JUNHO
6 de Junho – Sexta-feira
O meu sacrifício,
enorme sacrifício que faço em ditar estas linhas, inclui-se também na minha
inutilidade. Mesmo assim, não quero deixar de provar o meu amor a Jesus.
Esforço-me até sentir com que se me arrancassem do ventre as entranhas e do
peito o coração. Não quero sentir, não quero saber se sou útil ou inútil. O que
eu quero é obedecer e fazer em tudo a vontade do meu Senhor, custe o que custar.
Sou útil para a podridão, sou útil para o veneno, porque todo o meu ser se
desfaz e chega a envenenar o mundo; sou útil para os prazeres e para uma vida
contínua de todos os vícios de toda a variedade, dos mais horrorosos crimes.
Depois de uma tremenda luta e pavorosos sentimentos, visão de alma como se
ofende horrorosamente ao Senhor, e a classe de pessoas que O ofendem, embora
seja eu a culpada de todo o mal, não me explico mais; pedi muito a Jesus e à
Mãezinha que não queria ofendê-Los. Sem sentir os efeitos da Sua protecção,
fiquei como que embrutecida, embriagada, fora de mim, tal foi a loucura
desordenada a que me entreguei. Não pensava no arrependimento, nem emenda de
vida. E então, neste momento, uma dor infinita me invade o coração. Era para
morrer, se não fosse Jesus ser a minha força. Ele dentro, em mim, falou-me e
fez-me compreender que era Sua aquela dor, e que eram os crimes que assim O
faziam sofrer. Todo cheio de ternura, bondade e amor, mas com uma tristeza
profunda, infinitamente profunda, falou assim :
― “Não
me ofendes, vem cá, arrepende-te, quero perdoar-te. Sabes a quem feres? É a
Jesus, aquele Jesus que te escolheu para O servires, aquele Jesus que te
obedece. Não peques mais, não renoves tão cruelmente a minha Sagrada Paixão”.
Fiquei envergonhada
diante do Senhor, não podia fitar o meu amado Jesus. Ele deixou-me a alma mais
forte, mas eu é que não me comovi; fiquei da mesma forma embrutecida e
embriagada no mal. Eu só queria saber mostrar e fazer sentir a todos os corações
a dor e a tristeza infinita de Jesus. A minha ignorância e inutilidade não me
deixam. Meu Deus, meu Deus, o que é o mal, o que é o pecado? É grande como Vós a
ofensa feita à Vossa Majestade infinita. Sou inútil para todo o Horto, fujo
dele, só forçada a ele me uniria; sou inútil a toda a paixão de Jesus, não
aceito os Seus méritos, desperdiço o Seu sangue divino, derramado por amor de
mim; sou inútil a toda a luz do Divino Espírito Santo, não deixo que ela me
ilumine e penetre em mim. E nesta inutilidade caminho para o Calvário, mas vou
muito por longe. Mas a minha alma vê no cimo dele Jesus, de braços abertos,
crucificado na cruz. Sinto que Ele quer que eu vá ao Seu encontro e que me quer
fazer a entrega da entrada do Seu reino. Mas eu sou inútil, mesmo para esta
oferta. Ele espera-me e chama-me. Oh! se eu pudesse abraçá-Lo! Vivi as três
horas de agonia, como que se fosse uma vida inteira, sem pensar no Senhor. Ele
expirou, e eu expirei, mas fora d’Ele. Era eterna a nossa separação. Passou-se
bastante tempo nesta morte que jamais poderia ter vida. Veio então Jesus. Deu
vida e fez luz na minha alma. Falou-me assim :
― “Dei
a vida na cruz e triunfei sobre a morte. Eu anseio, minha filha, sim, eu anseio
que na minha cruz sejam crucificadas muitas, muitas vítimas. Há tão poucas que
se deixam imolar e crucificar! O mundo, os pecadores têm necessidade de almas
reparadoras. Eu, o Senhor misericordioso, o Senhor que quer perdoar, vou bater à
porta de muitas almas a pedir-lhes essa imolação, essa crucifixão. Mas olha,
minha filha, quantas recusas, quantas negativas ! Aqui, aqui, à porta do teu
coração, nada me foi negado, nada me será negado. Esta cruz, esta cruz, que
tenho em minhas mãos, posso distribuí-la por todas as almas, todas, todas do
mundo inteiro, e todas numa só cruz, todos os sofrimentos num só sofrimento não
chegavam, ficavam longe, muito longe da minha cruz, do que nela sofri. Está
aqui, está aqui, filha querida, atravessada sobre o teu peito. Quero colocar no
cimo dela o teu coração. Quero que o teu sangue a regue. Quero que ele corra
sobre ela, assim como correu o meu”.
