Março
1 de Março de
1947 - Primeiro sábado
Hoje, a minha preparação para receber a Jesus foi feita, na mais
profunda dor, dor em que fiquei mergulhada, ontem, pouco depois
de ter com Ele o meu colóquio. Depressa me apareceu a cruz com
todos os seus espinhos e sofrimentos. Preparei-me na ânsia de
bem O receber, para melhor O conhecer, para mais O amar.
Todos os meus esforços eu sentia serem baldados. Tudo o que
nasce em mim morre, sem que eu chegue a gozar deles a ver os
seus encantos. A morte está sempre em mim, a ceifar o que há de
bom; só a minha miséria me deixa, e, momento a momento, cada vez
maior aparece. Triste cegueira que só me mostra maldades! Veio o
meu Jesus; logo que entrou em mim, dissipou as trevas; todo o
meu interior ficou iluminado com o Seu amor, com a Sua paz.
Fiquei outra, agora bem podia dizer não sou que vivo, mas sim
Jesus. Falou-me:
― Minha filha, aqui estou, aqui Me tens no teu coração, para te
confortar, e dar vida. Escuta-Me, quero dizer-te, quero
afirmar-te que te amo e que Me amas; que estás na verdade e que
tudo fazes e sofres como Eu quero. Esta afirmação não é dos
homens, é do teu Esposo, do teu Jesus. Onde está a cruz, a cruz
resignada, a cruz abraçada, a cruz amada, está a verdade, está a
vitória. Onde está a dor, está o amor. Eu amo-te, tu amas-Me,
confia em Mim. Tens a vida que te deu Jesus, tens a missão que
te deu Jesus; tens os teus lábios, em teus olhares, em todo o
teu viver a verdade. Coragem! Se tens a Jesus, o que te falta,
que mais precisas? Diz-Me agora, Minha filha, o que querias
dizer-Me; desabafa comigo com toda a simplicidade, como Eu
contigo.
― Meu Jesus, bem sabeis que me arrependi por dizer-Vos que
queria desabafar Convosco; eu não tenho querer nem vontade, mas
já que me mandais, eu obedeço, meu Jesus. Tão bem me falais do
Céu e que ele está perto, e nunca cá chega? Nunca mais saio
deste desterro? Que vem a ser isto?
Jesus fitava-me e sorria-se para mim, cheio de bondade.
― Julgas, Minha filha, que és por Mim enganada? Bem sabes que te
não engano. O que são as trevas deste mundo em comparação da
eternidade? Digo-te que o Céu se aproxima, digo-te para te
animar e dar conforto e digo-te, porque é verdade. Não se
compara o tempo que viveste, os sofrimentos que sofreste com o
que te resta para viveres e para sofreres. O Céu espera-te,
sorri-te, está para breve. Conforta-te com as palavras do teu
Esposo e Jesus. O mesmo conforto quero dar ao teu Paizinho para
que ele resista às suas agonias, às suas angústias e dores.
Quero confortá-lo, para que não dê lugar ao demónio tentador.
Diz-lhe que a sua vida fui Eu que lha escolhi; diz-lhe que o
criei para as almas e que ele as encaminha e conduz como o Meu
Divino Coração deseja. Diz-lhe que lhe quero e amo como as
pupilas dos Meus olhos. Diz-lhe que fiz da vida, a vida de um
outro Cristo. Diz-lhe que Me vejo a Mim nele e que é por isso
que em tudo o assemelhei a Mim. Eu amo-o, Eu amo-o. Diz ao teu
médico que lhe abro o Meu Divino Coração e o faço depositário de
todo o Meu amor, de todas as Minhas graças para ele cooperar com
elas e como bom agricultor semeie para Eu colher. A glória é
Minha: Dou-lhe a luz do Espírito Santo para ele e para todos os
que como ele cuidadosa e sinceramente trabalham naquilo que Me
pertence e é Meu. Vem, Minha bendita Mãe, toma-a em teus braços,
aceita-a, é nossa filhinha, conforta-a.
Jesus colocou-me nos braços da Mãezinha, que estava à minha
direita. Ela abraçou-me e com o Seu Santíssimo rosto, unido ao
meu, cobriu-me de carícias.
― Coragem, Minha filha, esposa querida do Meu Jesus. A tua vida
é de imolação, mas também é de salvação. As almas salvam-se com
o teu martírio; anima-te. Tu vences porque tens contigo a graça
e a força do Senhor. Eu não te falto com o Meu auxílio e a Minha
protecção. Leva as minhas graças, leva o Meu amor e carinho a
todos os que te são queridos que também o são Meus e do Meu
Jesus; estão presos os nossos Corações com os laços do mesmo
amor.
Acrescentou Jesus:
― Vai, Minha filha, vai para a tua cruz; toda a tua vida é cruz,
toda a Minha vida na terra o foi também. A nova redentora em
tudo se assemelha ao Seu Redentor. Vai, leva paz e leva amor;
vai, leva alegria para abraçares todos os sofrimentos. O Céu
está alegre, rejubiloso. Coragem! Quanto mais Me possuíres,
menos Me sentirás. Quanto mais Me amares, mais em ti
desaparecerão os efeitos do Meu divino amor. Quanta mais luz de
Mim receberes, mais escuridão, mais trevas te vão mergulhar.
Quanto mais quiseres esclarecer, menos saberás exprimir-te.
Quanto mais rica e unida a Mim estiveres, mais pobre e longe de
Mim te encontrarás; tudo será noite, tudo será noite. Coragem,
coragem!
― Ó
Jesus, ó Mãezinha, muito obrigada pelo Vosso conforto, pelo
Vosso carinho, pelo Vosso amor. Quero ir para a cruz e tenho
medo; ela só tem espinhos. Ai que medo, ai que medo! Sede a
minha força. Fazei que eu tudo aceite e tudo sofra, só por amor.
7 de Março de
1947 - Sexta-feira
As
agonias, tonturas e dores não cessam de consumir a minha alma e
o meu corpo. O meu crucifixo, Jesus, Jesus, a Mãezinha, são a
minha força. Não me conheço; não sei porque vivo nem para quem
vivo. O meu fim, o meu único fim é Jesus, só Jesus. Será assim?
