16:00 ÀS 17:00 hs. JESUS , DESCIDO DA CRUZ,
E
DEPOSTO NOS BRAÇOS DE MARIA.
Após
suportar em sua pessoa os tormentos, alegrar-se-á de conhecê-lo até
o enlevo. O Justo, meu Servo, justificará muitos homens, e tomará
sobre si suas iniquidades. Eis por que lhe darei parte com os
grandes, e ele dividirá a presa com os poderosos: porque ele próprio
deu sua vida, e deixou-se colocar entre os criminosos, tomando sobre
si os pecados de muitos homens, e intercedendo pelos culpados. (Is
53, 11-12)
JOSÉ DE ARRIMATÉIA PEDE O CORPO DE JESUS
“Não
permitireis que Vosso Santo conheça a corrupção...” (Sal 16, 10)
Depois disso, José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, mas
ocultamente, por medo dos judeus, rogou a Pilatos a autorização para
tirar o corpo de Jesus... (Jo 19, 38)
Havia um homem, por nome José, membro do conselho, homem recto e
justo. Ele não havia concordado com a decisão dos outros nem com os
actos deles. Originário de Arimateia, cidade da Judeia, esperava ele
o Reino de Deus. Foi ter com Pilatos e lhe pediu o corpo de
Jesus. (Lc 23, 50-52)
Pilatos admirou-se de que ele tivesse morrido tão depressa. E,
chamando o centurião, perguntou se já havia muito tempo que Jesus
tinha morrido. Obtida a resposta afirmativa do centurião, mandou
dar-lhe o corpo. (Mc 15, 44-45)
JOSÉ DE ARRIMATÉIA DESCE O CORPO DE JESUS E O ENVOLVE NUM PANO DE
LINHO
“Pois o linho são as boas obras dos santos.” (Apc 19, 8)
Ele
o desceu da cruz, envolveu-o num pano de linho... (Lc 23, 53)
...
Foi, pois, e tirou o corpo de Jesus. Acompanhou-o Nicodemos (aquele
que anteriormente fora de noite ter com Jesus), levando umas cem
libras de uma mistura de mirra e aloés. Tomaram o corpo de Jesus e
envolveram-no em panos com os aromas, como os judeus costumam
sepultar. (Jo 19, 38-40)
Pai
Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela
sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu
Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.
Segundo
as Visões
de Anna Catharina Emmerich
José de Arimateia pede a Pilatos o corpo de Jesus.
Mal se
tinha restabelecido um pouco a calma em Jerusalém, depois de tantos
acontecimentos assustadores, quando Pilatos, tão consternado, foi
importunado de todos os lados com narrativas do que sucedera. Também
o Supremo Conselho lhe mandou, como já resolvera de manhã, um
requerimento, pedindo que mandasse esmagar as pernas dos
sacrificados, para que morressem mais depressa e tirá-los depois da
cruz, para que não ficassem pendurados durante o Sábado. Pilatos
enviou, pois, os carrascos para esse fim ao Calvário.
Pouco
depois vi José de Arimateia entrar no palácio de Pilatos. Já
recebera a notícia da morte de Jesus e resolvera, com Nicodemos,
sepultar o corpo do Senhor no sepulcro novo que escavara na rocha do
seu jardim, não longe do monte Calvário. Creio tê-lo visto já fora
da porta da cidade, onde observou tudo que se passou e deliberou o
que se devia fazer; pelo menos vi lá homens que, por ordem dele
limpavam o jardim do sepulcro e ainda terminavam algumas obras no
interior mesmo. Nicodemos também foi a diversos lugares, para
comprar panos e especiarias para o embalsamamento do corpo; depois
esperou a volta de José.
Esse
encontrou Pilatos muito assustado e incomodado; pediu-lhe
francamente e sem hesitação licença para tirar da cruz o corpo de
Jesus, rei dos judeus, porque queria sepultá-Lo no seu próprio
sepulcro. O fato de um homem tão distinto pedir, com tal
insistência, licença para prestar a última homenagem ao corpo de
Jesus, a quem o juiz iníquo tão ignominiosamente mandara crucificar,
abalou-lhe ainda mais a consciência; aumentou-se-lhe ainda mais a
convicção da inocência de Jesus e com ela, o remorso; mas, fingindo
calma, perguntou: “Então já está morto?”, pois havia poucos minutos
apenas que mandara os carrascos matar os crucificados, quebrando-lhe
as pernas.
