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SENTIMENTOS DA ALMA

1952

ABRIL

4 de Abril – Sexta-feira

Continuo no meu Calvário, na minha vida sem mérito. Nada há em mim que tenha o mínimo merecimento. Eu quero, sim, eu quero sofrer, mas não tenho coragem para levar a cruz. Todas as coisas me deixem tímida e apavorada. A vontade está acima de tudo. Quero amar, louca e apaixonadamente, a Jesus e não O ofender; quero abraçar-me à cruz, para não mais a deixar, por Seu amor e para bem das almas. Tudo me parece perdido, mas não me importo, abandonei-me a Jesus e à Mãezinha. Vou para onde me levarem os Seus Divinos Corações. Estou segura; vivo confiada de que sou bem conduzida e de que não Vos hei-de ofender, apesar de me parecer que não faço outra coisa senão pecar. Digo que confio e sinto que nem tão pouco sei que seja a confiança. Parece-me que nunca amei Jesus, nem compreendo o que seja o Amor. A minha ignorância não me permite exprimir os sentimentos tão dolorosos e profundos da minha alma. Penoso martírio, pavoroso Calvário ! Gasto todos os momentos da minha vida, pensando no mal, nas variadíssimas formas de como hei-de pecar, calcando sempre a meus pés os direitos e a Lei santa do Senhor. E sempre a vomitá-Lo para fora do meu coração! Perdi a Jesus e sinto tê-Lo perdido para sempre. Numa hora de mais tremenda reparação, em que me pareceu ofender a Jesus mais horrivelmente, eu ia mesmo, mesmo a cair no inferno. Cheguei a gritar. Fui salva não sei por quem. Uns braços se lançaram aos meus e arrancaram-me daquele tremendo abismo de demónios, feras e fogo. Parte do meu corpo já estava nele. Quando me parecia pecar tão sacrilegamente, via que todo o meu ser era inferno, e que não podia dar nem um único passo à frente, porque logo ficava sepultada em horrorosos tormentos e fogo. Foi quando escorreguei e fui salva só pelos braços e não sei por quem. Fiquei fora, mas tanto à beirinha que ao mais pequenino movimento voltava a cair. Sem pensar nisso, sem nenhum temor, continuei na mesma vida leviana e criminosa. Se por um lado sentia uma dor infinita, por outro revoltava-me contra essa dor e tentava aumentá-la ainda mais, com os meus loucos desvarios. Jesus fora do meu coração, perseguido por mim, que Lhe renovava toda a Paixão e Morte, chorava, e fitando-me com os Seus olhares terníssimos, mas o mais doloroso que se possa imaginar, bradou-me :

 “Ainda não estás satisfeita ? Não acabas de Me ofender ? Pensa quanto te amei, quanto sofri por ti e para a missão que te escolhi”.

E, sempre perseguido por mim, foi fugindo, fugindo. A Sua divina Voz perdeu-se, como que num bosque, soluçando, suspirando profundamente. Depois, meu Deus, como ficou a minha alma ! Quanto sofri, por me parecer ter pecado e maltratado assim o meu Senhor ! E quanto sofri por sentir que não tinha compaixão d’Ele e só ansiava a continuação da minha vida de prazeres e de crimes. E agora neste momento, sofro horrivelmente por sentir que nada disse, e a alma sente a necessidade de ter um apoio, de se expandir, de desabafar. Dentro, em meu peito, continuo a ter a seara loira, a vinha florida, com mais, muito mais, encantadores arbustos, cheios de cima abaixo, das flores mais belas e delicadas. Mas tudo isto, derrubado pelos ventos e por aquela pavorosa tempestade, beija a terra, envolve-se e esconde-se na lama, à semelhança das ondas do mar, que beijam as areias e nelas se escondem. Estou nas minhas torres carcomidas; estão tão desfeitas e disfarçadas que não se sabe que elas existem. A luz que elas tinham amorteceu tanto que não pode ser vista. A morte, aquela morte cruel vem a chegar junto de mim. Tenho que entregar-me a ela.

Ontem, quinta-feira, é impossível dizer o que senti e quanto sofri. Um fogo devorador queimou todo o meu interior, atingindo-me os lábios, que estavam secos e mirrados, tal era o fogo que os devorava e me abrasava. Este fogo era de amor, era de entrega total, era de vida. Sentia pavor por ser quinta-feira e aproximar-se assim a sexta. A minha pobre natureza queria que desaparecessem estes dias.