― Ó
Jesus, ó Jesus, meu querido Amor! Não foi preciso nenhum esforço. O meu pobre
coração, tímido de tanta dor, mas sequioso de mais e mais sofrer, voou
voluntariamente para ela. Beijo e abraço esta cruz, meu Jesus. Eu não quero, não
quero deixar de beijar e abraçar a oferta riquíssima do meu Senhor. Estou pronta
a derramar todo o meu sangue. Quero com ele regar esta cruz. Sois Vós, Jesus,
são as almas a causa da minha imolação, a razão por que quero regar a cruz,
derramando até à última gota todo o meu sangue. Quero tudo porque Vos amo, amo
as almas por Vós, vejo nelas a Vossa sagrada imagem, o preço infinito do Vosso
Divino Sangue.
― “Então,
minha filha, o teu corpo toma o lugar do coração ; o coração retoma o seu lugar
e tu ficas crucificada por mim. É o teu Jesus que vai fazer de carrasco. É o teu
Esposo que vai bater-te os cravos”.
― Crucificai-me
à vontade. Oh ! como é bela, como é bela e encantadora esta cena misteriosa do
Senhor.
― “Crucifiquei-te,
crucifiquei-te, mas não são exigências minhas. O mundo, o mundo, os pecadores
cruéis foram que o exigiram. Isto é mais uma prova do meu infinito amor.
Infinito amor e eterno perdão”.
― Ó
Jesus, ó Jesus, nada me custou deixar-me crucificar. Se fosse sempre assim! Não
digo bem, meu doce Amor. Se assim fosse sempre, não custava a vida, não custava
a crucifixão, nem a morte. Vós agora estais comigo e eu sinto que Vos amo. O mal
todo é quando eu estou sozinha, neste mar imenso de crimes, nesta noite
tenebrosa, nesta inutilidade de todas as coisas.
― “Coragem,
coragem, filha querida. Nunca estás sozinha. O teu Jesus está contigo, guia a
tua barquinha, não a deixa naufragar. A tua inutilidade tem toda a utilidade. A
tua cruz, com todo o teu sofrer, é a continuação da minha Paixão. Está-se a
completar neste Calvário a obra do meu Calvário. Tem coragem, confia em Mim. Vem
receber a gota do meu Divino Sangue. Da chaga do meu Divino Coração para a chaga
do teu passou a gotinha do sangue. Ela já corre em tuas veias, e os nossos
corações ainda se conservam unidos. É sinal duma união inseparável. Todo o teu
corpo é Cristo, e todo o teu coração é de Cristo, e Cristo está nele. Tem
coragem, tem coragem. Só à custa de dor e sangue é que as almas se podem salvar.
Tem coragem, tem coragem. És a vítima mais querida do meu Divino Coração, mais
predilecta do Meu Eterno Pai. Vai em paz, dá a minha paz. Pede amor, amor, amor
ao meu Divino Coração. Faz que Eu seja sempre amado. Se Eu for amado, não sou
ofendido. Coragem, coragem. Sempre sorridente à tua cruz. Vai em paz, vai em
paz”.
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus.
7 de Junho – Primeiro Sábado
― “Minha
filha, minha filha, fugir é porte dos fracos. Eu sou forte. Eu sou Senhor. Eu
sou o Rei de todas as coisas. Mas fugi, fugi e vim refugiar-Me no teu coração.
Sabes porque fugi? Sabes porque quero refugiar-Me no teu coração? Fugi, fugi,
porque Me foram dadas muitas lançadas. O Meu Divino Coração não pode receber
mais feridas. Todo ele é amor e uma só chaga. Todo ele é amor e está numa só
ferida. Todo ele é sangue, sangue. Nem parece o coração. Minha filha, minha
filha, aqui te apresento Jesus. Como Mãe d’Ele e tua Mãe, quero mostrar-te o Seu
Coração Divino”.
― Eu
vejo, eu vejo, Mãezinha; o vaso que contém é o peito santíssimo de Jesus. Vejo e
sinto. Todo Ele é dor. Todo Ele é amor. Como é, meu Jesus, que Vos deixastes
ferir assim? Como podeis consentir, Mãezinha, que os filhos, que Vos foram dados
no Calvário, tratem desta forma o Filho Jesus, que Vós destes à luz? Fico sem
força e fico sem vida. Não sei, não sei como se possa tratar assim Jesus!
― “São
os crimes do mundo, dos grandes pecadores, mas sobretudo os crimes desta manhã.
Quantos sacrilégios e quantas iniquidades! Sofre, sofre, minha filha. Está mas
minhas mãos a mão do Meu Jesus. Coloca-a entre as tuas”. (Fez o gesto de
colocar qualquer coisa)
― Não
quero só a de Jesus, Mãezinha, quero as Vossas também.