Será para Ele que eu vivo? Que vida amarga, tão cheia de
incertezas! O meu coração arde, e quantas vezes parece ser nas
brasas mais vivas. O meu coração anseia por amar, por se dar,
por se esconder em Jesus, desaparecer por completo ao mundo,
para só Jesus viver; para só Jesus aparecer. Não vejo estas
ânsias realizarem-se, não sinto viver esta vida; só a miséria em
mim aparece, causa-me horror. Continuo a ver os sofrimentos que
me causam a morte; é mesmo a morte que eu vejo em todos os seus
tormentos e dores. Tanta crueldade! Tantos assassinos, cada qual
com os seus horríveis sofrimentos para mim! E eu vou, ou melhor,
sinto que Alguém, dentro de mim, vai ao encontro de todos esses
assassinos, que povoam o mundo inteiro; com que ternura, com que
amor lhes pede para não ser ferido; com que bondade lhes estende
os braços para a todos abraçar, para a todos colocar em seu
regaço como mansos cordeiros; com que bondade lhes abre o
Coração e os convida a entrarem n’Ele para ali viverem, para ali
morrerem. Finge não saber que eles O querem matar. Ah! Se eu
possuísse esta bondade, este amor! Ah! Se eu usasse assim para
com os que me ferem! Ó meu Deus, Ó meu Deus, se eu soubesse
exprimir esta bondade: Bendito sejais; digo o que Vós quereis;
eu nada sei dizer; falai Vós, meu Jesus. Por vezes, parece que
vejo em mim, acima e em baixo de mim, o inferno aberto; quer-me
engolir. As serpentes, feras e negro fogo tentam engolir-me,
tentam devorar-me. É um pavor, parece que todo o mundo é
inferno. Eu não fujo dele, e, se não me acodem, tenho de cair
nele. E, por vezes, com a visão deste martírio, vêm-me cheiros
horrorosos; cheiros que eu desconheço, podridões insuportáveis.
Meu Jesus, sou a vossa vítima; abraçada ao meu crucifixo,
repito-Lhe a oferta; sou a vossa vítima, quero salvar as almas.
Não Vos largo mais, meu Jesus; abraçada a Vós, não corro o
perigo de cair no inferno. Fazei que comigo a Vós se abracem
todas as almas. Mãezinha, querida Mãezinha, não sou digna, sei
que o não sou, de Vos chamar pelo dulcíssimo nome de Mãe;
valei-me, acudi-me, acudi ao mundo, acudi a todos os filhos
Vossos e fazei com que eu prove, com a minha vida perfeita e o
meu amor a Jesus, ser Vossa filha. Escondei-me, ajudai-me a
desaparecer, a perder-me em Jesus, a ser louca por Jesus. Temos
as trevas, tremo com a cegueira, tudo me escurece o meu
espírito, toda me mergulho nelas. Estou vazia, vazia de tudo,
sem ter que me encha e sem ter ninguém por mim. As humilhações
parecem ferir-me o corpo e desfazer-me a alma. Tudo quero, tudo
aceito, todos os sofrimentos me lembram Jesus, todos os
sofrimentos me provam neles a existência de Jesus. O amor de
Jesus, o amor de Jesus. Quem não há-de sofrer, quem não há-de
amá-Lo! Ó minha cruz, ó minha cruz, eu não te troco nem pela
terra nem pelo Céu; em ti vejo Jesus a quem só quero, a quem só
amo. Não posso abafar, por mais tempo, os sofrimentos, as ânsias
que há semanas me atormentam novamente. Eu não sei o que quero
do Santo Padre. Temo-o como temo toda a gente, mas quero
lançar-me a seus pés, quero ouvir-lhe um som, quero receber dele
alguma coisa. Sofro, oro, amo-o como Pai extremoso, e como filha
quero ser por ele aceite e dele alguma coisa receber.
Ontem, pouco depois do meio-dia, vi um mundo de sofrimentos,
senti um mundo de pavor, um mundo que me dava a morte. E uma voz
dentro em mim, murmurava: vou morrer. Horas depois, senti e vi
como se o sol se metesse por debaixo de uma grande montanha,
montanha que era um rochedo fechado. Esse sol movia-a e
removia-a e fez com que ela se destruísse ficando em cinzas, em
nada. Os habitantes, que a rodeavam, desapareceram já de noite,
caí no Horto, naquele solo duro; ali sofri as maiores dores e
amarguras naquela noite escura. Num rápido momento, dentro em
meu peito de dor, abria-se um coração que não era o meu;
abriu-se e deu todo o sangue no qual ficou o meu corpo
mergulhado, nadava nele e nele se purificava. Hoje, logo de
manhã, coroada de espinhos, com a cruz aos ombros, sem forças e
com todo o corpo chagado, arrastado, obrigada a caminhar
apressada, seguia o caminho do Calvário. O Céu não me poupou com
o peso da sua justiça. Senti como se a abóbada do firmamento,
coberto de nuvens, caísse sobre mim a esmagar-me contra o chão
duro. Jesus dentro em mim, tudo suportava e recebia com doçura e
amor. O peso esmagador, os Seus Divinos olhos para o mundo
cerrados, ou quase cerrados iam abertos para Seu Eterno Pai. Eu
sentia que Ele não deixava de os fitar Nele e Dele se separava.
A chuva de chicotadas e pontapés, murmurava sempre o Seu Divino
Coração: Eu amo-Vos, eu amo-Vos e vou morrer por Vós. Ao
terminar a montanha, sentia-me desfalecer e morrer, ao mesmo
tempo que sentia a tranquilidade, a paz e amor de Jesus que era
a tranquilidade e paz ainda só de um Deus.
No
alto da cruz fiquei a sentir a Sua Sacrossanta Cabeça em meu
peito inclinada. Estava tão ferida, e os seus espinhos
feriram-me também o coração e a alma! A dor de tais feridas
tirava-me a vida a todo o corpo. E assim agonizava, unida a
Jesus. Nesta união entreguei com Ele o espírito ao Eterno Pai.
Momentos antes de Jesus expirar, eu sentia como se dos Seus
lábios divinos voassem para o Eterno Pai ósculos do mais puro
amor. Como Jesus amou as nossas almas no meio de tão grande
sofrimento, de tão pesada cruz. Só eu não sei imitá-Lo. Momentos
depois de sentir ter expirado, Ele chamou-me:
― Minha filha, Minha filha, escuta o teu Jesus. Vem, esposa
amada, vem, esposa querida; convido-te a entrares em Meu Divino
Coração; vem abrasar-te, vem alimentar-te, vem consumir-te neste
fogo divino. Entra, demora aqui, quero-te mergulhada em amor.
Serás a louca das loucas do amor divino. Demora-te aqui, toma
este alimento divino que dá vida à tua alma. Viverás na dor e no
amor, e na dor e no amor morrerás. Terás o amor na proporção da
dor. Assim como não és igualada na dor, também o não serás no
amor. Subirás, subirás, elevar-te-ás às alturas. Serás queimada,
serás consumida nas chamas do Meu amor divino, serás à
semelhança da borboleta queimada nestas chamas; nelas darás a
vida. Eu farei que o Meu amor transpareça em ti; ele será
conhecido e visto em todo o teu ser como num espelho cristalino.
