AGOSTO
Não posso, é
impossível resistir a tanta fome e a tanta dor, a não ser sempre Jesus, o
vencedor de todas as coisas, a resistir em mim. Tenho fome de me dar, de me dar
toda, inteiramente. Tenho fome de possuir, mas não é qualquer coisa. Quero
possuir todos os corações da humanidade inteira. Mas ah ! esta fome não é minha.
Todo este sentimento insaciável de me dar e possuir não é meu, é um não sei quê
infinito. Este dar dá-se inteiramente e vai penetrar tudo; dá-se com toda a
grandeza e dá-se com toda a pureza e amor, dá-se com toda a essência, é um dar
divino, é a essência de Deus. Esta fome de possuir tem a mesma infinidade, quer
possuir em si tudo aquilo que lhe pertence, quer possuir em si aquilo que quer
com a mesma grandeza, com a mesma vida e o mesmo amor. Duas vidas num só ser.
Fala, fala, minha ignorância, no nada que sabes dizer, diz tudo o que é de
Jesus. Tenho ânsias de que a minha ignorância, muda, falasse sempre. Tenho
ânsias de que a minha cegueira, as minhas trevas pavorosas se transformassem só
em luz para toda a humanidade, ainda que só eu, só todo o meu ser, ficasse para
sempre no medonho abismo das minhas trevas. Estou certa, confio, creio cegamente
que Jesus e a Mãezinha, em todos os momentos da minha vida, de dia de noite,
hão-de vencer em mim e me conduzem pela mão ao porto da salvação. Parece-me que
não só sinto a toda a gente, como sinto a mim mesma. Os sentimentos da minha
alma não condizem em nada com o que eu digo. Mas espero na graça do Senhor que
só digo a verdade. Jesus é o meu tudo, é a causa do meu viver. Não me importo
dos meus sentimentos, nem da minha inutilidade. É a minha cruz, eu a abraço; é o
meu Calvário, eu o amo. A minha inutilidade rouba-me tudo sem eu compreender nem
ver o que possuo, mas eu, sempre agarrada em espírito aos braços de Jesus e de
Maria, a sentir que Eles não me querem pela imensidade dos meus crimes e
misérias, não Os largo e digo-Lhes : “Sou tua, Jesus, sou vossa, Mãezinha, e de
Vós nem o mundo nem o inferno me podem arrancar”. Tenho punhais e espinhos tão
dolorosos a atravessarem-me e a cercarem-me o coração ! Sofro em silêncio, sem
mostrar estas feridas. O Céu as vê, o Céu é a minha força. Sinto por muitas
vezes o peso da justiça do Senhor a esmagar-me contra a terra. A terra, a
podridão, a miséria, sou eu, sou só crimes, toda crimes. Jesus chora e sofre
infinitamente ao ver-me assim tão miserável no caminho da perdição. Ontem vivi o
pensamento do Horto; recordava-o, ora agora, ora logo, mesmo sem a minha própria
vontade, submetida sempre à inutilidade. Ao cair da tarde, sobreveio-me um
grande sofrimento, a dolorosa reparação que Jesus por vezes me pede. A
princípio, fez-me o meu Amado compreender a classe por quem ma exigia. Meu Deus,
meu Deus, como sois tão ofendido ! Em seguida, nova visão e fez-me saber que era
por toda a humanidade. Eu era toda inferno, só vivia do inferno. O inferno e os
vícios, o inferno e a nojenta podridão eram todo o meu ser. Enfrentei com o
Horto. Vi tudo, o Céu e a terra, a inocência de Jesus e a nossa maldade, o Seu
amor e as nossas ingratidões. Fui novamente esmagada com todo o peso da justiça,
da justiça do Eterno Pai. A minha noite foi Horto e Calvário. Nesta manhã, segui
o caminho da montanha. Por um lado fugia dele, envolta só na inutilidade e, por
outro, caminhava envolvida com Jesus. Sobre Ele pousava o madeiro da cruz. O seu
Santíssimo corpo, todo chagado, derramava sangue; os seus Divinos Olhos vertiam
copiosas lágrimas. Tudo isto passava pelo meu coração, que sofria a dor de
Jesus. Ofegante, desfalecido, caiu junto à cruz, no mesmo lugar onde foi nela
crucificado. Eu fugi sempre d’Ele e ao mesmo tempo com Ele me deixei crucificar.
Nas três horas de agonia fiquei sempre a sentir os sofrimentos de Jesus e ao
mesmo tempo separada d’Ele. A inutilidade colocou-me ao longe, muito ao longe.
Contudo, o sangue das feridas, dos espinhos corria com abundância. As dores eram
insuportáveis, a dor do coração infinita ! Num brado verdadeiramente profundo e
doloroso, Jesus agonizou, e eu com Ele entreguei ao Céu o meu espírito. Jesus
não levou muito tempo a dar-me novamente a vida perdida. Deu-me a Sua luz, a Sua
força e falou-me assim :
— “Apressai-vos,
apressai-vos a deixar o mundo com as suas falsas lisonjas. Apressai-vos,
apressai-vos a amar a Jesus, a sofrer por Jesus, a dar a vida por Ele, se
preciso for.
O mundo, o mundo, o
pobre mundo, espera-o a vingança, a ira do Senhor. Minha filha, minha filha,
quantas vezes, por quantas formas, convidei os pecadores a virem a mim, a
arrepiarem caminho. Minha filha, minha filha, nos teus lábios estão os lábios de
Jesus. No teu coração, o Seu coração, com todas as riquezas, sentimentos e Seus
desejos.