― “Aqui
estão, são ímanes que te atraem mais e mais a Nós. Por elas te é dado todo o meu
amor, todas as graças, todas as riquezas. Entesoura tudo no teu coração; tudo
hás-de distribuir e tudo hás-de sempre possuir. Não se esgotam as nossas
riquezas. Dá-as e ficas sempre rica. Repara, repara, fica a sofrer, minha filha,
a sofrer sempre, para que o teu Jesus não sofra mais. Minha filha, minha filha,
escuta o teu Jesus. Diz ao teu Paizinho que ele está todo absorvido dentro do
Meu Coração Divino. É n’Ele que ele sofre, é n’Ele que ele trabalha, é n’Ele que
ele vive. Diz-lhe que as grandes imolações e as grandes crucifixões são próprias
dos santos. Ele será contado no número dos meus eleitos. Ele há-de ser coroado
com a auréola dos santos. Dá-lhe todo o meu amor com toda a minha paz, na
certeza de que a sua vida dolorosa foi permitida por Mim. Se ele soubesse o
proveito da sua dor! No Céu tudo vai saber e compreender. Dá-lhe amor, amor com
toda a minha riqueza. Dá-lhe amor, amor com toda a riqueza de minha Bendita Mãe.
Diz ao teu médico que todos os meus tesouros divinos com todas as suas graças e
amor caem sobre ele e sobre o seu formoso jardim, como um maná e orvalho
celeste. Diz-lhe eu o escolhi para grandes coisas. A sua missão é nobre. É a
missão só própria dos eleitos do Senhor. Diz-lhe que a sua firmeza é o encanto
do Céu. Ele é forte na sua fé e na defesa da minha divina causa. Esta luta
renhida há-de ser coroada com o triunfo e a vitória de tudo. Os humilhados
exaltam-se. Os pequenos são grandes, muito grandes aos olhos do Senhor. Dá-lhe
todas as graças, fortaleza e bênçãos do Céu. Dá-lhe amor, amor, todo o amor para
ele e para todos os eu lhe são queridos. Minha filha, minha querida filha, vem
uns momentos para os braços da tua querida Mãezinha. Viste o coração do teu
Jesus? Repara agora para o meu. Vês quanto Ele sofre, quanto Ele ama ?”
― Ó
Mãezinha, quero fitá-Lo bem, não quero ter a minha cabeça inclinada sobre o
Vosso peito. Ele tem tantas setas, tantos espinhos!... e sangra tanto!... Sinto
e compreendo quanto amais, quanto sofreis! Ó Mãezinha, ó minha querida Mãezinha,
Jesus sofre tanto! Vós sofreis tanto! Ao pé de Vós eu nada sofro, e parece-me
que não posso sofrer mais. Como eu sou fraca, Mãezinha! O que eu sofro nada
vale, vejo-Vos a Vós sempre a sofrer, sempre a sofrer!
― “Amo
como Jesus ama, minha filha ; sofro como Jesus sofre. Amamos num só amor,
sofremos numa só dor. Sofre, sofre com heroicidade. Sofre, sofre com alegria. Já
sabes que estas visões são para te fazer compreender a necessidade de reparação,
a necessidade da tua imolação contínua. Deixa-te crucificar. Deixa-te
crucificar. Jesus e a tua querida Mãezinha não te faltam. Amamos-te com todo o
amor. Estamos sempre ao teu lado, nem um só momento te falta o amparo celeste.
Repara, repara pelos sacerdotes. Repara, repara pela humanidade inteira. Não
cesses, não cesses de dizer aos homens como está triste Jesus, como está triste
a Mãe Santíssima! Leva o amor de Jesus e da Mãezinha. Dá-o todo a todos os que
amas, a todos os que te são queridos. Pede para todos quanto quiseres. Recebe as
carícias de Jesus, recebe as carícias da Mãezinha. Pede oração, penitência e
emenda de vida. Diz que são dois corações a pedir tudo isto, Jesus e Maria.
Coragem. Vai em paz”.
― Obrigada,
Jesus, obrigada, Mãezinha.
13 de Junho – Sexta-feira
O mundo todo está
em noite escura, em densas trevas. É nelas que eu vivo com a minha ignorância e
a minha inutilidade. Sou inútil para tudo o que é do meu Senhor, inútil para O
servir e amar, inútil também para mim são todos os frutos e méritos da Sua santa
Paixão. Sou útil para o pecado, para toda a variedade de maldades e crimes. Sou
útil para Satanás e para todas as suas obras; piso as pisadas dele, sigo os
caminhos do inferno. Numa tremenda luta, quando me debatia, embriagada nas
paixões, ia mesmo a cair no inferno. Não sei como houve alguém que se lançou a
mim e não me deixou cair lá. Fez-me lembrar o quadro do pecador moribundo
condenado ao inferno, com esta diferença: quem me acudiu, chorava, com o Anjo
junto da alma perdida, mas não ficou só nas lágrimas; em vez de vendar os olhos
para não me ver cair no inferno, atirou-se fortemente e arrancou-me já das
chamas infernais e das garras de Satanás. Terminada esta pavorosa cena, senti a
dor infinita de Jesus, senti as Suas lágrimas e suspiros, ouvi os Seus
queixumes :
― “Vomitas-Me
fora do teu coração. Que mal te fiz, para que Me ferisses assim ? Foi só o meu
amor que te levou a tal maldade e ingratidão. Arrepia caminho. O meu Divino
Coração quer possuir-te, quer perdoar-te”.