À noite fiquei no Horto. Foi pomba outra vez o meu coração; espetou no solo o bico, demorou-se a remover a terra. Em seguida vieram muitas mãos cruéis, abriram-lhe o peito, arrancaram-lhe o coração, apertaram e esmagaram-no tanto, transformando-o num chafariz de sangue. Toda a terra foi regada e a pombinha, de asas abertas, que eram os braços da cruz, de cabeça levantada para o céu, pelo seu biquinho, ao Pai oferecia tudo.

Durante a noite fiz companhia a Jesus no Sacrário e na prisão. Hoje de manhã, ouvi a sentença de morte. Segui para o Calvário, o coração fez-se outra vez pomba. Foi ela quem levou a cruz, foi ela que levou as setas do coração da Mãezinha, que A acompanhava. Viagem dolorosa, sempre as setas a ferirem-me, eu não podia consentir que a Mãezinha sofresse tanto ! O coração d’Ela, os sues lábios, a sua dor, todo o seu ser era o meu. No alto do Calvário, foi essa pombinha na cruz crucificada. Com o peito aberto e o coração a sangrar, era-lhe por toda a humanidade avivada a chaga, dolorosa profunda, do coração. Sabia bem que sempre assim seria, até ao fim dos séculos. Aquela dor, unida sempre à dor da Mãezinha, que, lacrimosa, e atravessada por cruéis setas, se mantinha junto à cruz, levou a pombinha a bradar tanto que fez estremecer todo o solo. Fez-se noite, e a pombinha, como que se batesse as asas, deu-se toda ao eterno Pai expirou. A morte reinou em mim.

Veio Jesus com a sua vida encheu-me dela e falou-me assim :

 “Nova vida, novo triunfo de Jesus na tua alma. Eu triunfo e reino no teu coração, como outrora triunfei e reinei no Calvário. Triunfei e reinei sobre a morte. Triunfo e reino nos teus sofrimentos, na tua cruz. Coragem, coragem, minha filha. Jesus escolheu a tua vida, os anjos escreveram-na. Toda a tua missão está escrita no livro divino. Eu quero, Eu quero trabalhar sempre na tua alma. Eu quero operar nela um conjunto de todas as maravilhas divinas. A nobreza da tua missão condiz com os prodígios maravilhosos que Jesus em ti operou. Eu quero reinar e triunfar em ti. Sabes para quê, esposa minha, vítima predilecta do Meu Divino Coração ? Para que, por ti, reinem e triunfem milhões e milhões de almas. Triunfem do pecado, reinem sobre Satanás. As almas, as almas, se te conhecessem, tal qual és, tal qual Eu te enriqueci ! Devoravam-te de amor, como se fossem feras”.

 Ó Jesus, ó Jesus, não sabem elas quem Vós sois ? Não conhecem elas tudo quanto sofrestes por elas ? Ai, pobrezinhas, nem por isso Vos devoram com amor puro e louco. Eu não queria, não, meu Jesus, que elas me amassem e se enlouquecessem por mim, mas queria, sim, oh! Se queria, meu Jesus, que Vos amassem com a maior pureza e loucura de amor ; que cessassem de Vos ofender. E, por isso, é com esse fim que eu sofro, que aceito a cruz que me dais. Mas não quero, Jesus, não quero deixar de Vos confessar que tenho estes desejos, mas sou a maior de todas as pecadoras. Só tenho a vontade de Vos não ofender, Jesus, e nada mais. Perdoai-me, Jesus, perdoai-me.

 “Minha filha, minha louquinha de amor, a tua humildade alegra o Céu, os anjos e os santos estão jubilosos. A humildade é própria das almas grandes aos olhos do Meu Eterno Pai. Tu és a Sua vítima mais querida e amada. Tens as tuas faltas ; também elas são necessárias e proveitosas à tua alma. Com elas humilhas-te diante do Senhor. Com elas escondes toda a grandeza de Deus. Não duvides, não duvides, não duvides das Minhas Divinas palavras. Não duvides que foste criada para desempenhar a missão mais alta e sublime. Não duvides, tem sempre presente que foi Jesus a escolher-te para tudo isto. O teu coração, vítima eucarística, é um abismo de amor, no qual Eu habito, no qual Eu me delicio e com o qual se incendeiam os corações e as almas. Dá-Me, dá-Me a reparação. Não te importes, minha filha, da forma como ela te é pedida. Eu vejo, na minha sabedoria infinita, que só desta forma o Meu Eterno Pai pode ser reparado. Só, só com esta reparação, evitas de caírem no inferno tantas almas, tantas, tantas, minha filha, loucas pelos prazeres, esquecidas dos seus deveres para comigo. Tu não caíste no inferno, não, mas evitaste, naqueles momentos, que lá caíssem certas almas que, pelo seu pecado, haviam de ser condenadas eternamente”.