Tu és, minha filha,
a esposa amada de Jesus, filha predilecta do Eterno Pai. Tu és a mensageira do
Senhor, a porta-voz de Jesus a ecoar no mundo inteiro. O mundo não atende, os
pecadores estão endurecidos. O meu divino Coração, o meu Coração de Pai está
triste, muito triste. Chamo, convido, não é aceite o meu convite. Chamo, quero
perdoar. Os pecadores, o mundo inteiro não aceita o meu perdão. Ó minha filha,
tantos crimes! Que onda de crimes, que incêndio de vícios! O fogo ateou-se. Só o
orvalho da dor, o sangue da imolação o podem apagar. Está triste, muito triste,
tristíssimo, o Coração Divino de Jesus. Quero amar, quero amar, quero ser amado,
quero ser amado! Amo e quero reinar! Reinar nos corações e nas almas. Triunfar
no mundo inteiro, dum pólo ao outro do mundo.
Vinde a Mim,
corações frios, vinde a Mim, corações empedernidos! Vinde aquecer-vos, vinde
incendiar-vos na fornalha ateadora do meu Divino Coração! Vinde aquecer-vos,
vinde modelar-vos no divino modelo que é Jesus !”
— Ó Jesus, ó meu
querido Amor, se eu pudesse arrancar do Vosso divino Coração essas chamas! Se eu
pudesse introduzir em todos os corações esse amor puro, esse amor fortíssimo !
Com certeza, Jesus, com tal alegria, com tal consolação esquecia-me de que
sofria. É bem doce, Jesus, é bem doce sofrer por Vós. Mas custa tanto viver e
sofrer na inutilidade! Custa mais, meu Jesus, muito mais viver na inutilidade do
que na incompreensão. Não me importa, meu Senhor, não ser compreendida. Vós
compreendeis todo o meu viver e sabeis que é por Vós. Mas na inutilidade, vejo
tudo perdido. Até Vós, meu Jesus, até Vós estais perdido para mim.
— “Coragem, minha
filha, e dá coragem aos que dela necessitam! A tua vida incompreensível, a tua
vida dolorosa, a tua vida que é só de espinhos foi escolhida por mim. Para
grandes e inigualáveis crimes, tinha de se grande, muito grande e inigualável a
reparação. O mundo nunca pecou com tanta gravidade. No mundo nunca foi precisa
reparação de tal ordem. Confia. Confiai. São meios de que o Senhor Se serve para
a salvação das lamas. É o amor de Jesus; é a loucura do amor de Jesus pelas suas
queridas almas, pelo preço do seu sangue.
Vem, minha filha,
vem agora receber a gota do meu divino Sangue. Pelo tubo dourado que introduzi
no teu coração passou a gotinha do Sangue divino. Passou o Sangue que correu nas
minhas veias, que Eu trouxe do ventre de minha bendita Mãe. Passou a vida de que
vives. Passou o amor, a graça, a força que te fortalecem.
Coragem, coragem,
minha filha, na tua cruz! Sê sempre heroína na reparação que te peço. Não Me
ofendes, não Me ofendes. Jesus vela na escolha dos teus caminhos. Escolhi-os,
velo, amparo-te para que neles triunfes”.
— Obrigada, meu
Jesus. Não quero separar-me de Vós sem Vos lembrar todos os que me são queridos,
todos os que são meus, todos os que se recomendam e por fim o mundo inteiro,
todo inteiro. Ficai comigo na minha dor, nas minhas trevas.
Foi na inutilidade,
na dor e nas trevas, que hoje esperei a vinda do meu Jesus. Muito sofro, mas
muito ansiava a Sua chegada. Não posso viver sem este doce Amor. Este veio, deu
entrada no meu pobre coração, e pouco depois eu já era outra. Com um abraço de
Jesus, que nos uniu profundamente e ligou os nossos corações, fiquei iluminada,
senti uma nova vida. Passámos uns momentos nesta santa união. E, pouco depois, a
Sua voz divina fez-se ouvir assim no meu coração :
— “É bem íntima e
será eterna a nossa união e o nosso abraço. Felizes, ditosos momentos divinos,
momentos da alma com o seu esposo. Minha filha, minha filha, florinha de Jesus,
tu és, filha querida, o canal por onde passam as graças do meu Divino Coração,
por intermédio da minha Bendita Mãe. Passaram de mim para Ela, d’Ela para ti e
de ti para o mundo. Ai do mundo, pobre mundo! Pobres pecadores, se em tanta
abundância não tinham recebido as minhas graças ! Avante, avante, sofre,
depositária das ternuras do Céu! Coragem, coragem, minha filha, nada negues ao
meu Divino Coração. Avante, avante, sempre forte e vitoriosa na tua missão
nobilíssima, para a qual te criou o Céu, te escolheu Jesus. O mundo, o mundo, os
pecadores exigem a tua cruenta reparação, exigem a tua imolação contínua. Diz,
minha filha, ao teu Paizinho que os corações puros e mais amados de Jesus foram
os escolhidos para reparar e aplacar a Majestade Divina, nos momentos dos crimes
mais graves. Diz-lhe que o meu Divino Coração o escolheu para os caminhos mais
árduos e mais difíceis. Diz-lhe que não sou eu, mas o mundo presente que assim o
exige. E para tais caminhos só pude escolher os corações mais puros, as almas de
elevada perfeição. Dá-lhe, dá-lhe todo o meu amor, a maior infusão de amor, com
toda, toda a abundância da minha paz. Diz, diz ao teu médico que a minha alegria
e consolação cresce, aumenta na sua firmeza, na sua luta, em defesa da minha
divina cruz. Diz-lhe que avance, sempre firme no seu posto, na sua missão pelo
Céu escolhida. Como recompensa tem o amor, todo o amor de Jesus e Maria, toda a
protecção para ele e para os seus, como a chuva abundante, com todas as bênçãos
e graças sobre o seu jardim perfumado e florido.