Foi preciso a força
de Jesus e a protecção da Mãezinha, a quem invoquei, a quem chamei com toda a
minha alma. Se assim não fosse, eu nunca poderia ter resistido. A dor infinita,
tão grande como Deus, tirava-me a vida. Neste momento, o meu coração
assemelhou-se a um ninho de numerosos e famintos passarinhos, com os seus
biquitos abertos, e eu, não sei com quê, alimentava-os, cuidava deles com todo o
amor e a nenhum sacrifício me poupava. Desapareceram estes sentimentos, como
nuvem que se desfaz, e eu fiquei de novo no meu doloroso sofrimento, na minha
pavorosa inutilidade. Não tenho coisas grandes ; aproveito todas as migalhinhas
de mortificações e sacrifícios para oferecer a Jesus pelas mãos, lábios e
Coração Imaculado da Mãezinha, por muitas, muitas coisas e para Sua glória e bem
das almas. Mas sempre, sempre entra em tudo a minha inutilidade. Fito os olhos
no Céu e, abandonada na Mãezinha e em Jesus, deixo-me levar por Eles e n’Eles
espero e confio, mesmo a parecer-me que nada confio, que nada posso esperar. Foi
inútil o meu Horto e Calvário. É diferente, muito diferente agora o sofrimento
da quinta e sexta-feira. É a visão de toda a vida dolorosa de Jesus, mas sempre,
sempre a minha inutilidade e sempre fugitiva dos caminhos de Jesus. Fui posta no
Calvário, não fui eu que caminhei para lá. Quando me senti no cimo da montanha,
foi que os méritos de Jesus, da Sua Santa Paixão, tiveram utilidade. O coração
voltou a ser ninho de passarinhos e alimento deles. Eu fui inútil, mas foi útil
Jesus. Era Ele quem alimentava e dava a vida. Neste momento, na minha
inutilidade, expirei com Ele. Jesus, todo o amor e vida, perdão! Eu, toda
miséria, inutilidade e nada. Jesus não me desprezou, fez que morresse com Ele.
Depois de um espaçozinho de tempo, senti uma nova vida e, ressuscitada para o
Senhor, ouvi a Sua voz divina a falar-me docemente, assim :
― “Jesus
está aqui real, real como está no Céu. Jesus está aqui, vai falar, vai mendigar
no coração da Sua esposa. Dai-Me amor, amor, eu quero ser amado. Vinde a Mim,
vinde a Mim sem temor. Quero abraçar todos os pecadores, quero perdoar-lhes
todos os seus pecados. Vinde a Mim, vinde a Mim, estou de braços abertos, quero
abraçar-vos”.
― Ó
Jesus, ó Jesus, como é bela a posição em que Vos vejo! Sinto, vejo, compreendo
bem que os Vossos braços santíssimos podiam abraçar a humanidade inteira. Oh!
como eu sinto a ternura e o amor do Vosso Divino Coração! Quem me dera, Jesus,
ai! quem me dera fazer um molhinho de todos os corações; prendê-lo dentro dos
Vossos santíssimos braços, muito unidinho ao Vosso santíssimo Coração. Ó Jesus,
fazei que todas as almas compreendam o Vosso amor e essas ânsias, essas ânsias
infinitas de a todos abraçar, de a todos estreitardes ao Vosso Coração Divino.
― “Minha
filha, minha querida filha, é grande a minha pena, é infinita a minha dor. Dou
às almas, dou ao mundo todas as provas de amor. Mostro claramente a minha
misericórdia infinita e o quanto quero perdoar. O mundo odeia-Me, os corações
esquecem-se de Mim. Não aceitam as minhas manifestações de amor. Não querem
viver para Mim, não querem compreender quanto o Meu Coração sangra. É grande a
minha tristeza, é infinita a minha dor. Eu vim ao mundo mostrar, pregar a
caridade. Sou o Senhor, sou Jesus, sou impecável. Se assim não fosse, não usava
agora a minha caridade, aquela caridade que Eu quero e anseio seja praticada.
Quantas almas, quantas almas !...”
