
bem-intencionadas e outras comovidas pelos acontecimentos, entre as
quais também certo número de homens, formando um cortejo que, pela
ordem e serenidade com que passou pelas ruas, me fez uma singular
impressão. Esse cortejo era quase maior do que aquele que conduziu a
Jesus, não contando o povo que o acompanhou.
As
angústias e dores aflitivas de Maria nesse caminho, ao ver o lugar
do suplício, com as cruzes no alto, não se podem exprimir em
palavras; a alma amantíssima da Virgem sentia os sofrimentos de
Jesus e era ainda torturada pelo sentimento de não poder segui-Lo na
morte. Madalena, toda transtornada e como embriagada de dor, andava
cambaleando, como que arremessada de angústia em angústia; passava
do silêncio às lamentações, do estupor ao desespero, das lamentações
às ameaças. Os companheiros eram obrigados a sustê-la, a protegê-la,
a exortá-la e a escondê-la da vista dos curiosos.
Subiram
o monte Calvário pelo lado mais suave, ao oeste e aproximaram-se em
três grupos do aterro circular do cume, a certa distância, um atrás
do outro. A Mãe de Jesus, a sobrinha desta, Maria de Cléofas, Salomé
e João avançaram até o lugar do suplício; Marta, Maria Helí,
Verónica, Joana Chusa, Suzana e Maria, mãe de Marcos, ficaram um
pouco afastadas, rodeando Maria Madalena, que não podia conter a
dor. Um pouco mais atrás estavam ainda sete pessoas e entre os três
grupos havia gente boa, que mantinha uma certa comunicação entre
eles. Os fariseus a cavalo estavam em diversos lugares em redor do
local do suplício, enquanto os soldados romanos ocupavam as cinco
entradas.
Que
espectáculo doloroso para Maria: o lugar do suplicio, o cume com as
cruzes, a terrível cruz do Filho adorado e diante dela, no chão, os
martelos, as cordas, os horrendos pregos e os repelentes carrascos,
meio uns, quase embriagados, fazendo o horroroso trabalho entre
imprecações. Os troncos das cruzes dos ladrões já estavam arvorados,
munidos de paus encaixados para subir. A ausência de Jesus ainda
prolongava o martírio da Mãe Santíssima; ela sabia que ainda estava
vivo; desejava vê-lo, tremia ao pensar em que estado O veria; ia
vê-Lo em indizíveis tormentos.
Desde a
madrugada até as dez horas, quando foi pronunciada a sentença, caíra
várias vezes chuva de pedra; durante o caminho de Jesus ao Calvário
clareou o céu e brilhava o sol; mas pelas doze horas começou uma
neblina avermelhada a velar o sol. |