 Senhor, Senhor, fazei em mim e de mim quanto Vos aprouver. Livrai-me de Vos ofender.

 “Vem, minha filha, recebe a gota do Meu Divino Sangue. É a gota infinita dum Deus infinitamente amável e misericordioso. É sangue que te dá a vida, para tu dares vidas. Tu és canal de vida eterna, canal de salvação. É por ti que Eu me dou, é por ti que as almas recebem toda a graça e vida divina. Ai das que as rejeitam, ai das que as desperdiçam ! O mundo, o pobre mundo, o Portugal, o ingrato Portugal ! Diz-lhe, diz-lhe que Jesus o chama e o quer. Diz-lhe que calque aos pés todas as maldades e vícios. Que faça oração, que faça penitência. Fica, fica na tua cruz, para salvares as almas. Conta com a graça divina, a graça do teu Senhor”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

5 de Abril – Primeiro Sábado

Nesta noite, o meu coração estava bem magoado e ferido. Não era preciso recordações do sofrimento do dia anterior. O coração tudo vivia e sentia. Jesus e a Mãezinha estavam nele bem gravados. Sentia necessidade de bradar e bradar muito, pedir socorro ao Céu. Nesta angústia, preparei-me para a vinda de Jesus ao meu coração. Ele veio e suavizou-me a dor. Abrasou-me no Seu amor e, pouco depois de entrar em mim, falou-me :

 “A tua cruz, minha filha, é astro luminoso, é estrela polar. A tua cruz é sinal de vitória e de salvação. Eu faço, minha filha, do teu coração o palácio mais nobre, de maior realeza que Eu tenho na terra. Habito nele, nele me delicio, no aroma perfumado de tão variadas flores. Estou aqui, estou aqui, digo-o com júbilo, digo-o com a maior consolação e alegria. Estou aqui e estou bem, não sou chagado, não sou crucificado como em tantos corações que se dizem meus amigos e deles tudo esperava”.

 Ó Jesus, ó meu doce Amor, dizíeis que estáveis em mim, e eu confio. É só nestes momentos que mo parece, e não sempre; quantas vezes, quantas vezes, mesmo nos Vossos colóquios, não me parecíeis ser Vós. Estais tão longe, tão longe de mim!

 “Não estou longe, não, estou sempre em ti, mas tu és vítima e vítima em primeiro lugar. Longe de mim e fora de mim, e Eu fora deles, estão os pecadores, e é por eles que Eu estou a imolar-te, a sacrificar-te assim. Salva-os, salva-os, porque eles são Meus filhos. Consola-Me, dá-mos todos, porque eles são Meus filhos, por todos morri. Olha, minha filha, diz ao teu Paizinho que o Meu Divino Coração está sempre aberto, a derramar sobre ele as maiores efusões de amor e todos, todos os tesouros que nele estão encerrados. Diz-lhe que são provas de amor, que é sinal certo de ele ser todo Meu, todo, e de por Mim ser criado e escolhido para as almas de maior eleição e missão mais sublime. Diz-lhe que dê todas estas riquezas a essas mesmas almas, a quantas forem ao seu encontro. Diz-lhe que confie em Mim, sempre em Mim, que não falto às minhas promessas divinas. Diz ao teu médico que sou para ele sempre amor, e mais amor quando o provo, quando o visito com o sofrimento e desgostos. Diz-lhe que Eu cuido dele e do seu formoso jardim, assim como ele cuida da Minha causa, da Minha grande causa, da Minha maior causa. Eu cuido e defendo do mal todas as suas florinhas, assim como ele cuida da Minha vítima e defende a grande obra que nela opero. Cuidar de ti é cuidar de Mim. Defender a causa é defender os direitos do Senhor. Dá-lhe todo o amor para ele e para quantos lhe pertencem. Vem, minha bendita Mãe, Mãe das Dores, vem à Nossa filhinha sempre dolorosa, sempre sofredora, por amor aos Nossos corações e às almas”.

 Ó Mãezinha, ó Mãezinha, vestis de tanta tristeza ! O Vosso semblante é de tanta dor ! Deixai-me, permiti-me que Vos abrace e Vos estreite ao meu pobre coração, assim como Vós me abraçais e estreitais ao Vosso. Ó Mãezinha, ó Mãezinha, como foi cheio de amor este abraço ! Deixaste-me a arder o coração, confortaste-me, Mãezinha. Bendita, bendita sejais.

 “Sabes, minha filha querida e filha amada de Jesus, para que é este amor e este conforto ? Para sofreres mais, sempre mais; não mais do que o que sofres, mas sempre, continuamente. Eu venho triste e Jesus está triste com tantos, tantos crimes que comete a humanidade. Os meus santíssimos braços e os de Jesus não podem sustentar, por mais tempo, os braços da justiça do Eterno Pai. Fica com todas as minhas setas e espinhos. Fica com as lanças, punhais e espinhos, que ferem o Coração Divino de Jesus”.