Vem, minha Bendita
Mãe, vem fortalecer, vem acariciar a nossa filhinha, continuamente isolada pelos
pecados do mundo. Vem, ela repara com o maior heroísmo os Nossos Corações tão
feridos, os Nossos Corações tão chagados”.
— “Vem, minha
filha, esposa do Meu Jesus, vem, minha filha, florinha eucarística, descansar,
aqui inclinada ao Meu Santíssimo coração. Eu sou a Mãe de Jesus e sou tua mãe.
Velo por ti, cuido de ti, como de nenhuma outra filha. Se tu soubesses como eu e
Jesus te amamos! Se tu soubesses quanto os Nossos Corações te querem ! Anima-te,
tem coragem no teu doloroso Calvário. É semelhante ao Meu. Alegra-te por Jesus
que tanto te quer assemelhar a Nós. O Coração Divino de Jesus e o Meu estão
tristes, muito tristes, a sangrar. São tantos, tantos os crimes, tantas as
iniquidades! Vês, compreendes este conjunto de maldades ? Vês, compreendes
quanto temos que sofrer ?... O Eterno Pai tem que castigar ! O mundo, os
pecadores têm que ser punidos. Dá-Nos, dá-Nos com alegria toda a reparação
pedida. Estás pronta, florinha perfumada ? Estás pronta, pombinha branca que
sempre esvoaças do Coração de Jesus para o Meu ? É n’Eles sempre que tu
habitas”.
— Estou pronta,
Jesus, estou pronta, Mãezinha, estou pronta a sofrer tudo, mas não vos quero
ver, nem quero saber que Vós sofreis. Não tenho coração para Vos ver sofrer
mais. Dai-me as graças e as graças precisas e mandai-me tudo quanto Vos
aprouver. Lembrai-Vos, Mãezinha, lembrai-Vos, Jesus, de todas as minhas
intenções. Sede no meu coração. Estão aqui. Perdoai ao mundo, perdoai ao mundo.
— “Recebe, minha
filha, dos lábios de Jesus, dos lábios de Maria e vai dar tudo o que recebeste;
vai dar tudo, vai dar tudo. É bálsamo para ti, é conforto para ti. É bálsamo,
conforto, paz e amor para por ti espalhado por toda a humanidade. Coragem, minha
filha. Vai em paz. Jesus te ordena. Coragem! Recebe o abraço de Maria, recebe o
abraço de Jesus. Estreitamos-te os dois nos Nossas Corações Divinos. Coragem,
coragem !”
— Obrigada, Jesus,
obrigada, Mãezinha !
Sinto que levei e
levo a vida inteira, fazendo o mal, pensando como e onde hei-de ofender a Nosso
Senhor. Parece-me que não vivo senão na podridão e para o pecado. A minha vida é
vergonhosa, dia e noite desafio a justiça do Senhor. Toda a humanidade se
eclipsou, as densas trevas são as mais pavorosas. Parece que a justiça do Céu
faz tremer toda a terra. Parece que estou num leito de espinhos, mas este é tão
grande que enche toda a humanidade. Os espinhos, tão variados, penetram e ferem
todo o meu ser ; parece-me que nem a alma fica intacta ; até esta sangra,
sangra, mergulhada num universo de dor. É infinita esta dor, é sobre-humana.
Compreende-o bem, Jesus faz-me sentir. Se não fosse Ele a sofrer, a subir o meu
calvário, o que seria já de mim ? Tinha sem remédio caído no desespero. É tal a
crueldade do mundo para com Jesus, é tal a montanha dos vícios, que toca o Céu,
vai ferir o Coração Divino de Jesus. E tudo isto dentro em mim ; sou eu a cruel,
sou eu a traidora ; sou eu o carrasco infame que com todos os maus tratos
atormento o Senhor. Que contraste tão diferente entre a terra e o Céu! A terra
revolta-se contra o seu Deus, e Jesus quer dar-Se, quer perdoar, ama louca e
infinitamente. Eu sinto as Suas ânsias de amor, sinto que Ele quer possuir-me e
fechar-me no Seu Coração. E sinto como se em mim estivesse o mundo, e,
possuindo-me, fechando-me Ele a mim, possui e fecha em Si toda a humanidade. A
minha ignorância não me deixa exprimir estes ansiosos sentimentos. Se a Mãezinha
ou os Anjos falassem por mim, Jesus com certeza era mais glorificado, mais
conhecido e amado, e as almas teriam nisso muito proveito. Eu só queria que
todos compreendessem quanto Jesus nos ama, quanto Ele merece o nosso amor e tudo
o que devemos fazer e sofrer para que Ele não seja ofendido. Que pena eu tenho!
Pobre de mim ! Em tudo entra a minha inutilidade. Penoso Calvário ! Seja em tudo
feita a vontade do meu Senhor. Custa tanto abandono em que estou! Sinto desprezo
da terra e do Céu, não tenho ninguém por mim, não tenho apoio, não tenho amparo.
Abafo, escondo em mim tantas coisas ! Desabafo com Jesus e com Maria, são eles
as testemunhas das minhas lágrimas silenciosas, mesmo sem sentir o seu amor, a
sua protecção. Uma vez abandonada nos seus santíssimos o braços e terníssimos
Corações, ali fiquei para sempre, é ali que quero esperar e confiar, é ali que
eu quero, embora mergulhada no abismo dos maiores sofrimentos, que a minha alma
conserva aquela paz que só de Deus vem. O que eu não quero é, nem por sombra,
ofender o meu Jesus, embora que eu sinta quase constantemente que estou sempre a
ofendê-Lo com todo o sentimento, com todo o conhecimento da gravidade dos meus
actos.
Ontem, passei o dia
como sempre passo, na inutilidade. Surgiam-me, já e logo, pensamentos do Horto,
mas tudo sempre inútil. Estava já a ser noite, travou-se um doloroso combate, a
tremenda reparação que Jesus me pede. Precisava de desabafar, mas não desabafo.