O Meu divino amor em ti será atraente; farei que atraiam as tuas
palavras; os teus olhares, os teus sorrisos, todo o teu ser. És
de dor, és de amor, és de salvação para as almas. Dou-te amor,
peço-te dor, sei que não ma negas; sofre com alegria. Coragem
sempre; as almas necessitam do teu sofrer.
Ao
convite de Jesus para o Seu Divino Coração, eu entrei, e, dentro
dele fechada, fiquei como que a nadar num mar de fogo. Jesus
continuou a dizer-me:
― Sacia, sacia, Minha filha, a tua fome; é o Meu amor que dá a
vida, alimenta a tua alma e suaviza também a dor do teu corpo.
Os
Anjos desceram do Céu, e, em turnos, assistem a verem dar-te
este alimento divino. Escuta-os. Calou-se Jesus, e principiei a
ouvir uns toques harmoniosos e arrebatadores, com misturas de
vozes tão doces, que na terra não conheço. Cantavam:
Vida divina, vida de amor,
Manjar celeste do Rei de amor.
Fogo divino, vinde do Céu,
Manjar celeste do bom Jesus;
Fogo divino, vida das almas,
Força invencível da sua cruz.
Glória, glória! Glória ao Senhor
que é nosso Rei e Criador!
Cessou a música, cessou o canto, e eu ainda dentro do Coração
divino de Jesus. Vi os Anjos, aos bandos como de andorinhas, a
subirem, a baterem as suas asinhas brancas. Jesus abriu o Seu
divino Coração, fez que eu saísse Dele e, sem se separar de mim,
disse-me:
― Vou dar-te uma gota do Meu divino Sangue para alimento do teu
corpo; não deixarei de to dar, enquanto que não deixar de te
pedir a dor, o que não deixarei de te pedir a dor, o que não
deixarei de te pedir, enquanto viveres na terra.
Jesus abriu num rápido momento, o meu peito; dentro do coração,
deitou uma só gota do Seu Sangue divino. O coração principiou a
dilatar-se, e Jesus, muito apressado, cerrou a abertura, passou
por cima as Suas divinas mãos e bafejou-o com os Seus lábios.
― Vai, Minha filha, leva a minha vida, leva o Meu amor. Confia,
confia que Me amas; estás cheia de Mim. A tua morte ‘e vida, a
tua cegueira é luz, o teu vazio é o sinal, é a prova mais clara
de que de Mim estás cheia, toda cheia, que só de Mim vives, que
só a Mim pertences, que só a Mim amas. Vai, Minha filha; vai
dizer que Jesus é muito ofendido, que a malícia humana não pode
aumentar mais. Vai dizer que Jesus, pelos lábios da Sua vítima
mais amada, pede a oração, pede reparação, pede penitência; e
sobretudo pede pureza, pede amor. Vai, filha querida, para a tua
amargura, para a tua cruz; vai com alegria, vai confiada, que
contigo está sempre o teu Jesus. Coragem, coragem!
Já
lá vão umas horas; o coração queima-me, estende os seus ardores
a todo o peito, mas já o sinto cercado de espinhos e todo meu
espírito mergulhado em cegueira. Bendita seja para sempre a
minha cruz.
14 de Março de
1947 - Sexta-feira
Não
me tenho conhecido, e, e de dia para dia mais se apaga a luz do
meu espírito e menos me conheço. Não me compreendo, ó meu Jesus;
o que será de mim! Eu já morri; tudo em mim desapareceu com a
morte, só a minha miséria ficou, só as maldades que me causam
vergonha e nojo aparecem. Não sei porquê e não sei quem fez que
outra morte corra para mim; sinto-a e vejo-a vir para mim,
depois de ter morrido e desaparecido. Sinto como se o meu pobre
corpo todo se desfizesse pela dor; parece que a lepra do pecado
a mói; todo ele é pó e sangue. O meu crucifixo, o meu crucifixo
é o companheiro dos meus braços, não posso separar-me dele. É
Jesus, é a Mãezinha a força do meu sofrer. Eu não me contento em
frequentes vezes renovar-lhes a oferta de vítima, dizer-lhes que
Os amo; que lhes pertenço, que sou Deles. Quero mais, muito
mais,, sempre mais e é esse mais que eu não tenho. Como hei-de
pertencer-Lhes, se não existo; como hei-de amá-Los se não tenho
amor; como hei-de dar-Lhes mais se não tenho esse mais! Caio no
desalento, morro de fome e sede. Quero Jesus e não O encontro,
quero ter que Lhe dar e nada posso. Meu Deus, meus Deus, que dor
de morte! O meu coração está sempre aberto; sinto-o, dia e
noite, sangrar; sinto os punhais e espadas que me cortam; que
cortar finíssimo, que dor tão aguda! Quanto mais me ofereço a
Jesus mais vezes Lhe digo: Meu Amor, sou a Vossa vítima.
Pobre de mim, mergulhei ao fundo do mar; toda a água desse mar
imenso é dor; estou perdida; estou no fundo; mas oiço a
tempestade furiosa, destruidora, que passa pelas ondas na
superfície das águas. Quem poderá valer-me? Quem poderá
salvar-me? Quem poderá salvar-me? Só o Céu, só o Céu. Sinto todo
o mundo em desordem, a perde-se. Sinto a grande necessidade de
me purificar, de ser pura, pura, santificar-me, para poder
acudir ao mundo, para o salvar. E não aumento na graça, nem na
virtude; não dou um passo para a minha santificação; não sei
viver a vida do Céu, não sei seguir o meu Jesus, não vejo para
caminhar pelos Seus caminhos. Mesmo assim, a minha alma tem paz;
e digo a Jesus: ou amar ou sofrer, ou então morrer. Eu gozo na
dor, mas é gozo sem conforto; mas quero sofrer para consolar
Jesus, quero sofrer para Lhe dar almas, quero sofrer abraçada à
cruz, à cruz das humilhações, das calúnias, à cruz de toda a dor
e martírio. Sinto-me esmagadíssima, mas é por Jesus, só por
Jesus que me deixo esmagar. Não sou compreendida? Deixá-lo. Ele
compreende e vê o meu coração. Sinto-me apavorada com o
aproximar-se da Primavera, de flores de martírio, de flores de
espinhos para a minha alma; mas quero abraçá-las; em tudo o que
é dor eu vejo Jesus.