Mandou
por isso chamar o centurião Abenadar, que voltara das cavernas, onde
falara com alguns dos discípulos; perguntou-lhe se o rei dos judeus
já tinha morrido. Então relatou Abenadar a morte do Senhor, às
três horas, as últimas palavras e o grito forte de Jesus, o tremor
de terra e o abalo que fendeu o rochedo. Exteriormente parecia
Pilatos admirar-se apenas que tivesse morrido tão cedo, porque os
crucificados em geral viviam mais tempo; mas interiormente estava
assustado e amedrontado, pela coincidência desses sinais com a morte
de Jesus.
Queria
talvez disfarçar um pouco a crueldade com que procedera; pois
despachou imediatamente uma ordem escrita, entregando a José de
Arimatéia o corpo do rei dos judeus, com a licença de tirá-Lo da
cruz e sepultá-Lo. Estava satisfeito de poder assim pregar uma peça
aos príncipes dos sacerdotes, que teriam visto com prazer Jesus ser
enterrado ignominiosamente com os dois ladrões. Mandou também alguém
ao Calvário, para fazer executar essa ordem. Creio que foi o mesmo
Abenadar; pois que o vi tomar parte no descendimento de Jesus da
cruz.
Saindo
do palácio de Pilatos, foi José de Arimateia encontrar-se com
Nicodemos, que o estava esperando na casa de uma boa mulher, situada
numa rua larga, próximo do beco em que Jesus, logo no começo do
doloroso caminho da cruz, fora tão vilmente ultrajado. Nicodemos
tinha comprado muitas ervas e especiarias para o embalsamamento, em
parte da mesma mulher, que vendia ervas aromáticas, em parte em
outros negócios, onde a própria mulher fora comprar as especiarias
que não tinha, como também vários panos e faixas, necessárias para o
embalsamamento.
De
todos esses objectos fez-lhe um pacote que pudesse como comodamente
transportar. José de Arimateia também foi ainda a outro lugar, para
comprar um pano grande de algodão, muito bonito e fino, com seis
côvados de comprimentos e vários côvados de largura. Os criados
foram buscar no armazém, ao lado da casa de Nicodemos, escadas,
martelos, ponteiros, odres, vasilhas, esponjas e outros objectos
necessários para aquele fim. Colocaram os objectos menores numa
padiola, semelhante àquela em que os discípulos levaram o corpo de
João Batista, que tinham raptado do castelo forte de Herodes.
A
descida de Jesus aos infernos.
Quando
Jesus, com um grito forte, rendeu a santíssima alma, vi-a, qual
figura luminosa, acompanhada de muitos Anjos, entre os quais também
Gabriel, descer pela terra a dentro, ao pé da cruz. Vi, porém, que a
divindade lhe ficou unida tanto à alma, como também ao corpo,
pregado à cruz. Não sei explicar o modo porque se passou. Vi o lugar
aonde se dirigiu a alma de Jesus; era dividido em três partes,
parecendo três mundos e eu tinha a sensação de que tinha a forma
redonda e que cada um estava separado do outro por uma esfera.
Antes
de chegar ao limbo, havia um lugar claro, e por assim dizer, mais
verdejante e alegre. Era o lugar em que vejo sempre entrarem as
almas remidas do purgatório, antes de serem levadas ao céu. O limbo,
onde se achavam os que esperavam a redenção, estava cercado de uma
esfera cinzenta, nebulosa e dividido em vários círculos. Nosso
Salvador, conduzido pelos Anjos como em triunfo, entrou por entre
dois desses círculos, dos quais o esquerdo encerrava os Patriarcas
até Abraão e o direito as almas de Abraão até João Batista. Jesus
penetrou por entre os dois; eles, porém, ainda não o conheciam, mas
estavam todos cheios de alegria e desejo; foi como se dilatassem
esses páramos da saudade angustiosa, como se ali entrassem o ar, a
luz e o orvalho da Redenção.