Era eu e era em mim. E ao mesmo tempo vi as almas que assim ofendiam ao Senhor.
Meu Deus, tanta malícia! Como se podem calcar aos pés os direitos de Deus, as
coisas sagradas! Senti-me tão separada de Jesus ! Era uma distância infinita.
Mas mesmo assim, a esta distância, ouvia-O chorar, suspirar e gemer. E dizia,
sob o peso da sua dor infinita :
— “Filhos meus,
filhos meus, sou vosso Pai; tratais-Me assim ? Estou aqui nesta prisão só por
amor de vós”.
Compreendi e senti
que era do sacrário que Jesus falava. Sofri por Jesus sofrer ; sentia a sua dor:
não é uma dor como a nossa. E ao mesmo tempo, embrutecida nos vícios, sem um
momento de arrependimento, fiquei na mesma vida, a vida de pecado, vida de
podridão e miséria. Parecia irremediável a minha separação de Jesus. Tudo isto
agravou o sofrimento do Horto. Como que num painel, vi todos os sofrimentos de
Jesus. Num doloroso martírio, passei a noite.
Hoje de manhãzinha,
segui para o Calvário. A alma, a agonizar, acompanhou a Jesus; o corpo, sedento
pelas coisas do mundo, indiferente; segui por vias diferentes. Foi com todo o
custo que a alma conseguia chegar ao cimo da montanha. E ali se deixou
crucificar com Jesus, enquanto que o corpo na sua inutilidade de nada se
aproveitou. Jesus sofria, bradava e agonizava. A alma, crucificada com Ele,
compartilhava de todo o seu martírio. Jesus expirou e a alma expirou com Ele.
Passou-se algum
tempo; só o silêncio da morte reinava. Jesus veio interromper. Deu-me de novo a
sua vida, iluminou-me a alma com a sua luz e dentro do meu coração falou assim :
— “Jesus desceu do
Céu à terra, Jesus baixou e entrou no seu tabernáculo de amor. Está entre vós e
vai fala-vos do coração e pelos lábios da sua esposa e vítima.
Estou triste, muito
triste. O meu divino Coração está atravessado por duras lanças e cruéis
espinhos.
Filhos meus, vede
se sois capazes ! Vinde arrancar, vinde arrancar estes instrumentos dolorosos
que tanto me ferem. Fugi do mundo, fugi do mundo; deixai o pecado, deixai as
vaidades. Olhos no Céu, olhos no Céu, coração ao alto, amor à cruz. Tenho sede,
tenho sede de me dar, tenho sede de me dar, de a todos possuir. Reparai,
reparai ; estai atentos; desagravai o Coração Divino de Jesus. Há tanto tempo
que eu venho a pedir reparação! Há tanto tempo que eu venho a pedir emenda de
vida! Não sou atendido, não sou atendido. Nada fazem para o muito que me
ofendem”.
— Ó meu Jesus, ai,
meu Jesus, sinto que o meu coração está atravessado pelas mesmas lanças, pelos
mesmos punhais que atravessam o Vosso. (Percebeu-se grande agonia). É
justo, Jesus, que assim seja. É justo, meu Amor, que eu assim sofra. O que não é
justo, não, meu Senhor, é que o Vosso Divino Coração sofra assim!... Eu sofrer,
que sou tão pecadora, está bem, Jesus. Mas sofrerdes Vós, que sois inocente,
inocentíssimo, meu Amor… Não, não, meu Jesus.
— “Sim, minha
filha, sim, minha esposa amada. Tu sofres, porque és vítima. Mostro-te os meus
sofrimentos, para que com a tua reparação eles sejam evitados. A dor, o calvário
das minhas vítimas, evitam os sofrimentos ao meu Divino Coração. Tem coragem,
minha filha, tem coragem. Sacia a fome e sede de Jesus. Cicatriza com os teus
sofrimentos as minhas chagas. A dor, essa dor que atingiu o seu auge, é bálsamo
para o meu sofrer. Deixai o pecado, evitai o pecado. Amai o Coração Divino de
Jesus e fazei que muitos corações O amem”.
— Ó Jesus,
deixastes cair os Vossos braços santíssimos. Parece que estais desfalecido.
Desfaleci também. Parece que não tenho vida. Parece que não tenho sangue. Esse
Vosso gesto fez-me compreender. Deu toda a luz à minha alma. Estais cansado do
mundo, estais cansado dos crimes ?
— “Sim, minha
filha, estou cansado, muito cansado. E mais cansado ainda de sustentar o braço
da justiça de meu Pai. Ele quer destruir o mundo. Ele quer fazer desaparecer da
face da terra aqueles que me ofendem gravemente”.
— Não Vos canseis,
meu Amor. Perdoai sempre. Pedi ao Vosso e meu Eterno Pai perdão e misericórdia
para toda a terra culpada. Perdão, Jesus, e misericórdia pelas dores da Mãezinha
e pelos méritos da Vossa Santa Paixão. Pedi ao Eterno Pai, pedi, pedi perdão
para o mundo.
— “É com as tuas
preces, minha heroína, com os teus sofrimentos, com os sofrimentos de mais almas
vítimas, que o Céu tanto tem esperado, que o Céu tanto tem amado, que o Céu
tanto tem convidado. Penitência, oração e emenda de vida. Vem receber a gota do
meu Divino Sangue. Maravilha celeste, maravilha, prodígio divino. Pelo tubo
dourado passou a gotinha preciosíssima do meu Sangue. Passou a tua vida, o teu
alimento, a força da cruz, o heroísmo do Calvário ! Coragem, minha filha ! Vai
em paz ! Sempre alegre na tua cruz ! Vai, vai, não cesses de dizer às almas: não
pequeis, Jesus vos chama. Jesus vos quer. Coragem, coragem”.