O
demónio, o maldito demónio não perde ocasião nem tempo; quer
levar-me ao desespero e a ansiar pelas consolações, gozos e
alegrias. Tenta pôr-me ódio ao sofrimento, encher-me de dúvidas,
e mostra-me a minha vida perdida. O que seria de mim, se, por um
só momento, Jesus me abandonasse, e perdesse a confiança Nele.
Que luta sem fim; que luta tão só; que luta tão cheia de medos
de tudo e de todos. Ó Jesus, avós me entrego, para ser sempre
Vossa vítima. Quando me vêm novas contrariedades, novos
espinhos, mais dou a Jesus os meus abraços, beijos e carícias. É
um dar sem dar, é um viver sem viver. Seja pelo Seu amor.
Na
tarde de ontem, o meu coração sentiu, a minha alma viu uma lança
que o feria, que o trespassava, e todas as mãos humanas opunham
violência a essa lança para ela mais violentamente o ferir e o
coração mais sangrar. Assim segui o caminho do Horto, ainda mais
com a dor da separação de Jesus e da Mãezinha. Se soubesse dizer
o que sofreram aqueles dois Corações com aquela separação, ao
saberem, um e outro o que iam sofrer! Eles separam-se, mas a dor
e o amor ficaram em união um com o outro. Naquele Horto triste,
foi o meu corpo que serviu de cálice cheio de amargura para
apresentar a Jesus, e foi ele ainda que lhe serviu de cruz para
o Seu corpo divino, e, dentro em mim, Ele encheu o cálice do Seu
preciosíssimo Sangue, sangue que corria do Seu coração aberto.
Depois disto, senti no meu rosto o rosto de Jesus, a suar
sangue, e sentia-O inclinar-se sobre mim, desfalecido na Sua
tormentosa agonia.
Hoje subi o Calvário, desfalecida, abrasada em sede. O meu corpo
maltratado morria, mas a sede do coração, a sede de morrer, a
sede de abrir o Céu, para fazer aparecer e brilhar o sol nas
almas, sabia, aumentava, vivia mais, quanto mais se aproximava o
Calvário e o momento de dar a vida; sede insuportável, sede
indizível, sede que não era minha. E foi no Calvário esta sede
até ao último momento a vida de todo o meu sofrer. Com o rasgar
das chagas sentia os nervos encolherem-se, o corpo gelar, os
olhos cerrarem-se e a cabeça inclinar-se; estava moribunda, ou
para dizer melhor, estava moribundo Jesus. E foi ainda a mesma
sede que revestiu de vida o Seu brado e o fez subir ao Pai. Nos
últimos momentos de vida, dos olhos moribundos de Jesus brotaram
ainda algumas lágrimas, por sentir e ver os últimos impulsos e
crueldades feitas pelos homens, pela maldade humana, ao Seu
Santíssimo Corpo agonizante. A sede do Seu divino Coração avivou
mais, voou ao alto, ia a entrar no Céu ao encontro do Pai,
enquanto o corpo morria. Que sede ardente, mas tão doce era a de
Jesus!...Eu com Ele tive sede, com Ele subi, com Ele expirei.
Ele expirou, para pouco depois viver e fazer-me viver a mim e
falar-me:
― Minha filha, vem, vem, entra; está aberto, de par em par, o
Meu Divino Coração; entra, não temas o fogo que o cerca; é amor
que vivifica, é amor no qual eu quero purificar o teu, é amor
que te dá a vida. Entra; vem alimentar a tua alma, enfraquecida
pelo sofrimento; vem, descansa em Mim, suaviza a dor do teu
corpo.
Jesus estava com o Seu divino Coração aberto, à volta Dele tudo
eram chamas, parecia um jardim de doiradas flores. Entrei, Jesus
inclinou-me a Ele e disse:
― Descansa, descansa, alimenta-te deste amor divino, é o Meu
amor, a vida de que vives, a vida que quero que dês às almas. O
médico divino vela sempre pela Sua vítima. Quantas vezes vires
descerem pata ti os raios que têm descido, confia, é o amor, são
raios de amor que saem da chaga do Meu divino Coração e vêm
penetrar no teu. É o alimento que te dou, quando te vejo no
desfalecimento, mergulhada no mar da tua dor. Confia, confia,
não é ilusão tua, não te enganas. Eu virei a ti com esta
medicina, com este fogo divino, frequentes vezes. Assim como o
teu martírio tem toda a variedade de dores, também Eu procuro,
na Minha Ciência divina, toda a variedade de conforto para te
aliviar. Ó meu Jesus, eu não falei nos raios que a mim vi descer
com receio de me enganar, de ser uma ilusão minha. Que medo eu
tenho! Prometi, esposa querida não te deixar enganar; não falto
à minha promessa divina, confia. Ó meu Jesus, é tal o medo que
tenho de me enganar, que mal posso resistir ao aproximar-se a
sexta-feira e a hora a que me falais; e a dor, que nasce daqui,
continua mesmo quando estou convosco; porque é meu Jesus? Não te
disse Eu, esposa querida, que seriam dolorosos os teus
colóquios? Assim ferida, nadando no Meu divino amor, não sentes
consolação; fica essa para Mim, toda para Mim. E não queres tu
consolar-Me? Não queres tu reparar o Meu oração ultrajado? Vê em
que estado me põem os pecadores.
Saí
fora do Coração de Jesus, e vi-o despido da sua beleza, todo
ferido, todo em sangue, a tremer e chorar. Que ternura senti por
Jesus; disse-Lhe logo:
― Aceitai o meu pobre coração, para nele descansardes; aceitai
todos os meus sofrimentos, nenhum valor têm, mas revesti-os de
Vós, quero com o que é Vosso revestir-Vos da Vossa beleza,
enxugar-Vos as lágrimas, sarar-Vos as Vossas feridas. Sou sempre
a Vossa Vítima Jesus.
Enquanto que dizia isto, sentia como se abraçasse, beijasse,
acariciasse Jesus e Lhe enxugasse as lágrimas.
― Não choreis, Jesus; eu amo-Vos; eu quero sofrer e quero
reparar.
No
mesmo momento, vi-O revestido da Sua beleza; já era o mesmo
Jesus.
― Dás-me então, Minha filha, o que tanto te custa dar-Me e a Mim
custa pedir-te? Dás-Me nos dias que vão seguir-se alguns ataques
violentíssimos do demónio? Os pecadores vão às minhas prisões de
amor receberem-Me, e dentro deles sou apunhalado, assassinado.