Tudo se
deu rapidamente, como o sopro do vento. Jesus penetrou através dos
dois círculos, até um lugar cercado de neblina, onde se achavam Adão
e Eva, nossos primeiros pais. Falou-lhes e adoraram-no com indizível
felicidade. O cortejo do senhor, ao qual se juntou o primeiro casal
humano, dirigiu-se então à esquerda, ao limbo dos Patriarcas que
tinham vivido antes de Abraão. Era uma espécie de purgatório; pois
entre eles se moviam, cá e lá, maus espíritos, que atormentavam e
inquietavam algumas dessas almas de muitas maneiras.
Os
anjos bateram e mandaram que abrissem; pois havia lá uma entrada,
uma espécie de porta, que estava fechada; os anjos anunciaram a
vinda do Senhor, parecia-me ouvi-los exclamar: “Abri as portas!”
Jesus entrou triunfantemente; os espíritos maus, retirando-se,
gritaram: “Que tens connosco? Que queres fazer de nós? Queres
crucificar-nos também? Etc.”.
– Os
anjos, porém, amarraram-nos e empurraram-nos para diante. Essas
almas sabiam pouco de Jesus, tinham só uma ideia obscura do
Salvador; Jesus anunciou-lhes a Redenção e eles lhe cantaram
louvores. Dirigiu-se então a alma do Senhor ao espaço a direita, ao
verdadeiro limbo, em frente ao qual se encontrou com a alma do bom
ladrão que, cercado de espíritos maus, foi precipitada no inferno. A
alma de Jesus dirigiu-lhes algumas palavras e entrou então no seio
de Abraão, acompanhada dos Anjos, das almas remidas e dos demónios
expulsos.
Esse
lugar parecia-me situado um pouco mais alto; era como se subisse do
subterrâneo de uma igreja à igreja superior. Os demónios amarrados
quiseram resistir, não queriam passar; mas foram levados a força
pelos Anjos. Neste lugar estavam todos os santos Israelitas, a
esquerda dos Patriarcas, Moisés, os Juízes, os Reis; a direita os
profetas e todos os antepassados e parentes de Jesus, até Joaquim,
Ana, José, Zacarias, Isabel e João.
Nesse
lugar não havia nenhum mau espírito, nem tormento algum, a não ser o
desejo ansioso da Redenção, que se realizaria enfim. Indizível
delicia e felicidade enchia as almas todas, que saudavam e adoravam
o Salvador; os demónios amarrados foram obrigados a confessar sua
ignomínia diante delas. Muitas dessas almas foram enviadas à terra,
para entrar nos respectivos corpos e dar testemunho do Senhor. Foi
nesse momento que tantos mortos saíram dos sepulcros em Jerusalém;
apareciam como cadáveres ambulantes, depositando depois novamente os
corpos, como um mensageiro da justiça deposita o manto oficial,
depois de ter cumprido as ordens do superior.
Vi
depois o cortejo triunfal do Salvador entrar numa esfera mais baixa,
uma espécie de lugar de purificação, onde se achavam piedosos pagãos
e tinham tido um pressentimento da verdade e o desejo de
conhecê-la. Havia entre eles espíritos maus, porque tinham ídolos;
vi os espíritos malignos forçados a confessar o embuste e as almas
adorarem o Senhor com alegria tocante. Os demónios desse lugar foram
também amarrados e levados no cortejo. Assim vi o Salvador passar
triunfalmente com grande velocidade, por vários lugares onde estavam
almas encerradas, libertando-as e fazendo ainda muitas outras
coisas, mas no meu estado de miséria não posso contar tudo.
Por fim
o vi aproximar-se, com ar severo, do centro do abismo, do inferno,
que me apareceu sob a forma de um imenso edifício horrível, formado
de negros rochedos, de brilho metálico, cuja entrada tinha enormes
portas, terríveis, pretas, fechadas com fechaduras e ferrolhos que
causavam medo. Ouviam-se uivos de desespero e gritos de tormento,
abriram-se as portas e apareceu um mundo hediondo e tenebroso.
Assim
como vi as moradas dos bem-aventurados sob a forma de uma cidade, a
Jerusalém celeste, com muitos palácios e jardins, cheios de frutas e
flores maravilhosas, de várias espécies, conforme as inúmeras
condições e graus de santidade, assim vi também o inferno como um
mundo separado, com muitos edifícios, moradas e campos. Mas tudo
destinado, ao contrário, a tortura e as penas dos condenados. Como
na morada dos bem-aventurados tudo é disposto segundo as causas e
condições da eterna paz, harmonia e alegria, assim no inferno se
manifesta em tudo a eterna ira, a discórdia e desespero.