― Não
chores, não chores, meu Jesus. Eu não sou digna de ter a Vossa sacrossanta
cabeça pousada em meus pobres braços. Mas também não sou digna de Vos receber e
recebo-Vos sempre em meu pobre coração. E então estreito-Vos com amor, com muito
amor, meu Jesus, e quero enxugar as Vossas lágrimas. Não posso enxugá-las de
outra forma, a não ser com o frio amor do meu coração. Não choreis, Jesus, não
choreis, meu Amor. Sou a Vossa vítima, vítima para tudo.
― “Choro,
choro, minha filha, por milhões e milhões de almas, choro, choro por aquelas
almas que não merecem ter a caridade do Senhor, aquelas almas por quem te peço
tão dura reparação; aquelas almas a quem o inferno quer engolir. Aquelas almas
que se aproximam do Senhor e são demónios vivos e têm o inferno no coração. Eu
quero perdoar, quero perdoar, mas quero emenda de vida, não quero mais ser
ofendido. Diz, diz ao mundo, minha filha, que Meu Eterno Pai quer cair sobre ele
com todo o rigor da Sua justiça. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Ó
maravilha prodigiosa ! Jesus dá a gotinha do Seu sangue ; o sangue que correu no
Coração de Jesus, entrou no coração da Sua vítima e corre agora nas suas veias,
em todas as veias do seu corpo. É alimento divino, é alimento de que tu vives.
Coragem, coragem, minha filha, muita coragem, fica na cruz. Sorri com alegria.
Coragem, coragem, cantarás dentro em pouco as glórias do Senhor. Em breve serás
contada entre o número dos meus santos. Coragem, coragem, vai em paz e dá a
minha paz”.
― Ó
meu Jesus, meu querido amor, lembrai-Vos das minhas grandes intenções. Atendei a
todas e despachai-as.
20 de Junho – Sexta-feira
São indizíveis as
amarguras e torturas da minha alma. Custa-me imenso falar. A cada movimento,
parece que é fora de mim arrancado com toda a violência o coração e, em seguida,
as entranhas. Digo pouco, por não poder e por a minha ignorância nada saber
dizer, mas sofro e sofro muito por não poder e não saber. Pois sinto uma fome,
uma necessidade, posso dizer infinita, de desabafar. Eu não quero de forma
alguma queixar-me, não quero entristecer o meu Jesus. O esforço que faço, o nada
que digo, é para obedecer. É Jesus, é a glória do meu Senhor e o bem das almas
que me levam ao máximo do sacrifício. Vi-me, senti-me nas garras do demónio ;
ouvi os uivos do inferno, o desespero das almas. Meu Deus! Como é desesperador !
Se eu pudesse dizer a forma provocadora, descarada e maldosa, com que são
praticados tantos e tantos crimes. Meu Deus, meu Deus, compadecei-Vos de mim.
Que maldade infernal ! Parecia-me que era em mim, e era eu a praticar crimes tão
hediondos. Era eu a cair no inferno, era eu a entregar-me toda à devassidão e
prazer, sem nada me satisfazer, mas sem poder naqueles momentos pecar mais; não
tive um momento de arrependimento, não tive um olhar para Jesus a pedir-Lhe
compaixão. Corri logo à busca de novos instrumentos, de novos lugares e
ocasiões, para poder continuar a minha obra infernal. Que horror, meu Senhor,
que horror! Disse que não tive um momento de arrependimento, nem um olhar para
Jesus, mas tive. Pedi-Lhe bem que não queria pecar. Mas isto foi como se não
fosse eu. Foi tudo e tudo é inútil para mim. Não sei como encontrar Jesus, não
sei como dar-Lhe as minhas lágrimas, os meus suspiros, os meus sofrimentos,
tristezas e amarguras. Tudo morre, tudo é inutilidade, tudo é perdido para mim.
Passam-se os dias grandes, os dias festivos da Santa Igreja, e a minha alma não
encontra um favozinho de doçura ; tudo é perdido, tudo é morte. Estou a
comemorar o aniversário da minha estadia na Foz. Sem querer recordar, surge-me
de repente uma e outra cena. Fica-me o coração cercado de espinhos, e a cruz
atravessa-o dum lado ao outro. Tudo sofro por amor de Jesus, sem sentir que O
amo, sem saber que Ele se consola em mim. O abandono é o meu lema. Confio que
sou conduzida ao porto de salvação. Nesta imensidade tempestuosa, em que só
prevalece a inutilidade, a minha alma conserva-se em paz, a não ser de longe a
longe uns momentos de agitação, dúvidas de toda minha vida, tentações contra a
Fé, que me levam quase que a cair no desespero. Para que vim ao mundo ? Para que
serve tanto sofrer e uma vida presa no leito ? Isto é sem eu querer, sinto mesmo
serem tentações do demónio, ser ele a querer roubar-me a paz. O meu Horto, tão
diferente do já foi, não teve outra coisa senão a inutilidade. Eu fui morte para
ele, e ele morte para mim. Foi assim, porque eu não quis aproveitar da vida que
ele me oferecia. E Jesus, que via infinitamente, aos Seus olhares tudo era
presente, sofria, sofria dor infinita, e fez-me sentir a mesma dor, ao mesmo
tempo que se mostrou e fez sentir o quanto me amava, o quanto amava as almas.