Passo pelas suas línguas de fogo infernal, e, dentro das suas
imundas prisões, sou morto. Dá-Me reparação, dá-Me dor, toda a
dor, se não Me queres ver sofrer e se não queres que as almas
caiam no inferno. Dou-Vos tudo, tudo, meu Jesus. E Vós
prometeis-me toda a Vossa graça e força? Eu não te falto. Vai
então; fala do Meu divino amor, da minha misericórdia e perdão.
Mas antes de Me esconder, quero dar-te uma gota do Meu Sangue
divino; sem ele não poderás viver, nem resistir a tão doloroso
martírio.
Tomou Jesus o Seu divino coração; pelo centro saía tão grande
labareda, que toda me rodeava, me embebia nela. Por entre o fogo
caiu no meu coração a gotinha do sangue do de Jesus. Com o
sangue e o fogo o coração crescia, crescia, parecia rebentar-me.
Jesus veio logo, pôs termo a tudo, com o Seu cuidado, com as
Suas santíssimas mãos. O fogo continuou a abrasar-me; mas o
coração deixou de dilatar-se.
― Sem um milagre divino não aguentavas com tal força de amor,
nem com o sangue que te corre pelas veias que é o Sangue de
Cristo. Vai agora falar das Minhas maravilhas, dos tesouros que
em ti estão enterrados; vai dar às almas este amor, a vida que
recebes de Mim; vai dar tudo com as tuas muitas virtudes, com as
mais altas virtudes. Eu sou Rei, e no trono da Minha rainha
deposito tudo o que é Meu. Vai, lírio casto, pomba branca,
espalhar pelo mundo o teu perfume, a tua alvura. Vai pedir-lhe,
vai lembrar-lhe que Jesus pede oração e penitência, o amor, a
pureza da vida. Vai, Minha filha, tem coragem, nada temas,
confia em Mim. Vai confiada que é Minha a vitória, é Meu o
triunfo. Coragem, coragem!
― Obrigada, obrigada, meu Jesus.
21 de Março de
1947 - Sexta-feira
Temo-me, temo-me; tenho medo de mim mesma; tenho medo de viver
no mundo. Eu vejo-o tão cruel para mim. Todos me ferem, todos
tentam tirar-me a vida, é uma revolta universal; todos contra
um, isto é, todos contra mim, é o que sinto. Os seus
maus-tratos, a sua crueldade fere-me tanto; reduz o meu corpo a
uma massa de sangue. Sinto em mim; não sei dizer, não sei se me
exprimo bem, duas naturezas uma viva outra morta. A morta é esta
massa de sangue, e foi a crueldade do mundo que a causou. A que
vive é imortal, resiste a tudo, é uma vida superior; por mais
que o mundo empregue as suas crueldades e maldades, nunca lhe
tirará a vida, nunca a fará desaparecer. Mas, ó meu Deus, que
luta dentro de mim. Esta vida opõe-se contra tantas maldades,
que não aceita esta morte tão cruel do corpo, e prepara-se para
a chamar e pedir rigorosas contas. Eu olho para esta morte, para
este corpo desfeito em lepra, para esta massa em sangue e
revolto-me contra mim mesma, não posso ver-me. Fui eu e só eu a
causadora de tanto mal. Jesus, Jesus; sou a Vossa vítima; seja
por Vosso amor toda a variedade destes sofrimentos. Vede tudo
que em mim se passa, e dai-me a Vossa força.
Vi
por duas vezes passar Jesus, à minha frente, como se fosse por
um caminho com um grande madeiro aos ombros; ia curvado com o
seu peso e tão desfigurado, que mal parecia Jesus. Ele inclinou
para mim o Seu Santíssimo rosto mas nada me disse, e eu nada
soube dizer-Lhe; não soube provar-Lhe o meu amor nem consolá-Lo.
Disse-Lhe: sou a Vossa vítima, mas foi bem pouco para quem tanto
sofria. No sentir da minha alma, nada Lhe disse, nada fiz por
Ele; sofri e sofro por nada consolar Jesus, a quem só quero
amor. Quando sinto os punhais e espadas cortarem-me o coração,
queria saber falar a Jesus, dizer-Lhe muitas coisas lindas e não
sei; abraço o crucifixo contra o meu peito, renovo a oferta de
vítima, digo-Lhe que O amo, que quero sofrer eu, para não sofrer
Ele, e fico na dor de não O saber consolar, quando Ele tanto
está a sofrer. Poucas vezes, vi descerem sobre mim os raios de
amor do Seu divino Coração; quando eles desceram e penetraram em
mim, fiquei mais forte e com mais coragem, por algum tempo.
Tive três combates com o demónio, todos a seguir, na mesma
noite. Talvez uma hora antes de se travar o primeiro combate, a
minha alma viu todo o inferno contra ela, estava aberto para lá
receber o meu corpo; eu estava à boca dele, e a cada momento
parecia lá cair. Senti grande revolta, juntamente com grande
pavor. Apesar disse, não evitei o pecado; queria satisfazer as
minhas paixões. Travou-se a luta, três vezes seguidas, quase sem
parar. Eu não me esforcei por defender-me, ou sentir não me
esforçar. O demónio falava pouco, toda a maldade era minha.
Poucas vezes invoquei os nomes de Jesus e da Mãezinha e lhes
disse que era a Sua vítima; não me lembrava; o pecado era a
minha loucura. Ao terminar fiquei novamente nas garras do
demónio, na boca do inferno; não tinha arrependimento, sentia
grande revolta, queria matar-me a mim mesma, e não saia da boca
infernal, nem do perigo de lá cair. Sentia e ouvia estalos, como
lenha verde, e por mim pareciam passarem as labaredas e o fumo
negro. Depois disto, queria beijar Jesus crucificado e essa
querida Mãezinha e não tinha coragem; a vergonha não me permitia
beijá-Los nem abraçá-Los; só com grande esforço o pude
conseguir. Depois, fiquei com a alma e o corpo num doloroso
martírio.
O
dia de S. José passei-o mais aliviada dos sofrimentos da alma;
não senti gozo nem alegria, mas sim suavidade. Ao cair da tarde
veio de novo a noite escura, as amarguras e agonias da alma.
Sofri por não ter sofrido e abraçado Jesus dizia-Lhe: não soube
amar-Vos nem ter para Vós carinhos; parece que hoje não vivi;
meu Jesus, sinto-me como se hoje não estivesse no mundo; não
posso viver sem a dor da alma e do corpo; se ma tirais, não sei
viver, não posso estar aqui. Ó Jesus, ó Jesus, junto a Vós
abraço a minha cruz com todo o meu sofrer, não me tireis a dor,
dai-me conforto; só a dor é a vida e a alegria dos meus dias.
Sou Vossa, ó Jesus, sou a Vossa vítima.