Como no
céu há muitíssimos edifícios, indizivelmente belos, transparentes,
destinados a alegria e adoração, assim há no inferno inúmeros e
variados cárceres e cavernas, cheios de tortura, maldição e
desespero. No céu há maravilhosos jardins, cheios de frutos de gozo
divino; no inferno horrendos desertos e pântanos, cheios de
tormentos e angustias e de tudo que pode causar horror, medo e nojo.
Vi
tempos, altares, castelos, tronos, jardins, lagos, rios de maldição,
de ódio, de horror, de desespero, de confusão, de pena e tortura;
com há no céu rios de bênção, de amor de concórdia, de alegria e
felicidade; aqui a eterna, terrível discórdia dos condenados; lá a
união bem-aventurada dos santos.
Todas
as raízes da corrupção e do erro produzem aqui tortura e suplicio,
em inumeráveis manifestações e operações; há só um pensamento recto:
a ideia austera da justiça divina, segundo a qual cada condenado
sofre a pena, o suplicio, que é o fruto necessário de seu crime;
pois tudo que se passa e se vê de horrível nesse lugar, é a
essência, a forma e a perversidade do pecado desmascarado, da
serpente que atormenta com o veneno maldoso os que o alimentaram no
seio. Vi lá uma colunata horrorosa, em que tudo se referia ao horror
e a angústia, como no reino de Deus a paz e ao repouso. Tudo se
compreende facilmente, ao vê-lo, mas é quase impossível exprimir
tudo em palavras.
Quando
os anjos abriram as portas, viu-se um caos de contradição, de
maldições, de injúrias, de uivos e gritos de dor. Vi Jesus falar a
alma de Judas. Alguns dos anjos prostraram exércitos inteiros de
demónios. Todos foram obrigados a reconhecer e adorara Jesus, o que
foi para eles o maior suplício. Grande número deles foram amarrados
a um círculo, que cercava muitos outros, que deste modo também
ficaram presos.
No
centro havia um abismo de trevas, Lúcifer foi amarrado e lançado
nesse abismo, onde vapores negros lhe ferviam em redor. Tudo se fez
segundo os decretos divinos. Ouvi dizer que Lúcifer, se não me
engano, 50 ou 60 anos antes do ano 2.000 de Cristo, seria novamente
solto por certo tempo. Muitas outras datas e números foram
indicados, dos quais não me lembro mais. Deviam ser soltos ainda
outros demónios antes desse tempo, para provação e castigo dos
homens. Creio que também em nosso tempo era a vez de alguns deles e
de outros pouco depois do nosso tempo.
É-me
impossível contar tudo quanto me foi mostrado; são muitas coisas e
não as posso relatar em boa ordem; também me sinto tão doente e
quando falo dessas coisas, elas se me representam novamente diante
dos olhos e só o aspecto já é suficiente para nos fazer morrer.
Ainda
vi exércitos imensos de almas remidas saírem do purgatório e do
limbo, acompanhando o Senhor, para um lugar de delicias abaixo da
Jerusalém celeste. Foi lá que vi também, há algum tempo, um amigo
falecido. A alma do bom ladrão foi também conduzida para lá e viu
assim o Senhor no Paraíso, conforme a promessa. Vi que nesse lugar
foram preparados banquetes de alegria e conforto, como os tenho
visto já muitas vezes, em visões consoladoras.
Não
posso indicar com exactidão o tempo de tudo que se passou, como
também não posso contar tudo quanto vi e ouvi lá porque eu mesma não
compreendo mais tudo, já porque podia ser mal compreendida pelos
ouvintes. Vi, porém, o Senhor em lugares muito diferentes, até no
mar, parecia santificar e libertar todas as criaturas; em toda parte
fugiam os maus espíritos diante dele e lançaram-se no abismo. Vi
também a alma do Senhor em muitos lugares da terra.