 Sim, Mãezinha, sim, Jesus, fico com tudo; dai-me graça, dai-me força, para tudo vencer.

 “Recebe, filha amada, as carícias de Jesus e de Maria, louquinhos de amor por ti. Recebe toda a abundância de amor, dá tudo aos que amas e te rodeiam. Também nós os amamos. Dá tudo aos que sofrem e estão aflitos, distribui pelo mundo inteiro, pede-lhe oração, pede-lhe penitência. Avisa-o de que é Jesus e a Mãe do Céu a pedir-lha. Fica na tua cruz e vai em paz”.

 Obrigada, Jesus. Obrigada, Mãezinha.

11 de Abril – Sexta-feira

Amo a obediência, a santa obediência; é a razão que me leva a dizer umas palavrinhas do indizível que me vai na alma. Estou num mundo de sofrimentos. Não posso falar, parece que todo o meu ser está em grelhas, sobre brasas vivas. Se eu soubesse falar da dor, o quanto esta consola a Jesus, e quanta necessidade tenho de mais e mais sofrer ! Eu não posso sofrer mais e sinto necessidade de mundos e mundos de sofrimento! Tenho momentos em que me parece só faltar comparecer na presença de Jesus e dar-Lhe contas, e a minha pobre natureza apavorada ! De tanto sofrer, repugna-lhe já a dor, e fica quase com que a odiá-la. Ao mesmo tempo, amo-a tanto e não sei quem dentro em mim quer mundos, mundos de dor, mundos de martírio. Não posso resistir à dor de Jesus. Não posso, não, consentir em que Ele sofra assim ! Ai, meu Deus, que agonia a da minha alma ! Depois de todas estas necessidades e exigências, ainda sou eu a crucificar a Jesus!... a pecar com a maior gravidade, com todas as palavras, com todo o conhecimento do que é a ofensa a Nosso Senhor ! Não O temo, não me compadeço d’Ele. Não retribuo amor com amor. Amá-Lo, não O amo, o que eu quero é satisfazer os meus desejos e paixões infernais. Numa hora de luta pavorosa, de crimes inexplicáveis, passou por mim uma onda de fogo, fogo só de vícios. Vícios e paixões desordenadas! Louca, louca pelo prazer, atirei-me a ele e, de braços abertos, precipitei-me no inferno. Já quase assim, mergulhada nas suas chamas, uns abraços de misericórdia e amor arrancaram-me, levaram-me daquele fogo eterno, que já estava a atingir-me, e tiraram-me para fora. Vi claramente a desgraça em que estava, mas quis continuar à boca do abismo. E Jesus, do outro lado dele, perseguido por mim, chorava, gemia, bradava e fitava-me ainda com compaixão, bondade e amor infinito ! Oh ! Que pena de ver assim Jesus ! Que dor, que dor infinita! Sinto a inutilidade da minha vida, que é só morte, mas nestes dias mais, muito mais ainda. Foi tal o martírio da minha alma que me levou a dizer comigo mesma : onde estou eu ? Não sou da terra nem do Céu. Onde está pois a minha vida ? Na noite de quarta para quinta-feira, já a minha alma chorava sobre a cidade de Jerusalém. Não eram minhas as lágrimas, eram lágrimas infinitas. Eu vi o que a cidade era e o que ia ser para mim. E chorava pelo que a esperava e por ela não se aproveitar da hora da graça que lhe era dada. Ontem, continuou a chorar. Eu encobria a dor, mas ela chorava e fitava a humanidade inteira. Penetrava tudo e em todos os corações que nela haviam de existir.