Na
tarde de ontem, sentia torcer-se e espremer-se a minha alma. Num
rápido momento, senti que o meu coração se sentia em dois
pedaços; um ficou a ser o Coração de Jesus e outro o da
Mãezinha. O de Jesus segui para o Horto dentro de mim; o da
Mãezinha ficou desfeito em dor e em lágrimas, só o amor foi a
acompanhar Jesus. Como eu sofri, ao ver na dor que ficou o da
Mãezinha! Caminhando sempre, sempre fiquei unida àquela dor, e,
na mesma união de dor, ficou Jesus. No Horto, senti ao meu
pescoço grossas cordas que mo apertaram e cortaram; até quase
nele ficarem escondidas; por elas foi o meu rosto levado ao chão
e nele ferida e pisado. De lá vi, ao longe, uma árvore, na qual
estava dependurado Judas; dela o vi cair ao solo, rebentar, e,
no mesmo solo, se espalhar o que o corpo dele continha. Foi a
venda, a entrada de Jesus, o beijo traiçoeiro que o levou àquele
acto, àquele desespero. Tudo senti na minha alma, como senti o
amor de Jesus, a enfrentar toda aquela maldade. Que indizível
ternura, amor e compaixão! Com tal visão foi tão espremido o
Coração divino Jesus, foi tal a Sua amargura, que encheu o
cálice; transbordava fora; o Seu sangue divino corria pelo
Horto.
Hoje passei todo o caminho do Calvário, sem nele aparecer um
raiozinho de luz. Caminhei revestida de toda a maldade humana.
De um e outro lado, surgiam rancores, almas sem dó nem piedade
de mim; fitavam com ódio e desespero. Era tal a sede de amor por
todo o sofrimento, que de amor se formava como que um canal que
toda a dor recebia e toda a maldade fazia desaparecer. No alto
da cruz, este canal de amor continuou e tudo absorveu para si;
parecia ter braços que abraçavam.
As
chagas rasgavam-se, os nervos encolhiam-se, e eu morria de
cansaço e de dor. O meu brado de agonia mal se ouvia no
Calvário; a fortes impulsos do coração eu subia ao Céu. No
calvário tudo passava despercebido; o brado moribundo já não
passava pelos ouvidos nem penetrava nos corações. Com a
violência da dor e o impulso do coração, ele foi subindo, mas o
Céu tão fechado e com nuvens tão negras pareceu não o receber,
rejeitá-lo também. Eu agonizei e de mim voou a vida que o foi
abrir. Pouco tempo depois, caiu sobre mim uma chuva d fogo, a
qual me abrasou tanto que não podia resistir. Mas logo acudiu
Jesus, deu-me a Sua força divina e disse-me:
― Minha filha, Minha filha, a ti veio o Meu amor, a ti desci com
todo o Meu fogo divino, em ti vivo com todo o amor, porque com
todo o amor por ti sou amado. Amas-Me, quando choras, quando
sorris; amas-Me na dor e na alegria, amas-Me no silêncio ou
falando, amas-Me em tudo; dia e noite, sobem ao Céu, em cada
momento, os teus sofrimentos, o teu amor. Estou no teu coração
como num braseiro do maior fogo, das mais vivas chamas. Amas-Me;
amas-Me; confia em Mim. Dou-te as ânsias de amor, faço-te sentir
que não Me amas, para que por ti as almas anseiem amar-Me e
conheçam que não Me amam. Diz, Minha filha, diz que é um
queixume de Jesus, que é muito pequenino o número das almas que
Me amam com verdadeiro amor, com amor puro. E tantas que não é
por Me ofenderem gravemente, mas estão como insectos sem pernas
e sem asas, que, só rolando, mal saem do seu lugar; e assim
vivem e assim morrem.
― Ó
meu Jesus, a esse número pertenço eu também; tende dó de mim,
vede a sede que tenho de Vos amar, vede que quero voar para Vós
e só para Vós quero viver. Mas sei Jesus que estas ânsias, estes
desejos não me pertenciam, nascem de Vós, em mim só miséria
aparece.
― Assim é, Minha filha; mas tu cooperaste com a Minha graça,
deixaste-Me trabalhar; acendi em ti o fogo, e foi como por
rastilho rapidamente, e aqui estás neste Calvário, como bomba
sempre a explodir. Aqui te coloquei para a dor e para o amor.
Espalha, espalha, infunde nas almas o Meu amor e dá-Me com
alegria a tua dor que é dor de salvação. Estiveste Minha filha,
sobre o inferno; foi para te mostrar no perigo que estão os
pecadores, o maior número das almas que existem na humanidade;
não se arrependem, não deixam o pecado. Eu continuarei a pedir
sempre o teu sofrimento; serei como um mendigo, que não cessa de
pedir. Quero que digas, Minha filha, que Meu Eterno Pai espera
bem pouco tempo pela reconciliação do mundo, pela vida pura de
oração e penitência dos homens. Ai dele, pobre mundo, se
depressa não vem a Mim e deixa seus crimes. Em breve, muito em
breve será castigado. Acode-lhe, acode-lhe, esposa querida; vê
que são Meus filhos.
Jesus dizia isto e chorava.
― Meu Jesus, são Vossos filhos e filhos do Vosso sangue divino,
mas se o meu sofrimento os pode salvar, aqui me tendes, Jesus;
dai-me o que quiserdes e não quero que me peçais. Sou a Vossa
vítima, quero a Vossa força e graça. E não choreis.
Jesus deixou de chorar e disse-me:
― Quero que sofras, vítima inocente, mas quero pedir-te o
sofrimento; com isso dou lição ao mundo; um Deus pedir a uma
criatura Sua para lhe salvar os Seus filhos.
― Meu Jesus; e os meus sofrimentos nada valem, se o mundo for
castigado?
― Valem, valem, filha amada; as almas são salvas mas salvas pela
tua dor e não pelos seus merecimentos; são salvas à força, não
Me dão a glória que deviam dar; mas são salvas, vão amar-Me
eternamente, embora em lugar mais baixo, pela falta dos seus
merecimentos. Dá-Me dor, dá-Me dor, Minha filha. Para ma dares
com mais força e coragem dou-te Eu a ti a vida de que tu vives,
a vida da tua dor, uma gota do Meu Sangue divino.
Dito isto, logo em Suas divinas mãos vi o Seu Coração abrasado
em labaredas de fogo; por entre elas caiu no meu a gotinha do
Seu preciosíssimo Sangue. O meu coração logo se dilatou e ficou
ofegante. A força, com que palpitava, fez correr em todas as
minhas veias aquele Sangue. Foi o que eu senti, e Jesus o
confirmou.