— Obrigada, meu
Jesus. Obrigada, meu Amor. Ponho no Vosso Divino Coração todas as minhas
intenções e a humanidade inteira.
Só umas palavrinhas
para obedecer ; o meu coração não me permite mais. A morte levou-me tudo, só
tenho vida par a dor, só a inutilidade permanece em todas as coisas. Todo o meu
ser, isto é, o corpo e a alma, parece ser descarnado e desfeito a unhas de
ferro. O meu corpo, da cabeça aos pés, está como que coberto de espinhos, que o
penetram todo, deixando-o só em ferida e sangue. Estou num universo de podridão,
e tão nojenta que não pode ser vista. Crio em mim toda a espécie de vermes, em
mim se criam, e eu por eles sou comida. Meu Deus, o que se passa em mim ? Digo
que sofro indizivelmente, porque digo a verdade, não é para queixar-me. Mas
também sofro por Jesus, só por Seu amor e por amor às almas, e sem o mais
pequenino fim na mínima recompensa. Sinto por vezes, muitas vezes, uma dor
infinita, que ultrapassa toda a dor da terra, que sempre vai ferindo e faz
sangrar o Coração Amantíssimo de Jesus. A dor é grande como o Céu e leva em si
tudo quanto pode ferir o Senhor. A alma, mergulhada nesta imensidade de abandono
e de trevas, que a fazem tremer e apavorar, grita, grita, brada dia e noite, mas
o Céu não ouve, não atende, e toda a terra está morta para mim, parece que não
tem folgo vivo para me atender e se compadecer de mim. A inutilidade está sempre
presente aos meus olhos, nada existe onde ela não esteja. Mas eu lanço-me às
cegas nos braços de Jesus e da Mãezinha, falo com Eles, digo-Lhes muitas coisas,
ofereço-Lhes as minhas lágrimas, digo-Lhes que Os amo e n’Eles fico abandonada.
A minha ignorância quer falar e não sabe; também não posso. Tudo isto é dor,
tudo abraço. Ponho no Céu os olhos da minha Fé, firme nele, confio saber
esperar. Ontem, logo de manhã, senti-me presa à coluna. Quando me senti no
Horto, já tinha passado algumas horas atada a ela. Nela foi a minha alma
açoitada. Do Horto vi o Calvário e a cruz, onde ia ser crucificada, via a minha
inutilidade e ao mesmo tempo sentia uma vida que estava ligada ao Céu e tinha um
amor tão forte que para o Céu me levava. Passei a noite com muito sofrimento, a
fazer companhia a Jesus. E, nesta manhã, ainda antes de comungar, senti-me a
caminho do Calvário. A Sagrada Comunhão foi o lenitivo, foi o bálsamo para a
minha dor, foi a força para tão dolorosa viagem. Sempre acompanhada da
inutilidade, fugitiva dos caminhos de Jesus, era uma das minhas vidas, a minha
vida terrena. A outra, que era a vida de Jesus, levava a cruz e a ela ia ligada
com prisões de amor. Eram transportes de grande elevação; eram prisões, era amor
que não caminhava, mas parecia voar até ao cimo da montanha. Lá, na minha
inutilidade, fui crucificada com Jesus. Durante a agonia, enquanto o coração e a
alma bradavam, o espírito ia recordando o que se passava no Céu: o grande dia da
Assunção da Mãezinha. Pedi-Lhe que em memória da Sua coroação no Céu me coroasse
com o Seu amor, com todas as suas graças e fizesse Suas as minhas preces, que as
entregasse todas junto do trono divino. Em todo o tempo, em que Jesus agonizava,
eu andava ao longe, muito ao longe, com a minha inutilidade, enquanto que o
coração crucificado na cruz com Jesus abria-se num vulcão de fogo, dum fogo que
era só amor, amor infinito, amor divino. Este amor estava no meu coração, mas
não era a mim que ele pertencia, era o amor de Jesus. Era Ele que amava, era Ele
que se imolava e dava a vida. Ele fez a entrega ao Pai do Seu espírito. Eu
também senti como que se perdesse a vida por algum tempo. Aqueci com o Seu
calor, vivi com a Sua vida ao ouvir a Sua voz :
— “Minha filha,
minha filha, Jesus está no Céu, Jesus está no teu coração. Jesus habita neste
tabernáculo de amor, como no Céu, junto do seu Eterno Pai. Estou aqui, estou
aqui, filha querida. Hoje sou todo amor, hoje sou todo doçura. Quero
confortar-te desta forma, quero preparar-te para com mais fortaleza e heróico
heroísmo suportares muita dor, toda a dor que ao Céu aprouver dar-te. Quero
tornar-te forte, fazendo-te sentir as alegrias jubilosas do grande dia do
Paraíso. Todo o Céu está em festa e em festa está o teu coração. Tens em ti o
Céu, em ti está Deus, em toda a Sua plenitude”.
— Ó Jesus, ó Jesus,
como eu sou grande, como é grande o meu coração. É verdade, Jesus, que eu sinto
que sou o Céu, sinto até que tenho em mim o azul claro do firmamento. Vale a
pena, Jesus, vale a pena sofrer uma vida inteira para gozar estes deliciosos
momentos. O Céu, o Céu, Jesus, como ele é belo ! Oh ! Como os olhos da minha
alma vêem o que lá se passa.
A Mãezinha subiu,
subiu, foi levada pelos Anjos e por eles colocada junto do trono da Santíssima
Trindade. Outros Anjos conduziram a coroa, e a Trindade Divina A coroou.
A minha Rainha, a
minha Rainha, a minha Mãezinha, a minha Mãezinha, a minha querida Mãezinha !