Vi-O
aparecer no sepulcro de Adão e Eva, sob o Gólgota. As almas de Adão
e Eva juntaram-se-lhe novamente; falou-lhes e com elas o vi passar,
como sob a terra, em muitas direcções e visitar os túmulos de muitos
profetas, cujas lamas se lhe juntaram, próximo das respectivas
ossadas e explicou-lhes o Senhor muitas coisas. Vi-O depois, com
esse séquito escolhido, em que seguia também Davi, passar em muitos
lugares de sua vida e paixão, explicando-lhes com indizível amor
todos os fatos simbólicos que se tinham dado ali e o cumprimento
dessas figuras em sua pessoa.
Vi-o
especialmente explicar as almas tudo quanto se dera de fatos
figurativos no lugar me que foi baptizado e contemplei muito
comovido a infinita misericórdia de Jesus, que as fez participar da
graça de seu santo Baptismo.
Causou-me inexprimível comoção ver a alma do Senhor, acompanhada por
esses espíritos bem-aventurados e consolados, passar, como um raio
de luz, através da terra escura e dos rochedos, pelas águas e pelo
ar e pairar tão sereno sobre a terra.
É o
pouco de que me lembro ainda, de minha contemplação da descida do
Senhor aos infernos e da redenção das almas dos Patriarcas, depois
de sua morte; mas além dessa visão dos tempos passados, vi nesse dia
uma imagem eterna de sua misericórdia para com as pobres almas do
purgatório. Vi que, a em cada aniversário desse dia, lança por meio
da Igreja, um olhar de salvação ao purgatório; vi que já no Sábado
Santo remiu algumas almas do purgatório, que tinham pecado contra
ele na hora da crucificação.
A
primeira descida de Jesus ao limbo é o cumprimento de figuras
anteriores e, por sua vez, é a figura da redenção actual. A descida
aos infernos que vi, referia-se ao tempo passado, mas a salvação de
hoje é uma verdade permanente; pois a descida de Jesus aos infernos
é o plantio de uma árvore de graça, destinada a administrar os seus
méritos divinos as almas do purgatório e a redenção contínua e
actual dessas almas é o fruto dessa árvore da graça no jardim
espiritual do ano eclesiástico.
A
Igreja militante deve cuidar dessa árvore, colher-lhe frutos, para
os outorgar a Igreja padecente, porque essa nada pode fazer em seu
próprio proveito. Eis o que se dá em todos os merecimentos de Nosso
Senhor; é preciso cooperar, para ter neles. Devemos comer o pão
ganho com o suor do nosso rosto. Tudo quanto Jesus fez por nós no
tempo, dá frutos eternos; mas devemos cultivá-los e colhê-los no
tempo, para poder gozá-los na eternidade.
A
Igreja é como um bom pai de família; o ano eclesiástico é o jardim
mais perfeito, com todos os frutos eternos no tempo; em um ano tem
bastante de tudo para todos. Ai! Dos jardineiros preguiçosos e
infiéis, que deixam perder uma graça, que poderia curar um enfermo,
fortalecer um fraco, saciar um faminto: no dia de juízo terão de dar
conta até do menor pezinho de erva.
O
descendimento da cruz.
Enquanto a cruz ficou abandonada, cercada apenas de alguns guardas,
vi cerca de cinco homens, que, vindo de Betânia, desceram pelos
vales, aproximaram-se do lugar do suplício, olharam para a cruz e
afastaram-se furtivamente; creio que eram discípulos. Havia, porém,
dois homens, José de Arimateia e Nicodemos, que vi três vezes nos
arredores, examinando e deliberando; uma vez, durante a
crucificação, estavam perto, (talvez quando mandaram comprar as
vestes de Jesus da mão dos soldados). Mais tarde estavam lá para ver
se o povo já se tinha afastado, indo depois ao sepulcro, para fazer
alguns preparativos; do sepulcro voltaram à cruz olhando para cima e
em redor, como se estudassem as condições. Fizeram o plano para o
descendimento e voltaram à cidade.
Começaram então a juntar todas as coisas necessárias para o
embalsamamento do corpo. Fizeram os servos levar as ferramentas para
o descendimento do santo corpo da cruz e além disso, duas escadas,
que tiraram de uma granja, perto da casa grande de Nicodemos; cada
uma dessas escadas constava apenas de uma estaca, atravessada, de
distância em distância, por paus, que serviram de degraus; havia
nessas escadas ganchos, que se podiam fixar mais alto ou baixo, seja
para prendê-las em qualquer porte, seja para pendurar neles algum
objecto necessário, durante o trabalho.