Veio a noite, e esta já muito adiantada. De dentro do peito saiu meu coração. Bateu asas, voou, voou e foi parar sobre o solo do Horto. Não pousou nele. Salientou-se no ar, batendo asas e deixando cair, de longe a longe, copiosas gotas de sangue. Eram como gotas de orvalho, que refrescavam e alimentavam a terra. Parecia ter levado a vida inteira a proceder assim. Quantos segredos traziam aquelas gotas fecundantes ! De repente desceu, pousou na terra ; vieram logo mãos brutais, com lanças e punhais, abriram e retalharam este coração. Calcaram-se, desfizeram-se a seus pés. Vi então todo o que ia sofrer. Principiei a agonizar e a rolar pelo solo duro. Fugi para a solidão. Falara a sós com o Pai, enquanto os Apóstolos dormiam. Vim ao seu encontro, chamei-os, convidei-os a falarem comigo. Veio Judas e os soldados; fui presa. Durante o resto da noite, num martírio de alma e corpo, fiz companhia a Jesus e, nesta manhã, mal  tinha aparecido o dia, já eu estava a ser açoitada, cruelmente açoitada e coroada de espinhos. Recebi a sentença de morte, caminhei para o Calvário. O meu corpo dava sangue, como um chafariz. Regava os caminhos por onde passava. A Mãezinha saiu-me ao encontro. Avivou-me as feridas das setas que já tinha no coração. Os nossos corações falaram sempre. A morte avizinhava-se, mas eu ansiava esse momento. Tinha fome insaciável de dar a vida ao mundo. Cheguei ao Calvário quase morta, os olhos do corpo já mal viam. Fui crucificada. É impossível dizer a dor que senti com a Mãezinha junto ao pé da cruz. Os nossos corações eram uma só dor, uma só chaga. A agonia dela era a minha. Senti que ela tinha as mesmas ânsias do meu coração: dar a vida para fazer viver as almas. O corpo estava feito num cadáver, mas a alma tinha uma vida que não era deste mundo. Parecia que um fio eléctrico a ligava à vida do Eterno Pai. Esta vida era a mesma vida d’Ele. Num brado profundamente doloroso, expirei. Vi-me ainda descer da cruz e ser depositada nos braços da Mãezinha. Senti ainda o Seu martírio. Momentos depois, Jesus deu-me de novo a vida. Saí das trevas da morte, reinei sobre ela, fui iluminada com a luz de Jesus e ouvi a Sua divina voz :

 “Minha filha, Minha filha, Jesus está vivo, Jesus não morreu hoje, como outrora morreu no Calvário. Minha filha, minha filha, tens a Jesus no teu coração, real como está no Céu. As trevas de hoje são as trevas do pecado. O Meu brado de hoje é o brado agonioso de ver meus filhos fugirem-Me. Eu choro e brado, porque o pecado atingiu o seu auge. As ondas negras dos vícios subiram à maior altura. Eu choro e brado, e é do teu coração, pelos teus lábios, que Eu venho convidar todos os que me amam, para Me amarem mais; aos que andam fugidos, para se aproximarem de Mim. É do teu coração que Eu mendigo : filhos Meus, filhos Meus, pede-vos Jesus, não pequeis mais, não pequeis mais, o Céu foi criado para vós. Tu és, filha querida, o porta-voz de Jesus. Esta mensagem vai correr o mundo, esta mensagem vai levar a todas as almas a certeza do perdão. Oh ! se ela não fosse rejeitada ! Que alegria para o Céu, que alegria para os corações divinos de Jesus e Maria. O Céu está triste, tristes estão estes amantíssimos corações. O mundo não atende, as almas não escutam a voz divina do Senhor. Triste cegueira ! O Pai quer perdoar, os filhos não querem ser perdoados. O Pai chama e quer junto de Si todos os filhos Seus ; os filhos revoltosos escarnecem estas ânsias, estes desejos divinos. Eu choro, Eu choro, minha filha, e quero sempre, sempre a tua dor ; não ma negues”.

 Não vo-la nego, não, meu Jesus, mas não choreis, não, não, meu Jesus; eu quero sofrer tudo, para que as almas se salvem, e não Vos quero ver chorar, meu Amor. Vou pedir, vou pedir muito a todos os corações, a todas as almas que se abeirarem de mim, para que Vos não ofendam, meu sumo Bem.

 “Está bem, está bem, minha filha. Espero sempre a tua generosidade e heroicidade, minha filha, e como recompensa os anjos descem do Céu. Vais comungar, vais receber o teu Jesus Sacramentado. É o teu Anjo da Guarda que traz nas Suas mãos a Hóstia Santa. É o Anjo de Portugal que conduz a taça que contém a gota do Meu Divino Sangue : Corpus Domini nostri Jesu Christi custodiat animam tuam in vitam aeternam. Ámen. Ó Mistério, ó Prodígio ! Jesus Sacramentado reina no teu coração. A gotinha do Seu Sangue Divino já corre em tuas veias. Os Anjos voam de novo para o Céu. Só O da tua guarda fica na tua companhia. É inseparável”.

 Ó Jesus, que silêncio, que silêncio ! Vejo-Os subir, vejo-Os a bater as suas asinhas brancas. As luzes, que conduziam, desapareceram com eles. Ficastes Vós, meu Sumo Bem. Estou mais quente, estou mesmo a arder, mais forte e com mais luz. Bendito seja o Vosso amor e misericórdia para comigo. Estreito-Vos ao meu coração e peço-Vos, meu Bom Jesus, que dentro do Vosso estreiteis aqueles que eu amo, a todos os que me rodeiam e me pertencem e a todos os filhos Vossos. Estreitai, Jesus, a humanidade inteira, perdoai, perdoai-lhe sempre.