Todo o Céu é festa, todo o Céu é amor, todo o Céu é só um hino! O Céu, o Céu,
como ele é lindo, como ele é belo! Como eu estou unida a tudo isto !
— Ó Jesus, parece
que estou junto do trono da Santíssima Trindade e do da querida Mãezinha. Sinto
até que estou nos Seus braços a receber as Suas carícias. O Céu, o Céu, felizes
momentos do Céu !
Ó Mãezinha, ó
Mãezinha, é nos Vossos braços que eu imploro, é mergulhada no Vosso amor e no
amor da Santíssima Trindade que eu peço, que eu imploro com toda a alma, com
todo o coração. Estou num universo infinito de paz e de amor ; é daqui que eu
brado, é daqui que eu imploro.
Ó Jesus, ó
Mãezinha, ó Pai, ó Espírito Santo, atendei, atendei às minhas súplicas, atendei
às minhas preces. Não as digo, Jesus, não as digo, Mãezinha, não as digo, minha
Trindade adorável, mas mostro-Vos o meu coração. Estão lá todas bem presentes.
Atendei, Jesus. Por aquele amor que Vos levou a levar a Mãezinha ao Céu em corpo
e alma. Atendei, atendei, pelo amor com que Vos amais nesta união divina e
bendita.
— “Sim, minha
filha, sim, minha filha, o Céu leu no teu coração, o Céu atende os teus desejos,
os teus pedidos, as tuas ânsias. Recebe a gota do meu Divino Coração. Sê forte
na dor, sê forte na cruz. Sofre, sofre; a dor é a salvação, a dor é o resgate
das almas. Coragem, coragem ; foi tudo amor ; foi tudo doçura. Mas não deixes,
não cesses de pedir : penitência, oração, emenda de vida. Coragem, coragem, vai
em paz e dá ao mundo a minha paz”.
— Obrigada, Jesus,
obrigada, Mãezinha. Obrigada, minha Trindade Divina, pelos momentos deliciosos,
pelo grande amor, pelo grande conforto que deste à minha alma.
As minhas poucas
palavras são a prova da falha das minhas forças. Estou tão doente ! Só Jesus o
sabe. Não posso obedecer melhor. Estou certa de que o meu Senhor não se
entristece com isto. É Ele que permite todo este martírio. Não posso dizer nada.
Mas o coração quer dizer tanto ! Sinto como se ele fosse por toda a parte da
terra a escrever com o seu sangue, a falar sempre e a mostrar tudo o que dentro
dele encerra. Sinto-me presa à terra, pesam sobre mim fortes forcas de ferro,
que são como universos; prendem-me à lama, à podridão nojenta. Fico em tudo
submergida. Numa hora mais dolorosa reparação, daquela reparação de que eu não
posso falar claramente, tais as circunstâncias, tal a gravidade com que se
ofende ao Senhor. Jesus, coroado de espinhos, curvou-se sobre mim, regava-me com
copiosas gotas de sangue, que caíam da Sua sacrossanta cabeça, e deixava vir de
encontro ao meu peito como que um chafariz de sangue, vindo da chaga
profundíssima do Seu Divino Coração. E, muito triste, em dolorosos suspiros,
disse-me :
— “Há quanto tempo
te chamo e não me escutas ; convido-te por todas as formas e não me atendes, não
arrepias caminho. Vê em que estado me pões. Ai de ti, o que te espera !”
Não me condoí de
Jesus, não temi as Suas ameaças. Quis continuar cegamente a minha vida
desregrada. O Horto e o Calvário foram para mim só de inutilidade. Muitos
espinhos e cruzes surgiram por todos os lados ! Nada aceitei, tudo me foi
inútil. E, ainda hoje, na viagem para o Calvário, caminhei na inutilidade, por
caminhos pedregosos, negros e secos. Mas o coração fora da minha vida seguiu a
Jesus, caminhou por terra com o Seu sangue regado; a Ele se uniu no Calvário,
com Ele se deixou na cruz crucificar. Tinha a mesma sede ardente do Seu Divino
Coração, sentia as mesmas ânsias de se entregar ao Pai e de dar a vida por todas
as almas. Com Ele tive que expirar. A morte reinou por pouco tempo. Sobreveio-me
de novo a vida e, com a luz e o amor de Jesus, ouvi o que Ele me dizia :
— “Estou bem, estou
bem entre os lírios e as açucenas. Estou bem, estou bem na terra fecunda desses
mesmos lírios. Terra que os faz crescer, terra que os faz florescer, terra que
os faz perfumar. Estou bem estou bem, minha filha. Aqui é suavizada a minha dor.
Aqui cicatrizam as minhas chagas, as chagas do meu Divino Coração e as feridas
do Coração da minha Imaculada Mãe. Sofro com Maria, minha Mãe, e Ela sofre
comigo, Jesus Seu filho. Os Nossos Corações estão unidos num só coração.
Sofremos a mesma dor, os mesmos espinhos nos ferem. Estou bem, estou bem, minha
filha, e bem está a minha Bendita Mãe. A seara é loira, oferece grande colheita,
abastada colheita. Filhos meus, filhos meus, amai, amai a Jesus, amai, amai a
Maria. Aproximai-vos, é urgente. Reparai, reparai os Nossos Divinos Corações. Ai
o mundo, ai o mundo, que tanto ofende ao Senhor ! O mundo, o pobre mundo não
pode com maior maldade desafiar a justiça do meu Eterno Pai. A hora é grave, a
hora é grave. Essa justiça aproxima-se”.
— Ó Jesus, ó Jesus,
lembrai-Vos, meu doce Amor, das almas que Vos amam, das almas que são caras.