A boa
mulher em cuja casa receberam as especiarias para o embalsamamento,
tinha-lhes empacotado tudo muito bem, para poderem transportá-las
comodamente. Nicodemos comprara 100 arráteis de especiarias, que,
segundo o nosso peso, equivale aproximadamente a 16kilos, como me
foi revelado várias vezes.
Transportavam parte dessas especiarias em pequenos barris de
cortiça, que lhes pendiam do pescoço sobre o peito. Um desses
barrizinhos continha um pó. Em bolsas de pergaminho ou de couro
levaram pequenos molhos de ervas. José levou também um vaso de
unguento, feito não sei de que material; era vermelho e tinha um aro
azul. Os servos, como acima já mencionamos, tinham levado numa
padiola: vasos, odres, esponjas e ferramentas. Levaram também fogo,
numa lanterna fechada.
Esses
servos saíram para o Calvário antes dos senhores e por uma outra
porta, creio que pela de Belém. No caminho pela cidade, passaram
pela casa à qual tinha ido a Santíssima Virgem, com outras mulheres
e com João, a fim de buscar algumas coisas necessárias para o
embalsamamento do corpo do Senhor e donde saíram, seguindo os servos
a pouca distância. Eram talvez cinco mulheres, algumas das quais
transportavam grandes fardos de panos sob os mantos.
Era
costume das mulheres envolver-se cuidadosamente numa longa faixa de
pano, da largura de um côvado, quando saiam de noite ou quando
queriam fazer secretamente uma obra piedosa. Começavam a enrolar-se
por um braço e o pano envolvia-as tão estreitamente, que não podiam
dar passos largos; tenho-as visto enrolarem-se assim e o pano chega
comodamente para o corpo e o outro braço e ainda para velar a
cabeça; nesse dia tinha algo de estranho: era o traje de luto.
José de
Arimateia e Nicodemos também tinham se vestido de luto: as mangas,
estolas e cinta larga eram pretas; os mantos, que traziam puxados
sobre a cabeça, eram longos e largos e de cor cinzenta. Cobriram
tudo que transportavam com esses mantos. Ambos se dirigiram à porta
do Calvário.
As ruas
estavam desertas e silenciosas; no terror geral todo o povo se
conservava em casa, com as portas fechadas. Muitos estavam
prostrados por terra, fazendo penitência; só poucos celebraram as
cerimónias prescritas para a festa.
Quando
José e Nicodemos chegaram à porta, encontraram-na fechada e as ruas
vizinhas, como os muros da cidade, ocupados por numerosos soldados;
eram aqueles que os fariseus tinham requerido, depois de duas horas
da tarde, porque tinham uma insurreição. Os soldados ainda não
tinham recebido ordem de retirar-se. José apresentou-lhes uma ordem
escrita de Pilatos para os deixar passar; os soldados mostraram-se
prontos a obedecer a essa ordem, mas disseram-lhes que já haviam
experimentado em vão abrir a porta, que provavelmente se deslocara
em consequência do terremoto; por isso foram também os carrascos
obrigados a entrar pela porta Angular, depois de quebrar as pernas
dos crucificados. Mas, quando José e Nicodemos puseram as mãos
nos ferrolhos, abriu-se a porta com toda a facilidade, com assombro
de todos.
O dia
ainda estava sombrio, escuro e nebuloso, quando chegaram ao
Calvário, onde encontraram os servos que tinham mandado adiante,
como também as santas mulheres, que estavam sentadas em frente à
cruz, chorando. Cássio e vários soldados que se tinham convertido,
estavam como transformados e mantinham-se a alguma distância,
tímidos e respeitosos.
José e
Nicodemos falaram com a Santíssima Virgem e João a respeito de tudo
que tinham feito, para salvar Jesus da morte ignominiosa e souberam
que só com dificuldade se havia impedido que as pernas de Nosso
Senhor fossem quebradas e que assim se tinha cumprido a profecia.
Falaram também do golpe da lança, com a qual Cássio abrira o peito
de Jesus. Depois de ter chegado também o centurião Abenadar,
começaram, com muita tristeza e respeito, a obra piedosa do
descendimento e embalsamamento do santo corpo do Senhor, Mestre e
Redentor.