Neste momento afoguei-me n’Ele, perdi-me n’Ele, desapareci como gotinha de água
perdida no universo. Hoje, na Sagrada Comunhão, não digo que tive consolação ;
perdi-me novamente neste Oceano, como gota de orvalho, que com o sol desaparece.
A alma ficou mais forte. Foi com esta fortaleza que venceu a inutilidade do
Calvário. Na viagem para lá, ao sentir-me desfalecer com tão pavorosa
inutilidade, espontaneamente o coração bradou : valei-me, Jesus, ai de mim se
não vindes em meu auxílio. Pude chegar ao cimo ; mesmo assim, inútil, fiquei na
cruz crucificada. O coração continuou a bradar constantemente; eu sou inútil,
Jesus, mas sois Vós útil para todos nós. Meu Pai, meu Pai, vinde em meu auxílio.
E foi neste brado que eu caí no sono da morte. Senti como se a alma morresse na
maior escuridão. Passou-se algum tempo, e Jesus fez-me ressuscitar. Rasgou no
meu peito o véu preto da morte e fez aparecer um véu de luz, de paz e amor ;
deu-me a Sua vida e falou-me assim :
― “Tenho
sede, sede que me abrasa, sede que me consome. Tenho sede de amor e de ser
amado, de possuir e ser possuído. Tenho sede, sede, minha filha, e é no teu
coração que Eu vou saciar-me. Tenho sede, sede, sede e é no teu coração que Eu
venho pedir amor. O mundo, as almas, não me amam. É tão pequenino o número que
Me ama com aquele amor íntimo, com aquele amor que anseio e pelo qual suspira o
meu Coração. Dei-Me todo às almas, e na maior parte tudo Me negam essas almas.
Ama-Me, ama-Me, minha filha, e faz que Eu seja amado. E hoje, neste dia do meu
Coração divino, do meu Coração todo amor, que Eu peço, peço como um mendigo
faminto amor, sempre amor”.
― Ó
Jesus, ó Jesus, se eu pudesse dar-Vos esse amor! Se fosse possível eu saciar-Vos
a Vossa sede !... se eu pudesse fazer que todos, todos os corações Vos amassem!
Se eu pudesse fazer subir ao Céu um turíbulo cheio, todo cheio do amor da
humanidade inteira, e que esse amor subisse como incenso, sem parar, noite e
dia, meu Jesus.
― “Ó
minha filha, minha filha, sofre, sofre, leva com alegria toda a cruz que te dá o
Senhor. Tem confiança. Eu sou o teu Cirineu. A minha Santíssima Mãe, que tu
tanto amas, está em uníssono comigo. Subimos contigo a montanha árdua e
dolorosa do teu Calvário. Pega, aceita, recebe a oferta do meu Coração. Abri o
meu peito, tirei-o, coloquei-o dentro do teu. Leva todo o meu amor divino e
riquezas infinitas. Eu quero que as distribuas. Eu quero que espalhes estas
riquezas divinas por todos os que amas, rodeias, esperas ; por todos aqueles,
cujo lugar Eu fiz que ocupasses no teu coração. Dá-as em seguida a todos os que
de ti se aproximam e faz que elas se espalhem pelo mundo inteiro. Faz, faz que o
fogo se ateie, e que todas as almas se enriqueçam”.
― Ó
Jesus, que hei-de eu dizer-Vos à vista de tanta misericórdia que tendes para
comigo, para com todas as almas ? Obrigada, meu Jesus, obrigada, o meu eterno
obrigada. Fazei que em tudo faça a Vossa santíssima vontade.