 “Fica na cruz, minha filha. Tudo o que recebeste foi um conforto. Não contes com ressurreição para a tua alma. Fica para o Céu o gozo inefável, gozo indizível, que jamais poderás perder. Enquanto estás neste exílio, sofre, sofre sempre. Atrai com o íman dos teus sofrimentos o mundo, o mundo culpado, para Jesus”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus. Atendei sempre os meus pedidos. Sou a Vossa vítima.

18 de Abril – Sexta-feira

Vivo, não vivo, estou no mundo, não estou ? Não é, mas quase poderia ser uma pergunta contínua a mim mesma. Todo o meu ser foi como que um sopro, que se espalhou no espaço. Nada em mim tem vida nem valor. Jesus ressuscitou. Em mim nada houve que ressuscitasse; fiquei morta para a vida, para a graça, para tudo quanto é do Senhor. Só o pecado, só as maldades, crimes hediondos, esses nascem, esses ressuscitam em mim, de momento para momento. Parece que tenho em mim sempre invenções novas para pecar e calcar aos pés toda a Lei santa de Jesus. A minha maldade também de mim se comunica ao mundo inteiro. Não sou só eu veneno e ódio, faço que toda a terra e todos os corações o sejam. Se a minha ignorância soubesse, quanto ela não podia dizer ! É horroroso, é pavoroso este sentimento de maldade. Tudo são invenções na terra e no ar, só para ofender a Nosso Senhor. Eu dou-Lhe todos os maus tratos, crucifico-O, dou-Lhe a morte dentro em meu coração. O brado dorido e doloroso de Jesus parece estar nos meus ouvidos, e a Sua dor infinita no coração. A dor é d’Ele, do muito que O ofendo, não é minha pelo muito que O tenho ofendido. Os meus instintos são piores que os das feras ; o coração é mais duro do que o rochedo; reina o demónio nele. Não posso, nem sei dizer mais nada, mas tinha muito que dizer, mundos de coisas para dizer. A vinha, de que tenho falado, floriu e cresceu tanto, formou ramada nas alturas. Mas a tempestade não cessa a querer derrubá-la, destruí-la com a seara loira e os arbustos floridos. Ah ! Se a minha alma soubesse mostrar o cuidado que tem em sustentá-la e não deixar que caia por terra e ao beijá-la que nela se manche ! Os olhos interiores não podem ver no perigo em que está tudo. Todo o meu ser foi enclausurado, está preso em negras torres. O mundo levantou muralhas, com fortes grilhões, à volta de mim ; não deixa que nesta morada haja luz ou entre um raiozinho de sol. Posso gemer, posso bradar, não sou ouvida. No andar superior destas torres, no andar que toca o Céu, há uma sabedoria infinita, há uns olhares que tudo penetram ; penetram e perscrutam no mais íntimo de todos os corações, penetram em todos os lugares da terra, mar, ar e céus. Tem uma grandeza superior a todas as grandezas, um amor infinitamente mais elevado ao amor dos corações dos homens. Esta grandeza, esta grandeza, não sei dizer mais nada dela, eu nem verme sou junto de tal grandeza, superior a tudo o que existiu e existirá. Passou no dia catorze e vigésimo sétimo ano da minha prisão no leito. Tanta dor, tanta dor, tanta amargura, e eu de mãos vazias, sem a mínima migalhinha para oferecer ao Senhor. E eu tanto queria amá-Lo, tanto queria ter vivido e sofrido só por Ele. Ai pobre de mim ! A minha quinta-feira de ontem foi para a alma um pouco mais suave. Com os olhos fitos no Horto, só o amava e por ele ansiava. Era já de noite, o meu coração fez-se pomba, e o mundo uma pequenina bola. Esta entrou toda dentro do coração. E a pombinha, com o bico enterrado na terra apodrecida, começou a remexê-la e a cortar pela raiz toda a árvore ruim e venenosa. A bolinha do mundo foi tão amada e abraçada num abraço eterno! Porém certas árvores não se deixaram destruir por completo. As suas raízes venenosas cresceram, estenderam-se. E daí vem para Jesus o suor de sangue, os açoites, a coroa de espinhos e a morte. Mais ainda : Jesus não ia ter o Calvário dum só dia, ia-o ter de muitos e muitos séculos. Tudo isto se passou em mim, e eu tudo sofri com Jesus. Nesta manhã, segui para o Calvário; levava aos ombros a cruz. A viagem foi muito espinhosa, triste e silenciosa. E a pombinha mansamente voava e sobre mim batia as asas. Acompanhou-me até ao cimo da montanha. Dela recebia toda a força. No alto do Calvário, pousava-se a mesma pombinha nos braços da cruz, mudando-se ora para um, ora para outro ; e de vez em quando dava-me com o biquinho como que uma injecção no coração. O corpo sem sangue, já quase moribundo, a nada podia resistir; era aquela pombinha que me dava a vida. Eu via o que o mundo era, o que viria a ser. Bradava tão profundamente, fazia estremecer toda a terra. Ao entregar ao Pai o meu espírito, ao pronunciar a última palavra, ainda sentia aquele biquito dar-me no coração o último retoque. Expirei com aquela mesma vida. Pouco depois, veio Jesus, deu-me a vida, mas deixou-me nas trevas. Senti-O muito de longe a falar-me assim :