Olhai para todos os corações sequiosos de reparação, de sofrerem tudo por vosso
amor. Em nome de tudo o que é puro, de tudo o que é santo, de tudo o que é do
Céu, pedi, Jesus, pedi ao Vosso Eterno Pai perdão, perdão e misericórdia para o
mundo. Olhai, Jesus, olhai para tudo o que é bom, esquecei o que é mau. Olhai
para os que Vos amam, esquecei os que Vos ofendem. Bem sabeis, Jesus, esquecei
os seus crimes, mas não as suas almas. Salvai-as, salvai-as a todas. São todos
filhos do Vosso sangue. Eu sou, Jesus, eu sou, meu Amor, a Vossa vítima, sempre
a Vossa vítima até ao fim do mundo, se assim Vos aprouver. Ó Jesus, ó Mãezinha,
vejo os Vossos dulcíssimos e amantíssimos Corações, vejo-Os sem nenhum,
ferimento. Vejo as Vossas mãos divinas e as mãos da Vossa querida Mãezinha a
abençoar-me. Mas compreendo, porque me fizeste compreender, que estas bênçãos
não são para mim. Estou contente, estou contente, quero para todas as almas o
que quero para mim. Quero que as ameis tanto, como eu desejo ser amada.
— “Sabes, minha
esposa querida, porque vês sem ferimento os nossos corações? Foi a tua
reparação, foi a tua oferta. É o teu amor louco por Jesus, por Maria, pelas
almas. As bênçãos foram para ti, para que as espalhes. Foram para todos quantos
te rodeiam, para que cresçam na graça, na pureza e no amor”.
— Obrigada, meu
Jesus, obrigada, Mãezinha, mas eu quero mais uma vez ver as Vossas Santíssimas
Mãos levantadas a abençoarem toda a terra, todas as almas, todos os corações do
mundo inteiro, justos e pecadores, católicos e infiéis. Todos são Vossos filhos,
Jesus. Todos são Vossos, Mãezinha. São filhos do Vosso sangue, Jesus ; são
filhos das Vossas dores, Mãezinha. Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha. Que elas
se espalhem, que elas chovam em toda a humanidade como chuva torrencial.
— “Vem, minha
louquinha, vem florinha eucarística, recebe a gota do meu Divino Sangue. Uni ao
teu coração o tubo riquíssimo, o tubo doirado, o tubo das minhas maravilhas. Por
ele fiz passar a gotinha do meu Sangue Divino. É o teu alimento, já corre nas
tuas veias. Vives do corpo e do sangue de Cristo. Vives a vida de Cristo. Vives
o Calvário de Cristo. És a continuadora da obra de Cristo, da obra redentora, da
obra de salvação. Coragem, coragem, minha filha, minha vítima amada. Fica na tua
cruz. Dá a Jesus toda a reparação, a mais dolorosa reparação. Coragem, coragem,
brada ao mundo, brada ao mundo: convertei-vos, convertei-vos, pecadores. Não
pequeis mais, não pequeis mais, vinde a Jesus. É Ele quem vos chama. Vai em paz,
minha filha, esconde a tua dor, esconde-a no teu sorriso”.
— Obrigada, Jesus,
obrigada, Mãezinha.
Toda a minha vida
foi extraviada, de passos errantes. Toda a minha vida foi uma contradição e
revolta contra o Céu. Sinto como que se nunca amasse o Senhor. Eu não posso
falar, porque as forças faltam-me, o sofrimento sufoca-me, tira-me a vida que
sinto como se não fora vida. Mas o meu coração e a minha alma sentem como que
infinita necessidade de se queixarem e mostrarem quanto estão feridos, de
fazerem compreender a dor que os punge e os faz sangrar. Quero esconder-me e
quero esconder a dor que os punge e os faz sangrar. Quero emendar-me e quero
esconder a dor. E ao mesmo tempo estou como se o coração esteja aberto, a
mostrar, como se fora um painel, todas as feridas e a gravidade com que foi
ferido. Quero viver escondida e ao mesmo tempo queria que este painel fosse
posto, pudesse ser visto por todos os olhares humanos, para se compadecerem de
mim. Ai, a minha ignorância, que não me deixa falar ! Ai, a minha inutilidade,
que não me deixa seguir os caminhos de Jesus, nem ser útil ao seu serviço! Pobre
da minha alma, que brada, esmagada sob o peso da dor. Que tormento pavoroso ! A
minha sede é ardente. Tenho sede de todos os corações, tenho fome de toda a
humanidade. Só a dar-me, a dar-me infinitamente e a possuir imensamente é que eu
estou bem. Só assim eu podia dizer : amo e sou amada ; amo e é-me retribuído
amor. Tenho olhos que penetram a terra, o Céu e o inferno. Vêem tudo, conhecem
tudo. E tenho outros que só vêem o mundo, só vêem o pecado, com todos os seus
instrumentos e maldades. O meu coração, na superfície, só isto quer: a loucura e
o prazer. No íntimo, muito no íntimo, só quer amar a Jesus com a maior loucura
de amor, nunca, nunca ofendê-Lo e dar-Lhe todas as almas. A inutilidade rouba-me
todos os desejos, todas as ânsias, tudo o que é bom. Ontem, passei o dia a
sentir no meu corpo todas as feridas de Jesus. Até o rosto estava chagado e a
cabeça coroada de espinhos. À noite, fiquei envolvida no solo do Horto, como se
fosse num manto. Este manto cobriu-me o exterior e o interior. Todo o meu ser
ficou Horto, todo o meu ser ficou sangue. Veio a revolta, separei-me do sangue
do Senhor. Entrou aqui a inutilidade ; na minha revolta, avancei como que se
fosse a mais alta montanha. Na minha inutilidade, fiquei separada de Jesus, como
que por uma pavorosa barreira. Durante a noite, estive por vezes na prisão com
Jesus, mas depressa fugia pelos caminhos da inutilidade. De manhã, segui para o
Calvário. Era eu e não era eu. Duas vidas eu tinha; uma seguia para o Calvário,
outra, o mundo inútil. Louca pelo pecado, tive uma tremenda luta. Dizia a Jesus:
não quero pecar. E pedia à Mãezinha que oferecesse a Jesus a minha reparação por
aqueles que O ofendiam com alegria e prazer. De repente, senti que saiu de
dentro de mim Jesus, todo chagado; levava a cruz aos ombros e dizia :
— “Deixo-te, porque
me expulsaste, crucificaste-me dentro do teu coração”.