― Minha filha o teu coração está aberto pelos punhais, como o
meu foi pela lança sangra sempre e foi por esta chaga que o meu
Sangue divino entrou. Ó maravilha no mundo nunca vista; só em ti
foi operado tal prodígio! Todo o Céu com os seus Anjos se
regozija, se alegra ao ver tal maravilha. São os impulsos de
amor que levam a correr por todas as tuas veias o Meu Sangue
divino. Vai, esposa querida, vai, e dá esta vida às almas; que é
a vida do Céu. Vai para a tua dor, vai para a tua cruz, é este
Sangue a tua força, o teu amor no teu martírio. Coragem,
coragem! Confia e vai em paz.
― Obrigada, meu Jesus. Não quero que um só momento cesse o meu
agradecimento.
28 de Março de
1947 - Sexta-feira
A
morte vem, aproxima-se para breve, mas é uma morte que, me deixa
viva, só o corpo morre; são os pecados, é o mundo inteiro a
matar-me, mas não pode matar tudo. A vida que sinto não morrer é
a vida superior, é a vida de triunfo, é a vida que faz viver e
governa todas as vidas. Sinto que ela está em todo o mundo como
sopro de ar espalhado. Sinto que a esta vida pertence todo o Céu
e toda a terra. Sinto imensa necessidade de falar desta vida, de
a fazer conhecida e não sei; limito-me apenas a dizer; é a vida
de graça, é a vida de amor. Mas oh! Que amor louco, que amor sem
igual! Eu queria amar esta loucura de amor, com amor e loucura
semelhante. Mas, ó meu Deus, como estou longe! Sinto que se
trabalha dentro em mim; toda a mobília da minha casa, isto é, do
meu corpo saiu fora. Toda a imundice, todo o pó é limpo, mas não
por uma só vez; tem sempre de se voltar atrás e limpar
novamente. O meu vazio é tão grande; só o Céu o pode encher, só
Jesus com todo o Seu amor o poderá satisfazer. O mundo não me
enche, nem milhões deles, se os houvesse. Sinto-me como a querer
fugir da terra, a aborrecê-la, a odiá-la; não me pertence, quero
desaparecer dela. Ando como se fosse um sopro a vaguear nos
ares. Quero ir para Jesus, encher este vazio. Mas Ele está tão
longe. Ai, a minha Pátria! Quanto mais a anseio, mais a vejo
fugir. Daqui nascem os meus desânimos e desalentos; mas
estreitando contra o meu peito o Crucifixo, logo me levanto.
Hei-de vencer com Jesus. A cegueira é tanta, não me deixa ver,
fico como desatremada nos seus caminhos. Mas a minha confiança,
tantas vezes contra toda a esperança obriga-me a crer: sou de
Jesus e da Mãezinha. Depois de tanta luta, tanto sofrer, virá o
Céu. Sei que o não mereço, mas espero não ser por Jesus, nem
pela Mãezinha abandonada.
Haverá alguém que só Neles confie e fique Deles ao abandono? Oh!
não! Oh! não; pensar assim, seria ferir Jesus. Quero ter o meu
espírito sempre preso, açaimado para não perder a minha união
com Deus. Se assim não for serei como animal mais feroz e sem
freios; e no meio do mar doloroso martírio de alma e corpo não
perder por um só momento que seja a união com o meu Deus. Quero
separar-me tanto tempo Dele, como Ele se separa de nós com os
Seus olhares divinos, e como a dor se separa do corpo. Não posso
viver sem Deus; não posso viver sem a dor. Queria ver toda a
humanidade a viver a vida íntima com Nosso Senhor; estou certa
que o pecado desapareceria da terra.
O
demónio não cessa a sua guerra contra mim; o meu espírito é com
dúvidas consumido. Quando assim é, Jesus vem por uns momentos
suavizar a minha alma com o Seu amor e a Sua paz; fico mais
forte para a luta. Passou o quinto aniversário que Jesus deixou
de manifestar em mim a Sua Santa Paixão e deixei de me
alimentar. Só quero o que Jesus quer. Mas ó que pena e que
saudades. Senti durante três dias como se todo o meu ser tivesse
bocas para comer; tudo ansiava. O alimento que eu desejava, que
era tudo, sentia que todo o mundo o comia; para mim só me
bastava a dor e a saudade. Meu Jesus, sou a Vossa vítima. Os
olhos do corpo não choravam, mas os da alma suspiram o lugar;
foram lágrimas dolorosas, mas sempre conformes com a vontade do
Senhor.
Passei deste martírio ao Horto, para ali me unir a mais
padecimentos. Foi o meu rosto escarrado, os olhos vendados, mas
tinha outros olhos que viam passarem pela minha frente por
escárnio, ajoelhando, fazendo grandes continências. Sobre os
meus ombros, tinha uma velha capa, sobre a cabeça uma velha
coroa, e eu, no maior abatimento, no meio de tantos algozes. Eu
digo eu, mas não era eu, era Jesus revestido em mim. Se fosse eu
não sofria, porque tudo mereço. Sou muito humilhada, sinto-me
desesperada, e reconheço que sou digna de tudo. Mas ver e sentir
Jesus sofrer assim, não tenho coração para aguentar! Tenho por
vezes que esforçar meus olhos e os meus sentimentos a
retirarem-se de tão grande suplício. Quanto sofreu Jesus, que
dor sem igual; e tudo por nosso amor. No solo do Horto
levantaram-se como que quatro negras paredes de tal altura, que
não lhes via o fim; fiquei entre elas, apertada como numa prensa
com a visão de todos os sofrimentos. E então de todo o meu corpo
saía suor de sangue; fiquei banhada e como nunca só ferida.
Hoje, logo de manhã tive o sentimento de todo o caminho do
Calvário. Continuei a sentir todo o corpo despedaçado e em
sangue. As minhas lágrimas eram de sangue e pelos lábios e
ouvidos saía sangue também. Já perto do Calvário, a um grande
desfalecimento de Jesus vi cair sobre Ele uma grande chuva de
açoites e forte rancor, parecia infernal. Esta descarga
tormentosa deu-se dentro de mim. Senti bem este rancor, mas
senti muito mais ainda a doçura e amor com que Jesus tudo
recebia. No alto da cruz, continuava o ódio e o rancor dos
mesmos. Jesus pode ver com os Seus Santíssimos olhos quase
moribundo a lança que bem depressa viria abrir-Lhe o peito e
ferir Seu divino coração; à sua frente estava o que ia cravar e
do Seu Coração divino saíam para Ele como que ósculos de amor.