A
santíssima Virgem e Madalena estavam sentadas ao pé da cruz, à
direita, entre a cruz de Dimas e a de Jesus; as outras mulheres
estavam ocupadas em arrumar as especiarias e os panos, a água, as
esponjas e os vasos. Cássio também se aproximou, quando viu Abenadar
chegar e contou-lhe a miraculosa cura de seus olhos. Todos estavam
comovidos, cheios de tristeza e amor, mas graves e silenciosos. Às
vezes, quando a pressa e atenção à obra santa o permitiam, se ouvia
cá e lá, um gemido abafado ou soluço. Sobretudo Madalena, muito
exaltada, abandonava-se inteiramente à dor e não se lembrava dos
presentes, nem se moderava por qualquer consideração.
Nicodemos e José encostaram as escadas por detrás da cruz, levando,
ao subir, um pano largo, no qual estavam presas três largas
correias, prenderam o corpo de Jesus, sob os braços e joelhos, ao
lenho e seguraram os braços de Nosso Senhor, atando-os pelos pulsos
aos madeiros transversais. Depois tiraram os cravos, batendo-os por
detrás com ponteiros colocados sobre as pontas. As mãos do Senhor
não foram muito abaladas pelos golpes do martelo e os cravos caíram
facilmente das chagas, que estavam muito alargadas pelo peso do
corpo e esse, seguro por meio dos panos, não pendia mais dos cravos.
A parte
inferior do corpo que, com a morte, tombara sobre os joelhos,
repousava então, em posição natural, sobre um pano, que estava
seguro no alto, aos braços da cruz. Enquanto José tirava o cravo e
deixava cair cuidadosamente o braço esquerdo sobre o corpo, atou
Nicodemos o braço direito do mesmo modo ao da cruz, segurando também
a cabeça coroada de espinhos em posição natural, pois caíra sobre o
ombro direito; tirou o cravo da mão direita e fez descer o braço,
com as respectivas ataduras, ao longo do corpo. Ao mesmo tempo o
centurião Abenadar tirou, com grande esforço, o longo cravo dos pés.
Cássio
apanhou respeitosamente os cravos e depositou-os aos pés da
Santíssima Virgem. José e Nicodemos colocaram então as escadas no
lado da frente, próximo do santo corpo, desataram a correia superior
do tronco da cruz e sucessivamente as correias, pendurando-as nos
ganchos da escada. Descendo então devagar das escadas e passando as
correias de gancho em gancho, cada vez mais para baixo, vinha também
o santo corpo descendo gradualmente para os braços do centurião
Abenadar, que de pé sobre um escabelo, segurou o corpo sobre os
joelhos e desceu depois com ele enquanto Nicodemos e José, segurando
a parte superior pelos braços, desciam degrau por degrau das
escadas, devagar e com todo cuidado, como se transportassem um amigo
querido, gravemente ferido. Assim desceu o santo e desfigurado corpo
do Salvador da cruz a terra.
O
descendimento do corpo da cruz foi um espectáculo indizivelmente
tocante. Faziam todos os movimentos com tanto cuidado e carinho,
como se receassem causar sofrimento ao Senhor; manifestavam ao santo
corpo o mesmo amor e respeito que tinham sentido para com o Santo
dos santos, durante a vida. Todos que estavam presentes, não
desviavam os olhos do corpo do Senhor e acompanhavam todos os
movimentos e manifestavam solicitude, estendendo os braços,
derramando lágrimas ou por outros gestos de dor.
Mas
todos guardavam silêncio; os homens que trabalhavam, penetrados de
um respeito involuntário, como quem toma parte num ato religioso, só
falavam a meia voz, para chamar a atenção ou pedir qualquer objecto.
Quando ressoaram as marteladas que fizeram sair os pregos, Maria
Santíssima, Madalena e todos que tinham assistido à crucificação,
sentiram de novo as dores dilacerantes daquela hora; pois esses
golpes lhes lembravam as dores cruéis de Jesus causadas pelas
marteladas e todos estremeceram, pensando ouvir-Lhe novamente os
gemidos penetrantes e contudo se afligiam de que a santa boca Lhe
houvesse emudecido, no silêncio da morte.
Depois
de descer o santo corpo, os homens o envolveram dos joelhos até os
quadris e depositaram-no sobre um pano, nos braços da Mãe
Santíssima, que olhos estendeu, cheia de dor e saudade. |