A um forte ruído,
senti que todos os demónios vinham a arrastar-me para o inferno. Alguém se
atirou a mim, apertou-me em seus braços com todo o amor, junto ao seu coração.
Segui a Jesus até ao cimo do calvário e com Ele fiquei na cruz, crucificado.
Sofria, gemia, bradava com Ele. O meu coração formava no d’Ele um só. A dor, que
sentia Jesus, sentia-a o meu também. Não sei o que foi. Senti um impulso tal que
me pareceu desprender dos braços da cruz, para abençoar toda a humanidade. E o
coração abriu-se num abismo infinito de amor e de perdão. Assim entreguei ao Pai
o meu espírito. Reinou por um bom espaço de tempo o silêncio da morte. Jesus
fez-me viver com a Sua vida. O Seu calor aqueceu-me, a Sua luz iluminou-me, e a
Sua Divina Voz fez-se ouvir no meu coração :
— “Jesus está
triste. Os Seus suspiros abafam-Lhe a voz ; Jesus está triste, muito triste,
minha filha. É dentro do teu coração que Ele vai desabafar, contar-te as Suas
mágoas. Tenho o peito rasgado, o Coração trespassado, as lanças não cessam. O
Meu Divino Sangue corre, corre com toda a abundância. O mundo é ingrato, é
cruel. Os pecadores cegos pelas paixões cravam-me lançadas, punhaladas sem
conta. Dia e noite sou ferido, a cada momento crucificado. Ó minha filha, ó
minha filha, atende ao teu Jesus. Dá, dá a reparação pedida. Enxuga, esposa
minha, enxuga as minhas lágrimas. Cura com o bálsamo da tua dor as chagas do Meu
Divino Coração. Diz-Me, repete-Me constantemente : amo-Te, Jesus. Sou a tua
vítima. Bradei, bradei ; pedi pelos teus lábios penitência e emenda de vida.
Pedi, pedi tantas vezes para não ser ofendido. Os pecadores não cederam,
continuaram a sua vida de crimes, a onda desregrada das paixões. As almas tíbias
não se afervoram. Aquelas almas, que Me amavam, pararam no seu amor. Estou
triste, estou triste, minha filha. É grande, é infinita a minha tristeza, a
minha dor”.
— Ó meu querido
Jesus, que posso eu fazer, meu amor ? Onde posso eu encontrar a alegria para Vos
dar? Como posso eu ter bálsamo para as Vossa feridas, na minha inutilidade? A
que porta, meu Jesus, vieste bater! Em que coração entraste, meu doce Amor ! Não
sois Vós a sabedoria infinita ? Não víeis Vós a minha pobreza e miséria ?
Lembrei-me, agora, Jesus; deixai-me ir ao Céu. Deixai-me trazer de lá todo o
amor dos santos, anjos, arcanjos e querubins. Deixai-me, permiti, Jesus, que Vos
dê todo o amor da Santíssima Trindade e da Mãezinha querida. Só assim eu posso
dizer: Jesus, Vós sois amado; eu amo-Vos em nome de todo este amor.
— “Eu aceito, minha
filha. Eu aceito tudo como se assim fora. Eu aceito todo o amor do Céu que me
queres oferecer. Mas quero mais, sempre mais a tua dor. Eu imolo-te,
crucifico-te, eu permito que recebas toda a variedade de espinhos. Não pareço o
Pai, não, minha filha ; pareço para ti um carrasco. Como muito te amei, muito te
assemelhei a Mim. Amei-te e amo-te com o maior amor. Assemelhei-te a Mim no mais
alto grau de imolação e de dor. Muito te amei, muito esperei e espero de ti.
Para a mais sublime missão te escolhi. Vem, minha filha, vem receber a gota do
Meu Divino Sangue. Introduzi no teu coração o tubo doirado. A ele estão ligados
os nossos corações. Passou a gotinha do sangue divino. Passou a abundância do
Meu amor. Pelo mesmo tubo passa para Mim, para o Meu Divino Coração, o teu amor,
a tua generosidade, a tua aceitação de vítima. Vítima generosa, vítima heróica,
vítima louca pelo serviço de Jesus, pela salvação das almas. Vai em paz, minha
filha, sofre, sofre. Não negues a Jesus a tua dor. Dá-me sempre, sempre com um
sorriso. Fica na cruz, fica na tua inutilidade. É ela que dá utilidade a tantas
almas perdidas. Coragem, coragem, minha filha. A tua cegueira é luz. A tua
inutilidade é útil, a tua morte é vida. Coragem, coragem. Brada, brada : ó
mundo, ó mundo cruel, ó mundo pecaminoso, deixa de ofender a Jesus, converte-te
depressa, vai amar o Seu coração”.
— Obrigada,
obrigada, meu Jesus. Lembrai-Vos de todos os meus pedidos, compadecei-Vos do
mundo inteiro. Perdoai, Jesus, perdoai sempre. Se eu pudesse, se eu soubesse
mostrar ao mundo, a todos os corações, a todas as almas, quanto as amais !
Obrigada, meu Jesus, o Vosso amor encheu-me, aqueceu-me, deu-me força. |