― “Tu
és, minha filha, a mensageira de Jesus, a mensageira de Maria. Sou Eu a dizê-lo,
sou Eu a afirmá-lo neste dia do meu Divino Coração. Tu és a luz e o farol
mundial. Pede ao mundo, pede ao mundo que venha ao meu Deus, que venha
reconciliar-se com o meu Divino Coração. Eu sou todo ternura. Eu sou todo amor,
mas não posso deixar despercebido : sou justiça, sou justiça. Sou Pai que ama e
castiga quando ama. Castigo sempre, porque sempre amo. Castigo sempre, porque os
meus filhos sempre me fogem. Sou Pai que ama e, porque muito amo, muito faço
sofrer as minhas vítimas e muito faço sofrer as almas minhas esposas, as almas
escolhidas por mim. É bem pequenino o número das minha eleitas. É-me fiel,
sede-me fiéis, almas eleitas e amadas do meu Divino Coração. Os sofrimentos, os
espinhos, a cruz, são as grandes, as infinitas riquezas dos meus santos. Vem
receber a gota do meu Divino Sangue; é dentro do teu coração que do meu passa
para ti a gotinha do sangue. É o teu alimento. É a tua vida. É a força da tua
cruz. Vive nela com alegria. Vai em paz, florinha eucarística. Vai em paz e dá a
minha paz a quantos dela necessitem. Vai em paz, e a certeza do meu amor, da
minha protecção. Vai, vai, minha filha, diz ao mundo quanto o ama o Coração
Divino de Jesus e quanto suspira e chora por ele. Vai trabalhar, vai dar as
minhas riquezas, vai incendiar o meu amor, o meu amor”.
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus; neste dia bendito do Teu Coração, atiro para Vós, para ser
atendida, as minas intenções. Vede as mais urgentes. Atendei-me por quem sois.
Obrigada, obrigada, meu Jesus.
27 de Junho – Sexta-feira
Em vez do Céu,
tenho o inferno no meu coração. No lugar em que havia de reinar Jesus, é o
demónio quem reina. Todo o meu ser é inferno, uivos, ódios, gritos, desespero e
fogo. Eu sinto tudo isto, e os meus ouvidos tudo escutam. É um pavor e, por
momentos, parece que vou lançar-me no desespero. Tenho medo de mim. Tenho medo
do mundo. Eu sou o inferno e o mundo vem meter-me nele. Mergulha-me nele e nele
se perde. Se eu pudesse gravar, onde todos pudessem ver, os sentimentos e a
figura do inferno, quereria fazê-lo, para que todos os pecadores compreendessem
o que os espera na eternidade, se não arrepiam caminho. Eu tenho tanta pena das
almas ! Quero acudir-lhes a todo o custo. Mas como, meu Jesus ? Se eu sou o
inferno e faço tudo para as perder! Corro o mundo à busca delas para as matar, à
semelhança do caçador. Se eu me fizesse compreender, se a minha ignorância me
permitisse ! Levo a minha vida a envenenar toda a humanidade, sossego com os
meus gestos e olhares maliciosos, à procura de lugares e pessoas com que eu
possa pecar e satisfazer os meus desejos ! Sou o inferno, inferno, pavoroso
inferno. Calco aos pés os meus vestidos, não digo quais são, e toda a Lei do
Senhor. Escarro no rosto do Senhor, cravo-Lhe no coração a lança, na cabeça os
espinhos. Açoito-O, renovo-Lhe toda a Sua Paixão. É para isto que eu vivo e
tenho inutilidade. Para o bem, para Jesus, sou inútil, inútil. Todo o meu viver
foi e é inútil. Ai, pobre de mim, pobre da minha alma, que tanta necessidade tem
de desabafar, e não pode nem sabe. Pobre do meu coração, que tantos espinhos o
ferem, tanto em silêncio sem ele o poder dizer como está ferido. Bendita seja
toda a cruz que Jesus me dá. Eu quero viver para Ele e só quero o que Ele quer.
O que seria de mim, se, no meio deste sofrimento, desta inutilidade, eu não
possuísse a Sua santa paz. Sou inútil, é certo, mas tenho saudades do Céu,
saudades que me matam. Quero voar para Jesus. Não posso estar neste exílio.