 “Reparai e vede com sangra o Coração Divino de Jesus. Reparai e ponderai, não pode deixar de sangrar. Os crimes, os crimes, são o cúmulo das desordens e dos desvarios. Quem é o ferido, quem é o ofendido? É Jesus, só Jesus, minha filha. Minha filha, a tua vida não é vida inútil nem de ilusões. A tua vida foi e será a vida mais proveitosa, a vida de maior reparação. Dá-Me dor, dá-Me dor, repara-Me, repara Meu Eterno Pai. A tua prisão no leito é a Minha prisão no Sacrário. Eu vivo para Me dar às almas, tu vives para as conduzires a Mim. Como é bela, como é bela, como é encantadora a tua missão, minha filha”.

 Não sei, não sei, meu Jesus. Não lhe vejo nenhuns encantos. Eu quero viver para amar-Vos e reparar o Vosso Divino Coração e não para encontrar ninguém. Encanto sois Vós, encantos tem a Vossa Lei, a Vossa doutrina, a Vossa Divina Vontade, meu Jesus. Que mar, que mar agitadíssimo, meu Jesus ! Que vida de dúvidas e de temores! Duvido enganar-me e enganar. Temo ofender-Vos com o meu viver. Ai, Jesus ! Custa tanto viver assim !

 “Minha filha, minha filha, encanto do Paraíso, tem sempre, sempre presente, a palavra vítima, a tua entrega total ao Senhor. Em tudo te assemelhas à verdadeira vítima do Gólgota. Faço-te saber e compreender o muito, a gravidade com que sou ofendido, mas é nada em comparação dos crimes que se praticam. O teu coração, tão frágil e tão sensível, não resistia a tanta dor. Não aguentavas com o sentimento e visão total das ofensas feitas ao teu Jesus, a quem tanto amas”.

 Eu sei, eu compreendo, meu doce Amor, que a nada resistiria, se não fôsseis Vós. Se eu não contasse convosco, se não fosse essa a minha confiança, eu repetia-Vos a cada momento : não quero sofrer, Jesus, não quero ser a Vossa vítima.

 “Tu és, minha filha, a violeta florida que apareces em toda a vida de Jesus. Adornas a Eucaristia, o Sacrário, a Cruz e o Meu Divino Coração. A alma humilde é grande, é poderosa, alegra e consola a Jesus”.

 Meu Jesus, meu Amor, mais uma vez me entrego a Vós, mas quero ir pela Mãezinha. Mais uma vez me ofereço como vítima, mas pelos Seus lábios. Mais uma vez me submeto à Vossa Divina Vontade, mas sempre com Ela. Quero viver com Ela, quero sofrer com Ela. Com Ela quero fazer a Vossa Divina Vontade e ser imolada como Vos aprouver. Só agora, Jesus, só agora fizeste luz na minha alma. Estava em tanta escuridão e Vós faláveis-me de tão longe !

 “És vítima, minha filha; na escuridão vivem as almas pecadoras; longe estão elas, e muito longe, do Meu Divino Coração. Longe, porque Me expulsaram, longe, porque Me perseguiram, longe, porque cruelmente Me crucificaram. Vem receber a gota do Meu Divino Sangue”.

 Ó Jesus, ó Jesus, ao unires ao meu o Vosso Divino Coração, parece que a gotinha do sangue caiu fora e não em mim.