Esgotavam-se as forças, fugia-Lhe a vida, mas não se esgotava
nem Dele fugiu o Seu divino amor.
Nem
com o expirar de Jesus se esgotou; estendeu-se pelo Calvário, e
do Calvário, e do Calvário, e do Calvário ao mundo como sopro de
ar, como perfume delicioso. Eu expirei com Ele e a Ele ficou
preso, por algum tempo, o meu coração. Não foi pronto a
falar-me, demorou-se. Quando veio disse-me:
― Minha filha, Minha filha, jóia preciosíssima, jóia do mais
alto valor para o Meu divino Coração. O ouro de que é feita esta
jóia são todas as tuas virtudes; a pureza, a graça, a
obediência, a humildade, a caridade e todas as outras mais. As
pedras preciosas que a guarnecem, é o amor e a dor. Como estas
pedras brilham no meio de ouro fino de tantas virtudes! Que
riqueza, que tesouros encerram esta jóia; tem encantos
atraentes, tem luz que guia, tem, laços que prendem! Tem amor
que Me ama, tem amor que ama as almas; é o preço delas, é delas
a salvação, é delas a salvação. Eis a razão, Minha filha, Minha
pomba querida, eia a razão por que este tesouro é perseguido., é
assaltado; é durante a vida, e sê-lo-á depois da tua morte. Nas
perseguições dos cristãos, são mais perseguidos aqueles, que são
cristãos a valer, notados de maior virtude e maior graça. Quando
há grandes assaltos de ladrões, não vão eles assaltar as pobres
choupanas, onde nada podem encontrar; vão aos palácios ricos e
poderosos. As riquezas, que em ti depositei, são inigualáveis. O
palácio do teu coração possui toda a riqueza, que o Meu encerra.
A missão, que te confiei, é a mais alta e sublime. A guerra a
ela será pior que do inferno. Tem coragem! É Minha a causa, é
Minha a glória, é Meu o triunfo. Quanta mais perseguição, mais
luz. A tua vida será para o mundo um raiar de sol puro, de sol
brilhante. A tua vida será, através do tempo, para as almas uma
estrela, que as guia e conduz a Mim. Dá-Me a tua dor, dá-Me o
teu amor; que é o resgate das almas.
― Meu Jesus, sim eu quero o Vosso amor para com ele Vos amar e
fazer com que as almas Vos amem. Dou-Vos a minha dor, sim, de
boa vontade; comprai com ela os pecadores, prendei-os para
sempre a Vós. As Vossas palavras, meu dulcíssimo Jesus,
humilham-me; eu sem ter querer, queria desaparecer, queria
desaparecer. O que dizeis de grande é bem, isso me conforta. O
que eu quero, Jesus, é estar na verdade, em nada me enganar.
Aceitai, aceitai também, Jesus, a dor da minha humilhação.
― Confia, Minha filha, não permito, não consinto que te enganes;
é a verdade pura, mais pura que a neve, mais clara que o sol. Eu
aceito a dor da tua humilhação, e sabes para quê? Para acudires
a certas almas, prestes a caírem no inferno. Vais sofrer muito,
vais ter dias de grande penúria.
Vi
que Jesus ia a dizer-me quem eram essas almas; acudi logo:
― Jesus, Jesus, não digais quem são, basta sabê-lo Vós. Dou-Vos
os meus sofrimentos, para por eles os aplicardes como Vos
aprouver. É mais sossego para a minha alma; posso-lhes acudir da
mesma forma, não é verdade, Jesus?
― Sim, sim, Minha grande heroína; maior é a prova do teu amor e
mais valiosa a tua dor; dares sem desejares saberá a quem. Olha,
vem a Minha Mãe Bendita, a Minha Mãe das Dores, mostrar-te
quanto Comigo sofre e pedir-te para lhe salvares essas almas,
suas filhas também.
Logo ficou a meu lado a Mãezinha das Dores, lacrimosa, com um
manto azul e branco e cheio de setas o Seu Santíssimo Coração.
― Minha filha, Minha filha ― me disse Ela: ― vê quanto eu sofro
também; dá a tua dor a Jesus, para Lhe salvares as almas, filhas
Dele e filhas minhas.
― Ó
Mãezinha, ó Mãezinha, eu não posso consentir que Jesus me peça e
Vós me peçais a dor; basta dardes-me os sofrimentos e com eles a
Vossa força e amor. Sei que o sofrimento é um grande bem para
mim e para as almas; quero sofrer, pois, com toda a generosidade
e amor, mas não quero ver ferido o Coração divino do meu Jesus
nem ver no Vosso essas setas; passai-as para mim Mãezinha.
Ficaram no mesmo momento no meu coração as setas e a Mãezinha
delas libertada: secaram-Lhe as lágrimas, e ficou o Seu
Santíssimo rosto, cheio de alegria. Aproximou-se Jesus mais de
nós, e disse:
― Vai assistir à Minha Bendita Mãe à passagem do sangue do Meu
divino coração para o teu.
Tomou em Suas divinas mãos o Coração todo em chamas, colocou-o
sobre o meu; a gotinha de sangue caiu, e logo fiquei com o
coração e todo o peito a arder em fogo vivo.
― Jesus, Jesus, morro queimada.
Acudiu a Mãezinha e passou-me sobre o peito as Suas Santíssimas
mãos, bafejou-me por algum tempo com os Seus lábios, e disse-me:
― Coragem, filhinha; é o Sangue de Jesus, é o Sangue que correu
em Minhas veias, que foi para o teu coração; é a tua vida, é de
que tu vives.
Jesus acrescentou:
― Agora és consumida pelo fogo do amor e depois dele apagado
ficas a ser consumida pela dor. Foi para isso que te fez ver as
setas que feriam a Minha Bendita Mãe. Acode aos pecadores. Ó
maravilha, ó maravilha! Leva esta vida que de MIM recebeste,
leva o Meu divino Sangue; provo bem claramente que é a tua vida;
vai dá-la às almas. Ó prodígio, grande prodígio! Vai corajosa,
vai confiada, cheia de amor. Vai dizer ao mundo que, se não
foram os teus sofrimentos, já a justiça do Meu Pai o tinha
submergido em vulcões de fogo. Que castigos estão sobre ele! Que
ameaças o esperam! Ai dele, se não se converte! Vai para a tua
cruz, vai com alegria, acode às almas.
― Obrigada, Meu Jesus, obrigada, Mãezinha. Uni o Vosso coração
ao de Jesus e ao meu; nesta união vou contente para a minha dor.
Sou vítima, sempre vítima, sou a escrava do Senhor. Jesus,
Mãezinha, quero força, quero força, seja comigo o Céu. |