Abandonada nos braços de Jesus e da Mãezinha, espero confiada, sem sentir
confiança, esse dia grande, esse dia feliz. Sinto-me tão esmagada com o peso das
humilhações ! Sofro indizivelmente com o sentimento de que todos os meus amigos
se enfastiaram de mim, e quanto me fazem é só para não lhes ficar mal. Tinha
tanto que dizer, mas mais nada digo, porque não posso. Jesus me aceite o
sacrifício. Passei indiferente e sempre inútil o meu Horto de ontem. Só ao cair
da noite, senti como que a abóbada do Céu poisasse sobre a terra. Esmagava-me
contra ela; o Céu pareci que era eu, e em mim absorvia toda a terra. Esta
mistura era à custa de toda a dor, todo o sacrifício, de todo o meu sangue, da
própria vida. Que pavor, meu Deus, que pavor a justiça do Eterno Pai sobre esta
mistura! A vida divina com a vida terrena: podridão, lama e lodo! Eu, inútil a
tudo, fiquei a sentir a dor infinita de Jesus. Não era minha, não, era d’Ele,
compreendia bem. E foi Jesus que a ela resistiu. Eu por mim nada podia. Hoje
segui para o Calvário, na mesma inutilidade no percurso da viagem. Sofri, sofri
muito com a reparação que Jesus de mim tem exigido. Muito tímida e com muito
esforço, fitei os olhos nas imagens de Jesus e de Maria. Pedi-Lhes auxílio e
disse: bendito sejais, Jesus; aceito, já que quereis que seja assim a minha
cruz. Na mesma inutilidade fui seguindo a montanha, a sentir sempre no meu
coração mais tristeza e dor infinita. E a continuação da inutilidade foi o
tormento da cruz. No tempo da agonia, a minha alma via o sangue divino de Jesus
sair do Seu Santíssimo Coração e regar toda a terra com tal abundância, como se
fora um chafariz. E eu, sempre na minha inutilidade, em vez de me aproveitar
dele, recusei-me a recebê-lo. Quando o sangue caía, eu, por querer, teimava a
esconder-me dele. mergulhava-me num mar de misérias e de podridão. Sobre tal
podridão, o sangue de Jesus caía, mas não penetrava em mim. Assim expirei nesta
inutilidade, separada do Senhor. Por algum tempo continuou esta separação, numa
morte total. Jesus veio ressuscitar-me e encheu-me da Sua vida e disse-me :
― “Alerta,
alerta, escutai, escutai : Jesus desceu do Céu e vem falar no seu tabernáculo,
doce morada, deliciosa morada ! Escutai, estai alerta, escutai: quem vai falar é
Jesus, é Ele que vai pedir, é o mendigo do amor. Jesus tem sede das vossas
almas, Jesus quer possuir os vossos corações. Quero corações puros, quero
corações de amor. O mundo, os pecadores, estão cegos. O mundo, os pecadores,
estão cegos e surdos à voz do Senhor ; escutai, é o mendigo divino, é Pai que
vos ama, é Pai que vos quer. Deixai o pecado, deixai o pecado e as falsas
ilusões do mundo. Fiz-me vosso irmão, fiz-me como vós, vivi como vós, morri numa
cruz, para vos dar o Céu. E, em troca, qual a recompensa que recebeu o meu
Divino Coração ? Numa lança, a renovação da minha Paixão, ingratidão contínua !
O meu peito foi rasgado, o coração trespassado. Foi assim, no alto do Gólgota, o
mesmo continua a ser a cada momento”.
― Já
vi tudo, Jesus, já vi tudo, meu Amor, não quero ver mais. Sou eu com certeza,
com as minhas maldades. O cabo da lança está nas minhas mãos. Sou eu a lancear
continuamente o Vosso Coração Divino. Ainda tive coragem, Jesus, de colocar na
Vossa sacrossanta cabeça o capacete de espinhos! Ai, Jesus, como corre o sangue,
como corre o Vosso sangue divino com toda a abundância! Vós já não sois Jesus,
sois um cadáver de dor e de amor, e eu um cadáver de pecado e crueldade. Não
quero ver mais, Jesus; o meu coração, fraco como é, não pode com tanta dor.
― “Não
és tu, minha filha, não; tu és a minha vítima; o teu quadro, a tua cena
representa a do pecador. É o mundo, são milhões, milhões, milhões de pecadores.
O pecado não cessa, o incêndio de vícios, as ondas de maldades subiram, subiram,
atingiram toda a altura. Eu chamo do coração, falo pelos lábios da minha esposa,
da florinha eucarística. Não pequeis mais, não pequeis mais, vinde a Jesus que
vos chama, que vos quer, anseia e por vós suspira. O mundo não escuta a voz do
Senhor; os pecadores não temem as terríveis ameaças do Meu Eterno Pai; a justiça
vai puni-los; mesmo castigando, é sempre o meu amor, o meu amor infinito. Vinde
a Mim, vinde a Mim, assemelhai-vos ao Meu Divino Coração. Segui os caminhos de
Jesus, segui os caminhos das mortificações, dos espinhos. São eles que vos
conduzem ao Céu. Minha filha, minha filha, avante, avante na tua missão, avante,
avante na salvação das almas. Avante, avante, a espalhares as minhas divinas
graças, os tesouros do Meu Divino coração. Vem, minha filha, vem receber a gota
do Meu divino sangue. Dois corações num só coração, e a gotinha do sangue
passou. Passou do Coração Divino de Jesus para o coração da Sua esposa, que é a
vida, força, paz e amor. Coragem, minha filha, coragem a tua cruz é vitoriosa;
coragem, coragem, farol luminoso. Coragem, coragem, tens toda a vida de Jesus.
Vives a vida de Jesus. Fica em paz e dá a minha paz. Não cesses, minha filha,
não cesses, brada sempre. Jesus está triste, Jesus está triste, reconciliai-vos,
reconciliai-vos e emendai-vos. O Eterno Pai vai castigar”.
― Obrigada,
meu Jesus. Lembrai-Vos de todos os filhos Vossos. Lembrai-Vos das minhas
intenções. Ficai comigo para sempre, Jesus.
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