 “Não caiu, não, minha filha, porque é a tua vida, é o teu alimento. Sabes o que quer significar ? Sem o teu sofrimento, sem a tua imolação contínua, esta gota de sangue era inútil para muitas, muitas almas. Esta gota, que significa todo o Meu Sangue derramado no Calvário, sem a tua imolação é a perda de milhões e milhões de almas. Tem coragem, fica na cruz. Acode, acode ao mundo perdido, ao mundo desvairado. Apaga com a tua dor o incêndio das paixões. Coragem, coragem, que o Senhor é contigo”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

25 de Abril – Sexta-feira

 “Em Deus não há inutilidades. Tudo o que o Senhor fez foi bem feito, de grande utilidade e proveito para as almas. E, se assim é, quanto mais não faria Jesus neste Calvário das Suas maravilhas. Jesus tem os Seus fins, os Seus desígnios sobre as almas. Jesus fez tudo e tudo faz para o bem das mesmas. Cuidado, cuidado, atenção, atenção, atenção. Este Calvário prodigioso foi, e continua a ser, a repetição do Calvário de há vinte séculos. Jesus escolheu neste Calvário a Sua vítima amada, para bem de Portugal, para bem de toda a humanidade. O mundo é ingrato, Portugal mais, muito mais ainda. A humanidade inteira não conhece esta vítima e a sua obra, que é a obra e a vida de Jesus. Mas Portugal que em grande número a conhece – ó responsabilidade, ó responsabilidade, ó contas rigorosas ! Jesus dá-Se às almas, Jesus a Elas Se  comunica pela vítima heróica deste Calvário. Eu quero almas, muitas almas; ide, ide à sua procura e conduzi-as todas, em grande número, ao Meu Divino Coração. Imolei-Me, dei a vida para as salvar. Imolo e faço que a cada momento se imole esta vítima do Meu Divino Coração, e momento a momento a vá perdendo, para dar a vida às almas. Reparai e vede bem a loucura de Jesus pelas Suas vítimas. Reparai e vede bem a loucura de Jesus pela humanidade. Depois de Jesus amar, louca, loucamente, a vítima deste Calvário e a imolar assim e fazê-la sofrer desta forma, é amor, amor, só amor, amor de salvação”.

 Jesus, Jesus, vejo, compreendo bem por que me fazeis compreender essas ânsias que Vos devoram. Sinto, sinto que, se não fôsseis Deus, não aguentáveis, morríeis. São as almas, é o mundo que quereis no Vosso Divino Coração. Lembrai-Vos, Jesus, que eu sou humana, sou uma grande pecadora, sou a maior miséria, e o meu coração não aguenta com as Vossas ânsias. Sede a minha força, Jesus, mas não choreis. Eu queixo-me, o meu queixume é sinal de fraqueza, não o é de recusa. Foi por eu Vos falar assim que Vós chorais?

 “Não, não, minha filha, florinha do Sacrário, violeta florida no meio da humanidade. Eu choro, eu choro, porque as almas recusam virem a Mim. Eu choro, Eu choro, porque elas fogem, fogem loucas para o caminho da perdição, para o abismo da condenação eterna. Eu sei que nunca me deste uma recusa. Já te disse, já te prometi que nunca ma darás. És poderosa, possuis a graça e o poder divino. Nas tuas horas de desalento, naqueles momentos, em que pareces ir a fraquejar, vem o Céu, vêm os Anjos, vem Maria Santíssima, a Mãezinha que tanto amas. Não digo que venho Eu, porque Eu estou sempre, mas faço que sintas, mais profunda e intensamente, a graça, a vida, o poder do teu Senhor”.

 Ó Jesus, como sois bom ! Eu não duvido da Vossa bondade, nem do Vosso Divino Amor para comigo. Só duvido de mim, só temo a minha fraqueza, mas confio em Vós, e alcançai-me a graça de eu confiar mais, sempre mais, tanto quanto é preciso, meu Jesus.

 “Dá-Me, dá-Me a tua dor e deixa que Eu conclua em ti a minha obra, e para isso vem receber a gota do Meu Divino Sangue. Jesus ligou ao teu coração o tubo dourado. Por ele faz passar do d’Ele a gotinha do Seu Divino Sangue. Dois corações num só coração. Duas vidas numa só vida. Dois amores num só amor. Em suma, Cristo e a Sua crucificada, a Sua crucificada e Cristo. Dai-Me almas, dai-Me almas. Atendei bem, Jesus pede muitas almas. O mundo, o mundo desafia constantemente a Justiça Divina. Fica na cruz, sorri, sorri, minha filha. Esconde, esconde a dor do teu sorriso. Tem coragem, o Senhor é contigo. Jesus vive em ti. Jesus fala em ti, Jesus pede por ti oração e penitência e emenda de vida. Não cesso, não posso cessar de a pedir, porque o mundo não cessa de pecar. Coragem, coragem, sorri, sorri à dor. Transforma-a num mar de Paraíso. Não te falta a protecção do Céu”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

   

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